Erving Goffman
RITUAL DE INTERAÇÃO Ensaios sobre o comportamento face a face
(/i EDITORA Y
VOZES
Com Ritual de interação a Editora Vozes traz ao leitor brasileiro mttis um livro importante do sociólogo canadense Erving Goffman. Por meio de seus seis ensaios temos uma análise notável dos fatores que influenciam nosso comportamento e formam nossa identidade quando estamos em contato com outras pessoas. A principal realização de Goffman talvez seja expor com clareza, e um fino senso de ironia, várias noções que temos sobre nós mesmos e sobre os outros ao nosso redor, mas que normalmente seríamos incapazes de enunciar, ou mesmo de perceber conscientemente. Assim, sua leitura tem um efeito potencialmente transformador e enriquecedor- depois de ler Goffman, é impossível encarar o mundo social como fazíamos antes. Nossa perspectiva é alterada, e para melhor.
/bEDITORA Y VOZES Uma vida pela bom livra
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9 788532 640970
Coleção Sociologia
Coordenador: Brasilio Sallumjr. - Universidade de São Paulo Comissão editorial: Gabriel Cohn-Universidade de São Paulo Irlys Barreira-Universidade Federal do Ceará José Ricardo Ramalho-Universidade Federal do Rio dejaneiro Marcelo Ridenti-Universidade Estadual de Campinas Otávio Dulci-Universidade Federal de Minas Gerais
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- A educação moral
Émile Durkheim
- A pesquisa qualitativa-Enfoques epistemológicos e metodológicos W.AA -Sociologia ambiental john Hannigan -O poder em movimento-Movimentos sociais e confronto político Sidney Tarrow -Quatro tradições sociológicas Randall Collins -Introdução ã Teoria dos Sistemas Niklas Luhmann -Sociologia clássica- Marx, Durkheim e Weber Carlos Eduardo Sei! -O senso prático Pierre Bourdieu -Comportamento em lugares públicos-Notas sobre a organização social dos ajuntamentos Erving Goffman -A estrutura da ação social-Vols. I e II Talcott Parsons - Ritual de interação-Ensaios sobre o comportamento face a face Erving Goffman
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Goffman, Erving Ritual de interação : ensaios sobre o comportamento face a face I Erving Goffman ; tradução de Fábio Rodrigues Ribeiro da Silva. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. - (Coleção Sociologia) Título original: Interaction ritual : essays on face-to-face behavior ISBN 978-85-326-4097-0 l. Interação social I. Titulo.
ll-02684
CDD-302 Índices para catálogo sistemático:
l. Interação social : Sociologia
302
Erving Goffman
Ritual de interação Ensaios sobre o comportamento face a face
Tradução de Fábio Rodrigues Ribeiro da Silva
• EDITORA Y VOZES Petrópolis
© 1967 by Erving Goffman Título original inglês: Interaction Ritual- Essays on face-to-face behavior Publicada nos Estados Unidos pela Pantheon Books, uma divisão da Random House, Inc., Nova York, e simultaneamente no Canadá pela Random House of Canadá Limited, Toronto. Obra publicada originalmente pela Doubleday &: Company, Inc. Direitos de publicação em língua portuguesa:
2011, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 25689-900 Petrópolis, RJ Internet: http://www.vozes.com.br Brasil Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.
Diretor editorial Frei Antônio Moser
Editores Aline dos Santos Carneiro José Maria da Silva Lídio Peretti Marilac Loraine Oleniki Secretário executivo João Batista Kreuch
Editoração: Dora Beatriz V. Noronha Projeto gráfico: AG.SR Desenv. Gráfico Capa: Célia Regina de Almeida Juliana Teresa Hannickel ISBN 978-85-326-4097-0 (edição brasileira) ISBN 0-394-70631-5 (edição norte-americana)
Editado conforme o novo acordo ortográfico.
Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda.
Permissões e agradecimentos
"On Face-Work: An Analysis of Ritual Elements in Social Interacti on" [ "Sobre a preservação da fachada: uma análise dos elementos ri tuais na interação social" ] foi reimpresso com permissão de Psychi atJy: journal for the Study of Interpersonal Processes , vol. 18, n. 3, ago ./1955, p. 213-231. Copyright ©1955 da William Alanson Whi le Psychiatric Foundation Inc. "The Nature of Deference and Demeanor" [ "A natureza da deferên cia e do porte" ] foi reimpresso com permissão de American Anthro pologist, vol. 58, jun./1956, p. 473-502. Copyright ©da American Anthropological Association. Todos os direitos reservados. "Embarrassment and Social Organization" [ " Constrangimento e or )!;anização social" ] foi reimpresso com permissão de The American .foumal of Sociology, vol. 62, n. 3, nov./1956, p. 264-274. "Alienation from Interaction" [ "Alienação da interação" ] foi reim presso com permissão de Human Relations , vol. 10, n. 1, 1957 , p. H-59. "Mental Symptoms and Public Order" [ "Sintomas mentais e a or dem pública" ] foi reimpresso com permissão do Walter Reed Army lnstitute of Research. "Where the Action ls" [ "Onde a ação está" ] foi preparado com a ajuda de um financiamento do Programa para o Desenvolvimento da juventude da Fundação Ford e do Centro para o Estudo do Di ITito e da Sociedade, Universidade da Califórnia , Berkeley, sob um li nanciamento do Escritório de Delinquência juvenil e Desenvol vimento da juventude, Administração de Bem-estar, Departamen lo de Saúde, Educação e Bem-estar dos Estados Unidos em coope ração com o Comitê Presidencial sobre Delinquência juvenil e Cri llles juvenis. Também recebi apoio do Instituto de Desenvolvi lllcnto Humano, Universidade da Califórnia , Berkeley, e do Centro
de Questões Internacionais, Universidade Harvard . Edwin Lemert forneceu críticas detalhadas , o que me deixa muito grato . Os co mentários sobre jogatina em cassinos de Nevada são baseados num estudo em progresso . O s primeiros quatro artigos foram publicados enquanto eu era u m membro d o Laboratório d e Estudos Socioambientais, Instituto Na cional de Saúde Mental, e sou grato pelo apoio do Laboratório . Pelo apoio para publicar esta coleção de seis artigos, sou grato ao Centro de Questões Internacionais, Universidade Harvard.
Sumário
Introdução, 9 1 Sobre a preservação da fachada - Uma análise dos elementos rituais na interação social, 13 2 A natureza da deferência e do porte, 51 3 Constrangimento e organização social, 95 4 A alienação da interação , 110 5 Sintomas mentais e a ordem pública, 132 6 Onde a ação está, 142
Introdução
O estudo da interação face a face em ambientes naturais ainda não tem um nome adequado . Além disso , as fronteiras analíticas do campo continuam imprecisas. De alguma forma, mas apenas de al guma forma, estão envolvidos um breve período de tempo , uma ex tensão limitada no espaço , e os eventos são restritos àqueles que de vem ser completados depois de iniciados. Há um emaranhado com plexo com as propriedades rituais das pessoas e com as formas ego cêntricas da territorialidade. Entretanto, podemos identificar o assunto em questão. Ele é a classe de eventos que ocorre durante a copresença e por causa da co presença. Os materiais comportamentais definitivos são as olhade las, gestos, posicionamentos e enunciados verbais que as pessoas continuamente inserem na situação, intencionalmente ou não . Eles são os sinais externos de orientação e envolvimento - estados men tais e corporais que não costumam ser examinados em relação à sua organização social. O exame detalhado e sistemático desses "pequenos comporta mentos" começou a se desenvolver, estimulado por estudos atuais impressionantes de animais e da linguagem, e apoiados pelos recur sos disponíveis para o estudo da interação em "grupos pequenos" e pelas psicoterapias. Um dos objetivos ao se lidar com esses dados é descrever as uni dades naturais da interação construídas a partir deles, começando com as menores possíveis - por exemplo, o movimento facial breve que um indivíduo pode fazer no j ogo de expressar seu alinhamento com aquilo que está acontecendo - e terminando com acontecimen t os como conferências de uma semana, esses mastodontes interacio nais que forçam até os limites aquilo que pode ser chamado de uma ocasião social. Um segundo objetivo é descobrir a ordem normati va que vale dentro dessas unidades , e entre elas, ou sej a , a ordem
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comportamental encontrada em todos os lugares povoados, sej am eles públicos, semipúblicos ou privados, e estej am eles sob os auspí cios de uma ocasião social organizada ou sob as coerções mais pro saicas de um mero ambiente social rotinizado 1 • Ambos objetivos po dem progredir através da etnografia séria: precisamos identificar os incontáveis padrões e sequências naturais de comportamento que ocorrem sempre que pessoas entram na presença imediata de ou tras. E precisamos enxergar esses eventos como uma questão de análise por si só , analiticamente distinta de áreas vizinhas, como , por exemplo , relações sociais, pequenos grupos sociais, sistemas de comunicação e a interação estratégica. Defende-se aqui uma sociologia das ocasiões. A organização so cial é o tema central, mas aquilo que é organizado é a mescla entre pessoas e as atividades interacionais temporárias que podem surgir a partir disso . Está em questão aqui uma estrutura estabilizada nor mativamente, um "ajuntamento social" , mas essa entidade é mutan te, necessariamente evanescente, criada por chegadas e assassinada por partidas. Os primeiros cinco artigos deste livro aparecem na ordem de sua publicação original com apenas algumas mudanças editoriais; o sexto, abrangendo quase metade do volume, é publicado aqui pela primeira vez. Eu temo que eles não sejam lá muito "botânicos" . Mas eles certamente enfocam uma questão geral que continua a ser de interesse para o etnógrafo , e que sempre terá que receber alguma consideração. Eu pressuponho que o estudo apropriado da interação não é o indivíduo e sua psicologia, e sim as relações sintáticas entre os atos de pessoas diferentes mutuamente presentes umas às outras. Ainda assim, já que são atores individuais que contribuem com os materiais mais básicos, sempre será razoável perguntar quais propriedades gerais eles precisam ter se quisermos esperar esse tipo de contribui ção deles. Que modelo mínimo do ator é necessário se quisermos dar corda nele, enfiá-lo entre seus colegas, e ver emergir um tráfego de comportamento ordenado? Que modelo mínimo é necessário se l. Eu realizei uma tentativa nesses moldes em Comportamento em lugares públicos. Petrópolis: Vozes, 20 10.
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o estudante quiser antecipar as linhas pelas quais um indivíduo, qua participante em interações, pode ser efetivo, ou então desmorona? É disso que estes artigos tratam. Uma psicologia está necessaria mente envolvida, mas ela é despojada e comprimida para se acomo dar ao estudo sociológico das conversações, provas de atletismo, banquetes, julgamentos e vagabundagem na rua. Não, então, homens e seus momentos. Em vez disso , momentos e seus homens.
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Sobre a preservação da fachada* Uma análise dos elementos rituais na interação social
Todas as pessoas vivem num mundo de encontros sociais que as envolvem, ou em contato face a face, ou em contato mediado com outros participantes . Em cada um desses contatos a pessoa tende a desempenhar o que às vezes é chamado de linha- quer dizer, um padrão de atos verbais e não verbais com o qual ela expressa sua opi nião sobre a situação, e através disto sua avaliação sobre os partici pantes, especialmente ela própria. Não importa que a pessoa preten da assumir uma linha ou não, ela sempre o fará na prática. Os outros participantes pressuporão que ela assumiu uma posição mais ou menos voluntariamente, de forma que se ela quiser ser capaz de li dar com a resposta deles a ela, ela precisará levar em consideração a impressão que eles possivelmente formaram sobre ela.
O termo Jachada1 pode ser definido como o valor social positivo que uma pessoa efetivamente reivindica para si mesma através da li nha que os outros pressupõem que ela assumiu durante um contato
'· Este capítulo foi escrito na Universidade de Chicago. Pelo apoio financeiro para l'screvê-lo, eu sou grato a uma Bolsa de Saúde Pública dos Estados Unidos (n. M702 [ 6 ] MH [S ] ) para um estudo das características da interação social dos indiví d uos, liderado pelo Dr. William Soskin do Departamento de Psicologia, Universi dade de Chicago .
Face, no original em inglês. Em português não utilizamos este termo com a co lOtação que Goffman emprega aqui, que poderia ser resumida, de forma um tanto imprecisa, como "respeito próprio" . É um termo de tradução particularmente t'omplicada, porque, como veremos no decorrer do texto , ele é usado em contextos variados com significados variados. Quando isto ocorrer, o termo original será as ·• inalado no texto [N.T.]. I.
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particular. A fachada é uma imagem do eu delineada em termos de atributos sociais aprovados - mesmo que essa imagem possa ser compartilhada, como ocorre quando uma pessoa faz uma boa de monstração de sua profissão ou religião ao fazer uma boa demons tração de si mesma 2 • A pessoa tende a experimentar uma resposta emocional imedia ta à fachada que um contato com outros permite a ela; ela catexiza sua fachada; seus "sentimentos" se ligam a ela. Se o encontro sus tenta uma imagem da pessoa que ela dá por certo há muito tempo, ela provavelmente terá poucos sentimentos sobre a situação. Se os eventos estabelecem uma fachada para ela melhor do que ela pode ria esperar, ela provavelmente se "sentirá bem" ; se suas expectativas costumeiras não forem realizadas, espera-se que ela se "sinta mal" ou "sinta-se ofendida" . De modo geral, o apego de uma pessoa a uma fachada particular, junto com a facilidade de comunicar infor mações falseadoras por ela e por outros, constitui uma das razões que fazem com que ela considere que a participação em qualquer contato com outros seja um compromisso . A pessoa também terá sentimentos sobre a fachada mantida para os outros participantes e, apesar desses sentimentos poderem ser de quantidade e direção di ferentes daqueles que ela tem para sua própria fachada, constituem um envolvimento com a fachada dos outros que é tão imediato e es pontâneo quanto o envolvimento que ela tem com sua própria fa chada. A fachada pessoal e a fachada dos outros são construtos da mesma ordem; são as regras do grupo e a definição da situação que determinam quantos sentimentos devemos ter pela fachada e como esses sentimentos devem ser distribuídos pelas fachadas envolvidas. Podemos dizer que uma pessoa tem, está com ou mantém a fa chada quando a linha que ela efetivamente assume apresenta uma imagem dela que é internamente consistente, que é apoiada por juí-
Para discussões sobre o conceito chinês de fachada, cf. os seguintes textos: CHIN HU, H. "The Chinese Conception of 'Face?" . American Anthropologist, n.s. 46, 1944, p. 45-64. YANG, M.C. A Chinese Village. Nova York: Columbia University Press, 1945, p. 1 67- 1 72. MACGOWAN, ]. Men and Manners of Modem China. Londres: Unwin, 1 9 1 2 , p. 30 1 -3 1 2 . SMITH, A.H. Chinese Characteristics. Nova York: Fel ming H. Revel! Co. , 1894, p. 1 6-18. Para um comentário da concepção de fachada dos índios americanos, cf. MAUSS, M. The Gift. Londres: Cohen &: West, 1 954, p. 38. 2.
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zos e evidências comunicadas por outros participantes, e que é con firmada por evidências comunicadas por agências impessoais na si tuação. Em tais momentos, a fachada da pessoa claramente é algo que não está alojado dentro ou sobre seu corpo, mas sim algo locali zado difusamente no fluxo de eventos no encontro, e que se torna manifesto apenas quando esses eventos são lidos e interpretados para alcançarmos as avaliações expressas neles. A linha mantida põr e para a pessoa durante o contato com ou tros tende a ser de um tipo institucionalizado legítimo . Durante um contato de um tipo particular, um participante da interação com atributos conhecidos ou visíveis pode esperar ser apoiado numa fa chada em particular, e pode sentir que é moralmente apropriado que isto aconteça. Tendo em vista seus atributos e a natureza con vencionalizada do encontro , ele terá um pequeno conj unto de li nhas abertas para ele escolher, e um pequeno conjunto de fachadas para escolher estará esperando por ele. Além disso , baseado em al guns atributos conhecidos, ele recebe a responsabilidade de possuir um número vasto de outros atributos. Seus coparticipantes prova velmente não terão consciência do caráter de muitos desses atribu tos até que ele aja , perceptivelmente, de uma forma que deprecie sua posse deles; nesse momento todos se tornam conscientes desses atributos e pressupõem que ele deliberadamente deu uma falsa im pressão de possuí-los. Assim, apesar de a preocupação com a fachada enfocar a aten ção da pessoa na atividade em curso , ela deve, para manter a fachada nessa atividade, levar em consideração seu lugar no mundo social além dela. Uma pessoa que consegue manter a fachada na situação em curso é alguém que se absteve de certas ações no passado que te riam sido difíceis de encarar com coragem [face up to] posterior mente. Além disso , ela teme perder a fachada agora em parte porque os outros podem tomar isto como um sinal de que não precisarão demonstrar consideração pelos seus sentimentos no futuro. Ainda assim, há uma limitação a essa interdependência entre a situação em curso e o mundo social mais amplo : um encontro com pessoas com as quais ela não terá mais interações no futuro a libera para assumir uma linha "altiva" que o futuro depreciará, ou a libera para sofrer humilhações que tornariam interações futuras com elas algo cons t rangedor demais para enfrentar. 15
Podemos dizer que uma pessoa está com a fachada errada quan do , de alguma forma , trazemos alguma informação sobre seu valor social que não pode ser integrada, mesmo com esforço , com a linha que está sendo mantida para ela. Podemos dizer que uma pessoa está fora de fachada quando ela participa de um contato com outros sem ter uma linha pronta do tipo que esperamos que participantes de tais situações tenham. A intenção de muitos trotes é levar uma pessoa a mostrar uma fachada errada, ou nenhuma fachada, mas é claro que também existirão ocasiões sérias em que ela se encontrará, expressivamente, não a par da situação. Quando uma pessoa sente que está com fachada, ela tipicamen te responde com sentimentos de confiança e convicção. Firme na li nha que está assumindo , ela sente que pode manter a cabeça erguida e se apresentar a outros abertamente. Ela sente uma certa segurança e um certo alívio - como também pode ocorrer quando os outros sentem que ela está com a fachada errada , mas conseguem esconder essas sensações dela. Quando uma pessoa está com a fachada errada, ou fora de fa chada, eventos expressivos estão sendo contribuídos para o encon tro , mas eles não podem ser costurados facilmente ao tecido expres sivo da ocasião . Se ela sentir que está com a fachada errada ou fora de fachada, provavelmente se sentirá envergonhada e inferior devi do ao que aconteceu com a atividade por sua causa e ao que poderá acontecer com sua reputação enquanto participante. Além disso , ela pode se sentir mal porque esperava que o encontro apoiasse uma imagem do eu à qual ela se sente emocionalmente ligada e que agora encontra ameaçada. Uma falta de apoio apreciativo percebida no en contro pode chocá-la, confundi-la e momentaneamente incapaci tá-la enquanto participante da interação. Seus modos e orientação podem cambalear, desabar e desmoronar. Ela pode ficar constrangi da e mortificada; ela pode ficar com a fachada envergonhada [sha mefaced]. A sensação, justificada ou não, que ela é percebida num estado de alvoroço pelos outros, e que ela não está apresentando uma linha utilizável, pode ferir ainda mais os seus sentimentos, as sim como sua passagem de estar com a fachada errada ou fora de fa chada para a fachada envergonhada pode adicionar mais desordem para a organização expressiva da situação . Seguindo o uso do senso
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comum, eu empregarei o termo aprnmo para me referir à capacidade de suprimir e esconder qualquer tendência de ficar com a fachada envergonhada durante encontros com outros. Em nossa sociedade anglo-americana, assim como em algumas outras , a expressão "perder a fachada" [ to los e face] parece significar estar com a fachada errada, estar fora de fachada, ou estar com a fa chada envergonhada. A expressão "salvar a fachada" 3 [to save one's face] parece se referir ao processo através do qual a pessoa mantém uma impressão para os outros de que ela não perdeu a fachada. Se guindo o costume chinês , podemos dizer que "dar fachada" [to give face] é possibilitar que outra pessoa assuma uma linha melhor do que ela seria capaz de assumir sozinha4 , esta outra, portanto, ganha a fachada dada a ela, e esta é uma das formas pelas quais ela pode ga nhar fachada. Enquanto um aspecto do código social de qualquer círculo soci
al, podemos esperar encontrar um entendimento sobre até que pon
to uma pessoa deve ir para salvar sua fachada. Quando ela assume uma imagem do eu expressa através da fachada, os outro? terão a ex pectativa de que ela atuará de acordo com essa fachada. De formas diferentes em sociedades diferentes, ela precisará mostrar respeito próprio, renunciando a certas ações porque elas estão acima ou abai xo dela, enquanto se força a realizar outras, mesmo que sej am muito c ustosas para ela. Ao entrar numa situação em que recebe uma fa c hada para manter, essa pessoa assume a responsabilidade de vigiar o fluxo de eventos que passa diante dela. Ela precisa garantir que uma ordem expressiva particular seja mantida - uma ordem que re gula o fluxo de eventos, grandes ou pequenos, de forma que qual quer coisa que pareça ser expressada por eles será consistente com sua fachada. Quando uma pessoa manifesta tais compunções, prin cipalmente por causa do dever a si mesma, falamos, em nossa socie dade, de orgulho ; quando ela o faz por causa do dever a unidades so ciais mais amplas, e recebe apoio destas unidades ao fazê-lo , falamos
I. Em portugUi > temos uma expressão que se encaixa bem com o que Goffman quer dizer com to save face: "livrar a cara" . No texto , preferi manter uma tradução lit eral para não destoar do conceito central de "fachada" [N.T.].
·1. Cf. SMITH, A.H. Chinese Characteristics. Op. cit., p. l7nl. 17
de honra. Quando essas compunções têm a ver com coisas de postu ra, com eventos expressivos derivados da forma pela qual a pessoa lida com seu corpo , suas emoções, e as coisas com as quais ela tem contato físico, falamos de dignidade, um aspecto do controle ex pressivo que é sempre louvado e nunca estudado . Seja como for, apesar de sua fachada social ser sua posse mais pessoal e o centro de sua segurança e prazer, ela é apenas um empréstimo da sociedade; ela será retirada a não ser que a pessoa se comporte de forma digna dela. Atributos aprovados e sua relação com a fachada fazem de cada homem seu próprio carcereiro ; esta é uma coerção social funda mental, ainda que os homens possam gostar de suas celas. Assim como esperamos que um membro de qualquer grupo te nha respeito próprio , também esperamos que ele mantenha um pa drão de consideração ; esperamos que ele realize certos esforços para resguardar os sentimentos e a fachada dos outros presentes, e espe ramos que ele faça isso voluntária e espontaneamente por causa de uma identificação emocional com os outros e com os sentimentos deles5 • Como consequência , ele não estará inclinado a testemunhar a desfiguração [defacement] dos outros 6 • Em nossa sociedade, cha mamos de "sem-coração" uma pessoa que consegue testemunhar a humilhação de outra mantendo impassivelmente um semblante frio , assim como aquela que consegue impassivelmente participar de sua própria desfiguração é considerada "sem-vergonha" . É claro que quanto mais poder e prestígio o s outros tiverem, mais provável será que urna pessoa demonstre consideração para com os sentimentos deles, corno su gere DALE, H. E. The Higher Civil Service in Great Britain. Oxford: Oxford Univer sity Press, 1 94 1 , p. l 26n. : "A doutrina dos 'sentimentos' foi exposta para mim há muitos anos por um funcionário civil de grande eminência com um belo gosto pelo cinismo. Ele explicou que a importância dos sentimentos varia em alto grau com a importância da pessoa que sente. Se o interesse público requer que um funcionário novato seja removido de seu posto , não é preciso tornar cuidado com seus senti mentos; se o caso envolver um vice-diretor, eles devem ser considerados cuidado samente; se for um secretário de Estado , seus sentimentos são um elemento funda mental na situação , e apenas um interesse público i rtperativo pode suplantar seus requerimentos" . 5.
6. Vendedores, especialmente mascates d e rua, sabem que, s e eles assumirem urna linha que será depreciada a não ser que o cliente relutante compre alguma coisa, o cliente pode ser capturado pela consideração e acabar comprando algo para salvar a fachada do vendedor, e impedir o que normalmente resultaria num incidente.
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O efeito combinado da regra do respeito próprio e da regra da consideração é que a pessoa tende a se conduzir durante um encon tro de forma a manter tanto a sua própria fachada quanto as facha das dos outros participantes. Isto significa que normalmente permi timos que a linha assumida por cada participante prevaleça, e que cada participante desempenhe o papel que ele pareça ter escolhido para si próprio . Estabelecemos um estado em que todos temporaria mente aceitam a linha de todos os outros 7 • Esse tipo de aceitação mútua parece ser uma característica estrutural básica da interação, especialmente da interação em conversas face a face. Normalmente é uma aceitação "prática" , e não "real" , pois ela tende a ser baseada não em um acordo de avaliações sinceras expressas candidamente, e sim em uma disposição a oferecer juízos da boca para fora, com os quais os participantes não concordam realmente . A aceitação mútua de linhas tem um efeito conservador impor t ante sobre os encontros. Quando uma pessoa apresenta uma linha inicial, ela e as outras tendem a construir suas respostas posteriores a partir dela e, num certo sentido, ficam presas a ela. Se a pessoa al terar sua linha radicalmente, ou se a linha se tornar desacreditada, o resultado é a confusão, pois os participantes estarão preparados e comprometidos com ações que não são mais apropriadas. Normalmente, a manutenção da fachada é uma condição da in t eração, e não o seu objetivo. Objetivos comuns , como ganhar fa-
7. É claro que um acordo superficial sobre a avaliação do valor social não significa igualdade; a avaliação mantida consensualmente sobre um participante pode ser hem diferente daquela mantida consensualmente sobre outro . Esse acordo também é compatível com a expressão de diferenças de opinião entre dois participantes, desde que ambos mostrem "respeito" pelo outro , orientando a expressão da discór dia de forma que ela transmita uma avaliação sobre o outro que o outro esteja dis posto a transmitir sobre si mesmo. Casos extremos são oferecidos por guerras, due los, e brigas de bar, quando ocorrem de forma cavalheiresca, pois eles podem ser conduzidos sob auspícios consensuais, com cada protagonista orientando sua ação de acordo com as regras do jogo , possibilitando assim que sua ação seja interpreta da como uma expressão de um jogador limpo em combate aberto com um oponen lt· limpo. De fato, as regras e etiquetas de qualquer j ogo podem ser analisadas como 11m meio através do qual a imagem de um j ogador limpo pode ser expressa, assim mmo a imagem de um jogador limpo pode ser analisada como um meio através do q11al as regras e etiqueta de um j ogo são mantidas.
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chada, expressar livremente nossas crenças verdadeiras, introduzir
informações depreciadoras sobre os outros, ou resolver problemas e realizar tarefas, são tipicamente perseguidos de fonna consistente com a manutenção da fachada. Estudar o salvamento da fachada é estudar as regras de tráfego da interação social; aprendemos sobre o código que a pessoa segue em seu movimento pelos caminhos e pro j etos dos outros , mas não sobre para onde ela vai, nem por que ela quer chegar lá. Não aprendemos sequer por que a pessoa está dis posta a seguir o código , pois um grande número de motivos diferen tes pode levá-la a fazer isso. Ela pode querer salvar sua própria fa chada por causa de sua ligação emocional com a imagem do eu que sua fachada expressa, por causa de seu orgulho ou honra, por causa do poder que seu estatuto presumido permite que ela exerça sobre os outros participantes, e assim por diante. Ela pode querer salvar a fachada dos outros por causa de sua ligação emocional com uma imagem deles, ou porque ela sente que seus coparticipantes têm um direito moral a esta proteção , ou porque ela quer evitar a hostilidade que poderá ser dirigida para ela se eles perderem sua fachada. Ela pode sentir que existe uma suposição de que ela é o tipo de pessoa que demonstra compaixão e simpatia pelos outros, de fonna que, para reter sua própria fachada, ela pode se sentir obrigada a ter con sideração pela linha assumida pelos outros participantes. Com preservação da fachada [Jace-work] eu quero designar as ações tomadas por uma pessoa para tornar o que quer que esteja fa zendo consistente com a fachada. A preservação da fachada serve para neutralizar "incidentes" - quer dizer, eventos cujas implica ções simbólicas efetivas ameaçam a fachada. Assim, o aprumo é um tipo importante de preservação da fachada, pois através do aprumo a pessoa controla o seu constrangimento e, assim, o constrangimen to que ela e outros poderiam sofrer por causa do seu constrangi mento . Mesmo que a pessoa que empregue ações para salvar sua fa chada não conheça todas as consequências delas, elas frequente mente se tornam práticas habituais e padronizadas; elas são como j ogadas tradicionais num j ogo , ou passos tradicionais numa dança. Cada pessoa, subcultura e sociedade parecem ter seu próprio reper tório característico de práticas para salvar a fachada. Em parte, é a esse repertório que as pessoas se referem quando perguntam como uma pessoa ou cultura "realmente" são. E, ainda assim, o conjunto 20
particular de práticas enfatizadas por pessoas ou grupos particula res parece ser retirado de um único esquema logicamente coerente de práticas possíveis. É como se a fachada, por sua própria natureza, só pudesse ser salva através de um certo número de formas, e como se cada agrupamento social precisasse fazer suas escolhas dentro dessa única matriz de possibilidades. Podemos esperar que os membros de todo círculo social te nham algum conhecimento da preservação da fachada e alguma ex periência no uso dela. Em nossa sociedade, esse tipo de capacidade às vezes é chamado de tato , savoir-faire, diplomacia ou habilidade social. Variações na habilidade social têm mais a ver com a eficácia da preservação da fachada do que com a frequência de sua aplica ção , pois quase todos os atos que envolvem outras pessoas são mo dificados, prescritiva ou proscritivamente, por considerações sobre a fachada. Se uma pessoa quiser empregar seu repertório de práticas para salvar a fachada, obviamente ela deve, em primeiro lugar, ter cons ciência das interpretações que os outros podem ter colocado sobre os seus atos, e as interpretações que ela talvez deva colocar sobre os deles. Em outras palavras, ela precisa exercer a perceptividade8 . Mas mesmo que ela perceba apropriadamente os juízos transmitidos simbolicamente e seja socialmente hábil, ela ainda precisa estar dis posta a exercer sua perceptividade e habilidade; ela deve, resumin do , ser orgulhosa e considerada. É claro que, confessadamente, a posse de perceptividade e habilidade social leva com tanta frequên ria à sua aplicação que, em nossa sociedade, termos como "polidez" c "tato" acabam não distinguindo entre a inclinação para exercer t ais capacidades e as próprias capacidades.
H. Supostamente, a habilidade social e a perceptividade serão altas em grupos cujos
111crnbros frequentemente agem corno representantes de unidades sociais mais am plas, corno linhagens ou nações, pois o jogador, aqui, está apostando com urna fa l'itada à qual os sentimentos de muitas pessoas estão ligados. Da mesma forma, po tlemos esperar que a habilidade social seja bem desenvolvida entre aqueles de alta posição e aqueles com quem estes têm relações, pois quanto mais fachada um parti l'i pante da interação tiver, maior será o número de eventos que podem ser inconsis tmtes com ela e, por isso, maior a necessidade de ter habilidade social para preve nir ou neu tralizar essas inconsistências. 21
Eu já afirmei que a pessoa terá dois pontos de vista - uma orien tação defensiva para salvar sua própria fachada e uma orientação protetora para salvar a fachada dos outros. Algumas práticas serão primariamente defensivas e outras primariamente protetoras, ainda que, de modo geral, possamos esperar que as duas perspectivas se jam assumidas ao mesmo tempo. Ao tentar salvar a fachada dos ou tros, a pessoa precisa escolher um método que não levará à perda de sua própria fachada; ao tentar salvar sua própria fachada, ela precisa levar em consideração a perda de fachada dos outros que sua ação pode causar. Em muitas sociedades há uma tendência a distinguir três níveis de responsabilidade que uma pessoa pode ter quanto a uma ameaça à fachada criada por suas ações. Primeiro , pode parecer que ela agiu inocentemente; sua ofensa parece ser não intencional e involuntária, e aqueles que percebem seu ato podem sentir que ela teria tentado evitá-lo se tivesse previsto suas consequências ofensivas. Em nossa sociedade, chamamos tais ameaças à fachada de Jaux pas, gafes, dispa rates ou pisadas na bola. Segundo, a pessoa ofensora pode parecer ter agido com malícia e despeito, com a intenção de causar um insulto aberto. Terceiro , há ofensas incidentais; estas surgem como um efeito colateral não planejado, mas às vezes previsto da ação - uma ação que o ofensor realiza apesar de suas consequências ofensivas, mas não por causa de despeito. Do ponto de vista de um participante em particu lar, esses três tipos de ameaça podem ser introduzidos pelo próprio participante contra sua própria fachada, por ele contra a fachada dos outros, pelos outros contra a fachada dos outros, ou pelos outros con tra a sua fachada. Assim, a pessoa pode se encontrar em muitas rela ções diferentes a uma ameaça à fachada. Se ela quiser lidar bem consi go própria e com os outros em todas as contingências, ela terá que possuir um repertório de práticas de salvamento da fachada para cada uma dessas relações possíveis à ameaça. Os tipos básicos de preservação da fachada
O processo
de evitação. A saída mais garantida para uma pessoa
evitar ameaças à sua fachada é evitar contatos em que seria provável que essas ameaças ocorressem. Em todas as sociedades podemos 22
observar isto na relação de evitação9 e na tendência de conduzir cer t as transações delicadas através de intermediários10 • Da mesma for ma, em muitas sociedades, os membros conhecem o valor de volun t ariamente realizar uma retirada graciosa antes que uma ameaça à rachada prevista possa ter chance de ocorrer11 • Quando a pessoa realmente arrisca um encontro , outras formas de práticas de evitação entram em jogo . Como medida defensiva, ela se mantém longe de tópicos e atividades que levariam à expressão de informações que seriam inconsistentes com a linha que ela está mantendo. Em momentos oportunos, ela mudará o assunto da con versa ou a direção da atividade. Muitas vezes, ela apresentará inici almente uma atitude de acanhamento e compostura, suprimindo qualquer demonstração de sentimentos até que descubra que tipo de linha os outros estarão dispostos a apoiar para ela. Quaisquer afirmações sobre o eu serão feitas com uma modéstia beirando o menosprezo , com fortes qualificações, ou com uma nota de debo che; garantindo-se desta forma, ela terá preparado um eu para si mesma que não será depreciado pela exposição , fracassos pessoais, ou os atos imprevistos de outros. E se ela não garantir �uas afirma �:ões sobre si mesma, ela pelo menos tentará ser realista quanto a elas, sabendo que se não o fizer os eventos poderão depreciá-la e fa zer com que ela perca a fachada. lJ. Em nossa própria sociedade, um exemplo da evitação é encontrado no negro de
classe média ou alta que evita certos contatos face a face com brancos para proteger a autoavaliação projetada por suas roupas e modos. Cf., p. ex J OHNSON, C. Pat lcms of Negro Segregation. Nova York: Harper, 1 943 , cap. 1 3 . A função da evitação para manter o sistema de parentesco em pequenas sociedades pré-letradas pode ser considerada um exemplo particular do mesmo tema geral. .,
I O. Um exemplo é dado por LATOURETTE, K.S. The Chinese: Their History and ( :ulture. Voi . 2. Nova York: Macmillan, 1942, p. 2 l l : "Um vizinho ou grupo de vi .:inhos pode utilizar seus bons funcionários para ajustar uma disputa em que os an lagonistas estariam sacrificando suas fachadas se tomassem o primeiro passo para abordar o outro . Um intermediário sábio pode realizar a reconciliação preservando a dignidade de ambos" . I L Num artigo inédito, Harold Garfinkel sugeriu que, quando a pessoa percebe que perdeu a fachada num encontro conversacional, ela pode sentir um desejo de
desaparecer ou "sumir da face da Terra " , e que isto pode envolver um desejo de não a penas ocultar a perda de fachada, mas também de voltar magicamente a um ponto no tempo em que teria sido possível salvar a fachada evitando o encontro . 23
Algumas manobras protetoras são tão comuns quanto essas ma nobras defensivas. A pessoa demonstra respeito e polidez, assegu rando-se de estender às outras qualquer tratamento cerimonial que elas possam merecer. Ela emprega a discrição; ela não menciona fa tos que possam, implícita ou explicitamente, contradizer e cons tranger as afirmações positivas feitas pelas outras 12 • Ela emprega cir cunlocuções e engodos, fraseando suas respostas com uma ambi guidade cuidadosa de modo a preservar a fachada dos outros, mes mo que não preserve o bem-estar deles 13 • Ela emprega cortesias, fa zendo leves modificações de suas exigências quanto às outras, ou sua avaliação delas, para que elas possam definir a situação como uma em que seu respeito próprio não está ameaçado. Ao fazer uma exigência que menospreza os outros, ou ao imputar atributos não elogiosos a eles, ela poderá empregar um modo de gozação , permi tindo que eles assumam a linha de pessoas generosas, capazes de re laxar seus padrões comuns de orgulho e honra. E, antes de se enga j ar num ato potencialmente ofensivo, ela poderá fornecer explica ções sobre por que as outras não devem se sentir ultrajadas por isso . Por exemplo , se ela sabe que será preciso se retirar do encontro an tes que ele termine, pode dizer por antecipação aos outros que pre12. Quando a pessoa conhece bem as outras, ela saberá quais assuntos não devem ser mencionados e em que situações elas não devem ser colocadas, e ela estará livre para introduzir as questões que quiser em outras áreas . Quando as outras são des conhecidas, ela muitas vezes inverterá a fórmula, restringindo-se a áreas específi cas que ela sabe que são seguras. Nessas ocasiões, como Simmel sugere, " [ . . ] a dis crição não consiste, de maneira alguma, apenas no respeito pelo segredo do outro , por sua vontade específica de esconder isto ou aquilo de nós, mas em ficar longe do conhecimento de tudo aquilo que o outro não revela expressamente para nós" (The Sociology of Georg Simmel. Glencoe, Ill. The Free Press, 1950, p. 320-32 1 ) . .
1 3 . Viajantes ocidentais costumavam reclamar que nunca podiam confiar que chi neses dissessem o que realmente queriam dizer, e que eles sempre diziam o que achavam que seu ouvinte ocidental queria ouvir. Os chineses costumavam recla mar que os ocidentais eram bruscos, grosseiros e mal-educados. Supostamente, em termos dos padrões chineses, a conduta de um ocidental é tão canhestra que ele cria uma emergência, forçando o asiático a esquecer qualquer tipo de resposta dire ta e se apressar em oferecer um comentário que possa resgatar o ocidental da posi ção comprometedora em que ele se colocou (cf. SMITH, A. H. Chinese Characteris tics. Op. cit., cap. 8nl: "The Talent for Indirection" ) . Este é um exemplo de um grupo importante de mal-entendidos que surgem durante interações entre pessoas que vêm de grupos com padrões rituais diferentes.
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cisará ir embora, para que as fachadas deles estejam preparadas para isto. Mas a neutralização do ato potencialmente ofensivo não preci sa ser feita verbalmente; ela pode esperar um momento propício ou uma pausa natural- por exemplo , em conversas, uma calmaria mo mentânea em que nenhum orador poderia ser ofendido - e então ir embora, usando aqui o contexto , em vez das palavras , como uma �arantia de não ter intenções ofensivas. Quando uma pessoa não consegue impedir um incidente, ela ain da pode tentar manter a ficção de que nenhuma ameaça à fachada ocorreu. O exemplo mais evidente disso é encontrado quando a pes soa age como se um evento que contém uma expressão ameaçadora simplesmente não ocorreu. Ela pode aplicar essa não observância cui dadosa a seus próprios atos - como quando ela não admite, através de nenhum sinal exterior, que seu estômago está roncando - ou aos atos de outros, como quando ela não "vê" que alguém tropeçou 14 • A vida social em hospitais psiquiátricos deve muito a esse processo; os paci entes o empregam em relação às suas próprias peculiaridades, e os vi sitantes o empregam, muitas vezes com um desespero tênue, em rela ("ão aos pacientes. De modo geral, a cegueira diplomática desse tipo é aplicada apenas a eventos que, se forem percebidos, só podem ser percebidos e interpretados como ameaças à fachada. Um tipo menos espetacular, mas mais importante, de vista gros sa diplomática é praticado quando uma pessoa abertamente reco n hece um incidente como um evento que ocorreu , mas não como um evento que contenha uma expressão ameaçadora. Se não foi ela a responsável pelo incidente, então sua cegueira precisará ser apoia da por sua clemência; se ela causou o feito ameaçador, então sua ce gueira precisará ser apoiada por sua disposição em procurar uma forma de lidar com o assunto , o que a deixa perigosamente depen dente da clemência cooperativa dos outros. Outro tipo de evitação ocorre quando uma pessoa perde o conde suas expressões durante um encontro . Em tais momentos, da pode tentar não exatamente fazer vista grossa ao incidente, mas 1 role
14. Um belo exemplo disto é encontrado na etiqueta da praça de armas, que pode ,,brigar aqueles que participam de um desfile a tratar qualquer um que desmaie m mo se ele simplesmente não estivesse presente.
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sim esconder ou ocultar sua atividade de alguma forma, possibili tando , assim, que os outros evitem algumas das dificuldades criadas por um participante que não manteve a fachada . Da mesma forma, quando uma pessoa é pega fora de fachada porque não esperava ser envolvida numa interação , ou porque sentimentos fortes perturba ram sua máscara expressiva, os outros podem, de forma protetora, dar as costas a ela ou à sua atividade por um momento , para que ela tenha tempo de se recompor. O processo corretivo. Quando os participantes de uma ocasião ou encontro não conseguem evitar a ocorrência de um evento que é expressamente incompatível com os juízos de valor social que es tão sendo mantidos, e quando o evento é do tipo que é difícil de ig norar, então os participantes provavelmente darão a ele o estatuto autorizado de um incidente - ratificando-o como uma ameaça que merece atenção oficial direta - e procederão de forma a tentar cor rigir os seus efeitos. Nesse ponto , um ou mais participantes se en contram num estado estabelecido de desequilíbrio ou desgraça ri tual, e deve-se fazer uma tentativa de restabelecer um estado ritual satisfatório para eles . Eu uso o termo ritual porque estou lidando com atos em que o ator, através do componente simbólico desses atos, mostra o quão digno ele é de respeito ou o quão dignos ele sente que os outros são de respeito . A imagem do equilíbrio é apta aqui porque a extensão e a intensidade do esforço coletivo se adap ta bem à persistência e intensidade da ameaça 15 • Nossa fachada, en tão , é uma coisa sagrada , e a ordem expressiva necessária para mantê-la é, portanto , uma ordem ritual.
Eu chamarei de intercâmbio a sequência de atos colocada em movimento por uma ameaça reconhecida à fachada, terminando no
15. Antropólogos sociais parecem considerar esse tipo de imagem naturalmente apropriada. Percebam, p. ex . , as implicações do seguinte enunciado de Margaret Mead em seu "Kinship in the Admiralty Islands" . Anthropological Papers of the American Museum of Natural History, 34, p. 1 83-358: "Se um marido espanca sua mulher, o costume exige que ela o deixe e vá para seu irmão, real ou que exerça tal função , e permaneça lá por um período de tempo proporcional ao grau de sua dig nidade ofendida" (p. 274) .
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restabelecimento do equilíbrio ritual 16 • Definindo uma mensagem ou jogada como tudo aquilo que é comunicado por um ator durante um turno de ação , podemos dizer que um intercâmbio envolverá duas ou mais jogadas e dois ou mais participantes. Exemplos óbvios em nossa sociedade podem ser encontrados na sequência de " Com licença" e " Certamente" , e na troca de presentes ou visitas. O inter câmbio parece ser uma unidade concreta básica da atividade social, c fornece uma forma empírica natural de estudar a interação de to dos os tipos. Práticas de salvar a fachada podem ser utilmente classi ficadas de acordo com sua posição na sequência natural de j ogadas que compõem esta unidade. Tirando o evento que introduz a neces sidade de um intercâmbio corretivo , quatro jogadas clássicas pare cem estar envolvidas. Em primeiro lugar, há o desafio , através do qual os participantes assumem a responsabilidade de chamar a atenção ao erro de condu La; como consequência , eles sugerem que as afirmações ameaçadas devem ser mantidas firmes e que o próprio evento ameaçador terá que ser resolvido . A segunda jogada consiste na oferta, através da qual um partici pante, normalmente o ofensor, recebe uma chance de corrigir a ofensa e restabelecer a ordem expressiva. Existem algumas formas clássicas de fazer essa jogada. Por um lado, podemos tentar mostrar que aquilo que manifesta1 nente pareceu ser uma expressão ameaça dora na realidade é um evento insignificante, ou um ato não inten cional, ou uma piada que não deve ser levada a sério , ou um produto inevitável e "compreensível" de circunstâncias atenuantes. Por ou Lro lado , podemos admitir o significado do evento e concentrar os esforços sobre o criador dele. Podemos dar informações para mos Lrar que o criador estava sob a influência de algo , e que não era dono de si, ou que ele estava seguindo as ordens de outra pessoa, e não
16. A noção de intercâmbio é retirada em parte de CHAPPLE , H . D . "Measuring lluman Relations" . Genetic Psychol. Monographs, 22, 1 940, p. 3 - 1 47 , esp. p. 26-30 . HORSFALL, A . B . &: ARENSBERG , C . A . "Teamwork and Productivity i n a Shoe l'actory" . Human Organization, 8, 1 949 , p. 1 2-25, esp. p . 1 9 . Para mais referências sobre o intercâmbio enquanto unidade, cf. GOFFMAN, E. Communication Conduct in an Island Community. Chicago: University of Chicago, 1 953, caps. l2 e 13, esp. p. 165-195 [ tese de doutorado inédita] . •
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agindo por vontade própria. Quando uma pessoa afirma que um ato na uma
brincadeira, ela pode afirmar que o eu que parecia estar por
t ras do a t o também fora projetado como uma brincadeira. Quando
pessoa descobre de repente que ela manifestamente fracassou em capacidades que os outros pressupunham que ela tinha e reivin dicava para si - como a capacidade de soletrar, de realizar tarefas corriqueiras, de falar sem impropriedades, e assim por diante- pode rapidamente adicionar, de forma séria ou não , que ela reivindica es sas incapacidades como parte do seu eu . Desta forma, o significado do incidente ameaçador se mantém, mas ele pode agora ser incorpo rado suavemente ao fluxo dos eventos expressivos. uma
Como um suplemento ou substituto para a estratégia de redefi nir o ato ofensivo ou a si mesmo , o ofensor pode seguir dois outros procedimentos: ele pode fornecer compensações aos feridos - quan do não foi sua própria fachada que ele ameaçou; ou ele pode forne cer punição , penitência e expiação para si mesmo . Essas são jogadas ou fases importantes no intercãmbio ritual. Ainda que o ofensor não consiga provar sua inocência, ele pode sugerir, através desses mei os, que ele agora é uma pessoa renovada, uma pessoa que pagou pelo seu pecado contra a ordem expressiva e em que mais uma vez podemos confiar no mundo dos juízos. Além disso , ele pode mos trar que não trata levianamente os sentimentos dos outros, e que se os sentimentos deles foram feridos por ele, ainda que inocentemen te, ele está preparado para pagar um preço por sua ação . Assim, ele assegura aos outros que eles podem aceitar suas explicações sem que tal aceitação constitua um sinal de fraqueza ou falta de orgulho da parte deles. Além disso, por seu tratamento de si mesmo , por sua autopunição, ele mostra que está claramente consciente do tipo de crime que ele teria cometido se o incidente fosse o que parecera ser à primeira vista, e que ele sabe o tipo de punição que deve ser infligida sobre alguém que cometesse tal crime. A pessoa suspeita mostra as sim que é completamente capaz de assumir o papel dos outros em relação à sua própria atividade, que ela ainda pode ser usada como um participante responsável no processo ritual, e que as regras de conduta que ela parece ter quebrado ainda são sagradas , reais, e não foram enfraquecidas. Um ato ofensivo pode despertar ansiedade quanto ao código ritual; o ofensor apazigua essa ansiedade demons-
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t rando que tanto o código quanto ele, enquanto defensor do código,
ainda funcionam. Depois do desafio e da oferta acontecerem, a terceira jogada pode ocorrer: as pessoas a quem a oferta é feita podem aceitá-la como um meio satisfatório de restabelecer a ordem expressiva e as !achadas apoiadas por essa ordem. Só então o ofensor pode terminar a parte principal de sua oferta ritual. Na jogada final do intercâmbio, a pessoa perdoada comunica um sinal de gratidão para aqueles que deram a ela a indulgência do perdão. As fases do processo corretivo - desafio, oferta, aceitação e agra decimento - nos dão um modelo do comportamento ritual interpes soal, mas esse modelo pode ser modificado de forma significativa. Por exemplo, as partes ofendidas podem dar ao ofensor uma chance de iniciar a oferta imediatamente, antes de fazer um desafio e antes q u e elas ratifiquem a ofensa como um incidente. Esta é uma cortesia comum, concedida baseada na suposição de que seu receptor inicia rá um autodesafio. Além disso, quando as pessoas ofendidas acei t am a oferta corretora, o ofensor pode suspeitar que isto foi feito por educação, ou seja, de má vontade, e por isso pode apresentar espon t aneamente ofertas corretivas adicionais , não esquecendo do assun to até receber uma segunda ou terceira aceitação de sua desculpa re petida. Ou as pessoas ofendidas podem educadamente assumir o papel do ofensor e apresentar desculpas para ele que serão, forçosa mente, aceitáveis para as pessoas ofendidas. Um desvio importante do ciclo corretivo padrão ocorre quando um ofensor desafiado abertamente se recusa a considerar o aviso e continua com seu comportamento ofensivo, em vez de consertar a at ividade. Essa jogada transfere o jogo de volta para os desafiantes .'-ie eles aprovarem a recusa de suas exigências, ficará claro que seu d esafio era um blefe e que o ofensor "pagou para ver" . Esta é uma posição insustentável; eles não podem derivar uma fachada para si mesmos dela, e tudo que poderão fazer é vociferar. Para evitar esse destino, eles têm a opção de algumas jogadas clássicas. Por exem plo, eles podem apelar para uma retaliação violenta e mal-educada, destruindo ou a si próprios ou a pessoa que se recusou a ouvir seu aviso. Ou elas podem se retirar da ocasião visivelmente ressentidas j ustamente indignadas, ultrajadas, mas confiantes numa vindicação .
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definitiva. Ambos os métodos servem para negar ao ofensor seu es tatuto enquanto participante da interação e, assim, negar a realidade do juízo ofensivo que ele proferiu. Ambas as estratégias são formas de resgatar a fachada, mas os custos são normalmente altos para to dos os envolvidos. É em parte para prevenir tais escândalos que um ofensor normalmente oferece desculpas rapidamente; ele não quer que as pessoas afrontadas se comprometam com a obrigação de ape lar a medidas desesperadas. Fica claro que as emoções têm um papel nesses ciclos de respos tas, como quando expressamos angústia pelo que alguém fez para a fachada de outra pessoa, ou fúria pelo que foi feito para nossa pró pria fachada. Quero enfatizar que essas emoções funcionam como jogadas, e se encaixam tão precisamente na lógica do jogo ritual que seria difícil compreendê-las sem ele 17 • De fato, é provável que senti mentos expressos espontaneamente se encaixem no padrão formal do intercâmbio ritual de forma mais elegante do que sentimentos preparados conscientemente. Ganhando pontos - o uso agressivo da preservação da fachada
Toda prática para salvar a fachada que consegue neutralizar uma ameaça em particular abre a possibilidade de que a ameaça seja introduzida voluntariamente com o objetivo de ganhar algo, em se gurança, através dela. Se uma pessoa sabe que os outros responde rão à sua modéstia com louvores , ela pode procurar obter elogios. Se sua avaliação do eu será testada contra eventos incidentais, então ela pode preparar eventos incidentais favoráveis. Se os outros esti verem dispostos a ignorar uma afronta a eles e agir com clemência, ou a aceitar desculpas, então ela pode se basear nisto para ofen dê-los em segurança. Retirando-se repentinamente, ela pode tentar colocar os outros num estado ritualmente insatisfatório, deixando-os
1 7 . Mesmo quando uma criança exige alguma coisa e não a recebe, é provável que ela chore e fique amuada não como uma expressão irracional de frustração, mas como uma jogada ritual, comunicando que ela já tem uma fachada que pode ser perdida , e que sua perda não deve ocorrer levianamente. Pais compreensivos po dem até permitir tais exibições, vendo nessas estratégias grosseiras o começo de um eu social.
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se debatendo num intercâmbio que não pode ser completado . Final mente, com alguns custos pessoais, ela pode induzir os outros a ferir seus próprios sentimentos, forçando-os assim a sentir culpa, remor sos, e um desequilíbrio rüual prolongado 18 • Quando uma pessoa trata a preservação da fachada não como a lgo que ela precisa estar preparada para desempenhar, mas como algo que ela sabe que os outros realizarão ou aceitarão , en t ão um encontro ou ocasião não é mais uma cena de consideração mútua, e sim uma arena em que se realiza uma disputa ou partida . O propósito do j ogo é preservar a linha de todas as pessoas contra uma contradição imperdoável, enquanto tentamos marcar o maior número de pontos sobre nossos adversários e ganhar o máximo possível para nós mesmos. Uma plateia para o embate é quase uma necessidade. O método geral consiste na pessoa apresentar fatos l"avoráveis sobre si mesma e fatos desfavoráveis sobre os outros, de l"orma que a única resposta que os outros serão capazes de imagi n ar será algo que termine o intercâmbio num resmungo , uma des culpa esfarrapada , um riso para salvar a fachada do tipo " eu não l i go para piadas" , ou uma resposta estereotipada do tipo "Ah é ? " o u "Isso é o que você pensa" . O s perdedores nesses casos terão que reduzir seus prejuízos, conceder tacitamente a perda de um ponto , c tentar se sair melhor no próximo intercâmbio . Pontos ganhos através da alusão a posições de classe social às vezes são chama d os de " esnobadas" ; pontos ganhos através da alusão à respeita b ilidade moral são às vezes chamados de " alfinetadas" ; em ambos o s casos , estamos lidando com uma capacidade em realizar algo q u e às vezes é chamado de "malícia" [ bitchiness ] . Em intercâmbios agressivos, o vencedor não apenas consegue apresentar informações favoráveis sobre si mesmo e desfavoráveis sobre os outros, mas também demonstra que, enquanto participante
I H. A estratégia de manobrar outra pessoa para urna posição na qual ela não pode m rrigir os danos que causou é empregada com muita frequência, mas seu exemplo 1 1 1 :íxirno enquanto modelo ritual de conduta é o suicídio por vingança. Cf. , p . ex. , I I � FFREYS, M.D.W. "Sarnsonic Suicide, o r Suicide o f Revenge Arnong Africans" .
!lfrican Studies, 1 1 , 1 952, p . 1 18- 1 22. 31
da interação , ele cuida de si melhor do que seus adversários. Muitas vezes, provas dessa capacidade são mais importantes do que todas as outras informações que a pessoa comunica durante o intercâm bio , de forma que a introdução de um " tiro" na interação verbal ten de a implicar que seu causador tem um j ogo de pernas melhor do que aqueles que são afligidos por seus comentários. Entretanto , se estes conseguirem aparar sua estocada e ainda ripostar com sucesso , o instigador do j ogo precisará encarar não apenas o rebaixamento com que os outros responderam, mas também aceitar o fato de que sua suposição de superioridade no jogo de pernas era falsa. Ele apa rece como um tolo ; ele perde fachada. Assim, "fazer um comentá rio" é sempre uma aposta. É possível virar a mesa e o agressor pode perder mais do que teria ganho se sua j ogada marcasse um ponto. Ripostas ou réplicas bem-sucedidas, em nossa sociedade, às vezes são chamadas de "nocautes" ou "viradas" ; teoricamente, seria possí vel nocautear um nocaute, virar uma virada, e aparar uma riposta com uma contrarriposta, mas, com exceção de intercâmbios ensaia dos, esse terceiro nível de ação bem-sucedida parece ser raro 19 • A escolha da preservação da fachada apropriada
Quando ocorre um incidente, a pessoa cuj a fachada é ameaçada pode tentar restaurar a ordem ritual através de um tipo de estraté gia, enquanto os outros participantes podem desejar ou esperar que uma prática diferente seja empregada. Quando, por exemplo , ocor re um pequeno percalço, revelando momentaneamente uma pessoa com a fachada errada ou fora de fachada, os outros muitas vezes es-
19. Em jogos de tabuleiro e de cartas , os jogadores rotineiramente levam em consi deração as respostas possíveis de seus adversários às jogadas que estão prestes a fa zer, e consideram até a possibilidade de que seus adversários saberão que eles estão tomando tais precauções. Em comparação, o jogo conversacional é surpreendente mente impulsivo; as pessoas rotineiramente fazem comentários sobre outros pre sentes sem preparar esses comentários cuidadosamente para evitar uma réplica bem-sucedida . Da mesma forma, apesar de fintas e sandbagging [no põquer, ter uma mão boa, mas não apostar na expectativa de que alguém o faça primeiro para depois aumentar a aposta - N .T. ] serem possibilidades teóricas durante conversas, elas não parecem ser aproveitadas com frequência.
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t ão mais dispostos e preparados para agir como se não tivessem vis lo a discrepância do que a própria pessoa ameaçada. Muitas vezes, eles prefeririam que ela demonstrasse aprumo 20 , enquanto ela sente que não pode se dar ao luxo de ignorar o que ocorreu com a sua fa chada e por isso se torna apologética e com a fachada envergonhada, se for a causadora do incidente, ou destrutivamente assertiva, se os 21 outros são responsáveis por ele • Mas, por outro lado , uma pessoa pode manifestar aprumo quando os outros consideram que ela de veria oferecer uma desculpa constrangida - que ela está se aprovei t ando indevidamente da obsequiosidade delas através de suas tenta t ivas de desfaçatez. Às vezes uma pessoa pode não se decidir sobre qual prática empregar, deixando os outros na posição constrange dora de não saber que método eles terão que seguir. Assim, quando uma pessoa comete uma pequena gafe, ela e as outras podem ficar constrangidas não porque não são capazes de lidar com tais dificul dades, mas porque por um momento ninguém sabe se o ofensor ig norará o incidente, o reconhecerá chistosamente, ou empregará al guma outra prática para salvar a fachada.
lO. O folclore atribui um aprumo enorme às classes altas. Se há alguma verdade
1 1 essa crença, ela pode estar no fato de que a pessoa de classe alta tende a participar
' I c encontros onde ela tem uma posição superior à dos outros participantes e não
apenas em relação à classe. O participante superior muitas vezes é um tanto inde pendente da boa opinião dos outros, e pode se dar ao luxo de ser arrogante, apegan do-se a uma fachada mesmo que ela não seja apoiada pelo encontro. Por outro lado , aqueles que estão sob o poder de um colega-participante tendem a se preocupar de mais com a avaliação que ele faz deles, ou com sua transformação em testemunhas, ,. por isso acham difícil manter uma fachada levemente errada sem se constranger e pedir desculpas. Podemos adicionar que pessoas que não percebem o simbolismo de eventos triviais podem se manter calmas em situações difíceis, demonstrando 1 1 m aprumo que na realidade não possuem. l L Assim, em nossa sociedade, quando uma pessoa sente que as outras esperam q ue ela esteja à altura de padrões aprovados de limpeza, asseio, justeza, hospitali dade, generosidade, opulência, e assim por diante, ou quando ela se vê como al guém que deveria manter tais padrões, ela pode onerar um encontro com desculpas repetidas por suas falhas, quando os participantes na realidade não se importam rom o padrão , ou não acreditam que a pessoa realmente não esteja à altura dele, ou ('Slão convencidos de que ela não está à altura dele e enxergam a própria desculpa romo um esforço inútil de autoelevação.
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Cooperação na preservação da fachada
Quando uma fachada é ameaçada, é preciso realizar a preserva ção da fachada, mas não é de muita importãncia se ela é iniciada e desempenhada pela pessoa cuja fachada foi ameaçada, ou pelo ofen sor, ou por uma mera testemunhi2 • A falta de esforço de uma pes soa induz a um esforço compensador de outras ; uma contribuição de uma pessoa dispensa outras desta tarefa. Na verdade, há muitos pequenos incidentes em que o ofensor e o ofendido tentam iniciar uma desculpa simultaneamente23 • A resolução da situação tendo em vista a satisfação aparente de todos é o primeiro requerimento ; a dis tribuição correta da culpa normalmente é uma consideração secun dária. Assim, termos como "tato" ou savoir-Jaire não conseguem distinguir se é a própria fachada da pessoa que sua diplomacia salva, ou se é a dos outros. Da mesma forma, termos como "gafe" e faux pas não conseguem especificar se o ator ameaçou sua própria facha da, ou a dos outros. E é compreensível que se uma pessoa percebe que é incapaz de salvar sua própria fachada, os outros pareçam es pecialmente dispostos a protegê-la. Por exemplo, na sociedade edu cada, um aperto de mão que talvez não devesse ter sido oferecido se toma um que não pode ser recusado . Podemos explicar assim a no blesse oblige através da qual esperamos que aqueles em posições al-
22. Assim, uma das funções de padrinhos em duelos reais, e também em duelos fi gurados, é fornecer uma desculpa para não lutar que ambos os combatentes podem se dar ao luxo de aceitar. 23. C f. , p. ex. , TOBY , j . "Some Variables in Role Conflict Analysis" . Social Forces, 20, 1 9 5 2 , p. 323-33 7: " Com adultos, há menos probabilidade de que questões es sencialmente triviais produzam conflitos. A desculpa automática de dois desco nhecidos que colidem acidentalmente numa rua movimentada ilustra a função integradora da etiqueta. Na realidade, ambas as partes da colisão dizem 'Eu não sei se fui responsável por esta situação , mas, se este for o caso , você tem direito de estar irritado comigo , um direito que peço que você não exerça' . Ao definir a situação como uma em que ambos os lados precisam se rebaixar, a sociedade permite que ambos mantenham o seu respeito próprio. Ambos podem muito bem verdadeiramente sentir 'Por que esse idiota não olha para onde anda?' Mas, abertamente, ambos representam o papel de culpados, mesmo que sintam que isto não é verdade" (p. 3 2 5 ) .
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l as contenham seu poder de constranger os inferiores24 , e também o l ato de que os deficientes muitas vezes aceitam cortesias quando são perfeitamente capazes de realizar o ato em questão sozinhos, e melhor. Já que cada participante de uma ocasião está preocupado , ainda q ue por razões diferentes, em salvar sua própria fachada e também a dos outros, surgirá então naturalmente uma cooperação tácita para q ue os participantes possam obter juntos seus objetivos em comum, mesmo que por motivos diferentes. Um tipo comum de cooperação tácita para salvar a fachada é a d i plomacia exercida em relação à própria preservação da fachada. A 1 1cssoa não apenas defende sua própria fachada e protege a dos ou I ros , mas também age de forma a possibilitar e mesmo facilitar que os outros preservem suas próprias fachadas e a dela. Ela os ajuda a · ; c ajudarem , e a ajudarem a ela. A etiqueta social, por exemplo , avi ; a que os homens não devem marcar encontros de réveillon com m uita antecedência, senão a garota poderá ter dificuldades de dar u ma desculpa gentil para recusar. Essa diplomacia de segunda or·
.'. · L I ndependente da posição social relativa da pessoa, em um sentido ela tem po d n sobre os outros participantes e eles precisam contar com a sua consideração .
t .l 1 1ando os outros agem para com ela de alguma forma, baseiam-se numa relação · .n<"ial com a mesma, já que uma das coisas expressas pela interação é a relação en1 n· seus participantes. Desta forma eles se comprometem, pois eles a colocam numa [ 'll.';ição capaz de depreciar as afirmações que eles expressam em relação à atitude d l " l a para com eles. Assim, em resposta a relações sociais reivindicadas, esperamos • [ t i !' toda pessoa, de alta ou baixa posição, exerça a noblesse oblige e não se aproveite • la posição comprometida dos outros. Como as relações sociais são definidas parci . d m cnte em termos de ajuda mútua voluntária, recusar um pedido de ajuda se tor l l a 1 1 ma questão delicada que pode potencialmente destruir a fachada de quem pede t d. 1-IOLCOMBE, C. The Real Chinaman. Nova York: Dodd!Mead, 1 895, p. 274, / ' í ) nos dá um exemplo chinês: "Grande parte da falsidade a que dizem que os ' h i ucses, enquanto nação, são viciados é resultado das exigências da etiqueta. Um ' t 1ao' franco e direto é o ápice da descortesia. Qualquer recusa ou negação deve ser . n n o rtecida e enfraquecida através de uma expressão de incapacidade que se la nu· n t a . Nunca se demonstra uma falta de disposição para se fazer um favor. Em lu )',:! i ' dela, vemos uma sensação refinada de sofrimento devido a circunstâncias ine l' l l avcis, mas bastante imaginárias, que tornam o favor completamente impossíveL ... ndos de prática dessa forma de evasão tornaram os chineses inigualavelmente l n t cis na invenção e apresentação de desculpas. É realmente muito raro encontrar 1 1 1 1 1 deles que não consiga oferecer uma ficção muito bem tecida para ocultar uma l'ndade indesejável" . ·
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d e m pode ser exemplificada também através da prática disseminada da etiqueta de atributos negativos. A pessoa que tem um atributo
negativo não aparente muitas vezes considera conveniente começar um encontro com uma admissão discreta de seu defeito , especial mente com pessoas que não têm essa informação sobre ela. As ou tras são , assim, avisadas por antecedência a não fazerem comentá rios depreciativos sobre seu tipo de pessoa, e são salvas da contradi ção de agir de forma amistosa com uma pessoa contra a qual elas es tão involuntariamente sendo hostis. Essa estratégia também impede as outras de automaticamente fazer suposições sobre ela que a colo quem numa posição falsa, e a salva de uma clemência dolorosa ou de admoestações constrangedoras. A diplomacia em relação à preservação da fachada muitas vezes conta, para sua operação , com um acordo tácito para agir através da linguagem das dicas - a linguagem das indiretas, ambiguidades, pau sas bem colocadas, piadas cuidadosas, e assim por diante 25 • A regra que trata deste tipo não oficial de comunicação é que o emissor não deve agir como se tivesse comunicado oficialmente a mensagem que insinuou , enquanto os receptores têm o direito e o dever de agir como se não tivessem oficialmente recebido a mensagem contida na insinuação . Desta forma, a comunicação insinuada é comunicação que pode ser negada; ela não precisa ser encarada de frente. Ela é um meio com o qual pessoa de que sua linha atual ou que a situação atu al estão prestes a causar uma perda de fachada, sem que o próprio aviso se torne um incidente . Outra forma de cooperação tácita que parece ser muito usada em várias sociedades é a autonegação recíproca. Muitas vezes a pessoa não tem uma ideia clara do que seria uma partilha justa ou aceitável de juízos durante a ocasião, e por isso ela voluntariamente se priva ou deprecia enquanto favorece e elogia os outros, em ambos os casos le vando os juízos, com segurança, além daquilo que provavelmente se ria justo. Ela permite que os juízos favoráveis sobre si própria ve-
Comentários úteis sobre alguns dos papéis estruturais desempenhados pela co municação não oficial podem ser encontrados numa discussão sobre a ironia e ca çoadas de BURNS, T. "Friends, Enemies, and the Poli te Fiction". American Sociolo gical Review, 1 8, 1953, p. 654-662 . 25.
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nham dos outros; e os juízos desfavoráveis sobre si própria são sua contribuição. Essa técnica "depois de você, Alphonse" 26 só funciona, t' claro , porque ao se privar ela pode prever com segurança que os nutras a elogiarão ou favorecerão. Independente da alocação de fa vores que seja finalmente estabelecida, todos os participantes rece bem antes uma chance de mostrar que eles não estão presos ou coa gidos por seus próprios desejos e expectativas, que eles têm uma opinião apropriadamente modesta sobre si mesmos, e que podemos nos assegurar de que eles apoiarão o código ritual. A barganha nega I iva, em que cada participante tenta fazer com que os termos do ne gócio favoreçam mais o outro lado , é outro exemplo; e, enquanto rorma de troca, ela talvez seja mais comum do que a dos economistas. Quando uma pessoa realiza a preservação da fachada, junto com seu acordo tácito de ajudar as outras a realizar a delas, isto representa sua disposição em obedecer às regras básicas da interação social. Eis o símbolo de sua socialização enquanto um participante da interação. Se ela e as outras não fossem socializadas dessa forma, a interação na maioria das sociedades e na maioria das situações seria uma coisa muito mais perigosa para sentimentos e fachadas. Não seria prático para a pessoa se orientar para avaliações comunicadas simbolicamen te de valor social, nem possuir sentimentos - quer dizer, não seria prático para ela ser um objeto ritualmente delicado. E, como eu suge rirei, se a pessoa não fosse um objeto ritualmente delicado , as oca siões de conversa não poderiam ser organizadas da forma que nor malmente são . Não surpreende que uma pessoa em que não se possa confiar para jogar o j ogo de salvar a fachada cause problemas. Os papéis rituais do eu
Até agora, eu implicitamente utilizei uma definição dupla do o eu como uma imagem montada a partir das implicações ex pressivas do fluxo total de eventos numa ocasião ; e o eu como um t ipo de j ogador num j ogo ritual que lida honrada ou desonradamen t c , diplomaticamente ou não , com as contingências dos juízos na si-
cu:
l6. Referência a uma tira em quadrinhos americana do início do século XX, em que os dois personagens, Alphonse e Gaston, eram tão educados que não conseguiam
realizar nada, pois sempre deferiam a passagem ou a ação para o outro [ N . T. ] . 37
tuação. Um mandado duplo está envolvido . Enquanto obj etos sa grados, os homens estão suj eitos a desfeitas e profanações; por isso, como jogadores do j ogo ritual, eles precisaram se comprometer com duelos, e esperar que uma salva de tiros errasse o alvo antes de abra çar seus adversários. Aqui temos um eco da distinção entre o valor de uma mão num jogo de cartas e a capacidade da pessoa que a j oga. Precisamos manter essa distinção em mente, ainda que pareça que quando uma pessoa obtém uma reputação por j ogar bem ou mal, essa reputação pode se tomar parte da fachada que depois ela preci sa jogar para manter. Quando os dois papéis do eu são separados, podemos utilizar o código ritual implícito na preservação da fachada para aprender como os dois papéis estão relacionados. Quando uma pessoa é res ponsável por introduzir uma ameaça à fachada de outra, ela aparen temente tem direito , dentro de certos limites, a escapulir da dificul dade através da auto-humilhação . Quando realizadas voluntaria mente, essas indignidades parecem não profanar sua própria ima gem. É como se ela tivesse o direito da isolação, e pudesse se castigar enquanto atriz sem se ferir enquanto objeto de valor fundamental. Através da mesma isolação , ela pode se menosprezar e modesta mente subestimar suas qualificações positivas, com a compreensão de que ninguém tomará seus enunciados como uma representação justa de seu eu sagrado. Por outro lado , se ela for forçada, contra a sua vontade, a se tratar dessas formas, sua fachada, seu orgulho e sua honra serão seriamente ameaçados. Assim, em termos do códi go ritual, a pessoa parece ter uma permissão especial para aceitar maus-tratos por suas próprias mãos, mas não tem o direito de acei tá-los vindos de outras pessoas. Talvez este sej a um arranj o seguro porque não é provável que ela exagere no uso dessa permissão, en quanto os outros, se recebessem tal privilégio, teriam mais chance de abusar dele. Além disso, dentro de certos limites, a pessoa tem o direito de perdoar outros participantes por afrontas à sua imagem sagrada. Ela pode clementemente ignorar pequenas calúnias sobre sua fachada e, em relação a ofensas um tanto maiores, ela é a única pessoa que pode aceitar desculpas em nome de seu eu sagrado . Esta é uma prer rogativa que a pessoa pode assumir para si mesma com uma certa
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segurança, pois ela é exercida nos interesses das outras ou do em preendimento . É interessante notar que, quando uma pessoa come le uma gafe contra si mesma, não é ela quem tem permissão para perdoar o evento ; apenas os outros têm tal prerrogativa, e é seguro que eles a tenham porque eles só podem exercê-la nos interesses dela ou nos interesses do empreendimento. Descobrimos, então , um sistema de pesos e contrapesos através do qual cada participante l cnde a receber o direito de lidar apenas com as questões nas quais ele não teria muitos motivos para trapacear. Resumindo , os direitos c deveres de um participante da interação são proj etados para impe d i-lo de abusar de seu papel de obj eto de valor sagrado . Interação falada
Muito do que foi dito até agora se aplica a encontros do tipo i mediato e mediado , ainda que neste último a interação provavel mente será mais atenuada, obtendo-se a linha de cada participante a partir de coisas como declarações escritas e registros profissionais. I ·: ntretanto , durante contatos pessoais diretos, operam condições i n formacionais únicas , e a importância da fachada se torna especial m ente clara. A tendência humana de usar sinais e símbolos significa que evidências de valor social e de avaliações mútuas serão comuni cadas por coisas muito pequenas, e essas coisas serão testemunha das, assim como o fato de que foram testemunhadas. Uma olhadela ' lcscuidada, uma mudança momentânea no tom de voz, uma posi �:a o ecológica tomada ou não , tudo isso pode encharcar uma conver �;a ele importância avaliativa. Deste modo , assim como não existem ocasiões de fala em que impressões inapropriadas não possam sur ) ', i r , intencionalmente ou não , também não existem ocasiões de fala l ao triviais a ponto de não exigirem que cada participante demons I IT uma preocupação séria de como ele lida consigo próprio e com os outros presentes. Fatores rituais presentes em contatos mediados a parecem aqui numa forma extrema. Parece que em qualquer sociedade, sempre que surge a possibili
'
la de física da interação falada, um sistema de práticas, convenções e
rt"gras de procedimentos entra em j ogo, funcionando como um meio dt· orientar e organizar o fluxo de mensagens. Valerá algum entendi I I H' nto sobre como e quando será permissível iniciar a fala, entre 39
q uem, e quais tópicos de conversação serão abordados. Um conjunto de gestos significativos é empregado para iniciar uma enxurrada de co
municação e como um meio para que as pessoas em questão se impu tem como participantes legítimos27 • Quando este processo de ratifica ção recíproca ocorre, as pessoas ratificadas estão naquilo que podemos chamar de estado de fala - quer dizer, elas se declararam oficialmente abertas umas às outras para propósitos de comunicação falada e juntas garantem manter um fluxo de palavras. Também se emprega um con junto de gestos significativos para pennitir que um ou mais novos par ticipantes se juntem oficialmente à conversa, para permitir que um ou mais participantes ratificados possam se retirar oficialmente, e para permitir que o estado de fala termine. Tendemos a manter e legitimar um único foco de pensamento e atenção visual, e um único fluxo de fala, como sendo oficialmente representativo do encontro. A atenção visual combinada e oficial dos participantes tende a ser transferida facilmente através de dicas de autorização formais ou informais, com as quais o orador atual si naliza que está prestes a parar de falar, e o orador esperado sinaliza um desej o de começar a falar. Temos um entendimento sobre com quanta frequência e por quanto tempo cada participante falará. Os receptores comunicam ao orador, através de gestos apropriados , que estão dando a ele sua atenção . O s participantes restringem seu envolvimento em questões externas ao encontro , e observam um li mite de envolvimento a qualquer mensagem particular do encontro ,
Podemos compreender o significado desse estatuto analisando os tipos de par ticipação não legitimados ou não ratificados que podem ocorrer na interação fala da. Uma pessoa pode ouvir outras sem que estas saibam; ela pode ouvi-las quando elas sabem que isto está ocorrendo e quando escolhem ou agir como se ela não as estivesse ouvindo, ou sinalizar informalmente a ela que sabem que ela está ouvin do. Em todos esses casos, o forasteiro é efetivamente mantido à distância como al guém que não está participando formalmente da ocasião. É claro que códigos rituais exigem que um participante ratificado seja tratado de forma bem diferente do que um não ratificado . Assim, por exemplo, podemos ignorar apenas uma certa quanti dade de insultos de um participante ratificado antes que essa prática de evitação faça com que as pessoas insultadas percam fachada; depois de um certo ponto elas precisam desafiar o ofensor e exigir reparos. Entretanto, aparentemente em muitas sociedades, muitos tipos de abusos verbais de participantes não ratificados podem ser ignorados sem que esta falta de desafio constitua uma perda de fachada. 27.
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garantindo assim que eles serão capazes de seguir a direção em que o tópico da conversa os leva, seja ela qual for. Interrupções e pausas são reguladas para não perturbarem o fluxo de mensagens. Mensa gens que não são parte do fluxo ratificado oficialmente são modula das para que não interfiram seriamente com as mensagens ratifica das. Pessoas próximas que não são participantes desistem visivel mente, de alguma forma, de se aproveitar de sua posição comunica tiva e também modificam sua própria comunicação , se houver, para não causar interferências difíceis. Permitimos que prevaleça um ethos ou atmosfera emocional particular. Tipicamente mantemos um acordo cortês, e participantes que possam ter uma discórdia real en tre si falam temporariamente da boca para fora sobre opiniões que os façam concordar quanto a questões de princípio e fato . Seguimos regras para facilitar a transição, se houver, de um tópico de conversa para outro 28 • Essas regras de fala valem não apenas para a interação falada con siderada como um processo contínuo, mas para uma ocasião de fala ou episódio de interação enquanto uma unidade naturalmente limi tada. Essa unidade consiste da atividade total que ocorre durante o tempo em que um dado conjunto de participantes se ratificou para conversar e mantém um único foco de atenção em movimento29 . As convenções que tratam da estrutura das ocasiões de conversa representam uma solução eficaz para o problema de organizar um Ouxo de mensagens faladas. Ao tentar descobrir como essas conven ções são mantidas em vigor como guias da ação , descobrimos evi dências que sugerem uma relação funcional entre a estrutura d o eu e a estrutura da interação falada. O participante socializado da interação acaba lidando com a in teração falada como faz com qualquer outro tipo , como algo que
28. Para um tratamento mais profundo da estrutura da interação falada, cf. GOFFMAN , E.
Communication Conduct in an Island Community. Op. cit.
Eu pretendo incluir conversas formais onde as regras de procedimento são prescritas explicitamente e aplicadas oficialmente, e onde apenas algumas categori as de participantes podem ter a permissão de falar - assim como conversas e bate-papos sociais em que as regras não são explícitas e o papel de orador circula continuamente entre os participantes. 29.
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deve ser realizado com cuidado ritual. Apelando automaticamente à fachada, ele sabe como se conduzir em relação à fala. Fazendo-se re petida e automaticamente a pergunta, "se eu agir ou não desta for ma, será que eu ou os outros perderemos fachada? " , ele decide, a cada momento , conscientemente ou não, como se comportar. Por exemplo , a entrada numa ocasião de interação falada pode ser con siderada um símbolo de intimidade ou de propósito legítimo , e por isso a pessoa precisa, para salvar sua fachada, desistir de entrar numa conversa com um certo conjunto de outros a não ser que suas circunstâncias justifiquem aquilo que é expresso sobre ele por sua entrada. Quando ele é abordado para conversar, ele precisa assentir ao pedido dos outros para salvar a fachada deles. Uma vez engaj ado na conversação , ele deve exigir apenas a quantidade de atenção que for uma expressão apropriada de seu valor social relativo . Pausas in devidas se tomam sinais potenciais de não se ter nada em comum, ou de ter um domínio de si insuficiente para criar algo a dizer, e por isso devem ser evitadas. Da mesma forma, interrupções e falta de atenção podem comunicar desrespeito , e devem ser evitadas a não ser que o desrespeito implicado sej a uma parte aceita da relação . É preciso manter um verniz de consenso através da discrição e de mentirinhas para que a suposição de aprovação mútua não seja de preciada. É preciso lidar com a retirada de forma que ela não comu nique uma avaliação inapropriada30 • A pessoa precisa restringir seu envolvimento emocional para que ela não apresente uma imagem de alguém que não tem autocontrole nem dignidade para se elevar acima de seus sentimentos. A relação entre o eu e a interação falada também é demonstrada quando examinamos o intercâmbio ritual. Num encontro conversa cional, a interação tende a ocorrer em arrancos, um intercâmbio por vez, e o fluxo de informação e negócios é parcelado nessas unidades
Entre pessoas que já tiveram alguma experiência na interação entre si, encon tros conversacionais muitas vezes terminam de forma a parecer que todos os parti cipantes chegaram independentemente ao mesmo momento para se retirar. A de bandada é geral, e pode ser que ninguém tenha consciência da troca de dicas que foi necessária para que tal feliz simultaneidade de ação fosse possível. Cada participan te é assim salvo da posição comprometedora de mostrar disposição a passar mais tempo com alguém que não está tão disposto a passar tempo com ele. 30.
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rituais relativamente fechadas 31 • A pausa entre intercâmbios tende a ser maior do que a pausa entre falas num intercâmbio , e tende a existir uma relação menos significativa entre dois intercâmbios em sequência do que entre duas falas em sequência num intercâmbio . Esse aspecto estrutural da fala surge do fato que, quando uma pessoa emite um enunciado ou uma mensagem, por mais trivial ou corriqueira, ela se compromete, e compromete aqueles a quem se dirige, e num certo sentido coloca todos os presentes em perigo . Ao dizer algo, o orador se abre à possibilidade de que os receptores pre tendidos o insultarão não prestando atenção a ele, ou pensando que ele é atrevido , tolo ou ofensivo pelo que disse. E se essa for a recep ção , ele estará comprometido com a necessidade de empreender ações para salvar a fachada contra eles. Além disso , ao dizer algo o orador abre seus receptores pretendidos à possibilidade de que a mensagem será autocongratuladora, presunçosa, exigente, insul tante, e de modo geral uma afronta a eles ou à concepção deles sobre o orador, forçando-os a tomar ação contra ele em defesa do código ritual. E se o orador louvar os receptores, eles serão obrigados a ne gar isso de forma apropriada, demonstrando que eles não têm uma opinião favorável demais sobre si mesmos e não estão ansiosos para garantir indulgências a ponto de colocar em perigo sua confiabilida de e flexibilidade enquanto participantes da interação. Assim, quando uma pessoa oferece uma mensagem, contribuin do assim com o que facilmente poderia ser uma ameaça ao equilíbrio ritual, outra pessoa presente é obrigada a demonstrar que a mensa gem foi recebida e que seu conteúdo é aceitável para todos os envolvi dos, ou que pode ser contra-atacado aceitavelmente. É claro que essa resposta de reconhecimento pode conter uma rejeição diplomática da comunicação original, junto com um pedido de modificação. Nesses casos, podem ser necessárias várias trocas de mensagens antes que o intercâmbio seja terminado com base em linhas modificadas. O inter câmbio termina quando é possível modificá-lo para que termine - ou
3 1 . A separação empírica da unidade de intercâmbio às vezes é obscurecida quan do a mesma pessoa que fala pela última vez num intercâmbio também fala para i niciar o próximo. Entretanto, a utilidade analítica do intercâmbio enquanto uni dade se mantém.
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seja, quando todos os presentes indicaram que foram aplacados ritu almente de forma satisfatória para eles32 • Uma pausa momentânea entre intercâmbios é possível, pois ela surge em momentos em que não será considerada um sinal de algo desagradável. Então , de modo geral, uma pessoa determina como deve se comportar durante uma ocasião de conversa testando o significado potencialmente simbólico de seus atos em relação às minhas ima gens que estão sendo mantidas. Entretanto , ao fazer isto, ela inci dentalmente sujeita seu comportamento à ordem expressiva que prevalece e contribui para o fluxo bem ordenado de mensagens. Seu objetivo é salvar a fachada; seu efeito é salvar a situação. Então , do ponto de vista de salvar a fachada, é bom que a interação falada te nha a organização convencional que tem; do ponto de vista da ma nutenção de um fluxo bem ordenado de mensagens faladas, é bom que o eu tenha a estrutura ritual que tem. Entretanto , eu não quero dizer que outro tipo de pessoa relacio nada a outro tipo de organização de mensagens não se sairia tão bem. E, o que é mais importante, eu não afirmo que o sistema atual não tenha fraquezas ou desvantagens; o que é de se esperar, pois na vida social sempre é o caso que um mecanismo ou relação funcional que resolve um conjunto de problemas necessariamente crie um conjunto próprio de dificuldades e abusos em potencial. Por exem plo , um problema característico na organização ritual de contatos pessoais é que, apesar de uma pessoa poder salvar a fachada discu tindo ou se retirando indignada de um encontro , isto ocorre ao cus to da interação . Além disso, a ligação da pessoa com a fachada forne ce um alvo para os outros; eles não apenas podem tentar feri-la de forma não oficial, mas podem até oficialmente tentar destruir com pletamente sua fachada. Muitas vezes, também, o medo da perda possível de fachada impede a pessoa de iniciar contatos em que in formações importantes podem ser transmitidas e relações impor tantes restabelecidas; ela pode ser levada a buscar a segurança da so lidão em vez do perigo dos encontros sociais. Ela pode fazer isso 32. A ocorrência da unidade de intercâmbio é um fato empírico. Além da explicação ritual para ele, podemos sugerir outras. Por exemplo, quando uma pessoa pronuncia um enunciado e recebe uma resposta imediata, isto permite que ela aprenda que seu enunciado foi recebido, e que foi corretamente recebido. Tal "metacomunicaçâo" se ria necessária por razões funcionais mesmo que não fosse por razões rituais.
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mesmo que os outros sintam que seu motivo é um "falso orgulho" um orgulho que sugere que o código ritual está levando a melhor sobre aqueles cuja conduta é regulada por ele. Além disso, o com plexo "depois de você, Alphonse" pode dificultar o término de um intercâmbio . E também, quando cada participante sente que precisa sacrificar mais do que foi sacrificado por ele, pode ocorrer um tipo de círculo de indulgências vicioso - bem parecido com o ciclo de hostilidades que pode levar a discussões abertas - com cada pessoa recebendo coisas que não quer e dando em troca coisas que preferi ria manter. E, mais uma vez, quando as pessoas têm relações formais, elas podem gastar muita energia assegurando que não ocorram even tos que possam carregar efetivamente uma expressão inapropriada. Por outro lado , quando um conjunto de pessoas tem relações infor mais e sente que não precisa de cerimõnias entre si, sua falta de atenção e interrupções podem ser abundantes, e a conversa pode se degenerar numa tagarelice feliz de sons desorganizados. O próprio código ritual requer um equilíbrio delicado , e pode ser facilmente perturbado por qualquer um que o mantenha avida mente demais ou de menos, em termos dos padrões e expectativas de seu grupo . Perceptividade insuficiente, savoir-faire insuficiente, orgulho e consideração insuficientes, e não podemos mais confiar que a pessoa seja alguém capaz de perceber uma dica sobre si mes ma ou de dar uma dica que poupe os outros de constrangimentos. T ai pessoa se torna uma ameaça real à sociedade; não há muito que se possa fazer com ela, e muitas vezes ela consegue o que quer. Com perceptividade e orgulho excessivos, a pessoa se torna melindrosa, alguém que deve ser tratado com luvas de pelica, e precisa de mais cuidado dos outros do que estes podem achar que ela vale. Com sa voir-faire e consideração demais, ela se torna alguém socializada de mais, que deixa os outros com a sensação de que não sabem qual é a posição que eles têm com ela, nem o que devem fazer para realizar um ajuste a longo prazo eficiente em relação a ela. Apesar dessas "patologias" inerentes à organização da conversa, o encaixe funcional entre a pessoa socializada e a interação falada é viável e prático. A orientação da pessoa para a fachada, especial mente para a sua própria, é a vantagem que a ordem ritual tem sobre ela; mas a promessa de tomar cuidado ritual de sua fachada é parte da própria estrutura da fala. 45
F achada e relações sociais
Quando uma pessoa começa um encontro mediado ou imediato, ela já está em algum tipo de relação social com os outros em questão, e espera estar numa dada relação com eles quando este encontro em particular terminar. Isto, obviamente, é uma das formas pelas quais os contatos sociais são atrelados à sociedade mais ampla. Grande par te da atividade que ocorre durante um encontro pode ser entendida como um esforço da parte de todos para atravessar a ocasião e todos os eventos imprevistos e não intencionais que podem colocar os par ticipantes sob uma luz indesejável, sem perturbar as relações dos par ticipantes. E se as relações estiverem em processo de mudança, o ob jetivo será levar o encontro a um desfecho satisfatório sem alterar o curso de desenvolvimento esperado. Tal perspectiva explica bem, por exemplo, as pequenas cerimônias de saudações e despedidas que ocorrem quando as pessoas iniciam um encontro conversacional ou partem dele. Saudações permitem mostrar que uma relação ainda é o que era no término de uma coparticipação anterior, e, normalmente, que essa relação envolve uma supressão de hostilidades suficiente para que os participantes abaixem a guarda temporariamente para conversar. Despedidas resumem o efeito do encontro sobre a relação e mostram o que os participantes podem esperar uns dos outros quando se encontrarem da próxima vez. O entusiasmo das saudações compensa o enfraquecimento da relação causado pela ausência que acabou de terminar, e o entusiasmo das despedidas compensa o pre juízo que a separação está prestes a causar à relação 33 .
3 3 . É claro que as saudações servem para esclarecer e fixar os papéis que os partici pantes assumirão durante a ocasião de conversa e para comprometer os participan tes a esses papéis, enquanto as despedidas permitem terminar o encontro sem am biguidade. Saudações e despedidas também podem ser usados para afirmar (e se desculpar por) circunstâncias atenuantes - no caso das saudações, circunstâncias que impediram os participantes de interagir até agora e, no caso das despedidas, circunstâncias que impedem que os participantes continuem sua demonstração de solidariedade. Essas desculpas permitem manter a impressão de que os participan tes têm uma relação social mais afável do que pode ser o caso. Essa ênfase positiva, por sua vez, garante que eles agirão como se estivessem mais dispostos a entrar em contatos do que talvez realmente estejam, garantindo assim que canais difusos de comunicação potencial sejam mantidos abertos na sociedade.
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Parece ser uma obrigação característica de muitas relações soci ais que cada um dos membros garanta apoiar uma certa fachada para os outros membros em dadas situações. Assim, para prevenir uma perturbação dessas relações, é necessário que cada membro evite destruir a fachada dos outros. Ao mesmo tempo, frequente mente é a relação social da pessoa com outros que a leva a participar de certos encontros com eles, em que ela acabará dependendo deles para manter sua fachada. Além disso, em várias relações, os mem bros compartilham uma fachada, de forma que, na presença de ter ceiros, um ato inapropriado por parte de um membro se torna uma fonte de constrangimento agudo para os outros membros. Uma re lação social, então, pode ser vista como uma forma pela qual a pes soa é forçada, mais do que o normal, a confiar sua autoimagem e fa chada à diplomacia e boa conduta dos outros. A natureza da ordem ritual
A ordem ritual parece ser organizada basicamente sobre linhas de acomodação , de forma que o imaginário usado para pensarmos sobre outros tipos de ordem social não é muito apropriado para ela. Para os outros tipos de ordem social, parece que empregamos um tipo de modelo de estudante: se uma pessoa quiser manter uma ima gem particular de si e confiar seus sentimentos a ela, ela precisa tra balhar duro pelos créditos que comprarão essas melhorias do eu para ela; se ela tentar alcançar os fins através de meios inapropria dos, trapaceando ou roubando , ela será punida, desclassificada da corrida, ou pelo menos forçada a começar de novo do zero . Este é um imaginário de um j ogo difícil e chato . Na verdade, a sociedade e o indivíduo participam de um j ogo mais fácil para ambos, mas que tem seus próprios perigos. Qualquer que seja sua posição na sociedade, a pessoa se isola através de cegueiras, meias-verdades, ilusões e racionalizações. Ela faz um "ajuste" ao se convencer, com o apoio diplomático de seu círculo íntimo , de que ela é o que quer ser e que ela não faria, para atingir seus objetivos, o que os outros fizeram para atingir os deles. E quanto à sociedade, se a pessoa estiver disposta a estar suj eita a um controle social informal - se ela estiver disposta a descobrir, a partir de dicas e olhadelas e pistas cuidadosas qual é o seu lugar, e 47
mantiver esse lugar - então não haverá nenhuma obj eção a que ela mobilie esse lugar do j eito que quiser, com todo o conforto , elegân cia e nobreza que sua sagacidade obtenha para ela. Para proteger esse abrigo , ela não precisa trabalhar duro, nem se juntar a um gru po , nem competir com alguém; ela precisa apenas tomar cuidado com os juízos expressos aos quais ela se coloca numa posição de tes temunhar. Algumas situações, atos e pessoas terão que ser evitados; outros, menos ameaçadores, não devem ser levados muito longe. A vida social é uma coisa ordenada e não atravancada porque a pessoa voluntariamente fica longe dos lugares e tópicos e momentos em que ela não é desejada e onde poderia ser depreciada. Ela coopera para salvar sua fachada, descobrindo que há muito a ganhar sem nada arriscar. Fatos fazem parte do mundo do estudante - eles podem ser alte rados por um esforço diligente, mas não podem ser evitados. Na rea lidade, a pessoa protege, defende e investe seus sentimentos numa ideia de si, e ideias não são vulneráveis a fatos e a coisas, mas sim a comunicações. Comunicações pertencem a um esquema menos pu nitivo que os fatos, pois podemos desviar comunicações, retirar-nos delas, não acreditar nelas, convenientemente entendê-las mal, e transmiti-las diplomaticamente. E mesmo se a pessoa se comportar mal e quebrar sua trégua com a sociedade, a consequência não será necessariamente a punição. Se a ofensa for do tipo que os ofendidos possam ignorar sem perder muito de suas fachadas, então é prová vel que eles aj am com clemência, dizendo a si mesmos que eles se desforrarão do ofensor de outra forma em outro momento, mesmo que essa ocasião possa nunca surgir, e talvez não seja aproveitada se surgir. Se a ofensa for grande, as pessoas ofendidas podem se retirar do encontro , ou de encontros similares futuros, permitindo que sua retirada sej a reforçada pelo pasmo que elas podem sentir quanto a alguém que quebra o código ritual. Ou talvez elas façam com que o ofensor seja retirado, para que não haja mais comunicação. Mas j á que o ofensor pode resgatar grande parte da fachada com tais opera ções, a retirada muitas vezes não é uma punição informal por uma ofensa, meramente um meio de terminá-la. Talvez o maior princí pio da ordem ritual não seja a justiça, e sim a fachada, e o que qual quer ofensor recebe não é o que ele merece, e sim o que sustentará
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pelo momento a linha com a qual ele se comprometeu , e através dis to a linha com a qual ele comprometeu a interação. Durante este artigo , ficou implícito que, debaixo de suas dife renças culturais, as pessoas são iguais em todos os lugares. Se as pes soas tiverem uma natureza humana universal, não é nelas próprias que devemos procurar uma explicação dela. Em vez disso , devemos prócurá-la no fato de que as sociedades, em qualquer lugar, se qui serem ser sociedades, precisam mobilizar seus membros como par ticipantes autorreguladores em encontros sociais. Uma forma de mobilizar o indivíduo para esse propósito é através do ritual; ele é ensinado a ser perceptivo , a ter sentimentos ligados ao eu e um eu expresso pela fachada, a ter orgulho, honra e dignidade, a ter consi deração, tato e uma certa quantidade de aprumo. Esses são alguns dos elementos de comportamento que devem ser enxertados na pes soa se quisermos fazer uso prático dela enquanto participante da in teração e, em parte, quando falamos de natureza humana universal é a esses elementos que nos referimos. A natureza humana universal não é uma coisa muito humana. Ao adquiri-la, a pessoa se toma uma espécie de construto, criada não a partir de propensões psíquicas internas, mas de regras morais que são carimbadas nela externamente. Essas regras, quando seguidas, deter minam a avaliação que ela fará sobre si mesma e sobre seus colegas participantes no encontro, a distribuição de seus sentimentos, e os ti pos de práticas que ela empregará para manter um tipo especificado e obrigatório de equilíbrio ritual. A capacidade geral de ser limitado por regras morais pode muito bem pertencer ao indivíduo, mas o conjunto particular de regras que o transforma num ser humano é derivado de requerimentos estabelecidos na organização ritual de en contros sociais. E se uma pessoa ou grupo ou sociedade em particular parecer ter um caráter único inteiramente próprio , é porque seu con junto padrão de elementos da natureza humana é instalado e combi nado de forma particular. Em vez de muito orgulho, pode haver pou co. Em vez de ' ,bedecer as regras, pode haver um grande esforço para quebrá-las en segurança. Mas se quisermos manter um encontro ou cmpreendiw :nto como um sistema viável de interação organizado por princípios rituais, então essas variações precisam ser mantidas dentro de certos limites e bem contrabalançadas por modificações
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correspondentes em algumas das outras regras e entendimentos. Da mesma forma, a natureza humana de um conjunto particular de pes soas pode ser especialmente projetada para o tipo especial de empre endimentos em que elas participam, mas ainda assim todas essas pes soas precisam ter dentro delas algo do equilíbrio de características ne cessárias para um participante utilizável em qualquer sistema organi zado ritualmente de atividade social.
2 A n atureza da deferê ncia
e do porte
Sob a influência de Durkheim e Radcliffe-Brown, alguns estu dantes das sociedades modernas aprenderam a procurar o significa do simbólico de qualquer prática social dada e a contribuição dessa p rática para a integridade e solidariedade do grupo que a emprega. I �ntretanto, ao voltar sua atenção para o grupo em vez do indivíduo, esses estudantes parecem ter negligenciado um tema apresentado no capítulo de Durkheim sobre a alma 1 • Lá, ele sugere que a perso nalidade do indivíduo pode ser vista como uma parcela ?o mana co letivo e que (como ele sugere em capítulos posteriores) os ritos rea l i zados para representações da coletividade social às vezes serão rea l i zados para o próprio indivíduo. Neste capítulo , eu quero explorar alguns dos sentidos em que a pessoa, em nosso mundo secular urbano , recebe um tipo de sacrali dade que é exibido e confirmado por atos simbólicos. Realizarei u ma tentativa de construir um andaime conceitual esticando e re l orcendo alguns termos antropológicos comuns. Isto será usado para apoiar dois conceitos que penso serem centrais para esta área: a deferência e o porte. Através destas reformulações, tentarei mostrar q ue uma versão da psicologia social de Durkheim pode ser eficiente com uma roupagem moderna. Os dados para este capítulo foram retirados primariamente de u m breve estudo observacional sobre pacientes psiquiátricos num
I DURKHEIM, .
É. The Elementary Fonns of the Religious Life. Glencoe: The Free
l ' n·ss , 1 954, p. 240-272.
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hospital de pesquisas moderno 2 . Eu uso estes dados baseado na su posição de que um lugar lógico para aprender sobre propriedades pessoais é entre pessoas que foram trancafiadas por fracassar espeta cularmente em mantê-las . As infrações de propriedades delas ocor rem nos limites de uma enfermaria, mas as regras quebradas são bastante gerais, levando-nos para fora da enfermaria, na direção de um estudo geral de nossa sociedade anglo-americana. Introdução
Uma regra de conduta pode ser definida como um guia para a ação , recomendada não porque ela é agradável, barata ou eficiente, mas porque é apropriada ou justa. As infrações caracteristicamente levam a sentimentos de desconforto e a sanções sociais negativas. As regras de conduta impregnam todas as áreas de atividade e são man tidas pelo nome e honra de quase tudo. Entretanto, sempre estará envolvido um agrupamento de adeptos - ou mesmo uma vida social corporativa - fornecendo através disto um tema sociológico co mum. A ligação a regras leva a uma constãncia e padronização do comportamento; ainda que esta não seja a única fonte de regularida2. A Enfermaria A era formalmente dedicada à pesquisa farmacológica e continha dois controles normais, ambos rapazes menonitas de 19 anos que se opunham ao serviço militar, duas mulheres hipertensas de cerca de 50 anos, e duas mulheres de seus 30 anos diagnosticadas como esquizofrênicas e num grau avançado de remis são. Por dois meses, o autor participou da vida social da enfermaria na posição ofi cial de controle normal, comendo e socializando com os pacientes durante o dia e ocasionalmente dormindo no quarto de uma das pacientes. A Enfermaria B era de dicada ao estudo de garotas esquizofrênicas e suas mães, chamadas de esquizofre nogênicas: uma garota de dezessete anos, Betty, e sua mãe, a sra. Baum; Grace, de quinze anos, e Mary, de trinta e um, cujas mães visitavam a enfermaria na maior parte dos dias da semana. O autor passava parte dos dias da semana na Enfermaria B na posição de sociólogo da equipe. Dentro de certos limites, é possível tratar a Enfermaria A como um exemplo de uma enfermaria não psiquiátrica ordenada, e a Enfermaria B como um exemplo de uma enfermaria com pacientes psiquiátricos um tanto perturbados. Deve ficar bastante daro que apenas um aspecto dos dados será considerado , e que para cada evento citado interpretações adicionais seriam necessárias, por exemplo , interpretações psicanalíticas. - Eu agradeço aos adminis tradores dessas enfermarias, Dr. Seymour Perlin e Dr. Murray Bowen, e suas equi pes, pela cooperação e assistência, e o Dr. john A. Clausen e Charlotte Green Schwartz, então do Instituto Nacional de Saúde Mental, por sugestões críticas. 52
de nas atividades humanas, ela certamente é importante. É claro que guias de conduta aprovados tendem a ser veladamente quebrados, evitados ou seguidos por razões que não seriam aprovadas, mas es sas alternativas apenas aumentam o número de ocasiões em que as regras coagem pelo menos a superfície da conduta. As regras de conduta invadem o indivíduo de duas formas ge rais: diretamente, como obrigações, estabelecendo como ele é mo ralmente coagido a se conduzir; indiretamente, como expectativas, estabelecendo como os outros são moralmente forçados a agir em relação a ele. Uma enfermeira, por exemplo, tem uma obrigação de seguir as ordens médicas sobre seus pacientes; por outro lado , ela tem a expectativa de que seus pacientes cooperarão docilmente, permitindo que ela realize essas ações neles. Essa docilidade, por sua vez, pode ser vista como uma obrigação dos pacientes para sua enfermeira, e demonstra o caráter interpessoal, ator-receptor de muitas regras: a obrigação de um homem muitas vezes será a expec tativa de outro. já que as obrigações envolvem uma coerção para agirmos de uma forma em particular' às vezes as representamos como coisas in cõmodas ou desagradáveis, que devem ser cumpridas, se o fizermos, cerrando os dentes em determinação consciente. Na verdade, a maioria das ações guiadas por regras de conduta são realizadas sem pensar, e o ator questionado diz que as realiza "sem motivo" ou por que ele " teve vontade" . É apenas quando suas rotinas são bloquea das que ele poderá descobrir que suas açõezinhas neutras são o tem po todo consistentes com as propriedades de seu grupo e que seu l'racasso ao realizá-las pode se tomar uma questão de vergonha e hu milhação . Da mesma forma, ele pode considerar suas expectativas l[Uanto aos outros tão evidentes que é apenas quando as coisas dão i nesperadamente errado que ele repentinamente descobrirá que t em motivos para indignação. Quando estiver claro que uma pessoa pode cumprir uma obriga �:ão sem sentir que o faz, podemos ir além disto e ver que uma obriga c;ão que é sentida como algo que deve ser feito pode parecer para a pessoa obrigada ou uma coisa desejada ou uma coisa onerosa, resu mindo, um dever agradável ou desagradável. Na verdade, a mesma obrigação pode parecer ser um dever desejável num momento e um
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dever indesejável em outro, como quando uma enfermeira, obrigada a administrar medicamentos em pacientes, pode ficar feliz por isto quando tenta estabelecer uma distância social dos assistentes (que as enfermeiras podem considerar, num certo sentido, não serem "bons o bastante" para realizar tal atividade) , mas incomodada por isto em ocasiões em que descobre que a dosagem deve ser determinada com base em ordens médicas ilegíveis. Da mesma forma, uma expectativa pode ser percebida pela pessoa que espera como uma coisa desejada ou não , como quando uma pessoa sente que será merecidamente pro movida e outra sente que será merecidamente demitida. No uso co mum, uma regra que o ator ou receptor percebe como algo pessoal mente desejável, independente de sua propriedade, é às vezes chama da de um direito ou privilégio, como farei aqui, mas esses termos têm implicações adicionais, sugerindo aquela classe especial de regras que um indivíduo pode invocar, mas não precisa fazê-lo. Também devemos notar que a obrigação agradável de um ator pode constituir a expectativa agradável de um receptor, como o beijo que o marido deve à esposa quando volta do escritório, mas que, como o exemplo sugere, todos os tipos de combinações são possíveis. Quando um indivíduo se envolve na manutenção de uma regra, ele tende a também se comprometer com uma certa imagem do eu. No caso de suas obrigações , ele se torna, para si mesmo e para os ou tros, o tipo de pessoa que segue essa regra em particular, o tipo de pessoa que naturalmente esperamos que o faça. No caso de suas ex pectativas, ele se torna dependente da suposição de que os outros realizarão apropriadamente as obrigações deles que o afetam, pois o tratamento que eles concedem ao indivíduo expressará uma con cepção dele. Ao se estabelecer como o tipo de pessoa que trata as ou tras de uma certa forma, e é tratado por elas de uma certa forma, ele precisa garantir que será possível para ele agir e ser esse tipo de pes soa. Por exemplo , com certos psiquiatras parece haver um ponto em que a obrigação de dar psicoterapia para os pacientes, seus pacien tes, transforma-se em algo que eles precisam fazer se quiserem man ter a imagem que passaram a ter de si mesmos. O efeito dessa trans formação pode ser visto nas contorções que alguns deles podem fa zer nas fases iniciais de suas carreiras, quando podem se encontrar empregados para fazer pesquisa, ou administrar uma enfermaria, ou dar terapia para pessoas que prefeririam ser deixadas em paz.
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Então , de modo geral, quando uma regra de conduta é quebra da, descobrimos que dois indivíduos correm o risco de se tornarem desacreditados: um com uma obrigação , quem deveria ter sido go vernado pela regra; o outro com uma expectativa, quem deveria ter sido tratado de uma forma particular por causa desse governo . Tan Lo o ator quanto o receptor são ameaçados. Um ato que está sujeito a uma regra de conduta é, então , uma comunicação , pois ele representa uma forma pela qual os eus são confirmados - tanto o eu para quem a regra é uma obrigação quanto aquele para quem é uma expectativa. Um ato que está suj eito a re gras de conduta, mas que não se conforma a elas também é uma co municação - muitas vezes ainda mais - pois infrações geram notícias, c muitas vezes de forma a deslegitimar os eus dos participantes. Assim, as regras de conduta transformam a ação e a inação em ex pressão , e é provável que algo significativo seja comunicado, inde pendente de se o indivíduo segue as regras ou as quebra. Por exem plo , nas enfermarias que estudei, todos os psiquiatras pesquisadores tendiam a esperar que seus pacientes aparecessem regularmente para suas sessões terapêuticas. Quando os pacientes cumpriam essa obrigação , eles demonstravam que apreciavam sua necessidade de t ratamento e que seu psiquiatra era o tipo de pessoa que consegue estabelecer uma "boa relação" com os pacientes. Quando um paci ente se recusava a comparecer à sua sessão terapêutica, outras pes soas na enfermaria tendiam a achar que ele estava "doente demais" para saber o que era bom para ele, e que talvez seu psiquiatra não l'osse o tipo de pessoa que consegue estabelecer relações boas. Com parecendo ou não a suas consultas, os pacientes tendiam a comuni car algo importante sobre eles e seu psiquiatra para a equipe e os ou t ros pacientes na enfermaria. Ao considerar a participação do indivíduo na ação social, precisa mos entender que, num certo sentido, ele não participa como uma pessoa total, mas sim em termos de uma capacidade ou estatuto espe cial; resumindo, em termos de um eu especial. Por exemplo, pacien t es que por acaso sejam mulheres podem ser obrigadas a agir de for ma sem-vergonha diante de médicos que por acaso sejam homens, já que é a relação médica, e não a sexual, que é definida como oficial J nente relevante. No hospital de pesquisa estudado, havia pacientes e membros da equipe negros, mas esses indivíduos não estavam oficial mente (ou, mesmo de modo geral, não oficialmente) ativos nesse es55
tatu to de grupo minoritário. É claro que durante encontros face a face os indivíduos podem participar oficialmente em mais de uma capaci dade. Além disso , quase sempre damos algum peso não oficial a capa cidades definidas como oficialmente irrelevantes, e a reputação que ganhamos em uma capacidade fluirá para a reputação que ganhamos em nossas outras capacidades, e até certo ponto a determinará. Mas essas questões precisam de uma análise mais refinada. Ao lidar com regras de conduta é conveniente distinguir duas classes, simétrica e assimétrica3 • Uma regra simétrica é aquela que leva um indivíduo a ter obrigações ou expectativas em relação a ou tros que estes outros têm em relação a ele. Por exemplo , nas duas enfermarias do hospital, assim como na maioria dos outros lugares em nossa sociedade, havia um entendimento de que nenhum indiví duo deveria roubar outro indivíduo , independentemente de seus respectivos estatutos, e todos os indivíduos da mesma forma podi am esperar não ser roubados por ninguém. Aquilo que chamamos de cortesias comuns e regras da ordem pública tendem a ser simétri cas, como o são as admoestações bíblicas como a regra de não dese jar a mulher do próximo . Uma regra assimétrica é aquela que leva os outros a tratar e serem tratados por um indivíduo de modo diferente daquele com que ele trata e é tratado por eles. Por exemplo , médicos dão ordens médicas para enfermeiras, mas enfermeiras não dão or dens médicas para médicos. Da mesma forma, em alguns hospitais dos Estados Unidos, as enfermeiras se levantam quando um médico entra na sala, mas os médicos normalmente não se levantam quando uma enfermeira entra na sala. Os estudantes da sociedade fizeram várias distinções entre tipos de regras, como, por exemplo, regras formais e informais; entretan to , para este capítulo, a distinção importante é aquela entre substân cia e cerimõnia4 • Uma regra substantiva é aquela que guia a conduta
THOULESS, R.H. General and Social Psychology. Londres: University Tutorial Press, 1 95 1 , p. 272-273. 3.
4. Eu retirei esta distinção de DURKHEIM; É. "The Determination o f Moral Facts" . Socíology and Philosophy. Glencoe: Free Press, 1953, esp. p. 42-43 . Cf. tb . RAD CLIFFE-BROWN , A.R. Taboo - Structure and Function in Primitive Society. Glen coe: Free Press , 1 95 2 , p. 143 - 1 44. PARSONS, T. The Structure of Social Action. N ova York: McGraw-Hill, 1 937, p. 430-433. Às vezes a dicotomia é fraseada em termos de "intrínseco" ou "instrumental" contra "expressivo" ou "ritual" . •
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em relação a questões consideradas significativas por si só , significân cia esta separada daquilo que a infração ou manutenção da regra ex pressa sobre os eus das pessoas envolvidas. Assim, quando um indiví duo se abstém de roubar outros, ele mantém uma regra substantiva que serve principalmente para proteger a propriedade desses outros, e apenas incidentalmente funciona para proteger a imagem que eles têm de si mesmos como pessoas com direitos de propriedade. As im plicações expressivas de regras substantivas são oficialmente consi deradas secundárias; essa aparência deve ser mantida, mesmo que em algumas situações especiais todos possam sentir que os participantes estavam preocupados principalmente com a expressão . Uma regra cerimonial é aquela que guia a conduta e m questões consideradas de importância secundária ou até mesmo não existen te por si só , tendo sua importância primária - pelo menos oficial mente - como um meio convencionalizado de comunicação através do qual o indivíduo expressa seu caráter ou transmite sua aprecia ção dos outros participantes na situação5 • Esse uso difere do uso co'5. Ainda que o valor substantivo de atos cerimoniais seja considerado bastante se cundário, ele pode ser apreciável. Presentes de casamento na sociedade americana são um exemplo. É até possível dizer em alguns casos que, se quisermos transmitir um certo sentimento cerimonialmente, será necessário empregar um veículo simbó l ico que tenha uma certa quantidade de valor substantivo. Assim, na classe média bai xa americana, entende-se que um investimento pequeno num anel de noivado, em termos de investimento, pode significar que o homem dá um valor pequeno à sua noi va, em termos emocionais, mesmo que ninguém realmente acredite que mulheres e anéis são coisas semelhantes. Nesses casos em que fica claro demais que o valor subs tantivo de um ato cerimonial é a única preocupação dos participantes, como quando uma garota ou um funcionário recebe um presente significativo de alguém que não está interessado em relações apropriadas, então a comunidade pode responder com uma sensação de que seu sistema simbólico foi abusado. Um caso-limite interessante do componente cerimonial da atividade pode ser encon t rado no fenômeno da "galanteria" , como quando um homem calmamente dá passa gem para deixar uma dama desconhecida entrar antes dele num bote salva-vidas, ou quando um espadachim, durante um duelo, graciosamente pega a arma caída de seu adversário e a oferece de volta a ele. Aqui, um ato que normalmente é um gesto ceri monial de valor substantivo insignificante é realizado sob condições em que se sabe que ele terá inesperadamente um grande valor substantivo. Aqui, por assim dizer, as ronnas da cerimônia são mantidas além do chamado do dever. Então, de modo geral, podemos dizer que todos os gestos cerimoniais diferem no grau em que têm valor substantivo, e que esse valor substantivo pode ser utilizado sistematicamente como parte do valor comunicativo do ato, mas que ainda assim a ordem cerimonial é dife rrnte da ordem substantiva, e esta diferença é compreendida.
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tidiano , em que "cerimônia" tende a implicar uma sequência exten sa de ação simbólica altamente especificada realizada por atores ve neráveis em ocasiões solenes, e onde é provável que sentimentos re ligiosos sejam invocados. Em minha tentativa de enfatizar o que há de comum a práticas como tirar o chapéu e coroações, eu forçosa mente ignorarei as diferenças entre elas a um ponto que muitos an tropólogos talvez possam considerar impraticável. Em todas as sociedades as regras de conduta tendem a ser orga nizadas em códigos que garantem que todos ajam apropriadamente e recebam o que merecem. Em nossa sociedade, o código que gover na regras substantivas e expressões substantivas compreende nossa lei, moralidade e ética, e o código que governa regras cerimoniais e expressões cerimoniais é incorporado naquilo que chamamos de etiqueta. Todas as nossas instituições têm os dois tipos de códigos, mas neste capítulo eu restringirei a atenção ao cerimonial. Os atos ou eventos, quer dizer, os veículos ou fichas simbólicas que carregam mensagens cerimoniais têm caráter notavelmente varia do. Eles podem ser linguísticos, como quando um indivíduo emite um enunciado de louvor ou depreciação sobre si mesmo ou outra pessoa, e o faz numa linguagem e entonação particular6 ; gestuais, como quando a orientação física de um indivíduo transmite insolên cia ou subserviência; espaciais, como quando um indivíduo precede outro através da porta, ou se senta à sua direita em vez da esquerda; incorporados em tarefas, como quando um indivíduo aceita uma ta refa graciosamente e a realiza na presença de outros com segurança e destreza; parte da estrutura comunicativa, como quando um indiví duo fala mais frequentemente que os outros, ou recebe mais atenção que eles. O importante é que a atividade cerimonial, como a atividade substantiva, é um elemento analítico que se refere a um componente ou função da ação, e não à ação empírica concreta em si. Apesar de al gumas atividades com um componente cerimonial parecerem não ter um componente substantivo apreciável, percebemos que toda ativi dade de significância primariamente substantiva carregará de alguma forma algum significado cerimonial, desde que sua realização seja
6. GARVIN , P . L. &: RIESENBERG , S. H. "Respect Behavior on Pronape: An Ethno linguistic Study" . American Anthropologist, 54, 1952, p. 20 1 -220.
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percebida por outros de alguma forma. A maneira pela qual a ativida de é realizada, ou as interrupções momentâneas que são permitidas para trocarmos pequenas delicadezas, instilarão significância cerimo nial na situação orientada instrumentalmente. Podemos nos referir aos veículos empregados por um dado gru po social para propósitos cerimoniais como seu idioma cerimonial. Normalmente diferenciamos sociedades de acordo com a quantidade de cerimonial injetado num dado período e tipo de interação, ou de acordo com a abrangência das formas e a minuciosidade de sua espe cificação; talvez fosse melhor distinguir as sociedades de acordo com se a cerimônia necessária é realizada como um dever desagradável ou, espontaneamente, como um dever despercebido e agradável. A atividade cerimonial parece conter certos componentes bási cos. Como foi sugerido, um dos principais obj etivos deste capítulo será delinear dois destes componentes, a deferência e o porte, e es clarecer a distinção entre eles. Deferência
Com "deferência" eu me refiro ao componente da atividade que funciona como um meio simbólico através do qual se comunica re gularmente apreciação para um receptor deste receptor, ou de algo do qual este receptor é co :1siderado um símbolo , extensão ou agen Le 7 . Essas marcas de devoção representam formas pelas quais um ator celebra e confirma sua relação com um receptor. Em alguns ca sos, tanto o ator quanto o receptor podem na verdade não ser indiví duos, como quando dois navios se cumprimentam com quatro api Los breves quando se cruzam. Em alguns casos, o ator é um indiví duo , mas o receptor é algum obj eto ou ídolo, como quando um ma rinheiro saúda o tombadilho superior ao embarcar no navio , ou quando um católico se ajoelha perante o altar. Entretanto , eu me
7. Parte do material conceitual sobre deferência usado neste capítulo é derivada de um estudo financiado por uma bolsa da Fundação Ford para um inventário propo sicional da estratificação social dirigido pelo Professor E.A. Shils da Universidade de Chicago. Fico muito grato ao Sr. Shils por me orientar para o estudo do compor t amento da deferência. Ele não é responsável por qualquer uso equivocado que eu t enha feito de sua concepção . 59
preocuparei apenas com o tipo de deferência que ocorre quando tanto o ator quanto o receptor são indivíduos, estejam eles agindo ou não em nome de algo que não sej a eles mesmos. Tal atividade ce rimonial talvez seja vista mais claramente nas pequenas saudações, elogios e desculpas que pontuam o intercurso social, e podemos nos referir a ela como "rituais de estatuto" ou "rituais interpessoais" 8 • Eu utilizo o termo "ritual" porque essa atividade, por mais informal e secular que seja, repres�nta uma forma pela qual o indivíduo pre cisa proteger e projetar as implicações simbólicas de seus atos en quanto estiver na presença imediata de um obj eto que tenha um va lor especial para ele9 • O estudo de rituais de deferência parece poder ir em duas dire ções principais. Uma é escolher um dado ritual e tentar descobrir os fatores comuns a todas as situações sociais em que ele é realizado , pois é através de tal análise que podemos alcançar o "significado" do ritual. A outra é coletar todos os rituais realizados para um dado re ceptor, seja de quem vier o ritual. Cada um desses rituais pode então ser interpretado em busca do significado expresso simbolicamente que está incorporado nele. Juntando esses significados, podemos chegar à concepção do receptor que os outros são obrigados a man ter sobre ele e para ele. O indivíduo pode desej ar, ganhar e merecer deferência, mas de modo geral não é permitido que ele a dê pa1 1 si mesmo, e ele é força do a procurá-la nos outros. Ao procurá-la nos outros, ele descobre que tem mais motivos para procurá-los, e por sua vez a sociedade ganha uma garantia maior de que seus membros constituirão intera ções e relações entre si. Se o indivíduo pudesse dar a si mesmo a de ferência que deseja, poderia haver uma tendência para a sociedade
Técnicas para lidar com essas obrigações cerimoniais são examinadas em "Sobre a preservação da fachada" .
8.
9 . Essa definição segue a d e RADCLIFFE-BROWN , A.R. Taboo . . . Op. cit. p . 1 23 , exceto que e u ampliei seu termo "respeito" para incluir outros tipos d e considera ção: "Existe uma relação ritual sempre que uma sociedade impõe para seus mem bros uma certa atitude perante um objeto, em que tal atitude envolve algum grau de respeito expresso por um modo de comportamento tradicional com referência a esse obj eto" .
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se desintegrar em ilhas habitadas por devotos solitários, todos vene rando continuamente seu próprio altar. A apreciação comunicada por um ato de deferência implica que o ator possui um sentimento de estima pelo receptor, o que muitas vezes envolve uma avaliação geral do receptor. A estima é algo que o indivíduo constantemente tem para os outros, e conhece o bastante para ocasionalmente fingir que tem; mas ao ter estima por alguém, o indivíduo é incapaz de especificar detalhadamente o que tem de fato em mente.
É claro que aqueles que prestam deferência para um indivíduo
podem sentir que estão fazendo isso meramente porque ele é um exemplo de uma categoria, ou um representante de alguma coisa, e que eles estão dando a ele o que merece não por causa daquilo que "pessoalmente" pensam sobre ele, mas apesar disso. Algumas orga nizações, como as forças armadas, explicitamente enfatizam esse tipo de raciocínio para prestar deferência, levando a uma concessão impessoal de algo que é dirigido especificamente para a pessoa. Ao demonstrar facilmente uma estima que ele não tem, o ator pode sen tir que está preservando um tipo de autonomia interna, manten do-se à distância da ordem cerimonial através do próprio ato de mantê-la . E é claro que, ao observar escrupulosamente as formas apropriadas, ele pode descobrir que está livre para inserir todo tipo de descaso , modificando cuidadosamente a entonação , pronúncia, ritmo , e assim por diante. Ao pensarmos sobre a deferência, é comum utilizarmos como modelo os rituais de obediência, submissão e conciliação que al guém suj eito à autoridade oferece para alguém que tem autoridade. A deferência passa a ser concebida como algo que um subordinado deve a seu superior. Esta é uma visão extremamente limitadora da deferência por dois motivos. Primeiro , há inúmeras formas de defe rência simétrica que pessoas em igualdade social devem umas às ou tras; em algumas sociedades, por exemplo a tibetana, saudações en tre indivíduos iguais de posição alta podem se tomar exibições pro longadas de conduta ritual, de abrangência e duração maiores do que o tipo de obediência que um governado pode dever a seu gover nante em sociedades menos ritualizadas. Da mesma forma, há obri gações de deferência que os superiores devem a seus subordinados; 61
altos sacerdotes no mundo inteiro parecem obrigados a responder a ofertas com algum equivalente de "Deus te abençoe, meu filho" . Se gundo , a estima que o ator tem pelo receptor não precisa ser do tipo de pasmo respeitoso; há outros tipos de estima que também são ex pressos regularmente através de rituais interpessoais, como a confi ança, como quando um indivíduo dá as boas-vindas a estranhos que aparecem de repente em sua casa, ou o respeito pela capacidade, como quando o indivíduo aceita o conselho técnico de outro . Um sentimento de estima que tem um papel importante na deferência é aquele da afeição e pertencimento . Podemos ver isto em seu exem plo mais extremo na obrigação de um homem recém-casado em nossa sociedade de tratar sua noiva com deferência afetiva sempre que for possível transformar o comportamento ordinário numa exi bição desse tipo . Nós a encontramos mais rotineiramente, por exemplo, como um componente em muitas despedidas nas quais, como em nossa sociedade de classe média, o ator será obrigado a in fundir tristeza e arrependimento em sua voz, assim prestando defe rência ao estatuto do receptor como alguém por quem outros po dem ter carinho. Em estabelecimentos psiquiátricos "progressivos" , uma demonstração deferente de aceitação , afeição e preocupação podem compor um aspecto constante e significativo da posição to mada por membros da equipe ao contatar pacientes. Na Enfermaria B, de fato , as duas pacientes mais j ovens pareciam ter se acostumado tanto a receber tais ofertas , e duvidavam tanto delas, que às vezes respondiam de forma zombeteira, aparentemente num esforço de restabelecer a interação no que lhes parecia um nível mais sincero. Parece que o comportamento de deferência como um todo tende a ser honorífico e ter um tom polido, comunicando uma apreciação do receptor que, de muitas formas, é mais elogiosa ao receptor do que podem ser os sentimentos verdadeiros do ator. O ator tipicamente dá ao receptor o benefício da dúvida, e pode até esconder uma estima baixa por trás de uma meticulosidade adicional. Assim, os atos de deferência muitas vezes evidenciam linhas gerais ideais às quais po demos então, de vez em quando, referir a atividade real entre o ator e o receptor. Como um último recurso , o receptor tem o direito de fa zer um apelo direto a essas definições honoríficas da situação, de in sistir sobre suas reivindicações teóricas, mas se ele for precipitado o
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suficiente a ponto de fazer isso, é provável que a partir de então sua relação com o ator seja modificada. As pessoas sentem que o receptor não deve compreender o ator literalmente, nem obrigá-lo a mostrar suas intenções, e deve se contentar com a demonstração de aprecia ção em vez de uma expressão mais substantiva dela. Por isso, desco brimos que muitos atos automáticos de deferência contêm um signi ficado vestigial, tendo a ver com uma atividade em que ninguém mais está engajado e implicando uma apreciação que há muito tempo não é mais esperada - e ainda assim sabemos que esses tributos antiqua dos não podem ser negligenciados impunemente. Além de um sentimento de estima, os atos de deferência tipica mente contêm uma espécie de promessa, expressando de forma truncada a admissão e compromisso do ator de tratar o receptor de uma forma particular na atividade que se seguirá. O compromisso afirma que as expectativas e obrigações do receptor, tanto substanti vas quanto cerimoniais, serão permitidas e apoiadas pelo ator. Os atores prometem, assim, manter a concepção do eu que o receptor construiu a partir das regras em que está envolvido. (Talvez o protó tipo aqui sej a o ato público de vassalagem em que um indivíduo ofi cialmente reconhece sua subserviência ao seu senhor em certos as suntos. ) Compromissos de deferência frequentemente são comuni cados através de termos falados envolvendo identificadores de esta tuto , como quando uma enfermeira responde a uma censura na sala de cirurgias com a frase "sim, doutor" , significando através desse termo e do tom da voz que a crítica foi entendida e que, por menos palatável que a crítica seja, ela não causou rebeldia. Quando um su posto receptor não recebe atos de deferência previstos, ou quando um ator deixa claro que está prestando homenagens de má vontade, o receptor pode sentir que o estado de coisas que ele considerava evidente se tornou instável, e que o ator pode realizar um esforço de insubordinação para realocar tarefas, relações e poder. Trazer à tona um ato de deferência estabelecido , mesmo que antes sej a preciso lembrar o ator de suas obrigações e das consequências da descorte sia, é prova de que se a rebelião vier, virá dissimuladamente; recusar abertamente um ato de deferência esperado muitas vezes é uma for ma de afirmar que a insurreição aberta começou.
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É preciso mencionar uma complicação adicional. Um ato de deferência particular é algo que um ator, agindo numa certa capaci dade, deve a um receptor, agindo numa certa capacidade. Mas é pro vável que esses dois indivíduos estejam relacionados através de mais do que um par de capacidades, e é provável que essas relações adicionais também recebam expressão cerimonial. Por isso, o mes mo ato de deferência pode mostrar sinais de tipos de estima diferen tes, como quando um doutor, através de um gesto paternal, demons tra autoridade sobre uma enfermeira em sua capacidade de técnica subordinada, mas também afeição por ela como uma jovem que de pende dele em sua capacidade de homem mais velho e compreensivo . Da mesma forma, um assistente, ao chamar alegremente um médico de "Doc"10 pode às vezes demonstrar respeito pelo papel médico e ao mesmo tempo solidariedade masculina com a pessoa que o desempe nha. Precisamos assim, em todo este capítulo , manter em mente que um ato de comportamento de deferência não é uma única nota ex pressando uma única relação entre dois indivíduos ativos num único par de capacidades, e sim uma mistura de vozes respondendo ao fato de que o ator e o receptor estão em muitas relações diferentes entre si, e nenhuma delas normalmente recebe uma determinabilidade exclu siva e contínua da conduta cerimonial. Podemos citar um exemplo interessante dessa complexidade quanto às relações entre senhor e criado de um livro de etiqueta do século dezenove: Emita suas ordens com gravidade e gentileza, e de forma reservada. Que sua voz seja bem composta, mas evite um tom de familiaridade ou simpatia com eles. É melhor, ao falar com eles, usar uma tonalidade de voz mais aguda, e não permita que ela caia no final de uma sentença. O ho mem de melhor educação que tivemos o prazer de conhecer sempre empregava, ao falar com criados, formas de fala como as seguintes - "Eu te agradeceria por isto ou aquilo" "Esta coisa, por favor" -, com um tom gentil, mas uma to nalidade muito elevada. A perfeição dos modos, neste caso particular, é indicar através da sua linguagem que o ato é um favor, e através do seu tom que é algo evidenten .
Abreviação informal d e doctor, " doutor" e m inglês [N.T. ] . AN Ô NIMO. The Laws of Etiquette. Filadélfia: Carey/I..e e and Blanchard, 1836, p . 188. 10. 11.
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A deferência pode assumir várias formas, das quais tratarei ape nas de dois agrupamentos amplos, os rituais de evitação e os de apresentação. Os rituais de evitação , enquanto um termo, podem ser empre gados para se referir às formas de deferência que levam o ator a man ter distância do receptor e não violar o que Simmel chamou de "es fera ideal" que está ao redor do receptor: Apesar de diferir em tamanho em várias direções e diferir de acordo com a pessoa com quem mantemos relações, esta esfera só pode ser penetrada destruindo o valor de personalidade do indivíduo . Uma esfera deste tipo é colo cada ao redor de um homem pela sua honra. A linguagem pungentemente designa um insulto à honra como "che gar perto demais" ; o raio desta esfera demarca, por assim dizer, a distância cuja transgressâo por outra pessoa in sulta nossa honra1 2 •
Toda sociedade pode ser lucrativamente estudada como um sis tema de arranj os deferentes de distância, e a maioria dos estudos nos dão algumas evidências disto 13 . Evitar o nome própri9 de outra pessoa talvez seja o exemplo mais comum da antropologia, e deve ria ser tão comum quanto na sociologia. Aqui, devemos dizer, está uma das diferenças importantes entre classes sociais em nossa sociedade: não apenas as fichas através das quais a consideração pela privacidade dos outros é expressa são di ferentes, mas também, aparentemente, quanto mais alta a classe mais extensos e elaborados serão os tabus contra o contato . Por exemplo, num estudo de uma comunidade das Ilhas Shetland, o au tor descobriu que, quando saímos dos centros urbanos de classe média na Grã-Bretanha para as ilhas rurais de classe baixa, a distân cia entre as cadeiras da mesa diminui a ponto de, nas Ilhas Shetland mais distantes, o contato corporal durante refeições e ocasiões soci ais similares não ser considerado uma invasão da privacidade, e não ser preciso pedir desculpas por isso. E ainda assim, qualquer que
12.
SIMMEL, G. The Sociology of Georg Simmel. Glencoe: Free Press, 1950, p. 3 2 1 .
P. ex. , HODGE , F . H . Etiquette: Handbook o f American Indians. Washington: Govemment Printing House, 1 907, p. 442. 13.
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seja a posição dos participantes numa ação, é provável que o ator sinta que o receptor tem alguma expectativa de inviolabilidade bem fundamentada. Quando um ator não precisa mostrar preocupação em penetrar a reserva pessoal normal do receptor, e não precisa ter medo de conta miná-lo através de qualquer penetração de sua privacidade, dizemos que o ator está em termos de familiaridade com o receptor. (A mãe que se sente livre para limpar o nariz de seu filho é um exemplo extre mo.) Quando o ator precisa demonstrar circunspecção em sua abor dagem do receptor, falamos de não familiaridade ou respeito. As re gras que governam a conduta entre dois indivíduos podem, mas não precisam, ser simétricas em relação à familiaridade ou ao respeito. Parece haver algumas relações típicas entre a distância cerimo nial e outros tipos de distância sociológica. Entre pessoas de estatu to igual, podemos esperar encontrar a interação guiada pela familia ridade simétrica. Entre superior e subordinado , podemos esperar encontrar relações assimétricas, tendo o superior o direito de exer cer certas familiaridades que o subordinado não tem permissão de retribuir. Assim, no hospital de pesquisa, os médicos tendiam a cha mar as enfermeiras pelos seus primeiros nomes, enquanto as enfer meiras respondiam com o tratamento "educado" ou "formal" . Da mesma forma, em organizações comerciais americanas, o chefe pode atenciosamente perguntar ao ascensorista como vão os filhos deste , mas essa entrada na vida de outra pessoa pode ser bloqueada para o ascensorista, que pode agradecer pela preocupação, mas não retribuí-la. Talvez a forma mais clara disto sej a encontrada na rela ção entre psiquiatra e paciente, onde o psiquiatra tem o direito de tocar em aspectos da vida do paciente que o próprio paciente não se permite tocar, enquanto obviamente este privilégio não é retribuí do . (Há alguns psicanalistas que acreditam ser desejável "analisar a contra transferência com o paciente" , mas esta, ou qualquer outra familiaridade da parte do paciente, é fortemente condenada pelos órgãos psicanalíticos oficiais. ) Os pacientes, especialmente os psi quiátricos , podem não ter sequer o direito de questionar seu médico quanto à opinião dele sobre os seus próprios casos; entre outras coi sas, isto os colocaria num contato íntimo demais com uma área do conhecimento em que os médicos investem sua separação especial do público leigo que eles servem. 66
Apesar dessas correlações entre a distância cerimonial e outros tipos de distância serem típicas, precisamos ter bastante clareza quanto ao fato de que outras relações muitas vezes são encontradas. Assim, pessoas de estatuto igual que não se conhecem bem podem estar em termos de respeito recíproco, e não familiaridade. Além disso , há muitas organizações nos Estados Unidos em que as dife renças de posição são vistas como uma ameaça tão grande ao equilí brio do sistema que o aspecto cerimonial do comportamento fun ciona não como uma forma de expressar iconicamente essas dife renças, mas como uma forma de cuidadosamente contrabalançá-las. No hospital de pesquisa que foi estudado , os psiquiatras, psicólogos e sociólogos faziam parte de um único grupo cerimonial em relação ao tratamento pelo primeiro nome, e essa familiaridade simétrica aparentemente servia para mitigar alguma sensação da parte dos psicólogos e sociólogos de que eles não eram membros iguais da equipe, o que realmente não eram. Da mesma forma, num estudo de gerentes de pequenas empresas, o autor 14 descobriu que funcioná rios de postos de gasolina tinham o direito de interromper seu che fe, dar tapinhas em suas costas, zombar dele, usar seu telefone e to mar outras liberdades, e que essa permissividade ritual parecia for necer um modo através do qual o gerente conseguia manter o ânimo e a honestidade de seus empregados. Precisamos perceber que orga nizações bastante semelhantes estruturalmente podem ter estilos de deferência muito diferentes, e que os padrões de deferência são par cialmente uma questão de moda variável. Em nossa sociedade, as regras que tratam da manutenção da distância são numerosas e fortes. Elas tendem a enfocar certos as suntos, como lugares físicos e propriedades definidas como "próprias" do receptor, o equipamento sexual do corpo, etc. Um foco impor tante de evitação por deferência consiste no cuidado verbal que os atores são obrigados a exercer para não trazer para a discussão as suntos que possam ser dolorosos, constrangedores ou humilhantes para o receptor. Nas palavras de Simmel: O mesmo tipo de círculo que envolve o homem - ainda que seja valorizado de forma muito diferente é preen-
14. Artigo inédito preparado para Social Research, Inc . , 1952. 67
chido por seus negócios e características. Penetrar esse círculo através de sua percepção constitui uma violação de sua personalidade. Assim como a propriedade mate rial é, por assim dizer, uma extensão do seu eu , e qual quer interferência com nossa propriedade é, por essa ra zão , considerada uma violação da pessoa, também há uma propriedade privada intelectual, cuja violação causa uma lesão do eu no seu próprio centro . A discrição é sim plesmente a sensação de que existe um direito em relação à esfera dos conteúdos imediatos da vida. É claro que a discrição difere em sua extensão com personalidades di ferentes, assim como as posições de honra e propriedade têm raios diferentes em relação a indivíduos "próximos" , e estranhos, e pessoas indiferentes 1 5•
A evitação por deferência pode ser ilustrada pela Enfermaria A, onde as regras a esse respeito eram bastante institucionalizadas 16 • O fato de que duas das pacientes tiveram experiência num hospital psiquiátrico do estado não era abordado nem em conversas sérias nem por brincadeira, exceto quando as próprias mulheres o traziam à tona; o mesmo ocorria com a idade dessas pacientes (que estavam nos meados de seus trinta anos) . O fato de que os dois pacientes masculinos se opunham ao serviço militar nunca era abordado , nem mesmo por eles. O fato de que uma das pacientes era cega e outra negra nunca era discutido pelos outros na presença delas. Quando uma paciente pobre se recusou a participar de uma excursão dizen do ser indiferente, sua racionalização para não sair foi aceita e sua ficção foi respeitada, ainda que os outros soubessem que ela queria ir, mas tinha vergonha por não possuir um casaco apropriado . Não se perguntava sobre as sensações de pacientes prestes a receber dro gas experimentais, ou que acabavam de receber drogas, a não ser que eles próprios abordassem o tópico. Mulheres solteiras, fossem pacientes ou enfermeiras, não eram questionadas diretamente sobre namorados. Informações sobre afiliações religiosas eram oferecidas, mas raramente requisitadas.
1 5 . SIMMEL, G. The Sociology of Georg Simmel. Op. cit. , p. 322. 16. Agradeço ao Dr. Seymour Perlin por chamar minha atenção a algumas destas evitações e por apontar sua importância. 68
A violação de regras tratando da privacidade e separação é um fenômeno que pode ser estudado de perto em enfermarias psiquiá tricas porque normalmente os pacientes e a equipe causam muitas dessas violações. Às vezes ela surge daqueles que são considerados os requerimentos substantivos ou instrumentais da situação . Quan do um paciente psiquiátrico é admitido num hospital, costumeira mente é feita uma lista com todos os seus pertences; isto requer que ele se entregue a outros de uma forma que ele pode ter aprendido a definir como uma humilhação . Periodicamente, seus pertences po dem ser revistados num esforço geral para livrar a enfermaria de "obj etos afiados" , bebidas, narcóticos e outros contrabandos. A pre sença de um microfone que se sabe que está escondido no quarto de todos os pacientes e ligado a um alto-falante na estação das enfermei ras é uma invasão adicional (mas que só ocorre nos hospitais mais novos) ; a censura de cartas para fora do hospital é outra. A psicote rapia, especialmente quando o paciente compreende que outros membros da equipe aprenderão sobre o seu progresso e receberão inclusive um relato detalhado sobre o caso, é outra invasão desse tipo ; também o é a prática de fazer com que as enfermeiras e os assis tentes "mapeiem" o curso das sensações e atividades diárias do paci ente. Os esforços da equipe para "formar relações" com os pacien tes, para quebrar períodos de retraimento no interesse da terapia, é outro exemplo . Formas clássicas de " tratamento de não pessoas" são encontradas , com os membros da equipe respeitando tão pou co a evitação por deferência que discutem intimidades de um paci ente na presença dele como se ele simplesmente não estivesse lá. O banheiro não tem porta , ou , se tiver, ela não tem tranca ; os dormi tórios coletivos, especialmente no caso de pacientes de classe mé dia , são outro ataque à privacidade. O tratamento dado a pacientes "muito perturbados" em muitos hospitais públicos grandes leva a uma direção semelhante , com a medicação forçada, pacotes de gelo aplicados ao corpo nu , ou o confinamento nu numa solitária vazia que pode ser observada pela equipe e outros pacientes. Ou tro exemplo é a alimentação forçada , em que um paciente mudo assustado que poderia desej ar manter alguns alimentos longe de sua boca enfrenta um assistente que precisa garantir que os paci entes sej am alimentados.
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Podemos fazer um paralelo entre as invasões de privacidade que têm uma justificativa técnica instrumental e aquelas de uma nature za mais puramente cerimonial. Desta forma, pacientes "psicóticos" e "em atuação" são aqueles que muito provavelmente ultrapassarão os limites da polidez e farão perguntas constrangedoras para seus colegas e a equipe, ou que farão elogios que normalmente não teri am direito de fazer, ou realizarão gestos de apreciação como abraçar ou beijar, que são considerados inapropriados. Assim, na Enferma ria B, membros masculinos da equipe eram afligidos por enunciados como " Por que você se cortou ao barbear desse j eito" , "Por que você sempre usa as mesmas calças, estou cansada delas" , "Olhe toda essa caspa que você tem" . Ao se sentar ao lado de uma das pacientes, um membro masculino da equipe poderia ter que se afastar continua mente para manter uma distância aparentemente segura entre ele e a paciente. Algumas das formas usadas pelos indivíduos na Enfermaria A para manter distância ficavam claras em contraste com a incapaci dade dos pacientes da Enfermaria B de fazer isso . Na Enfermaria A, a regra de que os pacientes deviam ficar fora da estação das enfermei ras era obedecida. Os pacientes esperavam um convite ou, o que acontecia costumeiramente, ficavam na porta para poder falar com as pessoas na estação sem se aproximar demais. Assim, não era ne cessário que a equipe trancasse a porta da estação quando uma en fermeira estava lá. Na Enfermaria B não era possível manter três das pacientes fora da estação simplesmente com pedidos, e por isso a porta tinha que ser trancada para manter a privacidade. Mesmo as sim, as paredes da estação eram efetivamente derrubadas por bati das e gritos contínuos. Em outras palavras, na Enfermaria A, o anel protetor que as enfermeiras e assistentes criavam ao redor de si quando se retiravam para a estação era respeitado pelos pacientes, o que não ocorria na Enfermaria B. Posso citar um segundo exemplo. Os pacientes na Enfermaria A tinham sentimentos conflitantes sobre alguns de seus médicos, mas cada paciente conhecia um ou dois médicos de que gostava. Assim, à mesa, nas refeições, quando um dos médicos favoritos passava, havia uma troca de cumprimentos; mas, em termos cerimoniais, apenas isso . Ninguém consideraria apropriado perseguir os médi-
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cos, atormentá-los e , de modo geral, invadir seu direito de separa ção. Entretanto , na Enfermaria B, a entrada de um médico muitas vezes era um sinal para algumas das pacientes saírem correndo na direção dele, tomando liberdades afetivas como segurar a mão dele ou envolvê-lo pelo ombro , e então andavam com ele no corredor, numa conversa afetiva de brincadeira. E muitas vezes, quando um médico se retirava atrás de uma das portas de escritórios da enfer maria, pacientes batiam na porta e olhavam pela janela de vidro , e se recusavam a manter a distância esperada de outras formas. Uma paciente da Enfermaria B, a Sra. Baum, parecia ter um ta lento especial para adivinhar o que seria uma invasão da privacida de de outras pessoas. Por exemplo , numa excursão de compras, ela entrava atrás do balcão ou examinava os conteúdos da sacola de um estranho . Outras vezes, ela entrava no carro de um estranho num cruzamento e pedia uma carona. De modo geral, ela dava ao estu dante um lembrete constante do vasto número de atos e obj etos di ferentes que são usados como marcadores das fronteiras da privaci dade, sugerindo que , no caso de algumas "desordens mentais" , a sintomatologia é especificamente, e não apenas incidentalmente, uma manutenção imprópria da distância social. A análise da evitação por deferência foi às vezes prejudicada porque existe um outro tipo de evitação cerimonial, um tipo auto protetor, que se parece com a coerção por deferência, mas é analiti camente bastante diferente. Assim como um indivíduo pode evitar um obj eto para não poluí-lo ou profaná-lo , ele pode evitar um obj e to para não ser poluído ou profanado por ele. Por exemplo, na Enfermaria B, quando a Sra. Baum estava num estado paranoico, ela se recusava a permitir que sua filha aceitasse um fósforo de um as sistente negro , parecendo sentir que o contato com um membro de um grupo contra o qual ela tinha preconceitos seria poluidor; da mesma forma, quando ela beijava os médicos e enfermeiras num bom humor de aniversário, ela dava a impressão de que tentava, mas não conseguia se forçar a beij ar esse assistente. Parece que , de modo geral, evitamos uma pessoa de alta posição devido à deferên cia a ela, e evitamos uma pessoa de posição inferior devido a uma preocupação autoprotetora. Talvez a distância social às vezes cuida dosamente mantida entre iguais implique ambos os tipos de evita-
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ção por ambas as partes. De qualquer forma, a semelhança dos dois tipos de evitação não é profunda. Uma enfermeira que se mantém longe de um paciente por causa de uma compreensão simpática de que ele quer ficar sozinho tem uma certa expressão em seu rosto e corpo; quando ela mantém a mesma distância física de um paciente porque ele é incontinente e cheira mal, ela provavelmente terá uma expressão diferente. Além disso , as distâncias que um ator mantém por deferência a outros diminuem quando sua posição sobe, mas as distãncias autoprotetoras aumentam 17 • Eu sugeri os rituais de evitação como um dos principais tipos de deferência. Um segundo tipo, chamado rituais de apresentação, abrange atos através dos quais o indivíduo confirma especificamente aos receptores como ele os estima e como os tratará na interação pres tes a ocorrer. As regras que tratam dessas práticas rituais envolvem prescrições específicas, e não proscrições específicas; enquanto os ri tuais de evitação especificam o que não deve ser feito, os rituais de apresentação especificam o que deve ser feito. Podemos retirar alguns exemplos da vida social na Enfermaria A mantida pelo grupo consis tindo de pacientes, assistentes e enfermeiras. Eu acredito que esses ri tuais de apresentação não são muito diferentes daqueles encontrados em muitas outras organizações de nossa sociedade. Quando membros da enfermaria se cruzavam, normalmente tro cavam saudações, cuja extensão dependia do período decorrido des de a última saudação e o período que parecia provável antes da próxi ma. Na mesa, quando os olhos se encontravam, um breve sorriso de reconhecimento era trocado; quando alguém partia para o fim de se-
1 7 . As pesquisas sobre distância social surpreendentemente ignoram o fato de que um indivíduo pode manter distância de outros porque eles sâo sagrados demais para ele, assim como porque eles nâo são sagrados o bastante. A razão para esse erro persistente constitui um problema da sociologia do conhecimento. De modo geral, seguindo os alunos de R.adcliffe-Brown, precisamos distinguir entre a "sacra lidade boa " , que representa algo puro demais para entrarmos em contato , e a "sa cralidade má" , que representa algo impuro demais para entrarmos em contato, con trastando ambos esses estados e objetos sagrados com questões ritualmente neutras (cf. SRINIVAS, M.M. Religíon and Society Among the Coorgs of South Índia. Oxford: Oxford University Press, 1952, p. 1 06- 107) . R.adcliffe-Brown (Taboo . Op. cit.) não apresenta a cautela de que em algumas sociedades a distinção entre o sagrado bom e o sagrado mau é muito menos clara do que na nossa. . .
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mana, um adeus envolvendo uma pausa na atividade sendo desempe nhada e uma breve troca de palavras eram envolvidos. De qualquer forma, havia um entendimento de que, quando os membros da enfer maria estivessem numa posição física capaz de entrar em contato olho a olho de algum tipo, esse contato seria realizado. Parecia que qualquer outra coisa não demonstraria o respeito apropriado para o estado de relações que existia entre os membros da enfermaria. Práticas relacionadas a "perceber" qualquer mudança de apa rência, estatuto ou reputação estavam associadas às saudações, como se essas mudanças representassem um compromisso da parte do indivíduo modificado que precisasse ser subscrito pelo grupo . Roupas novas, penteados novos, ocasiões de estar "bem-vestido" evocavam uma rodada de elogios, independente do que o grupo sentisse sobre a melhoria. Da mesma forma, era provável que qual quer esforço da parte de um paciente para fazer alguma coisa na sala de terapia ocupacional ou de desempenhar algo bem em outras for mas fosse louvado pelos outros. Os membros da equipe que partici pavam do teatro amador do hospital eram elogiados e, quando uma das enfermeiras marcava casamento , fotos de seu noivo e da família dele eram vistas e aprovadas por todos. Através disto , um membro da enfermaria tendia a ser salvo do constrangimento de se apresen tar para os outros como alguém cuj o valor tinha crescido e receber uma resposta como alguém cuj o valor tinha diminuído , ou perma necido o mesmo . Outra forma de deferência por apresentação era a prática da equipe e dos pacientes claramente pedindo para todo e qualquer pa ciente participar de excursões, terapia ocupacional, concertos, con versas durante as refeições, e outras formas de atividade em grupo. Recusas eram aceitas, mas todos os pacientem recebiam ofertas. Outra forma padrão de deferência por apresentação na Enfer maria A era a realização de pequenos serviços e assistências. As en fermeiras faziam comprinhas para os pacientes na cidade local; pa cientes que voltavam de visitas residenciais pegavam outros pacien tes em seu carro para evitar que eles tivessem que voltar por trans porte público; pacientes masculinos consertavam as coisas que ho mens consertam bem, e as pacientes femininas devolviam o serviço. A comida vinha da cozinha já dividida em bandej as individuais, mas 73
em cada refeição uma negociação animada de troca de comida ocor ria , incluindo doações em que aqueles que não gostavam de certos alimentos os davam para aqueles que gostavam. A maioria dos membros da enfermaria se revezava no transporte das bandej as de comida do carrinho da cozinha para a mesa, como o faziam trazen do torradas e café para os outros da mesa lateral. Esses serviços não eram trocados em termos de um calendário formal preparado para garantir justiça, e sim uma coisa não planejada, através da qual o ator conseguia demonstrar que os objetivos privados do receptor eram algo que os outros presentes participavam com simpatia. Eu mencionei quatro formas muito comuns de deferência por apresentação: saudações, convites, elogios e pequenos serviços. Atra vés de todos eles, o receptor é informado que ele não é uma ilha isola da, e que os outros estão, ou desejam estar, envolvidos com ele e com suas preocupações pessoais particulares. Em conjunto , esses rituais fornecem um rastreamento simbólico contínuo de até que ponto o eu do receptor não foi fechado e obstruído em relação aos outros. Dois tipos principais de deferência foram ilustrados: rituais de apresentação através dos quais o ator representa concretamente sua apreciação do receptor; e rituais de evitação, assumindo a forma de proscrições, proibições e tabus, que implicam em atos que o ator deve se abster de realizar se não quiser violar o direito do receptor de man tê-lo a distância. Nós temos familiaridade com essa distinção devido à classificação de Durkheim do ritual em ritos positivos e negativos 18 • Ao sugerir que há coisas que devem ser ditas e feitas para um re ceptor, e coisas que não devem ser ditas nem feitas, deve ficar claro que há uma oposição e conflito inerente a essas duas formas de defe rência. Perguntar sobre a saúde de um indivíduo, o bem-estar da fa mília dele e o estado de seus negócios é apresentar a ele um sinal de preocupação simpática; mas, de certa forma, fazer essa apresentação é invadir a reserva pessoal do indivíduo, como ficará claro se um ator de estatuto errado fizer a ele essas perguntas, ou se um evento recente tornou tal questão dolorosa de responder. Como Durkheim sugeriu , "a personalidade humana é uma coisa sagrada; não ousa mos violá-la nem infringir suas fronteiras, enquanto ao mesmo tem18.
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DURKHEIM , É. The Elementary Fonns of the Religious Life. Op. cit., p. 299 .
po o maior bem está na comunhão com os outros" 19 • Eu gostaria de citar dois exemplos das enfermarias dessa oposição inerente às duas formas de deferência. Na Enfermaria A , como nas outras enfermarias do hospital, havia um "sistema de toque" 20 • Certas categorias de pessoal tinham o privilégio de expressar sua afeição e intimidade com os outros através do ritual de contato corporal com eles . O ator coloca seus braços em torno da cintura do receptor, passa uma mão na sua nuca, acaricia o seu cabelo e a sua testa , ou segura a mão dele . É claro que conotações sexuais são oficialmente excluídas. A forma mais frequente que o ritual assumia era uma enfermeira estenden do tal confirmação por toque para um paciente. Não obstante, as sistentes , pacientes e enfermeiras formavam um grupo em relação a direitos de toque, e esses direitos eram simétricos. Qualquer um desses indivíduos tinha o direito de tocar qualquer membro de sua própria categoria ou qualquer membro das categorias dos ou tros. (Na verdade , algumas formas de toqu e , como lutas de brin cadeira ou jogos de braço de ferro eram intrinsecamente simétri cos . ) É claro que alguns membros da enfermaria não gostavam do sistema , mas isto não alterava os direitos dos outros de incorpo rá-los a ele. A familiaridade implícita em tais trocas era a firmada de ou tras formas , como o direito simétrico de chamar os outros pelo primeiro nome. Podemos adicionar que em muitos hospitais psiquiátricos os pacientes , assistentes e enfermeiras não formam um único grupo para propósitos cerimoniais , e a obrigação dos pacientes de aceitar o contato físico amigável da equipe não é re tribuída . Além dessas relações de toque simétricas na enfermaria, tam bém havia outras assimétricas. Os médicos tocavam outras categori as como um meio de transmitir apoio e conforto amigável, mas as outras categorias tendiam a sentir que seria presunçoso da parte de-
19.
DURKHEIM, É. "The Determination of Moral Facts" . Op. cit . , p. 3 7 .
A única fonte que conheço sobre sistemas de toque é a obra muito interessante de Edward Gross (Informal Relations and the Social Organization of Work. Chicago: Chicago University Press, 1 949 [ tese de doutorado inédita ] sobre os direitos de be liscar mulheres no papel de secretárias particulares num escritório comerciaL 20.
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las retribuir o toque de um médico , quanto mais iniciar tal contato com ele21 • Deve estar claro que se quisermos manter um sistema de toques, como ocorre em muitos hospitais dos Estados Unidos, e se os mem bros da enfermaria quiserem receber a confirmação e apoio que esse sistema ritual fornece, então pessoas que não sej am médicos que ve nham viver ou trabalhar na enfermaria devem se tornar intimamen te disponíveis aos outros presentes. Os direitos de separação e invio labilidade que são exigidos e concedidos em muitos outros estabele cimentos de nossa sociedade aqui precisam ser abandonados , nesse caso particular. O sistema de toque, para resumir, só é possível se os indivíduos abandonarem o direito de manter os outros a uma dis tância física. Um segundo exemplo do sentido em que as duas formas de de ferência agem em oposição uma à outra tem a ver com a questão da participação social. Na Enfermaria A havia um sentimento forte de solidariedade de grupo entre todas as categorias não médicas - en fermeiras, assistentes e pacientes. Uma forma de expressão disto era através da participação conjunta em refeições, j ogos de carteado , vi sitas a quartos, reuniões para assistir televisão , terapia ocupacional, e excursões. Normalmente, os indivíduos estavam dispostos não só a participar dessas atividades, mas também a fazê-lo com prazer e entusiasmo visíveis. Eles entregavam-se a essas ocasiões e, através dessa dádiva, o grupo florescia. No contexto desse padrão de participação , e apesar de sua im portância para o grupo, era compreendido que os pacientes tinham o direito ao descontentamento . Apesar de ser considerado uma
O enfermeiro-chefe durante esse período iniciava toques no braço com o médi co que atuava como administrador da enfermaria. Isto parecia criar uma percepção falsa e era considerado atrevimento. É interessante notar que o enfermeiro deixou o serviço. Devemos adicionar que em uma enfermaria do hospital, dedicada ao estu do profundo de um pequeno número de garotos altamente delinquentes, os paci entes e a equipe de todas as categorias, incluindo os médicos, aparentemente for mavam um único grupo cerimonial. Os membros do grupo eram ligados por regras de familiaridade simétricas, de modo que era permissível que um garoto de oito anos chamasse o administrador da enfermaria por seu primeiro nome, brincasse com ele, e falasse palavrões na presença dele. 21.
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afronta à solidariedade de grupo chegar atrasado para o café da ma nhã, os atrasados eram censurados apenas levemente por isso. Uma vez na mesa, o paciente era obrigado a retribuir os cumprimentos que recebia, mas depois disto , se seu temperamento e modos ex pressassem claramente seu desej o de ser deixado em paz, não se fa ria nenhum esforço para atraí-lo para a conversa da mesa. Se um pa ciente pegasse sua comida da mesa e voltasse para o seu quarto ou para o salão de TV vazio , ninguém ia atrás dele. Se um paciente se recusasse a participar de uma excursão, faziam uma piadinha, avi sando o indivíduo sobre aquilo que ele perderia, e não se falava mais nisso. Se um paciente se recusasse a j ogar baralho num momento em que os outros jogadores precisavam de um quarto participante, protestos j ocosos eram feitos, mas não continuados. E em qualquer ocasião, se o paciente parecesse estar deprimido, mal-humorado , ou mesmo um tanto desordenado , fazia-se um esforço para não perce ber isso ou para atribuir isso a uma necessidade de cuidado e des canso físicos. Esses tipos de delicadezas e restrições de exigências pareciam servir a função social de manter a vida informal livre da contaminação de ser um " tratamento" ou uma prescrição, e signifi cava que em alguns assuntos o paciente tinha o direito de impedir a intrusão quando, onde e como ele quisesse. Entretanto , fica claro que o direito de se retrair para a privacidade era um direito concedi do à custa dos tipos de ato através dos quais esperava-se que o indi víduo demonstrasse suas relações com os outros na enfermaria. Há uma oposição inescapável entre mostrar um desejo de incluir um indivíduo e mostrar respeito pela sua privacidade. Como uma implicação desse dilema, precisamos perceber que o intercurso social envolve uma dialética constante entre rituais de apresentação e de evitação. É preciso manter uma tensão peculiar, pois esses requerimentos opostos da conduta precisam, de alguma forma, ser separados um do outro e apesar disso realizados juntos na mesma interação: os gestos que levam um ator para um receptor tam bém precisam significar que as coisas não serão levadas longe demais. Porte Eu sugeri que o componente cerimonial do comportamento concreto tem pelo menos dois elementos básicos, a deferência e o 77
porte. A deferência, definida como a apreciação que um indivíduo mostra sobre outro para esse outro, seja através de rituais de evita ção ou de apresentação , foi discutida e agora posso tratar do porte. Com "porte" , quero me referir ao elemento do comportamento cerimonial do indivíduo tipicamente comunicado através da postu ra , vestuário e aspecto , que serve para expressar àqueles na presença imediata dele que ele é uma pessoa de certas qualidades desejáveis ou indesejáveis. Em nossa sociedade, o indivíduo de porte "bom" ou "apropriado" demonstra atributos como: discrição e sinceridade; modéstia em afirmações sobre o eu ; espírito esportivo ; controle da fala e dos movimentos físicos; autocontrole sobre suas emoções, apetites e desej os; aprumo sob pressão; e assim por diante. Quando tentamos analisar as qualidades comunicadas através do porte, alguns temas ficam aparentes. O indivíduo de porte bom possui os atributos popularmente associados com o "treinamento de caráter" ou "socialização" , que são implantados quando um neó fito de qualquer tipo é domesticado. Correta ou erroneamente, os outros tendem a usar tais qualidades como um diagnóstico, como evidência daquilo que um ator normalmente é em outros momentos e como realizador de outras atividades. Além disso , o indivíduo de porte apropriado é alguém que selou muitas avenidas de percepção e penetração que os outros poderiam levar a ele, e que por isso é im provável que sej a contaminado por elas. Talvez o mais importante seja que o bom porte é aquilo que é requisitado de um ator se ele quiser ser transformado em alguém em que se pode confiar para se manter como um participante da interação , aprumado para a comu nicação , e para agir de forma que os outros não se coloquem em pe rigo ao se apresentarem como participantes da interação com ele. Mais uma vez, devemos notar que o porte envolve atributos de rivados de interpretações que outros fazem da forma pela qual o in divíduo cuida de si durante o intercurso social. O indivíduo não pode estabelecer esses atributos sozinhos garantindo verbalmente que ele os possui, apesar de às vezes ele tentar, impulsivamente, fa zer isso . (Entretanto , ele pode se forçar a se conduzir de forma que os outros, através da interpretação deles de sua conduta, imputarão a ele os tipos de atributos que ele gostaria que os outros enxergas78
sem nele. ) Então , de modo geral, através do porte, o indivíduo cria uma imagem de si, mas, para ser exato , esta imagem não é para os seus próprios olhos. É claro que isto não deve nos impedir de ver que o indivíduo que age com bom porte pode fazer isso porque co loca um valor apreciável sobre si mesmo , e que aquele que não con segue se portar apropriadamente pode ser acusado de não ter "res peito próprio" ou de se desvalorizar perante seus próprios olhos. Como no caso da deferência, um obj eto no estudo do porte é coletar todos os atos cerimonialmente relevantes que um indiví duo em particular realiza na presença de cada uma das várias pes soas com quem ele entra em contato , interpretar esses atos procu rando o porte expresso simbolicamente através deles , e então jun tar esses significados numa imagem do indivíduo , uma imagem dele aos olhos dos outros. As regras do porte, como as regras de deferência, podem ser si métricas ou assimétricas. Entre pessoas de posição igual, regras si métricas de porte parecem muitas vezes ser prescritas . Entre desi guais, podemos encontrar muitas variações. Por exemplo , em reu niões da equipe nas unidades psiquiátricas do hospital, os médicos tinham o privilégio de xingar, mudar o tópico da conversa, e de sen tar em posições indignas; os assistentes, por outro lado , tinham o di reito de participar de reuniões da equipe e de fazer perguntas duran te elas (de acordo com a orientação de terapia-milieu dessas unida des de pesquisa) , mas implicitamente se esperava que eles se com portassem com maior circunspecção do que era necessário para os médicos. (Isto foi apontado por uma terapeuta ocupacional percep tiva que afirmou que ela era sempre lembrada que uma j ovem psi quiatra meiga era na verdade uma médica pelo fato de que essa psi quiatra exercia essas prerrogativas de porte informal . ) O caso extre mo aqui talvez seja a relação entre mestre e criado vista nos casos em que valetes e empregadas são forçados a realizar de maneira dig na serviços indignos . Da mesma forma, os médicos tinham o direito de perambular na estação das enfermeiras, vadiar no balcão de me dicamentos da estação, e brincar com as enfermeiras; as outras cate gorias participavam dessa interação informal com os médicos, mas apenas depois dos médicos iniciá-la. 79
Na Enfermaria A mantinham-se padrões de porte que parecem ser típicos da sociedade de classe média americana. O ritmo de ali mentação na mesa sugeria que ninguém presente estava ansioso de mais para comer, com tão pouco controle sobre seus impulsos, ou tão ciumento de seus direitos, a ponto de engolir sua comida voraz mente ou pegar mais do que sua parte. No pinochle, o jogo de bara lho favorito , os j ogadores induziam os espectadores a ficarem com as cartas deles, e, com consideração , os espectadores recusavam a oferta, expressando assim que não tinham sido tomados pela paixão pelo j ogo. Ocasionalmente, um paciente aparecia na sala comunitá ria ou em refeições vestindo um roupão de banho (uma prática per mitida aos pacientes no hospital) , mas normalmente era mantida uma moda casual, ilustrando que o indivíduo não estava aparecen do diante dos outros de forma desleixada, ou apresentando muito de si livremente demais. Poucas profanidades eram empregadas, e nenhum comentário sexual aberto ocorria. Na Enfermaria B o mau porte (para padrões de classe média) era muito comum. Isto pode ser exemplificado com o comporta mento durante as refeições. Muitas vezes um paciente se atirava sobre um pedaço extra de comida, ou pelo menos encarava um pe daço extra cobiçosamente. Mesmo quando cada indivíduo na mesa podia receber uma parte igual, uma ansiedade exagerada era de monstrada pela prática de se pegar toda a parte de uma vez ao invés de esperar até uma porção ser ingerida . Ocasionalmente , pacientes vinham à mesa seminus. Um paciente frequentemente arrotava alto nas refeições, e era às vezes flatulento . De vez em quando , ocorriam manipulações bagunceiras de comida. Xingamentos e palavrões eram comuns. Os pacientes às vezes empurravam suas cadeiras para longe da mesa apressadamente e saíam correndo para outra sala , voltando para a mesa da mesma forma violenta. Às vezes eles emitiam sons altos sugando canudos em garrafas de re frigerante vazias. Através dessas atividades, os pacientes expressa vam para a equipe e para seus colegas que seus eus não tinham um porte apropriado . Vale a pena estudar essas formas de desvio de conduta porque elas nos fazem perceber alguns aspectos do bom porte que normal mente consideramos evidentes; para aspectos ainda mais normal-
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mente considerados evidentes, precisamos estudar as enfermarias "dos fundos" 22 em hospitais psiquiátricos típicos. Lá, os pacientes tendem a se desnudar, a serem incontinentes e a se masturbar aber tamente; eles se coçam violentamente; babam e deixam o nariz escor rer sem se preocupar; hostilidades repentinas podem estourar, e imo déstias "paranoicas" podem ser projetadas; a fala ou a atividade moto ra podem ocorrer num ritmo maníaco ou deprimido, ou rápido de mais ou devagar demais para serem consideradas apropriadas; ho mens e mulheres podem se comportar como se fossem do outro sexo , ou como se não fossem velhos o bastante para ter um sexo . Tais en fermarias, obviamente, são os ambientes clássicos do porte ruim. Podemos mencionar um último ponto sobre o porte. Sejam quais forem seus motivos para aparecer com um porte bom diante de outras pessoas, supomos que o indivíduo exercerá sua própria vontade para fazer isso, ou que ele cooperará docilmente se for a ta refa de outra pessoa ajudá-lo a esse respeito. Em nossa sociedade, um homem penteia seu próprio cabelo até que ele fique longo de mais, e então vai para um barbeiro e segue instruções enquanto o cabelo é cortado. Essa submissão voluntária é crucial, pois serviços pessoais desse tipo são feitos próximo do centro da inviolabilidade do indivíduo e podem facilmente resultar em transgressões; o servi dor e o servido precisam cooperar intimamente para que elas não ocorram. Entretanto, se um indivíduo não mantiver aquilo que os outros consideram uma aparência pessoal apropriada, e se ele se re cusar a cooperar com aqueles encarregados de mantê-la para ele, en tão é provável que a tarefa de tomá-lo apresentável contra a sua von tade custe a ele, no momento , grande parte da sua dignidade e defe rência, e isto , por sua vez, pode criar sentimentos complexos naque les que se encontram forçados a fazer com que ele pague o preço. Este é um dos dilemas ocupacionais daqueles empregados para tor nar crianças e pacientes psiquiátricos apresentáveis. É fácil ordenar aos assistentes a "vestir bem" e barbear os pacientes masculinos no dia das visitas e, sem dúvida, quando isto ocorre, os pacientes apa22. Em hospit; _s psiquiátricos mais antigos, as "enfermarias dos fundos" [ back wards l eram usadas para confinar os pacientes mentalmente mais comprometidos, muitas vezes em acomodações significativamente mais precárias do que as dos pa cientes considerados mais recuperáveis [ N . T. ] . 81
recem mais favoravelmente, mas durante o processo de criação des sa aparência - nos chuveiros ou na barbearia, por exemplo - os paci entes podem ser submetidos a indignidades extremas . Deferência e porte
Deferência e porte são termos analíticos; emp1ncamente, há muita sobreposição das atividades a que eles se referem. Um ato através do qual o indivíduo dá ou recusa deferência a outros tipica mente fornece meios para ele expressar o fato de ser um indivíduo com porte bom ou ruim. Podemos citar alguns aspectos dessa so breposição. Primeiro , ao realizar um certo ato de deferência por apresentação , como ao oferecer uma cadeira a um convidado , o ator se encontra fazendo algo que pode ser feito com suavidade e segu rança, expressando autocontrole e aprumo , ou com falta de j eito e incerteza, expressando um caráter irresoluto. Esta é, por assim di zer, uma conexão incidental e extrínseca entre deferência e porte. Ela pode ser exemplificada com informações recentes sobre rela ções entre médicos e pacientes, em que se sugere que uma das recla mações que um médico pode ter sobre alguns de seus pacientes é que eles não tomam banho antes de comparecer a um exame23 ; em que tomar banho é não só uma forma de prestar deferência ao médi co , mas, ao mesmo tempo, é uma forma de o paciente se apresentar como uma pessoa limpa e de bom porte. Um outro exemplo é en contrado em atos como falar alto, gritar ou cantar, pois esses atos in vadem o direito dos outros de serem deixados em paz enquanto ao mesmo tempo ilustram uma falta de controle sobre os sentimentos , o u seja, u m porte ruim. A mesma conexão entre deferência e porte tem influência nas dificuldades cerimoniais associadas com a interação intergrupos: os gestos de deferência esperados por membros de uma sociedade às vezes são incompatíveis com os padrões de porte mantidos por membros de outra. Por exemplo , durante o século XIX, as relações diplomáticas entre a Grã-Bretanha e a Cl-. · na foram constrangidas
23. DICHTER, E. A Psychological Study of the Doctor-Patient Relationship. [s.l. ) : Ca lifomia Medicai Association/Alameda County Medicai Association, 1 950, p. 5-6.
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pelo fato de que a prostração que o imperador chinês exigia de em baixadores visitantes era considerada, por alguns embaixadores bri tânicos, incompatível com seu respeito próprio 24 • Uma segunda conexão entre a deferência e o porte tem a ver com o fato de que uma disposição a dar a outros o que eles merecem como deferência é uma das qualidades que o indivíduo deve expres sar para os outros através de sua conduta, assim como uma disposi ção de se conduzir com bom porte é, de modo geral, uma forma de mostrar deferência àqueles presentes. Apesar dessas conexões entre deferência e porte, a relação analí tica entre eles é de complementaridade, e não de identidade. A ima gem de si cuja manutenção através da conduta o indivíduo deve aos outros não é o mesmo tipo de imagem que esses outros são obriga dos a manter sobre ele. As imagens de deferência tendem a apontar para a sociedade mais ampla fora da interação , ao lugar que o indiví duo atingiu na hierarquia dessa sociedade. As imagens de porte ten dem a apontar para qualidades que qualquer posição social permite a seus representantes uma chance de exibir durante a interação , pois essas qualidades tratam mais da forma pela qual o indivíduo ge rencia sua posição do que ao cargo e local dessa posição em relação às posições possuídas pelos outros. Além disso , a imagem de si cuja manutenção através da conduta o indivíduo deve aos outros é um tipo de justificação e compensa ção pela imagem dele que os outros são obrigados a expressar atra vés de sua deferência a ele. Ambas as imagens podem, na verdade, agir como uma garantia e contrapeso sobre a outra. Num intercâm bio que pode ser encontrado em várias culturas, o indivíduo defere a convidados para mostrar como eles são bem-vindos e como é alta a estima que ele tem por eles; eles, por sua vez, recusam a oferta pelo menos uma vez, mostrando através de seu porte que não são pre sunçosos, imodestos, ou ansiosos demais para receber favores. Da mesma forma, um homem começa a se levantar para uma dama, mostrando respeito pelo sexo dela; ela interrompe e detém o gesto dele, mostrando que não é gananciosa quanto a seus direitos nessa capacidade, e que está pronta para definir a situação como uma enl4. DOUGLAS, R.K. Society in China. Londres: Innes, 1 895, p. 29 1-296 . 83
tre iguais. Então, de modo geral, ao tratar os outros deferentemente damos a eles uma oportunidade de lidar com a indulgência com porte bom. Através dessa diferenciação de função simbolizadora o mundo tende a ser banhado em imagens melhores do que qualquer um merece, pois é prático significar uma grande apreciação dos ou tros oferecendo a eles indulgências deferentes, sabendo que algu mas dessas indulgências serão recusadas como uma expressão de bom porte. Há ainda outras relações complementares entre deferência e porte. Se um indivíduo sente que deve demonstrar um porte apro priado para ter direito a tratamento com deferência, então ele preci sa estar numa posição de fazer isso. Ele precisa, por exemplo , ser ca paz de esconder dos outros aspectos de si que o tornariam indigno aos olhos deles, e de se esconder deles quando estiver num estado indigno , seja mental, de vestuário , de postura ou de ação . Os rituais de evitação que os outros realizam para ele dão a ele espaço de ma nobra, permitindo que apresente apenas um eu digno de deferência; ao mesmo tempo, essa evitação faz com que sej a mais fácil para eles se garantir que a deferência que possuem para mostrar a ele é justifi cada. Para mostrar a diferença entre deferência e porte eu tratei da rela ção complementar entre eles, mas mesmo esse tipo de relação pode ser exagerado. Quando um indivíduo não demonstra a deferência apropriada a outros, isto não necessariamente os libera da obrigação de agir com bom porte na presença dele, por mais descontentes que eles possam ficar por ter que fazer isso. Da mesma forma, quando um indivíduo não se comporta com o porte apropriado, isto nem sempre permite que aqueles na presença dele não precisem tratá-lo com a de ferência apropriada. É separando a deferência e o porte que podemos compreender muitas coisas sobre a vida cerimonial, como, por exem plo, que um grupo pode se destacar por excelência em uma dessas áreas enquanto tem uma má reputação na outra. É por isso que pode mos encontrar um lugar para argumentos como os de De Quincey25 ,
2 5 . DE QUINCEY, T. "French and English Manners" . Collected Writings of Thomas De Quincey. Vol. XIV. Edimburgo: Adams and Charles Black, 1890, p. 327-334
[ org. por David Mason ] . 84
que um inglês demonstra grande respeito próprio , mas pouco respei to para com os outros, enquanto um francês demonstra grande res peito para com os outros mas pouco para si mesmo. Podemos ver, então , que há muitas ocasiões em que não seria apropriado para um indivíduo comunicar algo sobre si mesmo que os outros estão prontos para comunicar sobre ele para ele, j á que cada uma dessas duas imagens é uma garantia e justificação para a outra, e não um reflexo dela. A noção de Mead de que o indivíduo toma para si a atitude que os outros tomam para ele realmente pare ce ser uma simplificação exagerada . Em vez disso , o indivíduo pre cisa confiar nos outros para completar o retrato dele, no qual ele pode apenas pintar algumas partes. Cada indivíduo é responsável pela imagem de porte de si mesmo e a imagem de deferência dos ou tros, de forma que, para expressar um homem completo , os indiví duos precisam dar as mãos numa corrente de cerimônias, cada um dando deferentemente, com porte apropriado , para o outro à direita o que será recebido deferentemente do indivíduo à esquerda. Ainda que possa ser verdade que o indivíduo tem um eu único completa mente próprio , a evidência dessa posse é totalmente um produto de trabalho cerimonial conjunto , e a parte expressa através do porte do indivíduo não é mais significativa que a parte comunicada pelos ou tros através de seu comportamento deferente para ele. Profanações cerimoniais
Há muitas situações e muitas formas em que a justiça da cerimô nia pode não ser mantida. Há ocasiões quando o indivíduo percebe que ele recebe deferência que o identifica erroneamente, sej a numa posição mais alta ou mais baixa do que ele considera correta. Há ou tras ocasiões em que ele percebe que está sendo tratado de forma mais impessoal e sem-cerimônia do que ele considera apropriado e sente que seu tratamento deveria ser mais pontuado com atos de deferência, mesmo que estes possam chamar a atenção à sua posi ção subordinada. Uma ocasião frequente de dificuldade cerimonial ocorre em momentos de contato entre grupos, já que sociedades e subculturas diferentes têm formas diferentes de comunicar a defe rência e o porte, significados cerimoniais diferentes para o mesmo ato , e quantidades de preocupação diferentes quanto a coisas como 85
aprumo e privacidade. Livros de viagem como o da Sra. Trollope26 es tão cheios de material autobiográfico sobre esses mal-entendidos, e às vezes parecem ter sido escritos principalmente para tomá-los públicos. Dos muitos tipos de transgressões cerimoniais, há um que um arti go preliminar sobre a cerimônia é obrigado a considerar: é o tipo que parece ser perpetrado de propósito e parece empregar conscientemen te a própria linguagem da cerimônia para dizer aquilo que é proibido. O idioma através do qual os modos de conduta cerimonial apropriada são estabelecidos necessariamente cria formas de profanação ideal mente efetivas, pois é apenas em referência a propriedades especifica das que podemos aprender a considerar o que será a pior forma possí vel de comportamento. Profanações devem ser esperadas, pois cada cerimônia religiosa cria a possibilidade de uma missa negra27 • Quando estudamos indivíduos que estão em termos familiares entre si, e não precisam de muita cerimônia, muitas vezes encontra mos ocasiões em que formas cerimoniais padrão que são inaplicáveis à situação são empregadas de forma considerada j ocosa , aparente mente como um meio de "tirar sarro" de círculos sociais nos quais o ritual é empregado seriamente. Quando sozinhas, enfermeiras no hospital de pesquisa às vezes se tratavam humoristicamente como "Senhorita" - e médicos em condições similares às vezes se chama vam de "Doutor" com o mesmo tom de voz j ocoso . Da mesma for ma, às vezes atores ofereciam uma cadeira ou a precedência numa porta de forma elaborada para receptores com quem na verdade es tavam em termos de familiaridade simétrica. Na Grã-Bretanha, onde a fala e o estilo social são claramente estratificados, podemos encon trar um grande número de exemplos dessa profanação humorística dos rituais, com pessoas de classe alta gozando os gestos cerimoniais da classe baixa, e pessoas da classe baixa , quando sozinhas entre si, devolvendo completamente o favor. A prática talvez alcance sua 26. SRA. TROLLOPE. Domestic Manners of the Americans. Londres: Whittaker!Irea cher, 1832. 2 7 . Também parece existir um tipo de profanação cerimonial em relação a regras substantivas. No Direito, aquilo que às vezes é chamado de "ações de despeito" ser vem como exemplos, assim como o fenõmeno do vandalismo. Mas, como foi suge rido anteriormente, eles representam formas pelas quais a ordem substantiva é abusada por propósitos cerimoniais. 86
maior expressão no teatro de revista, onde atores de classe baixa mi metizam lindamente a conduta cerimonial da classe alta para uma plateia cuja posição está em algum lugar intermediário. Parte da profanação de brincadeira parece ser dirigida não a fo rasteiros, mas ao próprio receptor, provocando-o ligeiramente ou testando os limites rituais a seu respeito . Devemos dizer que em nossa sociedade esse tipo de brincadeira é direcionado por adultos àqueles de estirpe cerimonial inferior - crianças, idosos, criados , e assim por diante - como quando um a tendente afetuosamente des penteia o cabelo de um paciente ou participa de tipos mais drásticos de provocações 28 • Antropólogos descreveram esse tipo de permissi vidade numa forma extrema no caso de "cunhados que são esposos secundários em potencial" 29 • Por mais aparentes que as insinuações agressivas dessa forma de conduta possam ser, o receptor recebe a oportunidade de agir como se nenhuma afronta séria à sua honra ti vesse ocorrido, ou pelo menos nenhuma afronta mais séria do que a de ser definido como alguém com quem é possível fazer piadas. Na Enfermaria B, quando a Sra. Baum recebia um lençol pequeno de mais para sua cama, ela o usava para divertidamente ensacar um dos membros da equipe. A filha dela às vezes empregava a prática de es tourar grandes bolas de chiclete o mais perto possível do rosto de um membro da equipe sem tocá-lo, ou de acariciar o braço e mão de um membro masculino da equipe numa paródia de gestos afetivos , alegremente propondo intercurso sexual com ele. Um tipo menos brincalhão de profanação ritual pode ser encon trado na prática de macular o receptor de uma forma, e de um ângu lo, em que ele mantém o direito de agir como se não tivesse recebido a mensagem profanadora. Na Enfermaria B, onde os membros da equipe tinham a obrigação ocupacional de "se relacionar" com os pacientes e responder a eles de forma amigável, as enfermeiras às vezes murmuravam vituperações sotto voce quando os pacientes
28. Cf. TAXEL, H . Authority Structure in a Mental Hospital Ward. Chicago: Chicago University Press, 1 953, p. 68 [dissertação de mestrado inédita ] . WILLOUGHBY, R. H. The Attendant in the State Mental Hospital. Chicago : Chicago University Press , 1953, p. 90 [ dissertação de mestrado inédita ] . •
29. MURDOCK, G.P. Social Structure. Nova York: Macmillan, 1949, p. 282. 87
eram penosos e difíceis . Os pacientes, por sua vez, empregavam o mesmo artifício . Quando uma enfermeira voltava as costas, às vezes os pacientes mostravam a língua, davam "bananas" ou faziam care tas para ela. É claro que estas são formas padrões de desprezo ritual em nossa sociedade anglo-americana, constituindo um tipo de defe rência negativa. Podemos citar outros exemplos. Em uma ocasião a Sra. Baum, para a diversão dos outros presentes, virou as costas para a j anela da estação, curvou-se e levantou a saia, num ato de desprezo ritual que aparentemente já foi mais prevalente como um insulto padrão do que é hoj e em dia. Em todos esses casos, vemos que, ape sar de se tomarem liberdades cerimoniais com o receptor, ele não é tão desprezado a ponto de ser insultado "na cara" . Essa linha entre aquilo que pode ser comunicado sobre o receptor, enquanto esta mos num estado de fala com ele , e aquilo que só pode ser comunica do sobre ele, quando não estamos falando com ele, é uma institui ção cerimonial básica em nossa sociedade, garantindo que sej a pro vável que a interação face a face sej a mutuamente de aprovação . Po demos compreender a profundidade dessa linha em enfermarias psiquiátricas, onde pacientes severamente perturbados podem ser observados cooperando com membros da equipe para manter uma ficção leve de que a linha está sendo mantida. Mas é claro que há situações em que um ator comunica a profa nação ritual de um receptor enquanto está oficialmente engaj ado numa conversa com ele ou de forma em que a afronta não pode ser ignorada facilmente. Em vez de registrar e classificar essas afrontas rituais, os estudantes tendem a cobrir todas elas com uma tenda psi cológica, rotulando-as como "agressões" ou "explosões hostis" , e passando para outras questões de estudo. Em algumas enfermarias psiquiátricas, a profanação ritual face a face é um fenômeno constante. Os pacientes podem profanar um membro da equipe ou um colega cuspindo nele, estapeando seu ros to , jogando fezes nele, rasgando suas roupas, empurrando-o da ca deira , tirando comida de sua mão , gritando em seu rosto , molestan do-o sexualmente, etc. Na Enfermaria B, de vez em quando, Betty es tapeava e socava o rosto de sua mãe, e pisava nos pés descalços dela com sapatos pesados; e a ofendia, na mesa, com aqueles palavrões que crianças de classe média normalmente evitam em referência a
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seus pais, muito menos na presença deles. Devemos repetir que, apesar destas profanações poderem ser, do ponto de vista do ator, um produto do impulso cego, ou ter um significado simbólico espe ciae0 , do ponto de vista da sociedade como um todo e de seu idioma cerimonial, estas não são infrações impulsivas aleatórias. Em vez disso , esses atos são exatamente aqueles calculados para comunicar um desrespeito e desprezo completo através de meios simbólicos. Não importa o que esteja na mente de um paciente, o arremesso de fezes num a tendente é um uso de nosso idioma cerimonial tão formi dável, de certa forma, quanto uma mesura feita com graça e floreio. Sabendo disso ou não , o paciente fala a mesma linguagem ritual que seus captores; ele meramente diz aquilo que eles não querem escu tar, pois o comportamento do paciente que não carregue um signifi cado ritual em termos do discurso cerimonial diário da equipe sim plesmente não será percebido pela equipe. Além da profanação dos outros, os indivíduos, por várias razões e em várias situações dão a aparência de se profanarem, agindo de forma que parece propositalmente planej ada para destruir a ima gem que os outros têm deles como pessoas dignas de deferência. A mortificação cerimonial da carne é um tema em muitos movimentos sociais. O que parece estar envolvido é não apenas um porte ruim, mas sim os esforços concentrados de um indivíduo sensível a altos padrões de porte para agir contra seus próprios interesses e explorar arranjos cerimoniais apresentando-se da pior forma possível. Em muitas enfermarias psiquiátricas, o que parece ser autopro fanação para a equipe e outros pacientes é uma ocorrência comum. Por exemplo , podemos encontrar pacientes mulheres que sistemati camente arrancaram todo o seu cabelo , apresentando-se a partir de então com uma aparência que certamente será grotesca. Talvez a forma extrema para nossa sociedade seja encontrada em pacientes que comem as próprias fezes e se lambuzam com elas31 •
10. SCHWARTZ, M.S. & STANTON , A. H. "A Social Psychological Study of lncon t i nence". Psychiatry, 1 3 , 1 959, p. 3 1 9-4 1 6 . H . WITTKOWER, E.D. & lA TENDRESSE, ] . D. "Rehabilitation of Chronic Schi zophrenics by a New Method of Occupational Therapy" . Britishjoumal of Medicai l'sychology, 28, 1955, p. 42-47.
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É claro que a autoprofanação também ocorre no nível verbaL Assim, na Enfermaria A, os altos padrões de porte eram quebrados pela paciente cega que na mesa às vezes forçava sobre os outros pre sentes uma consideração de sua enfermidade falando , de forma co miserada, sobre como ela era inútil para todos e que, não importa o que fosse dito , ela ainda era cega. Da mesma forma, na Enfermaria B , Betty tendia a comentar sobre como ela era feia, gorda, e como nin guém a desej aria como namorada. Em ambos os casos, essas autode preciações, levadas além do limite da autodepreciação educada, eram consideradas um peso sobre os outros: eles estavam dispostos a exercer uma evitação protetora por deferência em relação às limi tações do indivíduo , e consideravam injusto serem forçados a uma intimidade contaminante com os problemas do indivíduo. Conclusões
As regras de conduta que ligam o ator e o receptor são os laços da sociedade. Mas muitos dos atos orientados por essas regras ocor rem com pouca frequência, ou levam um longo tempo para serem consumados. Por isso, as oportunidades para afirmar a ordem moral e a sociedade poderiam ser raras . É aqui que as regras cerimoniais desempenham sua função social, pois muitos dos atos que são ori entados por essas regras duram apenas um breve momento , não en volvem nenhuma despesa substantiva, e podem ser realizados em toda interação sociaL Não importa qual seja a atividade, e nem o quão profanamente instrumental ela seja, ela pode permitir muitas oportunidades para pequenas cerimônias desde que outras pessoas estejam presentes. Através desses costumes, guiados por obrigações e expectativas cerimoniais, um fluxo constante de indulgências se espalha pela sociedade, com os outros presentes lembrando cons tantemente o indivíduo de que ele precisa manter o controle sobre si enquanto uma pessoa de porte bom e afirmar a qualidade sagrada desses outros. Os gestos que às vezes chamamos de "vazios" talvez sej am, na realidade, as coisas mais cheias que existem. Por isso é importante ver que o eu é, em parte, uma coisa cerimo nial, um obj eto sagrado que precisa ser tratado com o cuidado ritual apropriado e que por sua vez precisa ser apresentado aos outros sob uma luz apropriada. Enquanto um meio através do qual este eu é es90
tabelecido , o indivíduo age com porte apropriado enquanto está em contato com os outros e é tratado pelos outros com deferência. Tão importante quanto o que foi dito acima é compreender que se o indi víduo quiser jogar esse tipo de jogo sagrado , então o campo precisa ser adequado a isso. O ambiente precisa garantir que o indivíduo não pagará um preço alto demais por agir com um porte bom e que ele re ceberá deferência. As práticas de deferência e porte precisam ser ins titucionalizadas para que o indivíduo consiga projetar um eu sagrado viável, e permanecer no jogo numa base ritual apropriada. Um ambiente, então, em termos do componente cerimonial da atividade, é um lugar onde é fácil ou difícil j ogar o j ogo ritual de ter um eu . Onde as práticas cerimoniais são completamente institucio nalizadas, como eram na Enfermaria A, parece fácil ser uma pessoa. Quando essas práticas não estão estabelecidas, como até certo ponto não estavam na Enfermaria B, parece difícil ser uma pessoa. O por quê de uma enfermaria acabar sendo um lugar em que é fácil ter um eu e a outra se tomar um lugar onde isso é difícil depende em parte do tipo de paciente que é recrutado e do tipo de regime que a equipe tenta manter. Uma das bases pelas quais hospitais psiquiátricos em todo o mundo segregam seus pacientes é o grau de "doença mental" facil mente aparente. De modo geral , isto significa que os pacientes são classificados de acordo ce m o grau em que violam as regras cerimo niais do intercurso social. Há razões práticas muito boas para se se parar os pacientes em enfermarias diferentes dessa forma e, na ver dade, uma instituição em que ninguém se incomoda em fazer isso é retrógrada. Entretanto , essa classificação muitas vezes significa que indivíduos que são desesperadamente incivis em algumas áreas de comportamento são colocados na companhia íntima daqueles que são desesperadamente incivis em outras áreas. Assim, os indivíduos menos prontos a proj etar um eu sustentável são abrigados num meio onde fazer isso é praticamente impossível.
É neste contexto que podemos reconsiderar alguns aspectos in teressantes do efeito da coerção sobre o indivíduo . Se um indivíduo quiser agir com o porte apropriado e demonstrar a deferência apro priada, então será necessário que ele tenha áreas de autodetermina ção . Ele precisa ter um suprimento consumível das pequenas indul91
gências que sua sociedade emprega em seu idioma de estima - como cigarros a dar, cadeiras a oferecer, comidas a fornecer, e assim por diante. Ele precisa ter liberdade de movimento corporal para que sej a possível assumir uma posição que comunique o respeito apro priado pelos outros e o porte apropriado de sua própria parte; um paciente amarrado numa cama terá dificuldades para não se suj ar, quanto mais para se erguer na presença de uma dama. Ele precisa ter um suprimento de roupas limpas apropriadas se quiser aparecer como se espera que uma pessoa de bom porte apareça. Essa aparên cia pode necessitar de uma gravata, um cinto , cadarços, um espelho e lâminas de barbear - todos objetos que as autoridades podem pre ferir não dar a ele. Ele precisa ter acesso aos talheres que sua socie dade define como apropriados para usar, e pode descobrir que é im possível comer carne circunspectamente com uma colher de pape lão . E, finalmente, ele precisa ser capaz, sem grandes custos para si mesmo , de recusar certos tipos de trabalho , que agora às vezes são classificados como " terapia industrial" , que seu grupo social consi dera infra dignitatem. Quando o indivíduo é suj eitado a coerções extremas, ele é auto maticamente forçado a sair do círculo do apropriado . Os veículos simbólicos ou fichas físicas através dos quais as cerimônias costu meiras são realizadas não estão disponíveis para ele. Os outros po dem demonstrar uma estima cerimonial p :ra ele, mas se torna im possível para ele retribuir a demonstração m agir de forma a se tor nar digno de recebê-la. Os únicos enunciados cerimoniais possíveis para ele são aqueles inapropriados. A história do cuidado de casos psiquiátricos é a história de dis positivos de coerção: luvas de restrição, camisas de força, correntes no chão e em cadeiras, algemas, mordaças, envoltórios úmidos, ba nheiros com supervisão, banhos de mangueira, roupas institucio nais , alimentação sem garfos e facas, e assim por diante32 • O uso des ses dispositivos fornece informações importantes sobre as formas em que é possível retirar as bases cerimoniais de formação do eu .
32. Cf. THOMAS, W.R. "The Unwilling Patient". ]ournal of Medica! Science, 99, 1953 esp . p. 193. WALK, A. "Some Aspects o f the 'Moral Treatment' o f the lnsane up to 1 854" . ]ournal of Medica! Science, 1 00, 1954, p. 1 9 1-20 1 . •
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Como consequência, podemos obter dessa história informações so bre as condições que precisam ser satisfeitas se os indivíduos quise rem ter eus. Infelizmente, hoj e ainda existem instituições psiquiá tricas onde o passado de outros hospitais pode ser estudado empiri camente agora. Os estudantes da cerimõnia interpessoal devem pro curar essas instituições com urgência quase tão grande quanto aquela com que os estudantes de parentesco procuram culturas em desaparecimento . Neste capítulo , eu pressupus que podemos aprender sobre a cerimõnia estudando uma situação secular contemporânea - aquela do indivíduo que se recusa a empregar o idioma cerimonial de seu grupo de forma aceitável e foi hospitalizado . Numa visão intercultu ral, é conveniente enxergar isto como um produto de nossa divisão de trabalho complexa que reúne os pacientes em vez de deixá-los em seu círculo local. Além disso, esta divisão de trabalho também reúne aqueles que têm a tarefa de cuidar destes pacientes. Somos levados assim ao dilema especial do trabalhador hospita lar: enquanto membro da sociedade mais ampla, ele deveria agir con tra pacientes psiquiátricos, que transgrediram as regras da ordem ce rimonial; mas seu papel ocupacional o obriga a cuidar e exatamente dessas pessoas, e protegê-las. Quando a "terapia-mi!ieu" é enfatizada, essas obrigações adicionalmente requerem que ele comunique afei ção em resposta à hostilidade; relação em resposta à alienação. Nós vimos que os trabalhadores hospitalares precisam testemu nhar condutas inapropriadas sem aplicar as sanções negativas co muns, mas que eles precisam exercer uma coerção desrespeitosa so bre seus pacientes. Uma terceira peculiaridade é que os membros da equipe podem ser obrigados a realizar serviços aos pacientes como trocar meias, amarrar cadarços ou cortar unhas, que , fora do hospi tal, geralmente comunicam uma deferência elaborada. No ambiente do hospital, é provável que tais atos comuniquem algo inapropria do, já que o assistente ao mesmo tempo exerce certos tipos de poder c superioridade moral sobre aqueles por quem é responsável. Uma última peculiaridade na vida cerimonial dos hospitais psiquiátricos (· que os indivíduos desmoronam, tornando-se unidades de subs t ância cerimonial mínima, e os outros aprendem que aquilo que consideravam entidades supremas evidentes na verdade são manti93
das por regras que podem ser quebradas com certa impunidade. Tal compreensão, como aquelas transmitidas pela guerra ou pelo fune ral de um parente, tende a não ser muito discutida, mas talvez tenda também a unir a equipe e os pacientes, sem querer, num grupo que compartilha um conhecimento indesejável. Resumindo , então , a sociedade moderna coloca os transgresso res da ordem cerimonial num único lugar, junto com alguns mem bros comuns da sociedade que ganham a vida lá. Eles habitam um lugar de atos e entendimentos profanos, mas alguns deles ainda são fiéis à ordem cerimonial fora do ambiente hospitalar. De alguma forma, as pessoas cerimoniais precisam desenvolver mecanismos e técnicas para viver sem alguns tipos de cerimônia. Também sugeri que noções durkheimianas sobre a religião pri mitiva podem ser traduzidas para conceitos de deferência e porte, e que esses conceitos nos ajudam a compreender alguns aspectos da vida secular urbana. A consequência é que num certo sentido este mundo secular não é tão irreligioso quanto poderíamos pensar. Nós nos livramos de muitos deuses, mas o próprio indivíduo teimosa mente continua a ser uma divindade de importãncia considerável. Ele anda com certa dignidade e recebe muitas pequenas ofertas. Ele tem ciúme da veneração que lhe é devida, mas , se for abordado no espírito certo , está pronto a perdoar aqueles que podem ter lhe ofen dido. Por causa da posição relativa a ele, algumas pessoas o conside rarão contagioso , enquanto outras o contagiarão, em ambos os ca sos percebendo que precisam tratá-lo com cuidado ritual. Talvez o indivíduo seja tão viável como um deus porque ele pode realmente compreender a importãncia cerimonial da forma em que é tratado , e, sozinho , pode responder dramaticamente àquilo que lhe é ofere cido. Nos contatos entre tais divindades não é necessário interme diários; todos esses deuses são capazes de ser seu próprio sacerdote.
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Constrangimento e organização social
Um indivíduo pode reconhecer o constrangimento extremo nos outros e até em si mesmo através dos sinais objetivos de per turbação emocional: enrubescimento , balbucios, gaguej ar, uma voz estranhamente aguda ou grave , a fala trêmula ou entrecortada , suor, palidez , piscadelas, tremor das mãos , movimentos hesitantes ou vacilantes , distração e disparates . Como Mark Baldwin notou sobre a timidez , pode haver "um rebaixamento dos olhos , a cabeça pode se curvar, as mãos postas atrás das costas, os dedos podem batucar as roupas ou se torcer entre si, e a pessoa pode gaguej ar, com certa incoerência da ideia expressa na fala" 1 . Também existem sintomas subjetivos: a constrição do diafragma, uma sensação de cambaleio , a percepção de gestos forçados e não naturais , uma sensação de tontura , boca seca, e tensão dos músculos. Em casos de embaraço leve, esses alvoroços visíveis e invisíveis ocorrem , mas de forma menos perceptível. Na opinião popular, é natural estar tranquilo durante a intera ção , e o constrangimento é um desvio lamentável do estado nor mal. O indivíduo , de fato , pode dizer que se sentiu "natural" ou "não natural" na situação , o que quer dizer que ele se sentiu con fortável na interação ou constrangido nela . Aquele que frequente mente se constrange na presença de outros é considerado como al-
I . BALDWIN , J.M. Social and Ethical Interpretations in Mental Development. Lon dres: [s.e. ] , 1 902, p. 2 1 2 . 95
guém que sofre de uma tola sensação de inferioridade injustifica da , e que precisa de terapia 2 • Para utilizar a síndrome do alvoroço na análise do constrangi mento , precisamos primeiro distinguir os dois tipos de circunstân cias em que ela ocorre. Primeiro , o indivíduo pode ficar alvoroça do enquanto engaj ado numa tarefa que não tenha , por si mesma , nenhum valor particular para ele, com exceção de que seus inte resses de longo alcance requerem que ele a realize com segurança , competência e diligência, e ele teme ser inadequado para a tarefa . O desconforto será sentido na situação , mas , num certo sentido , não por ela; de fato , muitas vezes o indivíduo não será capaz de li dar com ela simplesmente por estar tão ansiosamente tomado pe las eventualidades presentes além dela. É importante notar que o indivíduo pode " estremecer" mesmo que outras pessoas não este jam presentes. Este capítulo não se preocupará com essas ocasiões de vexame instrumental, e sim com o tipo que ocorre em relação clara com a presença real ou imaginária de outras pessoas. Acima de tudo , o constrangimento tem a ver com a figura que o indivíduo representa diante dos outros considerados presentes naquele momento . A pre ocupação crucial é a impressão que se dá sobre os outros no presen te - qualquer que sej a a base de longo alcance ou inconsciente dessa preocupação . Essa configuração flutuante daqueles presentes é um grupo de referência dos mais importantes.
2. Uma versão sofisticada é a posição psicanalítica de que o desconforto na intera ção social é um resultado de expectativas de atenção impossíveis baseadas em ex pectativas não resolvidas em relação ao apoio paterno. Supostamente, um dos obje tivos da terapia é fazer com que o indivíduo enxergue seus sintomas sob a verdadei ra luz psicanalítica, presumindo que talvez, a partir disto , ele não precisará deles (cf. SCHILDER, P. "The Social Neurosis". Psycho-Analytical Review, XXV, 1 938, p . 1 - 1 9 ) . PIERS, G. & SINGER, M. Shame and Guilt: A Psychoanalytical and a Cul tural Study. Springfield: Charles C. Thomas, 1953, esp. p. 26. RAN GELL, L "The Psychology of Poise " . Intemational journal of Psychoanalysis, XXXV, 1954, p. 3 1 3-332. FEREN CZI, S. "Embarrassed Hands". Further Contributions to the The ory and Technique of Psychoanalysis. Londres: Hogarth, 1950, p. 3 1 5-3 1 6 . •
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O vocabulário do constrangimento
Um encontro social é uma ocasião de interação face a face, co meçando quando os indivíduos reconhecem que se moveram para a presença imediata uns dos outros e terminando com uma retirada aceitável da participação mútua. Os encontros variam consideravel mente em seus propósitos , função social, tipo e número de partici pantes, ambiente, etc. e, apesar de aqui tratarmos apenas de encon tros conversacionais, obviamente existem aqueles em que nenhuma palavra é pronunciada. E ainda assim, pelo menos em nossa socie dade anglo-americana, não parece existir um encontro social que não possa se tornar constrangedor para um ou mais de seus partici pantes, gerando o que às vezes é chamado de incidente ou vexame. Ao escutar essa dissonância, o sociólogo pode fazer generalizações sobre as formas em que a interação pode degringolar e, por implica ção , sobre as condições necessárias para que a interação seja correta. Ao mesmo tempo, ele recebe boas evidências de que todos os encon tros são membros de uma única classe natural, receptivos a um úni co esquema de análise . O incidente constrangedor é causado por quem? Ele é constran gedor para quem? Esse constrangimento é sentido sobre quem? Nem sempre os participantes sentem constrangimento pelos apuros de um i ndivíduo; ele pode ocorrer por pares de participantes que estejam t endo dificuldades juntos, e mesmo pelo encontro como um todo. Além disso, se o indivíduo pelo qual sentimos constrangimento por ventura é percebido como um representante responsável de alguma l�lcção ou subgrupo (como muito frequentemente ocorre na intera {·ão entre três ou mais pessoas) , então é provável que os membros d essa facção se sintam constrangidos, e sintam isso por si mesmos. Mas enquanto uma gafe ou um faux pas podem significar que um úni co indivíduo é ao mesmo tempo a causa de um incidente, aquele que .'ic sente constrangido por ele, e aquele pelo qual ele sente constrangi mento, este talvez não seja o caso típico, pois nessas questões as fron t eiras do eu parecem ser particularmente fracas. Quando um indiví d uo se encontra numa situação que deveria fazê-lo corar, os outros presentes normalmente também enrubescem com ele e por ele, mes1 1 1 0 que ele possa não ter um sentimento de vergonha ou apreciação < las circunstâncias suficientes para corar sozinho.
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As palavras "constrangimento" , "embaraço" e "desconforto" são usadas aqui num contínuo de significados. Algumas ocasiões de constrangimento parecem ter um caráter orgástico abrupto; uma in trodução repentina do evento perturbador é sucedida por um pico imediato na experiência do constrangimento e então por um retor no lento à tranquilidade anterior, com todas as fases abrangendo um único encontro . Assim, um momento ruim danifica uma situação que seria, de outra forma, eufórica. No outro extremo , descobrimos que algumas ocasiões de cons trangimento são mantidas no mesmo nível por todo o encontro , co meçando quando a interação começa e durando até o término do encontro . Os participantes falam de uma situação desconfortável ou desagradável, mas não de um incidente constrangedor. Neste caso, é claro , o encontro inteiro se torna para um ou mais dos participan tes um incidente que causa constrangimento. O constrangimento abrupto pode muitas vezes ser intenso , enquanto o desconforto contínuo é costumeiramente mais leve, envolvendo alvoroços quase imperceptíveis . Um encontro que parece ter grande probabilidade de causar um constrangimento abrupto pode, por causa disso, lan çar uma sombra de desconforto contínuo sobre os participantes, transformando o encontro inteiro num incidente. Ao formar um retrato do indivíduo constrangido , baseamo-nos em um imaginário mecânico : o equilíbrio ou o autocontrole po dem ser perdidos , a estabilidade pode ser derrubada . Sem dúvida, o caráter físico dos alvoroços parcialmente evoca esse imaginá rio . D e qualquer forma, um indivíduo completamente alvoroçado é alguém que não consegue, no momento , mobilizar seus recursos musculares e intelectuais para a tarefa diante de si, ainda que dese je fazê-lo ; ele não consegue oferecer uma resposta para aqueles ao seu redor que permitirá a eles manter a conversação com facili dade. Ele e suas ações alvoroçadas bloqueiam a linha de atividade que os outros estavam seguindo . Ele está presente com eles , mas ele não está "em jogo " . Os outros podem ser forçados a parar e vol tar sua atenção para o impedimento ; o tópico da conversa é negli genciado , e as energias são direcionadas para a tarefa de restabele cer o indivíduo alvoroçado , de cuidadosamente ignorá-lo , ou de sair da presença dele.
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Conduzir-se confortavelmente na interação e estar alvoroçado estão em oposição direta. Quanto mais houver de um, menos, de modo geral, haverá do outro; por isso , através do contraste, um dos modos de comportamento pode esclarecer características do outro . A interação face a face em qualquer cultura parece necessitar exata mente daquelas capacidades que o alvoroço parece certamente des truir. Assim, eventos que levam ao constrangimento e os métodos para evitá-lo e dissipá-lo podem fornecer um esquema de análise so ciológica que atravessa culturas. O prazer ou desprazer que um encontro social gera para um indi víduo, e a afeição ou hostilidade que ele sente pelos participantes, po dem ter mais do que uma relação com sua compostura ou falta dela. Elogios, aclamações e recompensas repentinas podem colocar o re ceptor num estado de confusão alegre, enquanto uma discussão aca lorada pode ser provocada e mantida com o indivíduo sentindo-se composto e em controle total de si o tempo todo. E, o que é mais im portante, há um tipo de conforto que parece ser uma propriedade for mal da situação e que tem a ver com a coerência e determinação com as quais o indivíduo assume um papel bem integrado e persegue ob jetivos momentâneos que não têm nada a ver com o conteúdo das próprias ações. Uma sensação de embaraço per se parece sempre ser desagradável, mas as circunstâncias que a geram podem ter conse quências imediatas agradáveis para aquele que é embaraçado . Apesar dessa relação variável entre desprazer e embaraço, pelo menos em nossa sociedade parecer alvoroçado é considerado prova de fraqueza, inferioridade, posição baixa, culpa moral, derrota e ou t ros atributos nada invejáveis. E, como sugerido anteriormente, o alvoroço ameaça o próprio encontro ao perturbar a transmissão e recepção regular que sustenta os encontros. Quando o embaraço surge de qualquer uma dessas fontes, o indivíduo alvoroçado com preensivelmente realizará algum esforço para ocultar seu estado dos outros presentes. O sorriso fixo , o riso vazio nervoso , as mãos ocu padas, o olhar para o chão que esconde a expressão dos olhos, tudo i sso tornou-se famoso como sinais para ocultar o constrangimento. N as palavras de Lorde Chesterfield: Eles estão envergonhados em companhia, e tão descon certados que não sabem o que fazem, e tentam mil tru-
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ques para manter a compostura ; e esses truques acabam se tornando hábitos. Alguns levam seus dedos ao nariz, outros coçam a cabeça , outros giram seus chapéus; resu mindo , todo corpo desajeitado e de má estirpe tem seus truques3•
Esses gestos são biombos que o indivíduo usa para se esconder enquanto tenta trazer seus sentimentos de volta ao ritmo , e a si pró prio de volta ao j ogo . Tendo em vista o desej o do indivíduo de ocultar seu constrangi mento , tendo em vista o ambiente e sua habilidade em cuidar de si mesmo , ele pode parecer aprumado de acordo com alguns sinais ób vios, mas demonstrar estar constrangido de acordo com sinais me nos aparentes. Assim, ao fazer um discurso público , ele pode conse guir controlar sua voz e passar uma impressão de tranquilidade, mas aqueles sentados ao seu lado na plataforma podem ver que suas mãos estão tremendo ou que tiques faciais estão desmentindo sua atitude bem composta. Como o indivíduo não gosta de se sentir ou parecer constrangi do , pessoas de bom tato evitarão colocá-lo nessa posição . Além dis so , elas muitas vezes fingirão não saber que ele perdeu a compostura ou que tem motivos para perdê-la. Elas podem tentar suprimir sinais de reconhecimento de seu estado ou ocultá-los por trás do mesmo tipo de gesto de cobertura que ele pode empregar. Dessa forma eles protegem a fachada e os sentimentos dele, e supostamente facilitam que ele recupere a compostura, ou pelo menos mantenha a que lhe sobrou. Entretanto , assim como o indivíduo alvoroçado pode não conseguir ocultar seu constrangimento , aqueles que percebem seu desconforto podem fracassar em sua tentativa de ocultar seu conhe cimento , e neste ponto todos perceberão que seu constrangimento foi visto e que essa visão deveria ter sido ocultada. Quando alcança mos esse ponto , o envolvimento costumeiro na interação pode che gar a um fim doloroso . Em toda essa dança entre aquele que oculta e aqueles de quem se oculta, o constrangimento oferece o mesmo problema e é tratado através das mesmas formas que qualquer outra ofensa contra a boa propriedade.
3. Letters ofLor·d Chesterfield to His Son. Nova York: E.P. Dutton & Co . , 1929, p. 80. 1 00
Parece haver um ponto crítico em que o indivíduo alvoroçado desiste de tentar ocultar ou minimizar seu desconforto : ele cai no choro ou em paroxismos de riso, tem um acesso de cólera, é acome tido por uma fúria cega, desmaia, corre para a saída mais próxima, ou se torna completamente imóvel, como se estivesse em pânico. Depois disso, fica muito difícil recuperar a compostura. Ele respon de a um novo conj unto de ritmos, característico da experiência emocional profunda , e dificilmente conseguirá passar mesmo uma leve impressão de que está unido aos outros na interação . Resumin do , ele abdica de seu papel como alguém que mantém encontros. O momento da crise é obviamente determinado socialmente: o ponto de ruptura do indivíduo é aquele do grupo a cuj os padrões emocio nais ele adere. Em ocasiões raras, todos os participantes de um en contro podem ultrapassar esse ponto e, em conjunto, serem incapa zes de manter sequer uma ilusão de interação ordinária. O pequeno sistema social que eles criaram na interação desaba; eles se separam ou apressadamente tentam assumir um novo conjunto de papéis. Os termos "aprumo" , "sangue frio" e "pose" , referindo-se à ca pacidade de manter a compostura, devem ser diferenciados daquilo que é chamado de "gentileza" , "tato" ou "habilidade social" , a saber, a capacidade de evitar causar constrangimento a si próprio e aos ou tros. O aprumo tem um papel importante na comunicação , pois ele garante que aqueles presentes não fracassem em desempenhar seus papéis na interação e que continuarão, enquanto estiverem na pre sença uns dos outros, a receber e transmitir comunicações discipli nadas. Não surpreende que o teste de provocações sej a algo por que t odo jovem passa até desenvolver uma capacidade de manter a com postura 4 . Também não deve surpreender que muitos de nossos j o gos e esportes comemorem os temas da compostura e do constran-
·L Uma forma interessante de institucionalização desse teste nos Estados Unidos,
('Specialmente na sociedade dos negros de classe baixa, é "jogar as dúzias" [brinca de i ra em que duas pessoas trocam insultos jocosos cada vez piores até que uma de las não tenha uma resposta à altura - N . T . ] (cf. DOLLARD , j . "Dialectic of Insult" . 1\ merican I mago, I, 1 939, p. 3 25 BERDIE, R.F.B. "Playing the Dozens" . ]oumal of 1\/mormal and Social Psychology, XLII, 1 947, p. 1 20-1 2 1 . Sobre a provocação em ge ra l , cf. SPERLING, S.]. "On the Psychodynamics of Teasing Jou mal of the Ameli ' 11n Psycho-analyítícal Association, I, 1953, p. 458-483. -
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gimento : no pôquer, uma mão duvidosa pode ser lucrativa para o j o gador capaz de apresentá-la calmamente ; no judô , luta-se especifi camente pela manutenção e perda da compostura; no críquete, os jogadores devem manter o autocontrole e o "estilo" sob pressão .
É provável que o indivíduo saiba que certas situações especiais sempre o deixam desconfortável e que ele tem algumas relações "defeituosas" que sempre causam apreensão . Sua rotina diária de encontros sociais é, sem dúvida, em grande parte determinada por suas obrigações sociais principais, mas ele se esforça um pouco para encontrar situações que não serão constrangedoras e se desviar de situações que o serão. Um indivíduo que firmemente acredite que tem pouco aprumo , talvez até exagerando seu defeito , é tímido e acanhado ; temendo todos os encontros, ele busca sempre encur tá-los ou evitá-los completamente. O gago é um exemplo doloroso disto, mostrando-nos o preço que o indivíduo pode estar disposto a pagar por sua vida sociaf . Causas do constrangimento
O constrangimento tem a ver com expectativas não realizadas (mas não com aquelas do tipo estatístico) . Levando em considera ção suas identidades sociais e o ambiente, os participantes sentirão que tipo de conduta deveria ser mantida como a apropriada, por mais que eles possam não ter esperança de que ela realmente acon tecerá. Um indivíduo pode firmemente esperar que certos outros o deixarão desconfortável, e ainda assim esse conhecimento pode au mentar seu embaraço em vez de diminuí-lo. Um estalo completa mente inesperado de engenharia social pode salvar uma situação , sendo eficiente exatamente porque não foi previsto. Então, as expectativas relevantes para o constrangimento são morais, mas o constrangimento não surge da ruptura de qualquer expectativa moral, pois algumas infrações geram indignação moral resoluta, e nenhum desconforto . Em vez disso, devemos procurar aquelas obrigações morais que envolvem o indivíduo em apenas
S. Cf. HELTMAN , H.]. "Psycho-social Phenomena o f Stuttering and Their Etiologi cal and Therapeutic Implications" . ]ou mal of Social Psychology, IX, 1 938, p. 79-96. 1 02
uma de suas capacidades, aquela de alguém que desempenha en contros sociais. É claro que o indivíduo é obrigado a se manter bem composto , mas isto nos diz que as coisas estão indo bem, e não por que isto ocorre. E as coisas vão bem ou mal por causa daquilo que é percebido sobre as identidades sociais daqueles presentes. Durante a interação , esperamos que o indivíduo possua certos atributos, capacidades e informações que, em conjunto , se encaixem num eu que, ao mesmo tempo, é unificado coerentemente e apro priado para a ocasião. Através das implicações expressivas de seu fluxo de conduta, da simples participação, o indivíduo efetivamente proj eta esse eu aceitável na interação, ainda que ele não o perceba, e que os outros não percebam que interpretaram sua conduta dessa forma. Ao mesmo tempo, ele precisa aceitar e honrar os eus proj eta dos pelos outros participantes. Os elementos de um encontro social, então, consistem em reivindicações efetivamente projetadas de um eu aceitável e a confirmação de reivindicações semelhantes da parte dos outros. As contribuições de todos estão orientadas para elas, e são construídas tendo-as como base. Quando um evento coloca essas reivindicações em dÚvida, ou as enfraquece, o encontro então se encontra alojado em suposições que não valem mais. As respostas que as partes prepararam agora estão fora de lugar e precisam ser engolidas, e a interação precisa ser re construída. Em tais momentos, o indivíduo cuj o eu foi ameaçado (o indivíduo por quem se sente constrangimento) e o indivíduo que o ameaçou podem ambos se sentir envergonhados daquilo que causa ram, compartilhando esse sentimento exatamente quando têm razões para se sentir separados. E essa responsabilidade conjunta é apropria da. Segundo os padrões da sociedade em geral, talvez apenas o indiví duo desacreditado deveria se sentir envergonhado; mas, pelos pa drões do pequeno sistema social mantido através da interação, aquele que o desacredita é tão culpado quanto a pessoa que ele desacredita às vezes até mais, pois se ele estava posando como um homem de bom tato, ao destruir a imagem de outro ele destrói a sua própria. Mas é claro que os problemas não terminam com o par culpado nem com aqueles que se identificaram em simpatia com eles. Não tendo nenhum objeto legítimo ou confirmado ao qual podem ancorar sua própria união, os outros se encontram soltos e embaraçados. É 1 03
por isso que o constrangimento parece ser contagioso, espalhan do-se, depois de começar, em círculos cada vez maiores de embaraço. Há várias circunstâncias clássicas em que o eu proj etado por um indivíduo pode ser desacreditado, causando vergonha e constrangi mento sobre o que ele fez ou parece ter feito consigo mesmo e com a interação . Experimentar uma mudança repentina de posição, como através do casamento ou de uma promoção , é adquirir um eu que os outros indivíduos não admitirão completamente devido à sua liga ção remanescente com o eu antigo. Pedir um emprego , um emprés timo de dinheiro , ou uma mão em casamento é proj etar uma ima gem do eu como digno , sob condições em que aquele que pode de sacreditar a suposição pode ter bons motivos para fazê-lo . Fingir ter o estilo de superiores profissionais ou sociais é fazer reivindicações que podem muito bem ser desacreditadas pela falta de familiaridade com o papel. A própria estrutura física de um encontro normalmente recebe certas implicações simbólicas , às vezes levando um participante, contra a sua vontade, a proj etar reivindicações sobre si mesmo que são falsas e constrangedoras. A proximidade física facilmente impli ca proximidade social, como sabe qualquer um que já tenha se en contrado numa reunião íntima em que não deveria estar, ou que te nha se encontrado forçado a "bater papo" fraternalmente com al guém superior ou inferior ou estranho demais para ser um irmão . Da mesma forma, se a conversa deve ocorrer, alguém deve iniciá-la, alimentá-la e terminá-la; e esses atos podem incomodamente suge rir posições e poder que não condizem com os fatos. Vários tipos de encontros recorrentes numa certa sociedade po dem compartilhar da suposição de que os participantes alcançaram certos padrões morais, mentais e fisionômicos. A pessoa que não atinge esses padrões pode, em todos os lugares, encontrar-se força da, sem querer, a fazer reivindicações de identidade implícitas que ela não pode cumprir. Comprometida em todos os encontros de que participa, ela realmente usa um sino de leproso. O indivíduo que mais se isola de contatos sociais pode então ser o menos isolado das exigências da sociedade. E, se ele apenas imagina que possui um atributo que o desqualifica, sua avaliação de si mesmo pode estar equivocada, mas, levando-a em consideração , sua fuga dos contatos 1 04
é compreensível. De qualquer forma, ao decidir se as bases da timi dez de um indivíduo são reais ou imaginárias, não devemos procu rar desqualificações "justificáveis" , e sim o conjunto de característi cas muito maior que realmente constrange encontros. Em todos esses ambientes, a mesma coisa fundamental ocorre: os fatos expressivos presentes ameaçam ou desacreditam as suposi ções que um participante descobre que projetou sobre a sua identi dade6 . A partir desse ponto, aqueles presentes descobrem que não podem nem ficar sem as suposições nem basear suas próprias res postas nelas. A realidade inabitável se encolhe até que todos se sin tam "pequenos" ou deslocados.
É preciso notar uma complicação adicional. Muitas vezes, oca siões cotidianas importantes de constrangimento surgem quando o eu proj etado é, de alguma forma, confrontado com outro eu que, ainda que válido em outros contextos, aqui não pode ser mantido em harmonia com o primeiro . O constrangimento então nos leva para a questão da "segregação de papéis" . Cada indivíduo tem mais de um papel, mas ele é salvo do dilema de papéis pela "segregação da plateia" , pois, normalmente, aqueles diante de quem: ele desem penha um de seus papéis não serão os indivíduos diante de quem ele desempenha outro , permitindo que ele seja uma pessoa diferente em cada papel sem desacreditar nenhum dos dois. Entretanto, todo sistema social tem momentos e lugares em que a segregação de plateia se desfaz e onde indivíduos se confrontam com eus incompatíveis com aqueles que estendem um para o outro em outras ocasiões. Nesses momentos, o constrangimento , especi almente do tipo leve, demonstra estar localizado não no indivíduo, mas no sistema social em que ele tem vários eus. 6. Além de seus outros problemas, ele desacreditou sua reivindicação implícita de aprumo . Ele então sentirá que tem motivos para se constranger pelo seu constran gimento , mesmo que ninguém presente possa ter percebido os estágios anteriores de seu embaraço . Mas é preciso notar um senão . Quando um indivíduo , ao receber um elogio, se enrubesce de modéstia, ele pode perder sua reputação de aprumo , mas ganhar uma mais importante, a de ser modesto. Sentindo que não deve se en vergonhar de seu vexame, seu constrangimento não o levará a se constranger. Por outro lado, quando o constrangimento é claramente esperado como uma resposta apropriada, aquele que não se constrange pode parecer insensível e por isso se constranger por causa dessa aparência. 1 05
O domínio do constrangimento
Começando com considerações psicológicas, chegamos depois de alguns estágios a um ponto de vista sociológico estrutural. Temos precedentes de antropólogos sociais e suas análises de piadas e evita ção. Pressupomos que o constrangimento é uma parte normal da vida social normal, e o indivíduo fica desconfortável não porque ele é pes soalmente desajustado , mas sim porque ele não o é; supostamente qualquer um em sua combinação de posições faria o mesmo. Num es tudo empírico de um sistema social particular, o primeiro objetivo se ria aprender quais categorias de pessoas ficam constrangidas em quais situações recorrentes. E o segundo objetivo seria descobrir o que aconteceria com o sistema social e o esquema de obrigações se o constrangimento não fosse incorporado sistematicamente nele. Podemos citar um exemplo da vida social de estabelecimentos de grande escala - prédios de escritórios, escolas, hospitais, etc. Aqui, em elevadores, corredores e cafeterias, em bancas de jornal, máquinas de refrigerantes, balcões de lanches e entradas, todos os membros estão muitas vezes em condições iguais, ainda que distan tes 7 . Nos termos de Benoit-Smullyan, expressa-se o situs, e não o sta tus ou o locus8 • Atravessando essas relações de igualdade e distância está outro conjunto de relações que surge em equipes de trabalho cujos membros são classificados através de coisas como prestígio e autoridade, mas ainda assim unidos pela atividade conjunta e co nhecimento pessoal uns dos outros. Em muitos estabelecimentos grandes, jornadas de trabalho es calonadas, cafeterias segregadas e medidas semelhantes ajudam a garantir que aqueles que têm posições distintas e estão próximos em um conjunto de relações não terão que se encontrar em situações fi-
7. Essa participação igual e conjunta numa grande organização é muitas vezes cele brada anualmente na festa do escritório e em esquetes dramáticos amadores, que são realizados excluindo-se declaradamente forasteiros e misturando as posições dos participantes.
8. BENOIT -SMULLYAN , É. "Status, Status Types, and Status lnterrelations" . Ame rican Sociological Review, IX, 1 944, p. 1 5 1 - 1 6 1 . De certa forma, a afirmação de per tencimento institucional igual é reforçada pela regra em nossa sociedade de que homens devem mostrar certas pequenas cortesias para mulheres; todos os outros princípios, como distinções entre grupos raciais e categorias profissionais, devem ser suprimidos. O efeito é a ênfase no situs e na igualdade. 1 06
sicamente íntimas quando deveriam esperar manter a igualdade e a distância. Entretanto, a orientação democrática de alguns de nossos estabelecimentos mais recentes tende a juntar membros de posições diferentes da mesma equipe de trabalho em lugares como a cafete ria, o que causa desconforto. Não há como eles agirem de forma a não perturbar um dos dois conjuntos básicos de relações que eles têm uns com os outros. É muito provável que essas dificuldades ocorram em elevadores, pois neles indivíduos que não se sentem exatamente confortáveis para conversar precisam passar um tempo juntos demais para ignorar a oportunidade de conversas informais um problema que alguns, é claro , resolvem através de elevadores executivos especiais. O constrangimento , então, é incorporado eco logicamente ao estabelecimento. O indivíduo , por possuir eus múltiplos, pode descobrir que é necessário que ele ao mesmo tempo estej a presente e não estej a pre sente em certas ocasiões. O resultado é o constrangimento : o indiví duo se encontra sendo dilacerado , ainda que isto possa ocorrer de forma muito gentil. A oscilação de seu eu corresponde à oscilação de sua conduta. A função social do constrangimento
Quando o eu proj etado de um indivíduo é ameaçado durante a interação, ele pode, com aprumo , suprimir todos os sinais de vergo nha e constrangimento . Nenhum alvoroço , nem os esforços para ocultá-lo , perturba o fluxo regular do encontro; os participantes po dem proceder como se nenhum incidente tivesse ocorrido. Entretanto , quando as situações são salvas, algo importante pode ser perdido. Ao demonstrar constrangimento quando ele não pode ser nenhuma das duas pessoas, o indivíduo abre a possibilidade de no futuro poder efetivamente ser uma delas9 • O papel dele na inte-
9. Um argumento semelhante foi apresentado por Samuel johnson em seu artigo "Of Bashfulness" . The Rambler, n. 139, 1 75 1 : "Normalmente é o caso que a segu rança consegue acompanhar a habilidade; e o medo do malogro, que prejudica nos sas primeiras tentativas, dissipa-se gradualmente quando nossa perícia avança em direção à certeza do sucesso. O acanhamento , então, que impede a desgraça, aquela curta vergonha temporária que nos protege contra o perigo da censura duradoura, não pode ser incluído apropriadamente como uma de nossas infelicidades" . 1 07
ração atual pode ser sacrificado , e talvez até o próprio encontro , mas ele demonstra que, apesar de não conseguir apresentar um eu sus tentável e coerente nesta ocasião, ele pelo menos está perturbado pelo fato e pode se provar digno em outro momento. Neste sentido , o constrangimento não é um impulso irracional destruindo o com portamento prescrito socialmente, e sim parte desse próprio com portamento ordenado . Alvoroços são um exemplo extremo dessa classe importante de atos que normalmente são bastante espontâneos e ainda assim nem mais nem menos necessários e obrigatórios que atos realizados constrangidamente. Por trás de um conflito de identidade está um conflito mais fun damental, um conflito de princípio organizacional, pois o eu, para muitos propósitos, consiste apenas da aplicação de princípios orga nizacionais legítimos para o nosso eu . Construímos nossa identida de a partir de reivindicações que , se forem negadas, dão-nos o direi to de nos sentirmos justificadamente indignados. Por trás das rei vindicações de um aprendiz de participação completa no uso de cer tas instalações da fábrica está o princípio organizacional: todos os membros do estabelecimento são iguais de certas formas qua mem bros. Por trás da reivindicação do especialista de reconhecimento fi nanceiro apropriado está o princípio de que é o tipo de trabalho , e não meramente o trabalho , que determina a posição. Os balbucios do aprendiz e do especialista quando chegam à máquina de Co ca-Cola ao mesmo tempo expressam uma incompatibilidade de 10 pnnCipws orgamzacwna1s . •
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É provável que os princípios de organização de qualquer siste ma social entrem em conflito em certos pontos. Em vez de permitir que o conflito seja expresso num encontro, o indivíduo se coloca entre os princípios opostos. Ele sacrifica sua identidade por um mo-
10. Em tais momentos às vezes ocorrem "caçoadas" [joshing] . Dizem que isto é um meio de liberar a tensão causada ou pelo constrangimento ou por que quer que te nha causado o constrangimento. Mas em muitos casos esse tipo de brincadeira é uma forma de dizer que aquilo que ocorre agora não é sério nem real. O exagero , o insulto fingido, as reivindicações falsas - tudo isto reduz a seriedade do conflito ao negar a realidade da situação. E é claro que é isto, de outra forma, que o constrangi mento faz. É natural, então, encontrarmos o constrangimento junto com piadas, pois ambos ajudam a negar a mesma realidade.
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mento , e às vezes sacrifica o encontro, mas os princípios são preser vados. Ele pode ser moído entre suposições opostas , impedindo as sim uma fricção direta entre elas, ou ele pode ser quase esquarteja do, de forma que princípios com pouca relação entre si possam ope rar juntos. A estrutura social ganha elasticidade; o indivíduo mera mente perde compostura.
4 A alienação da interação
l . Introdução
Quando o indivíduo em nossa sociedade anglo-americana se engaja num encontro conversacional com outras pessoas, ele pode ficar espontaneamente envolvido nele. Ele pode mergulhar de for ma impensada e impulsiva na conversa e ser levado por ela, esqueci do de outras coisas, incluindo de si mesmo . Esteja ele com um en volvimento intenso que não é perturbado facilmente, ou com um envolvimento leve do qual ele facilmente se distrai, o tópico da con versa pode formar o principal foco de sua atenção cognitiva e o ora dor atual pode formar o principal foco de sua atenção visual. O efei to hipnótico e vinculador de tal envolvimento é ilustrado pelo fato de que , enquanto assim envolvido, o indivíduo pode se engajar si multaneamente em outras atividades dirigidas a um objetivo (mas car chiclete, fumar, encontrar uma posição confortável na cadeira, realizar tarefas repetitivas, etc.) , mas gerencia esses envolvimentos laterais de forma abstraída, como uma fuga musical, para que eles não o distraiam de seu foco de atenção principal.
É claro que o indivíduo , como uma criança ou um animal, pode ficar espontaneamente envolvido em tarefas solitárias não sociáveis. Quando isto ocorre, a tarefa se torna ao mesmo tempo leve e pesada, dando a seu realizador um senso firme de realidade. Entretanto , enquanto um foco principal de atenção a conversa é algo único, pois ela cria para o participante um mundo e uma realidade que tem outros participantes nela. O envolvimento conjunto espontâ neo é uma unio mystico , um transe socializado . Precisamos tam bém perceber que uma conversação tem vida própria e faz exigên cias em seu nome. Ela é um pequeno sistema social com suas pró-
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prias tendências de manutenção de fronteiras; ela é um pedacinho de compromisso com seus próprios heróis 1 e vilões. Tornando o envolvimento conjunto espontâneo como um pon to de referência, eu quero discutir como esse envolvimento pode não conseguir ocorrer e a consequência desse fracasso. Eu quero tratar das formas pelas quais o indivíduo pode se alienar de um en contro conversacional, o desconforto que surge disto , e a conse quência dessa alienação e desse desconforto para a interação . Como a alienação pode ocorrer em relação a qualquer conversa imaginá vel, talvez possamos aprender com ela algo sobre as propriedades genéricas da interação falada. 2. Obrigações de envolvimento
Quando indivíduos estão na presença imediata um do outro , uma multidão de palavras, gestos, atos e eventos menores se toma disponível, desejada ou não , através da qual alguém que está pre sente pode, intencionalmente ou não , simbolizar seu caráter e suas atitudes. Em nossa sociedade prevalece um sistema de e tiqueta que dirige o indivíduo a lidar com estes eventos de forma conveniente, proj etando através deles uma imagem de si correta, um respeito apropriado pelos outros presentes e uma consideração adequada pelo ambiente. Quando o indivíduo quebra uma regra de etiqueta, intencionalmente ou não , os outros presentes podem se mobilizar para restaurar a ordem cerimonial, de forma parecida com aquela utilizada quando outros tipos de ordem social são transgredidos . Através da ordem cerimonial que é mantida por um sistema de etiqueta, a capacidade do indivíduo de ser levado por uma conversa se toma socializada, assumindo uma carga de valor ritual e função so cial. A escolha do foco principal de atenção, a escolha dos envolvi-
1 . Um dos heróis é o dito que pode introduzir referências a questões mais amplas e importantes de uma forma inefavelmente apropriada ao momento de conversa atu al. Como o dito espirituoso nunca mais será relevante da mesma forma, ofereceu-se um sacrifício à conversa, e prestou-se respeito à sua realidade única através de um ato que mostra o quão completamente o ator está atento à interação .
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mentos laterais e a intensidade do envolvimento são confinadas por coerções sociais, de forma que algumas alocações de atenção se tor nam socialmente apropriadas e outras alocações são inapropriadas. Há muitas ocasiões em que o indivíduo que participa de uma conversação descobre que ele e os outros estão presos juntos através de obrigações de envolvimento em relação à conversação . Ele passa a sentir que é definido como apropriado (e por isso ou desejável por si mesmo ou prudente) dar seu foco principal de atenção à conver sa, e ficar espontaneamente envolvido nela, enquanto ao mesmo tempo ele sente que cada um dos outros participantes tem a mesma obrigação . Devido à ordem cerimonial em que suas ações estão inse ridas, ele pode descobrir que qualquer alocação alternativa de en volvimento de sua parte será considerada uma descortesia e lançará um reflexo indesejado sobre os outros, sobre o ambiente, ou sobre si mesmo . E ele descobrirá que sua ofensa foi cometida na própria pre sença daqueles ofendidos por ela. Aqueles que quebram as regras da interação cometem seus crimes j á na cadeia. A tarefa de ficar espontaneamente envolvido em alguma coisa, quando ela é um dever para si mesmo ou para os outros, é uma coisa difícil, como todos nós sabemos através de nossa experiência com tarefas monótonas ou ameaçadoras. As ações do indivíduo precisam acontecer para satisfazer suas obrigações de envolvimento , mas num certo sentido ele não pode agir exatamente para satisfazer essas obrigações, pois tal esforço necessitaria de que ele mudasse sua atenção do tópico da conversação para o problema de estar esponta neamente envolvido nela. Aqui, num componente de impulsividade não racional - não apenas tolerada mas na realidade exigida - des cobrimos uma forma importante pela qual a ordem da interação dis tingue-se de outros tipos de ordem social. A obrigação do indivíduo de manter o envolvimento espontã neo na conversação e a dificuldade de fazer isso o colocam numa po sição delicada. Ele é salvo por seus coparticipantes , que controlam suas próprias ações para que ele não seja forçado a sair do envolvi mento apropriado. Mas, assim que ele for resgatado, ele terá que resgatar outra pessoa, e por isso seu trabalho de participante da inte ração se complica ainda mais. Aqui, então , está um dos aspectos fundamentais do controle social na conversação : o indivíduo deve 112
não apenas manter seu próprio envolvimento , mas também agir de forma a garantir que os outros mantenham o deles. É isto que o indi víduo deve aos outros em sua capacidade de participantes da intera ção, independentemente do que quer que seja devido a eles em quais quer outras capacidades em que eles participem, e é esta obrigação que nos diz que , não importa que papel social um indivíduo desem penhe durante um encontro , ele além disso terá que cumprir o pa pel de participante da interação. O indivíduo terá razões aprovadas e não aprovadas para cumprir sua obrigação enquanto participante da interação, mas em todos os casos, para fazê-lo, ele precisa ser capaz de rápida e delicadamente as sumir o papel dos outros e sentir as qualificações que a situação deles deve trazer para a sua própria conduta para que eles não sejam atra palhados por ela. Ele deve, simpaticamente, ter consciência dos tipos de coisas nas quais os outros presentes podem se envolver espontâ nea e apropriadamente, e então tentar modular sua expressão de ati tudes, sentimentos e opiniões de acordo com a companhia. Assim, como Adam Smith afirmou em sua Teoria dos sentimen tos morais, o indivíduo deve frasear suas próprias preocupações, sentimentos e interesses de forma que eles sej am maximamente uti lizáveis pelos outros como uma fonte de envolvimento apropriado, e esse dever importante do indivíduo enquanto participante da inte ração é equilibrado por seu direito de esperar que os outros presen tes realizarão algum esforço para incitar suas simpatias e colocá-las ao comando dele. Essas duas tendências, a do orador de diminuir suas expressões e a dos ouvintes de aumentar seus interesses, ambas sob a luz das capacidades e exigências dos outros, formam a ponte que as pessoas constroem umas para as outras, permitindo-as se en contrar, através de um momento de fala, numa comunhão de envol vimento mantido reciprocamente. É essa fagulha, e não os tipos mais óbvios de amor, que ilumina o mundo. 3 . As forr as de alienação
Se tomar nos o envolvimento espontâneo conjunto num tópico de conversaf,ão como um ponto de referência, descobriremos que a alienação em relação a esse ponto é bastante comum. O envolvi mento conjunto parece ser uma coisa frágil, com pontos-padrão de 113
fraqueza e decadência, um estado instável precário que, provavel mente, em qualquer momento pode levar o indivíduo a alguma for ma de alienação. Como estamos tratando do envolvimento obriga tório , as formas de alienação constituirão um desvio de comporta mento de um tipo que pode ser chamado de " envolvimento errô neo" [misinvolvement] . Podemos discorrer agora sobre algumas das formas-padrão de envolvimento errôneo alienante.
1 ) Preocupação externa. O indivíduo pode negligenciar o foco de atenção prescrito e focar sua preocupação principal em algo que não está ligado àquilo que está sendo discutido no momento , e que pode até não estar ligado às outras pessoas presentes, pelo menos em sua capacidade de colegas participantes. O obj eto da preocupação do in divíduo pode ser algo com o que ele deveria ter parado de se ocupar ao entrar na interação, ou algo que só pode ser considerado apropria damente mais tarde no encontro, ou depois do término deste. A pre ocupação também pode assumir a forma de um aparte furtivo entre o indivíduo e um ou dois outros participantes. O indivíduo pode até estar preocupado com um padrão vago de atividade profissional que ele não pode manter por causa de sua obrigação de participar da in teração . O grau de ofensa da preocupação do indivíduo varia de acordo com o tipo de desculpa que os outros sentem que ele tem por ela. Em um extremo , está a preocupação que é considerada bastante vo luntária, quando o ofensor passa a impressão de que poderia facil mente dar sua atenção para a conversação , mas propositadamente se recusa a fazê-lo. No outro extremo, há a preocupação "involuntá ria" , uma consequência do envolvimento compreensivelmente pro fundo do ofensor com assuntos vitais fora da interação . Indivíduos que têm desculpas que permitiriam que eles se reti rassem de uma conversação muitas vezes permanecem leais e se re cusam a fazer isto . Através desse ato eles demonstram um belo res peito pelos colegas participantes e afirm< m as regras morais que transformam pessoas socialmente responsáveis em pessoas que também são interativamente responsáveis. Obviamente, é através de tais regras e tais gestos reafirmadores que a sociedade se torna se gura para os pequenos mundos sustentados em encontros face a 1 14
face. Na verdade, parece que todas as culturas têm histórias exem plares para ilustrar a dignidade e o peso que pode ser dado a essas realidades passageiras; em todos os lugares encontramos a celebra ção de um Drake que galantemente termina algum tipo de j ogo an tes de ir enfrentar algum tipo de Armada 2 , e em todos os lugares te mos algum fora da lei que é cativantemente civil com todos aqueles 3 que rouba e com aqueles que depois o enforcam por isso .
2) Consciência de si mesmo [self-consciousness] . Ao custo de seu envolvimento no foco de atenção prescrito , o indivíduo pode focar sua atenção mais do que deveria sobre si mesmo - o si mesmo como alguém que está se saindo bem ou mal, como alguém evocando uma resposta desej ável ou indesej ável dos outros. É claro que é possível que o indivíduo se estenda sobre si mesmo como um tópico de con versação - sendo autocentrado , desta forma -, mas ainda assim não exiba consciência de si mesmo . Parece que a consciência de si mes mo para o indivíduo não resulta de seu interesse profundo no tópico da conversação quando o tópico é ele mesmo, e sim qu;mdo ele dá atenção a si mesmo enquanto um participante da interação num momento em que deveria estar livre para se envolver no conteúdo da conversação . Devemos adicionar um enunciado geral sobre as fontes da cons ciência de si mesmo. Durante a interação, o indivíduo normalmente recebe, dos outros e de eventos impessoais na situação, uma ima gem e avaliação de si que é pelo menos temporariamente aceitável para ele. Ele pode então voltar sua atenção para questões menos ín timas. Quando essa definição do eu é ameaçada, o indivíduo tipica mente retrai a atenção da interação num esforço apressado para cor rigir o incidente que ocorreu . Se o incidente ameaça aumentar sua
2. Referência a Francis Drake , pirata e vice-almirante inglês que participou da batalha contra a Armada espanhola que fracassou em invadir a Inglaterra em 1 588 [ N .T . ] . 3 . Mas diferentes estratos da mesma sociedade podem ter preocupações diferentes quanto a seus membros aprenderem a se projetar em encontros; a tendência a man ter conversas vivas e animadas pode ser uma forma pela qual alguns estratos, não necessariamente adjacentes, são caracteristicamente diferentes de outros. 1 15
posição na interação , a fuga para a consciência de si mesmo pode ser uma forma de regozijo; se o incidente ameaça rebaixar sua posição e danificar ou desacreditar sua autoimagem de alguma forma, então a fuga para a consciência de si mesmo pode ser uma forma de prote ger o eu e assoprar suas feridas. Enquanto fonte de consciência de si mesmo , a ameaça da perda parece ser mais importante e comum do que a ameaça de ganho . Seja qual for a causa da consciência de si mesmo , todos nós co nhecemos as vacilações da ação e os alvoroços através dos quais ela é expressa; todos nós conhecemos o fenômeno do constrangimento. Podemos pensar a consciência de si mesmo como um tipo de preocupação com questões internas ao sistema social interativo e, como tal, ela recebeu mais consideração de senso comum do que outros tipos de preocupação interna . Na verdade, não temos pala vras de senso comum para nos referir a estes outros tipos de envol vimento impróprio . Eu me referirei a duas formas deles como "consciência da interação" e "consciência dos outros" para enfatizar uma similaridade com a consciência de si mesmo .
3) Consciência da interação. Um participante de conversações pode se tomar conscientemente preocupado num grau inapropria do com a forma em que a interação , enquanto interação , está ocor rendo , em vez de se envolver espontaneamente com o tópico de conversação oficial. Como a consciência da interação não é tão fa mosa como a consciência de si mesmo , podemos citar algumas fon tes dela como exemplos. Uma fonte comum de consciência da interação está relacionada com a responsabilidade especial que um indivíduo pode ter para que a interação "caminhe bem" , quer dizer, evocar o tipo apropria do de envolvimento daqueles presentes. Assim, num pequeno ajun tamento social, pode-se esperar que a anfitriã se junte a seus convi dados e se envolva espontaneamente na conversação que eles estão mantendo, mas, ao mesmo tempo, se a ocasião tiver problemas, ela, mais do que os outros, será considerada responsável pelo fracasso . Como consequência, ela às vezes se preocupa tanto com a maquina ria social da ocasião e com o desenrolar da noite como um todo , que fica impossível para ela se entregar à sua própria festa. 116
Podemos mencionar outra fonte comum da consciência de inte ração. Quando os indivíduos entram numa conversação , eles são obrigados a continuá-la até terem o tipo de base para se retrair que neutralizará as implicações possivelmente ofensivas de abandonar os outros. Enquanto engajados na interação , será necessário que eles tenham assuntos à disposição para conversar que se encaixem com a ocasião e também forneçam conteúdo suficiente para manter a conversa em ação; em outras palavras, eles precisam de suprimen tos seguros4 • Aquilo que chamamos de "papo furado" serve para este propósito . Quando os indivíduos acabam com seu papo furado , eles se encontram presos oficialmente num estado de fala mas sem nada para conversar; a consequência típica é a consciência da interação experimentada como um "silêncio doloroso" .
4) Consciência dos outros. Durante a interação, o indivíduo pode se distrair devido a outro participante como um objeto de atenção exatamente como no caso da consciência de si mesmo, ele pode se distrair devido à preocupação com si mesmo 5 • Se o indivíduo descobre que sempre que está na presença conver sacional de certas outras pessoas, elas fazem com que ele tenha cons ciência demais delas à custa do envolvimento prescrito no tópico de conversação, então elas podem adquirir a reputação, aos seus olhos, de serem participantes defeituosos da interação, especialmente se ele sente que não está sozinho nos problemas que tem com eles. É prová vel que ele então impute certas características àqueles que são perce bidos dessa forma, fazendo isto para explicar e justificar a distração que eles causam a ele. Será útil, para a nossa compreensão da intera ção, listar alguns dos atributos imputados dessa forma. Com os termos "afetação" e "insinceridade" o indivíduo tende a identificar aqueles que parecem fingir através de gestos aquilo que eles esperam que ele aceite como um fluxo expressivo não planej a-
4. O problema dos suprimentos seguros é analisado com mais profundidade em minha Communication Conduct in an Island Community. Chicago : University of Chicago , 1953, cap. XV [ tese de doutorado inédita ] . 5. A consciência dos outros é tratada breve, mas explicitamente em BALDWlN,j. Soci al and Ethical Interpretations in Mental Development. Londres: [s.e. ] , 1902, p. 213-214.
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do de seu comportamento. A afetação , como sugere Cooley, " [ . . ] existe quando a paixão por influenciar os outros parece desestabili zar o caráter estabelecido e dar a ele uma pose ou peculiaridade ób via [ ] . Assim, há pessoas em que nas conversações mais simples parecem ser incapazes de esquecer a si mesmas e entrar franca e de sinteressadamente no assunto , consideradas, ao contrário , sempre preocupadas com o pensamento da impressão que estão causando , imaginando louvor ou depreciação, e normalmente posando um pouco para evitar esta ou ganhar aquela" 6 • Indivíduos afetados pare cem principalmente preocupados em controlar a avaliação que um observador fará deles, e parecem parcialmente tomados pela sua própria pose; indivíduos insinceros parecem principalmente preo cupados em controlar a impressão que o observador formará de sua atitude em relação a certas coisas ou pessoas, especialmente sobre si mesmos, e não parecem ser tomados pela própria pose. Podemos adicionar que, enquanto aqueles que supostamente têm consciência de si mesmo dão a impressão de estarem preocupados demais com o que acontecerá ou aconteceu com eles, aqueles que são considera dos insinceros ou afetados dão a impressão de estarem preocupados demais com aquilo que eles podem realizar na ocasião que se segui rá e estão dispostos a fingir para realizá-lo . Quando o indivíduo per cebe que outros são insinceros ou afetados , ele tende a sentir que eles se aproveitaram indevidamente de sua posição comunicativa para promover seus próprios interesses ; ele sente que eles quebra ram as regras básicas da interação. Sua hostilidade ao jogo sujo deles o leva a focar sua atenção sobre eles e seu delito à custa de seu pró prio envolvimento na conversação . .
. . .
Ao tratar dos atributos imputados àqueles que fazem com que outra pessoa tenha consciência deles, precisamos dar importância ao fator da imodéstia. Em termos analíticos, a modéstia exagerada deveria contar igualmente como uma fonte de consciência dos ou tros, mas, empiricamente, a imodéstia parece ser muito mais impor tante. Aquilo que o indivíduo considera imodéstia nos outros pode se apresentar de muitas formas diferentes: indivíduos imodestos po-
6. COOLEY, C.H. Human Nature and the Social Order. N ova York: Charles Scrib ner's Sons, 1922, p. 196, 2 1 5 . 118
dem parecer louvar a si mesmos verbalmente; eles podem falar so bre si mesmos e suas atividades de forma que pressupõe um interes se e familiaridade com sua vida pessoal maiores do que o indivíduo realmente possui; eles podem falar mais frequentemente e mais de moradamente do que o indivíduo considera apropriado ; eles podem assumir uma posição "ecológica" mais proeminente do que ele acha que merecem, etc. Uma fonte interessante de consciência dos outros pode ser en contrada no fenômeno de "envolvimento exagerado" . Durante qual quer conversa, estabelecemos padrões sobre até que ponto o indiví duo deve se permitir ser levado pela conversa, o quão completa mente ele deve se permitir ser tomado por ela. Ele será obrigado a se impedir de ficar tão inchado de sentimentos e prontidão para agir a ponto de ameaçar as fronteiras relacionadas às emoções que foram estabelecidas para ele na interação. Ele será obrigado a expressar uma margem de não envolvimento , ainda que obviamente essa mar gem varie de acordo com a importância socialmente reconhecida da ocasião e de seu papel oficial nela. Quando o indivíduo se envolve exageradamente no tópico da conversação, e dá aos outros a impres são de que não tem um grau necessário de autocontrole sobre seus sentimentos e ações, quando , resumindo , o mundo da interação fica real demais para ele, então é provável que os outros sejam levados do envolvimento com a conversa a um envolvimento com o orador. A animação exagerada de uma pessoa é a alienação de outra. De qualquer forma, devemos ver que o envolvimento exagerado tem o efeito de momentaneamente incapacitar o indivíduo enquanto par ticipante da interação ; os outros precisam se ajustar a seu estado , enquanto ele se torna incapaz de se ajustar ao deles. É interessante notar que, quando o impulso do indivíduo envolvido exagerada mente diminui um pouco , ele pode perceber seu delito e ganhar consciência de si mesmo, ilustrando mais uma vez o fato de que o efeito alienante que o indivíduo tem sobre outros normalmente é um efeito que ele não pode evitar sobre si mesmo . Independente mente disto, precisamos ver que a disposição a se envolver exagera damente é uma forma de tirania exercida por crianças, prima don nas, e lordes de todos os tipos, que momentaneamente colocam seus próprios sentimentos sobre as regras morais que deveriam tomar a sociedade segura para a interação .
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Podemos mencionar uma fonte final de consciência dos outros. Se o indivíduo quiser se envolver num tópico de conversação , então, enquanto ouvinte, ele terá que oferecer sua atenção auditiva e nor malmente também visual para a fonte da comunicação, ou seja, o ora dor, e especialmente à voz e rosto dele. (Este requerimento físico é enfatizado por regras sociais que muitas vezes definem a falta de aten ção ao orador como uma afronta a ele.) Se o próprio aparato comuni cativo do orador comunica informações adicionais durante o período da transmissão, então é provável que o ouvinte se distraia devido a fontes de estímulo concorrentes, percebendo demais o orador à custa daquilo que está sendo dito . As fontes dessa distração são bem conhe cidas: o orador pode ser muito feio ou muito bonito; ele pode ter um defeito de fala como ter a língua presa, ou gaguejar; ele pode ter fami liaridade inadequada com a linguagem, dialeto ou jargão que os ou vintes esperam ouvir; ele pode ter uma leve peculiaridade facial, como lábio leporino, contração das pálpebras, estrabismo; ele pode ter dificuldades comunicativas temporárias, como um torcicolo, rou quidão, etc. Aparentemente, quanto mais perto for o defeito do equi pamento comunicativo sobre o qual o ouvinte deve focar sua atenção, menor o defeito precisa ser para desequilibrar o ouvinte. (Devemos adicionar que se o orador precisar dirigir sua atenção ao ouvinte, mas sem tomar consciência exagerada dele, defeitos na aparência do ou vinte podem perturbar o orador.) Esses pequenos defeitos no aparato comunicativo tendem a bloquear o indivíduo afligido da corrente de contatos diários, transformando-o num participante da interação de feituoso a seus olhos ou aos olhos dos outros. Para concluir esta discussão de fontes de distração alienantes, gostaria de propor uma cautela óbvia. Quando o indivíduo sente que os outros não estão envolvidos apropriadamente, ele sentirá que os outros se comportaram de forma não apropriada sempre em relação aos padrões de seu grupo. Da mesma forma, um indivíduo que faria com que certos outros tivessem consciência indevida dele por causa de sua insinceridade, afetação ou imodéstia aparentes passaria despercebido numa subcultura em que a disciplina conver sacional fosse menos estrita . Assim, quando membros de grupos di ferentes interagem uns com os outros, é bastante provável que pelo menos um dos participantes sej a distraído do envolvimento espon-
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tâneo no tópico da conversação devido a algo que pareça a ele um comportamento não apropriado da parte dos outros 7 • É a essas dife renças de costumes expressivos que devemos olhar em primeiro lu gar ao tentar explicar o comportamento inapropriado daqueles com quem estamos interagindo , em vez de tentar encontrar a fonte da culpa nas personalidades dos ofensores. 4 . Sobre o caráter repercussivo das ofensas de envolvimento.
Eu sugeri que o desencantamento com uma interação pode as sumir a forma de preocupação, consciência de si mesmo, consciên cia dos outros, e consciência da interação . Essas formas de alienação foram separadas para propósitos de identificação. Em conversas reais, quando um tipo ocorre, os outros não estarão longe. Quando o indivíduo sente que ele ou outros participantes não estão alocando seu envolvimento de acordo com padrões que ele aprova, e como consequência eles estão comunicando uma atitude imprópria para a interação e os participantes, então é provável que seus sentimentos sej am atiçados pela impropriedade - como seriam se quaisquer outras obrigações da ordem cerimonial fossem quebra das. Mas as coisas não param por aí. Testemunhar uma ofensa con tra obrigações de envolvimento , diferentemente de outras obriga ções cerimoniais, faz com que a testemunha retire sua atenção da conversação e a volte para a ofensa que ocorreu durante ela. Se o in divíduo se sente responsável pela ofensa que ocorreu, é provável que ele sinta envergonhadamente consciência de si. Se os outros pa recem ser responsáveis pela ofensa, então é provável que ele se sinta indignadamente consciente dos outros em relação a eles. Mas ter consciência de si ou dos outros é precisamente uma ofensa contra as obrigações de envolvimento . O mero ato de testemunhar uma ofen-
7. Por exemplo , no intercâmbio social entre habitantes tradicionais das Ilhas She tland, o pronome "eu" tende a ser pouco utilizado; seu uso mais frequente por indi víduos do resto da Grâ-Bretanha, e especialmente seu uso relativamente frequente por americanos, leva o habitante das Shetland a sentir que os forasteiros sâo imo destas e grosseiros. Podemos adicionar que o tato das Shetland muitas vezes impe de que os forasteiros descubram que seu comportamento perturba os habitantes das ilhas. 121
Podemos mencionar uma fonte final de consciência dos outros. Se o indivíduo quiser se envolver num tópico de conversação , então, enquanto ouvinte, ele terá que oferecer sua atenção auditiva e nor malmente também visual para a fonte da comunicação, ou seja, o ora dor, e especialmente à voz e rosto dele. (Este requerimento físico é enfatizado por regras sociais que muitas vezes definem a falta de aten ção ao orador como uma afronta a ele.) Se o próprio aparato comuni cativo do orador comunica informações adicionais durante o período da transmissão, então é provável que o ouvinte se distraia devido a fontes de estímulo concorrentes, percebendo demais o orador à custa daquilo que está sendo dito . As fontes dessa distração são bem conhe cidas: o orador pode ser muito feio ou muito bonito; ele pode ter um defeito de fala como ter a língua presa, ou gaguejar; ele pode ter fami liaridade inadequada com a linguagem, dialeto ou jargão que os ou vintes esperam ouvir; ele pode ter uma leve peculiaridade facial, como lábio leporino, contração das pálpebras, estrabismo; ele pode ter dificuldades comunicativas temporárias, como um torcicolo, rou quidão, etc. Aparentemente, quanto mais perto for o defeito do equi pamento comunicativo sobre o qual o ouvinte deve focar sua atenção, menor o defeito precisa ser para desequilibrar o ouvinte. (Devemos adicionar que se o orador precisar dirigir sua atenção ao ouvinte, mas sem tomar consciência exagerada dele, defeitos na aparência do ou vinte podem perturbar o orador.) Esses pequenos defeitos no aparato comunicativo tendem a bloquear o indivíduo afligido da corrente de contatos diários, transformando-o num participante da interação de feituoso a seus olhos ou aos olhos dos outros. Para concluir esta discussão de fontes de distração alienantes, gostaria de propor uma cautela óbvia. Quando o indivíduo sente que os outros não estão envolvidos apropriadamente, ele sentirá que os outros se comportaram de forma não apropriada sempre em relação aos padrões de seu grupo. Da mesma forma, um indivíduo que faria com que certos outros tivessem consciência indevida dele por causa de sua insinceridade, afetação ou imodéstia aparentes passaria despercebido numa subcultura em que a disciplina conver sacional fosse menos estrita . Assim, quando membros de grupos di ferentes interagem uns com os outros, é bastante provável que pelo menos um dos participantes sej a distraído do envolvimento espon-
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tâneo no tópico da conversação devido a algo que pareça a ele um comportamento não apropriado da parte dos outros 7 • É a essas dife renças de costumes expressivos que devemos olhar em primeiro lu gar ao tentar explicar o comportamento inapropriado daqueles com quem estamos interagindo , em vez de tentar encontrar a fonte da culpa nas personalidades dos ofensores. 4. Sobre o caráter repercussivo das ofensas de envolvimento .
Eu sugeri que o desencantamento com uma interação pode as sumir a forma de preocupação , consciência de si mesmo, consciên cia dos outros, e consciência da interação . Essas formas de alienação foram separadas para propósitos de identificação. Em conversas reais, quando um tipo ocorre, os outros não estarão longe. Quando o indivíduo sente que ele ou outros participantes não estão alocando seu envolvimento de acordo com padrões que ele aprova, e como consequência eles estão comunicando uma atitude imprópria para a interação e os participantes, então é provável que seus sentimentos sej am atiçados pela impropriedade - como seriam se quaisquer outras obrigações da ordem cerimonial fossem quebra das. Mas as coisas não param por aí. Testemunhar uma ofensa con tra obrigações de envolvimento , diferentemente de outras obriga ções cerimoniais, faz com que a testemunha retire sua atenção da conversação e a volte para a ofensa que ocorreu durante ela . Se o in divíduo se sente responsável pela ofensa que ocorreu , é provável que ele sinta envergonhadamente consciência de si. Se os outros pa recem ser responsáveis pela ofensa, então é provável que ele se sinta indignadamente consciente dos outros em relação a eles. Mas ter consciência de si ou dos outros é precisamente uma ofensa contra as obrigações de envolvimento . O mero ato de testemunhar uma ofen-
Por exemplo , no intercâmbio social entre habitantes tradicionais das Ilhas She tland, o pronome "eu" tende a ser pouco utilizado; seu uso mais frequente por indi víduos do resto da Grâ-Bretanha, e especialmente seu uso relativamente frequente por americanos, leva o habitante das Shetland a sentir que os forasteiros sâo imo destas e grosseiros. Podemos adicionar que o tato das Shetland muitas vezes impe de que os forasteiros descubram que seu comportamento perturba os habitantes das ilhas. 7.
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sa de envolvimento , para não falar de sua punição, pode causar um crime contra a interação , transformando a vítima do primeiro crime em criminosa. Assim, durante a interação falada, quando um indiví duo é afligido pelo desconforto , muitas vezes ele contamina os ou tros com a mesma doença.
É preciso adicionar uma qualificação . O indivíduo pode se tor nar envolvido erroneamente e ainda assim nem ele nem os outros podem perceber que isto acontece, e muito menos se tornar envolvi dos inapropriadamente por causa dessa percepção . Ele comete uma ofensa latente que apenas aguarda que alguém a perceba para se tor nar manifesta. Quando os outros finalmente percebem que ele está envolvido erroneamente, e comunicam o fato desse juízo para ele, ele pode como consequência se alvoroçar, consciente de si mesmo , como pode ocorrer quando ele descobre este fato sozinho . Assim, um indivíduo pode "despertar" de um devaneio e, constrangida mente, descobrir-se no meio de uma interação , mas completamente alienado dela. S . O fingimento de envolvimento
Quando uma conversa não consegue capturar o envolvimento espontãneo de um indivíduo que é obrigado a participar dela, é pro vável que ele finja uma aparência de estar realmente envolvido. Ele precisa fazer isto para salvar os sentimentos dos outros participantes, e sua boa opinião, independentemente de seus motivos para querer efetuar esse salvamento. Ao fazer isto, ele tem um efeito amortecedor sobre as consequências repercussivas do envolvimento errôneo, ga rantindo que, apesar de ele estar descontente, seu descontentamento não contaminará os outros. Ao mesmo tempo, entretanto , ele ergue uma barreira entre si mesmo e o mundo que poderia se tomar real para ele. E essa barreira é composta daquele tipo especial de descon forto encontrado caracteristicamente durante a conversação; o tipo de desconforto que ocorre quando as obrigações de envolvimento não podem ser deixadas de lado , e nem realizadas espontaneamente; o tipo que ocorre quando o indivíduo é separado da realidade da inte ração mesmo quando a interação está ao seu redor. Enquanto uma forma de maquinação, o envolvimento fingido será julgado diferentemente de acordo com o motivo que o indiví1 22
duo alienado tem para maquiná-lo . Algumas demonstrações de en volvimento são consideradas cínicas porque o indivíduo parece não estar realmente interessado nos sentimentos dos outros, e sim na quilo que pode ser ganho ao levar os outros a uma crença de que capturaram a sua atenção. Ele passa a impressão de estar ocupado com a conversa, mas está realmente ocupado com a tarefa de passar essa impressão. Por outro lado , se o indivídualienado está genuinamente preocu pado com os sentimentos dos o outros como algo importante em si mesmo , então qualquer ato que proteja esses sentimentos pode ser considerado uma forma de tato , e aprovado por isso . Devemos notar que muitas vezes a demonstração de envolvi mento dada pelo participante cuidadoso não é tão boa quanto ele é capaz de dar. Algum poder quase que além dele o forçará a demons trar aos outros e a si mesmo que esse tipo de interação com esses participantes não é o tipo de coisa que captura sua atenção; alguém precisa perceber que ele está talvez acima ou além disso. Aqui en contramos uma forma de insubordinação realizada por aqueles que podem não estar realmente em posição para se rebelar. As formas de não esconder bem o envolvimento errôneo diplo maticamente escondido constituem, então , os sintomas do tédio . Alguns sintomas do tédio 3ugerem que o indivíduo não realizará ne nhum esforço para terminar o encontro ou sua participação oficial nele, mas que ele também não dará muito ao encontro . A iniciação de envolvimentos laterais, como folhear uma revista ou acender um cigarro, são exemplos. Outros sintomas do tédio sugerem que o in divíduo está prestes a terminar sua participação oficial, e funcionam como um aviso diplomático disto 8 • Manifestar sinais de tédio é uma inconsideração . Mas, de certa forma, aquele que faz isto garante aos outros que não está fingindo alguma coisa que não sente; eles pelo menos sabem sua posição real
8. Há na verdade uma pequena literatura sobre "relações humanas aplicadas" deta lhando formas pelas quais o superior pode indicar que uma entrevista terminou, permitindo que o outro inicie as despedidas, de forma a salvar sua fachada. 1 23
em relação a ele. Suprimir esses sinais completamente é considera do suspeito , pois isto impede que os outros obtenham o benefício de dicas informativas que podem dizer a eles qual é a realidade da situa ção . Assim, enquanto existe uma obrigação de fingir envolvimento , existe outra que induz o indivíduo a não fingi-lo muito bem. É um fato interessante que, quando o eu do indivíduo entediante está comprometido profundamente com a situação , como pode ocorrer, por exemplo , durante despedidas e juramentos de afeição , então é provável que o indivíduo entediado sinta uma compulsão forte a ocultar sinais de alienação e fingir completamente envolvimento . Assim, é nos momentos mais pungentes e cruciais da vida que o in divíduo é muitas vezes forçado a ser o mais calculista; estes também são os momentos em que o indivíduo entediante precisará mais de candura dos outros, e será mais incapaz de suportar recebê-la. Eu sugeri que uma demonstração de envolvimento pode ser fin gida por participantes cínicos e cuidadosos; a mesma demonstração também pode ser fingida por aqueles que se sentem constrangida mente conscientes de si. Eles podem até enfeitar sua produção fin gindo sinais de tédio. O indivíduo troca assim uma condição que co loca dúvida sobre ele próprio por uma que coloca dúvida sobre os outros. Há uma doutrina psicológica que 1 eva esta observação um passo adiante e afirma que, quando o indi' íduo está convencido de que está entediado , ele pode estar tentando esconder de si mesmo que na verdade está constrangido9 • Encontros conversacionais em que os participantes se sentem obrigados a manter envolvimento espontãneo , mas não conseguem fazer isso, são encontros em que eles se sentem desconfortáveis e podem gerar desconforto para os outros. O indivíduo reconhece que certas situações produzirão esta alienação nele e nos outros, e
9. Para versões psicanalíticas deste tema , cf. GREENSON , R. "On Boredom". Jour
nal of the American Psychoanalytical Association, vol. 1 , p. 7-2 1 . FENI CHEL, O . "The Psychology of Boredom" , n. 26. The Collected Papers of Otto Fenichel, primeira •
série. Nova York: Norton, 1953. Algumas observações interessantes sobre o culto do tédio e o lugar desse culto no mundo de um adolescente podem ser encontradas no romance de SALIN GER,J .D. The Catcher in the Rye. Boston: Little!Brown, 1 95 1 . 1 24
que é muito improvável que outras situações façam isso. Ele reco nhece que certos indivíduos são participantes defeituosos porque nunca estão prontos para se envolver espontaneamente em encon tros sociais, e terá termos populares como "chato " , "metido" , "peixe morto" , " estraga-prazeres" para se referir a esses participantes refra tários. Aqueles que não conseguem manter conversas com seus su periores sociais podem ser chamados de grosseiros; enquanto aque les que desdenham do envolvimento com inferiores podem ser cha mados de esnobes; em ambos os casos as pessoas são condenadas por valorizar mais a posição que a interação. Como sugerido anteri ormente, o indivíduo também conhecerá algumas pessoas defeituo sas porque seus modos e atributos sociais dificultam o envolvimen to apropriado dos outros. Também é claro que em qualquer intera ção desenvolve-se uma função de papel que garante que todos sejam e permaneçam envolvidos espontaneamente. Essa função de igni ção pode ser preenchida por participantes diferentes em momentos diferentes da interação . Se um participante não conseguir manter a interação funcionando, outros participantes terão que se ocupar da parte dele. Indivíduos podem adquirir uma reputação de realizar bem este tipo de trabalho , criando gratidão ou ressentimento como alguém que é sempre a vida do encontro . 6. Generalizando o es quema
1 ) O Contexto de obrigações de envolvimento. Uma limitação que estabelecemos para nós mesmos é lidar com situações em que todos aqueles presentes estão oficialmente obrigados a se manter como participantes da conversação e a manter envolvimento espontãneo na conversação . Essa condição é frequente o bastante para servir como ponto de referência, mas não é preciso ser completamente li mitado por ela. Na verdade, as obrigações de envolvimento são defi nidas em termos do contexto total em que o indivíduo se encontra. Assim, haverá algumas situações nas quais o envolvimento princi pal daqueles presentes deveria ser investido numa tarefa física; a conversação, se ocorrer, terá que ser tratada como um envolvimen to lateral cuj o começo e fim dependem das exigências atuais da tare1 25
fa que está sendo desempenhada. Haverá outras situações em que o papel e estatuto de um participante em particular será muito bem expresso por seu direito de tratar uma conversação de forma arbi trária, participando dela ou não , dependendo de sua inclinação no momento. Um pai às vezes tem esse direito em relação às conversas em torno da mesa mantidas por membros inferiores da família , que não têm esse direito . Eu gostaria de citar outra forma pela qual o indivíduo pode acei tar uma alocação diferente de envolvimento daquela que é esperada para os outros. Nas provocações que os j ovens sofrem dos mais ve lhos, ou nos interrogatórios que empregados recebem de emprega dores, a perda de compostura da parte dos subordinados pode ser aceita pelo superior como uma parte esperada e apropriada do pa drão de envolvimento. Em tais momentos, o subordinado pode sen tir que gostaria de estar envolvido espontaneamente na conversa , mas seu pânico o impede de fazê-lo , enquanto o superior pode sen tir que, para ele, o foco apropriado de atenção , que ele pode manter confortavelmente, não é a conversa real e sim a situação mais ampla gerada pelo sofrimento cômico do inferior enquanto ele se debate na conversação 10 • Na verdade, se o subordinado demonstrar com postura nessas ocasiões, o superior pode se sentir afrontado e cons trangido. Da mesma forma, haverá ocasiões em que sentimos que um indivíduo deveria, por respeito às dificuldades em que se encon tra, estar preocupado ou envolvido exageradamente. Esse envolvi mento errôneo pode perturbar um pouco a interação, mas um apru mo perfeito de sua parte poderia escandalizar tanto aqueles presen tes a ponto de perturbá-la muito mais. Assim, embora seja verdade que às vezes um indivíduo será considerado um herói da interação
10. O sofrimento da pessoa com consciência de si mesma é, na verdade, um estímu lo tão bom para evocar envolvimento espontãneo da parte daqueles que o testemu nham que, durante conversas em que pode haver dificuldades para capturar o en volvimento daqueles presentes, os indivíduos podem se revezar para causar peque nas infrações contra a propriedade e para se constranger, garantindo assim o envol vimento . Daí o paradoxo de que se todas as regras de comportamento social correto forem seguidas com exatidão, a interação pode se tornar l1ácida, estéril e chata. 1 26
se permanecer envolvido numa conversação sob condições difíceis, em outras ocasiões tal lealdade será considerada temerária. Obrigações diferenciais em relação à mesma interação falada podem ser vistas mais claramente em interações de larga escala, como discursos públicos, em que é provável que encontremos espe cialização e segregação de papéis de envolvimento , com uma divi são entre participantes completos, de quem se espera que falem e es cutem, e especialistas não participantes, cujo trabalho é se mover de forma discreta e cuidar de algumas das mecânicas da ocasião. Exem plos desses não participantes são empregados domésticos, mordo mos, porteiros, estenógrafos e operadores de microfone. O alinha mento especial que esses funcionários têm para a situação é seu di reito e dever particulares; ele é aceito abertamente por eles e para eles, e se eles se envolvessem manifestamente no conteúdo da fala eles na verdade causariam desconforto. Eles demonstram respeito pela ocasião ao tratá-la como um envolvimento lateral . Os próprios participantes, numa interação de larga escala, po dem ter uma permissividade quanto ao envolvimento que não teri am numa conversa entre duas ou três pessoas, talvez porque quanto mais participantes houver para manter a ocasião, menos ela depen de de qualquer um deles. De qualquer forma, descobrimos muitas vezes na interação de larga escala que é permissível que alguns par ticipantes entrem por alguns momentos em apartes e discussões la terais, desde que modulem suas vozes e modos para demonstrar res peito aos acontecimentos oficiais. De fato, um participante pode até deixar a sala por um momento , e fazer isto de forma a comunicar a impressão de que seu foco de atenção principal ainda é mantido pela conversa, mesmo que seu corpo não estej a presente. Em tais ocasiões, o envolvimento principal e os laterais podem se tornar fic ções mantidas oficialmente na aparência, enquanto padrões alterna tivos de envolvimento são realmente mantidos na prática.
2) Pseudoconversações. Até o momento restringimos nossa aten ção a interações que têm como seus atos comunicativos constituti vos os turnos de conversa tomados por participantes. Podemos es tender nossa visão e tratar de interações parecidas com conversa1 27
ções em que os símbolos trocados não são discursos, e sim gestos es tilizados, como na troca de cumprimentos não verbais 1 1 , ou jogadas de um certo tipo, como em j ogos de cartas. Estas interações não fala das, mas parecidas com conversas, parecem ser similares, estrutu ralmente, com interações faladas, exceto que as capacidades que de vem ser mobilizadas para desempenhar tal interação parecem ter mais a ver com o controle muscular dos membros do que é o caso na interação falada.
3) Interação desfocada. Eu sugeri que interações de fala, gestos e j ogos são caracterizadas por um único foco de atenção cognitiva e visual principal que todos os participantes completos ajudam a manter. (É claro que o foco de atenção visual pode se mover de um participante para outro quando um orador cede seu papel de fala e volta ao papel de ouvinte. ) Precisamos contrastar este tipo focado de interação com o tipo desfocado, onde os indivíduos em presença visual e auditiva uns dos outros cuidam de suas próprias vidas sem estarem ligados por um foco de atenção compartilhado. O compor tamento de rua e a conduta em festas sociais grandes são exemplos. Quando examinamos interações desfocadas, descobrimos que as obrigações de envolvimento são definidas não em relação a um foco conjunto de atenção cognitiva e visual, mas em relação a um papel que pode ser sugerido pela frase "indivíduo decoroso cuidan-
ll. Este é um exemplo de conversa entre um psiquiatra e um paciente que é verbal apenas de um lado . " [ . . ] durante uma análise de uma esquizofrênica muito pertur bada com características depressivas, a paciente se escondeu por baixo de seu úni co traj e, um cobertor, de forma a mostrar apenas a sobrancelha; não intimidado , eu continuei a conversa de onde tínhamos parado da última vez e notei as mudanças desse único membro visível, ainda que eloquente, cujas mudanças - um franzir, uma careta, surpresa, um lampejo de descontração , uma curva mais suave - indica vam as mudanças no humor e pensamentos dela. Minhas suposições mostraram-se corretas, pois da próxima vez que ela exibiu seu rosto e usou sua voz, corroborou a linha geral de minhas apostas sobre o que ocorrera em sua mente. Essa sessão não foi um intercâmbio verbal - ela poderia até ser chamada de análise da sobrancelha -, mas havia uma tentativa de verbalizar, conceitualizar e concretizar no 'aqui e agora' aquilo que estava ocorrendo simultaneamente na mente dela" (RICHMAN , j . "The Role and Future o f Psychotherapy with Psychiatry" . ]ou mal of Mental Science, 96, 1 950, p. 189) . .
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do de sua própria vida sem interferir com a dos outros" . Entretanto , quando mudamos para esse ponto de referência, descobrimos que todos os tipos de envolvimento errôneo que ocorrem durante a inte ração facada também ocorrem durante a desfocada, mas às vezes sob um nome diferente. Assim como um adolescente pode se tomar desconfortável e consciente de si mesmo ao falar com seu professor, ele também pode, ao entrar numa sala de aula cheia, sentir que está sendo observado criticamente e que seu modo de andar, que ele considera rígido e desaj eitado, revela sua ansiedade social. Assim como podemos ter pessoas preocupadas na interação conversacio nal, também na interação desfocada podemos ter participantes "dis traídos" , que através de sua postura, expressão facial e movimentos físicos sugerem que estão momentaneamente "distantes" , que dei xaram cair momentaneamente a fantasia expressiva que se espera que os indivíduos utilizem sempre que estiverem na presença ime diata de outros. E, é claro , o tédio também pode ocorrer durante a interação desfocada, como podemos observar em quase qualquer fila de indivíduos esperando para comprar um bilhete. E assim como substâncias como o álcool e a maconha podem se1; emprega das para transformar uma conversa em algo que não é constrange dor ou entediante, elas também podem funcionar para tranquilizar indivíduos na cena mais ampla fornecida pela interação desfocada. Assim como um dito espirituoso pode honrar o momento conversa cional, também o uso de roupas novas ou especiais, a oferta de ali mentos caros ou raros , e o uso de flores perecíveis podem atrair a atenção ao valor único de uma ocasião social mais ampla. Clara mente, então, há formas pelas quais a perspectiva empregada neste artigo pode ser usada para estudar a interação desfocada. Entretanto, não devemos esperar que a semelhança entre os dois tipos de interação seja completa. Por exemplo , parece que os indivíduos têm menos consciência de si mesmos em sua capacidade de participantes na interação desfocada do que como participantes de interação facada, especialmente a interação facada de tipo falado . De fato , na interação falada, o envolvimento espontâneo "normal" parece ser a exceção e a alienação de algum tipo a regra estatística. Isto é compreensível. Por um lado , requer-se que os participantes sejam levados espontaneamente pelo tópico da conversação ; por
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outro lado , eles são obrigados a se controlar para que sempre este jam prontos a ficar dentro do papel de comunicador e atentos aos assuntos delicados que podem fazer com que os outros se sintam desconfortáveis. Por um lado eles são obrigados a obedecer todas as regras de conduta aplicáveis, e por outro eles são obrigados a tomar liberdades o bastante para garantir um nível mínimo de animação envolvente. Essas obrigações parecem estar em oposição umas às outras, exigindo um equilíbrio de conduta que é tão delicado e pre cário que a alienação e desconforto para alguém na interação são os resultados típicos. A interação desfocada não parece exigir a mesma delicadeza de ajuste. 7. Conclusão
Muitos encontros sociais do tipo conversacional parecem com partilhar uma exigência fundamental: o envolvimento espontâneo dos participantes num foco oficial de atenção deve ser evocado e mantido . Quando esse requerimento existe e é cumprido, a intera ção "deslancha" ou é eufórica enquanto interação . Quando o encon tro não consegue capturar a atenção dos participantes, mas não os libera da obrigação de se envolverem nele, então é provável que as pessoas presentes se sintam desconfortáveis; para elas a interação não deslancha. Uma pessoa que cronicamente torna a si mesma ou aos outros desconfortável na interação e perpetuamente mata en contros é um participante defeituoso ; é provável que ele tenha um efeito tão daninho sobre a vida social ao seu redor que podemos simplesmente chamá-lo de uma pessoa defeituosa. Então, será importante saber sobre qualquer indivíduo se seu estatuto ou modos tendem a prejudicar a manutenção do envolvi mento espontâneo na interação , ou a ajudá-la. Devemos notar que esta informação conceme ao indivíduo em sua capacidade enquan to participante da interação , e que, independentemente das outras capacidades em que ele possa estar ativo no momento, o papel de participante da interação é algo que ele será obrigado a manter. Os encontros sociais variam bastante quanto à importância que os participantes dão a eles, mas, sejam cruciais ou corriqueiros, todos os encontros representam ocasiões em que o indivíduo pode se tomar espontaneamente envolvido nos acontecimentos e derivar deles um 1 30
senso firme de realidade. E esse tipo de sentimento não é uma coisa trivial, independentemente do pacote de onde ele venha. Quando um incidente ocorre e o envolvimento espontâneo é ameaçado , entâo a realidade é ameaçada. A não ser que a perturbação seja resolvida, a não ser que os participantes da interação recuperem seu envolvimen to apropriado, a ilusão de realidade será estilhaçada, o pequeno siste ma social que é criado em cada encontro será desorganizado, e os par ticipantes se sentirão desgovernados, irreais e anômicos. Tirando o senso de realidade que oferece, um encontro particu lar pode ter poucas consequências, mas precisamos enxergar que as regras de conduta que obrigam os indivíduos a serem capazes e esta rem prontos a se entregar a tais momentos são de importância trans cendente. Pessoas que obedecem a essas regras estão prontas para a interação falada, e a interação falada entre muitos tipos de pessoas em muitos tipos de ocasiões é necessária para realizar o trabalho da sociedade. O senso de realidade que foi discutido neste artigo toma sua for ma em oposição a modos de alienação , a estados como a preocupa ção, a consciência de si mesmo e o tédio. Por sua vez, esses modos de desengajamento devem ser compreendidos em referência à ques tão central do envolvimento espontâneo . Quando vemos a forma pela qual um encontro falado pode conseguir ou não trazer seus participantes para ele, temos uma pista para seguir para a compre ensão de outros tipos de compromissos - a carreira ocupacional do indivíduo , seus envolvimentos políticos, seu pertencimento à famí lia -, pois haverá um sentido em que essas questões mais amplas aparecem em ocasiões recorrentes de interação focada e desfocada. Ao examinar as formas pelas quais o indivíduo pode perder o passo com o momento sociável, talvez possamos aprender algo sobre a forma pela qual ele pode ser alienado de coisas que ocupam muito mais o seu tempo.
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Sintomas mentais e a ordem pública*
As pessoas que atraem a atenção de um psiquiatra normalmente antes atraem a atenção de seus conhecidos leigos. Aquilo que os psi quiatras enxergam como doença mental é normalmente visto pri meiro pelo público leigo como comportamento ofensivo - compor tamento digno de escárnio , hostilidade e outras sanções sociais ne gativas. O obj etivo da psiquiatria sempre foi interpor uma perspec tiva técnica: a punição é substituída pela compreensão e tratamento ; a preocupação com o círculo social que foi ofendido é substituída pela preocupação com os interesses do ofensor. Eu me abstenho de comentar aqui sobre o quão infeliz foi para muitos ofensores rece ber essa boa sorte médica. A psiquiatria freudiana introduziu uma peculiaridade impor tante nessa corrente médica. Em pequenos clássicos da análise, os freudianos mostraram que certos delitos particulares, agora chama dos de sintomas, podem ser interpretados ou lidos como parte do sistema de comunicação e defesa do ofensor, especialmente uma re versão a modos de conduta infantis. O triunfo final dessa perspecti va psicológica técnica é a implicação de que o comportamento soci almente impróprio pode ser psicologicamente normal (como quan do um homem demonstra força o bastante para encerrar uma rela ção conjugal doentia) , e um comportamento socialmente apropria do pode ser realmente doente (como exemplificado pelas preocupa ções obsessivas e retraimento sexual de alguns químicos pesquisa dores) . Resumindo , para o psiquiatra, um sintoma inicial flagrante é meramente uma permissão para começar a escavar. Um efeito dessa abordagem esclarecida que o sociólogo pode de plorar é que o interesse nas próprias impropriedades, paradoxalmen* Reimpresso com permissão de Disorders of Communication, vol. XLII, p. 262-269. Research Publications, A.R.N . M . D . Copyright © 1 964 da Association for Research in Nervous and Mental Disease.
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te, diminui. (Afinal, um sintoma é apenas um sintoma, mesmo que ele marque o lugar onde começamos a escavar. Se, através de alguma incisão, conseguimos amputar um sintoma, e não fazemos nada so bre a dinâmica, é provável que outro sintoma apareça; ele pode ter um rosto bastante diferente, mas terá o mesmo olhar malicioso.) Ao se deslocar tão rapidamente do delito social para o sintoma mental, os psiquiatras tendem a não se sair muito melhor do que os leigos em sua avaliação da impropriedade de um certo ato - o que é defensível no caso de atos extremamente desviantes , mas não no caso de muitos deslizes mais suaves. Isto é inescapável, pois nós simplesmente não temos um mapeamento técnico dos vários pa drões de comportamento aprovados em nossa sociedade, e a pouca informação que temos não é transmitida no treinamento de escolas de medicina. Os psiquiatras não conseguiram nos oferecer um es quema sistemático para identificar e descrever o tipo de delito re presentado pelo comportamento psicótico. No momento , há uma linguagem bastante especial se estabelecendo , envolvendo termos como "achatamento emocional" , "postura inadequada" , "maneiris mo" , "fora de contato" , e outros, o que resolve o problema de ter que escrever notas clínicas apressadamente, mas é completamente desaj eitada para o profissional. A linguagem moralista nas ciências sociais construída em torno da noção incrível de que as pessoas de vem manter comunicação boa, clara, direta ou aberta entre si é ain da pior - como se a comunicação fosse um comprimido que devês semos engolir porque é bom para a barriga. Um segundo efeito da abordagem psiquiátrica esclarecida que o sociólogo pode deplorar é que dela resultou uma versão da comuni cação muito especial e limitada. Os psiquiatras, devido à sua incli nação à prática no consultório e uma preocupação (pelo menos até recentemente) com neuróticos em vez de psicóticos, tendem a se encontrar com seus pacientes em salas para duas pessoas. Pior, eles tendem a trabalhar sob o viés de cabine telefônica, ou seja, que aqui lo em que o paciente estava engajado era de alguma forma um tipo de fala, de partilha de informação , e o problema é que a linha estava ocupada, a ligação defeituosa, a pessoa do outro lado é tímida, des confiada, com medo de falar, ou insistindo em usar um código . Apa rentemente a profissão exigia forte paciência e um bom ouvido. A hipnose e os "soros da verdade" também eram úteis para desbloque ar as linhas. Recentemente, com a introdução de eletrodos corticais, progredimos, junto com a Bell Telephone, para um tipo de ligação 1 33
direta. Posso adicionar que poucas profissões conseguiram institu cionalizar tão bem, e vender no mercado social, suas próprias fanta sias daquilo que eles estavam engajados em fazer. De qualquer forma, há uma cegueira geral quanto ao seguinte fato : muitas vezes, o desvio de conduta do paciente é um fato públi co, no sentido de que qualquer um na mesma sala com ele sentiria que ele está se comportando inapropriadamente, e, mesmo que não qualquer um, pelo menos qualquer um na mesma conversação. É verdade que o paciente pode se comportar mal apenas porque as pessoas presentes são tomadas como substitutas das figuras real mente significativas. Mas qualquer que seja o alvo mais profundo do desvio de conduta , e por mais bem-sucedido que o psiquiatra seja em garantir que ele e seu paciente estão sozinhos no consultório , o desvio de conduta é uma coisa pública, potencialmente acessível e potencialmente uma preocupação para toda e qualquer pessoa que possa entrar na presença do paciente. E quando saímos do recinto profissional do psiquiatra, este fato se torna mais óbvio . A psicose é algo que pode se manifestar para qualquer um no local de trabalho do paciente, em sua vizinhança, em sua casa, e ela deve ser vista, pelo menos inicialmente, como uma infração da ordem social que prevalece nesses locais. O outro lado do estudo de sintomas é o es tudo da ordem pública, o estudo do comportamento em lugares pú blicos e semipúblicos. Se quisermos aprender sobre um dos lados dessa questão , talvez devêssemos estudar o outro também. Eu sugi ro , então, que o comportamento sintomático pode muito bem ser visto , em primeira instância, não como uma forma torturada de co municação entre duas pessoas , e sim como uma forma de desvio de conduta social, no sentido em que Emily Post e Amy Vanderbil e re conhecem este termo. Eu quero , por um momento , voltar o relógio psiquiátrico e deli near uma abordagem levemente diferente para a sintomatologia e a comunicação. Começando com o delito social de um pré-paciente, eu proponho que examinemos a regra geral de conduta que o com portamento ofensivo infringe , e então tentemos preencher o con junto de regras do qual aquela com que começamos é apenas um elemento, e ao mesmo tempo tentemos vislumbrar o círculo ou gru po social que mantém as regras e é ofendido pela infração de qual-
I . Autoras de livros de etiqueta populares nos Estados Unidos [ N . T . ] .
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quer uma delas. Quando esse trabalho estiver feito , podemos voltar ao ofensor individual para examinar novamente o significado para ele de seu comportamento ofensivo . Quando terminarmos essa aná lise, deveremos estar em posição para compreender o fato constran gedor de que um indivíduo que parece ser completamente louco num dia pode, no próximo, através da mágica da "remissão espontã nea" , voltar a ter uma conduta "sã " . Também devemos ser capazes de encontrar termos que descrevam com elegância e aptidão os sin tomas-padrão . E, como Harold Garfinkel sugeriu , devemos estar em posição (não desejável em si mesma, mas desejável como um teste de teoria) para programar a insanidade, quer dizer, reduzir ao míni mo as instruções que teríamos que passar para um sujeito experi mental para permitir que ele agisse lindamente como um louco , vin do de dentro, por assim dizer. Apesar dos cientistas sociais classificarem o comportamento psicótico como um tipo de conduta imprópria, um tipo de desvio, há muitos anos, eles, como seus colegas médicos, não levaram mui to a questão adiante. Um problema é que apesar de ser bastante fácil chamar o com portamento psicótico de desvio social, é ainda mais fácil enxergar que há muitos tipos de desvio social que não são exemplos de com portamento psicótico - mesmo que psiquiatras e psicólogos valen tes tenham tentado chegar às raízes doentes de tudo , do crime à des lealdade política. Nós dizemos que criminosos comuns ofendem a ordem da propriedade privada; traidores ofendem a ordem política; casais incestuosos ofendem a ordem de parentesco; homossexuais ofendem a ordem do papel sexual; viciados em drogas talvez ofen dam a ordem moral, e assim por diante. Precisamos, então , pergun tar: que tipo de ordem social é relacionada especificamente ao com portamento psicótico? O comportamento psicótico , como sugerido , vai contra aquilo que pode ser pensado como a ordem pública, especialmente uma parte da ordem pública, a ordem que governa as pessoas em virtude delas estarem na presença física imediata umas das outras. Grande parte do comportamento psicótico é, em primeira instância, uma fa lha em seguir as regras estabelecidas para a conduta da interação face a face - quer dizer, regras estabelecidas ou pelo menos aplica das por algum grupo de avaliação, julgamento ou policiamento. O comportamento psicótico , em muitos exemplos, é aquilo que pode mos chamar de impropriedade situacional. 135
Tendo em vista que muitos sintomas psicóticos são exemplos de impropriedade situacional, precisamos nos perguntar se todas as impropriedades situacionais são exemplos de sintomas psicóticos. Se isto fosse o caso , teríamos uma forma sociologicamente funda mentada para diferenciar psicóticos de outras pessoas. Mas, obvia mente, há muitas impropriedades situacionais aparentemente não relacionadas com a desordem mental. Há a conduta grosseira do es trangeiro cultural, o arrogante, o excêntrico , o insolente, o cruel, o celebrante, o bêbado , o idoso e o j ovem. Levando isto em conta, precisamos nos perguntar se essas im propriedades situacionais que chamamos de sintomáticas têm algu ma coisa em comum que ao mesmo tempo seja exclusiva delas. Na literatura, há algum esforço para sugerir tais atributos. Sugere-se que uma impropriedade situacional psicótica é um ato pelo qual não é fácil ter empatia, levando-nos a sentir que o ator é imprevisí vel e indigno de confiança, que ele não está no mesmo mundo que nós, que não podemos nos colocar no lugar dele. Por mais tentadora que sej a essa abordagem, eu não creio que ela seja correta. A distinção aguda entre impropriedades situacionais sintomáticas e não sintomáticas é certamente parte de nosso aparato conceitual popular para olhar as pessoas; o problema é que ela não parece ter nenhuma relação fixa com o comportamento real ao qual ela é aplicada. Não há nenhum consenso, exceto em casos extremos, sobre em qual dos dois polos devemos classificar um comportamen to. O acordo normalmente ocorre depois do fato, depois da aplica ção do rótulo "doença mental" , ou (no outro caso) , depois de sua aplicabilidade ter sido completamente rej eitada. Por isso , eu sinto que uma análise sociológica da sintomatologia psicótica deve inevi tavelmente ser um pouco insatisfatória, incluindo um conjunto de condutas percebidas como normais além do conjunto de condutas percebidas como psicóticas. Comecemos agora a olhar socialmente para os sintomas. Primei ro, exatamente o que é uma impropriedade situacional? Podemos enroscar esta questão perguntando : que tipos de eventos - apropria dos ou inapropriados - podem ocorrer apenas em situações face a face? Algumas possibilidades são: 1) ataque físico e sexual, e interfe rências menos dramáticas com os movimentos corporais livres. Dei xemos essas possibilidades de lado por um momento, ainda que ob viamente o temor da ocorrência possível desses exemplos tenha um papel importante em nossa atitude para com os mentalmente doen1 36
tes. 2) comunicação face a face: verbal, envolvendo a emissão e recep ção de mensagens, e não verbal, envolvendo a transmissão e recolhi mento de informações sobre o informante. Eis aquilo que é distintiva mente situacional ou de face a face sobre a comunicação verbal e não verbal entre pessoas que estão presentes entre si: 1) o apoio nos senti dos diretos ou sem auxílio e 2) o apoio em mensagens incorporadas, aquelas que só podem ser transmitidas porque o corpo do transmis sor está presente. Como os estudantes da comunicação sugeriram, es ses dois fatores em conjunto implicam que: 1) haverá uma simetria simultânea de papéis (emissor será receptor, transmissor será reco lhedor) ; 2) a comunicação será muito rica em qualificadores; 3) ha verá oportunidades consideráveis de retroalimentação . Por mais útil que possa ser esta análise das características comu nicativas da interação face a face, ela ainda é derivada da suposição de que a interação face a face e a comunicação são mais ou menos a mes ma coisa e que uma impropriedade na conduta situacional é de algu ma forma uma patologia da comunicação. Entretanto, esta é uma su posição muito traiçoeira, e (como já foi sugerido) sua consonância com uma orientação profissional intelectualista de classe média a tor na ainda mais traiçoeira. Eu quero afirmar que quando a comunica ção falada ocorre, a fala ocorre, ou espera-se que ocorra, apenas quan do aqueles presentes uns aos outros se juntam num tipo especial de associação ritualmente bem marcada, um tipo especial de amontoado que podemos começar a pensar como um círculo conversacional. Quando ocorre uma impropriedade, como uma gesticulação manei rista, isto se toma digno de nota, e é notado não porque algo está sen do comunicado, mas porque as regras que tratam de como devemos nos comportar quando na presença de outros são quebradas. A co municação verbal e nâo verbal é algo afunilado através de outra coisa. Esta outra coisa são os padrões aprovados de modos e associação ou coparticipaçâo em cujos termos os indivíduos são obrigados a regular seus encontros. Agir de forma psicótica é, com muita frequência, as sociar-se incorretamente com os outros na sua presença imediata; isto comunica alguma coisa, mas a infração em primeira instância não é de comunicação, e sim das regras de counião. São essas regras, e as unidades de associação resultantes, os mo dos sancionados resultantes de se encontrar e se separar, que supos tamente fornecem um esquema naturalista em que muitos supostos sintomas psicóticos podem ser localizados e descritos sistematica mente. Quais são, então, as regras do comportamento apropriado 1 37
na presença de outras pessoas? Quais são as unidades de associação , de encontros, que essas regras possibilitam e que fornecem o esque ma em que todos os eventos face a face ocorrem, incluindo a comu nicação face a face? A linguagem da sociologia tradicionalmente lida com organiza ções, estruturas, papéis e estatutos, e não está bem adaptada para descrever o comportamento de pessoas em virtude de sua presença entre si. O termo "interação" , infelizmente, significa quase qualquer coisa, e as unidades de análise necessárias, se quisermos nos focar sobre a interação face a face, receberam pouca consideração. Preci samos então de uma tradução de termos estruturais para interacio nais, enquanto mantemos a chave do método sociológico , o foco em regras e compreensões normativas. Com efeito , descrever as regras que regulam uma interação social é descrever sua estrutura. Enquanto um meio de começar a análise do comportamento face a face, podemos recomendar três unidades básicas de interação. A primeira é a ocasião social: um evento , como um jantar, que é pla nejado e rememorado como uma unidade, tem um horário e local de ocorrência, e estabelece o tom para aquilo que acontece durante e dentro dele. As ocasiões sociais parecem se misturar com aquilo que o psicólogo Roger Barker chama de ambientes de comporta mento , especialmente no caso de ocasiões que são informais e que não são muito percebidas como entidades em si mesmas. Em segundo lugar, eu uso o termo ajuntamento para me referir a qualquer conjunto de dois ou mais indivíduos cuj os membros in cluem todos, e apenas aqueles , que no momento estão na presença imediata uns dos outros. Com o termo situação social eu me referirei ao ambiente espacial completo que transforma uma pessoa que nele penetre em um membro do ajuntamento que está (ou que então se torna) presente. As situações começam quando o monitoramento mútuo ocorre e terminam quando a penúltima pessoa parte. Quando as pessoas estão num ajuntamento , elas podem se unir para manter um foco conjunto de atenção visual e cognitiva, ratifi cando-se mutuamente como pessoas abertas umas às outras para a conversa ou seus substitutos. Eu chamo tais estados de fala de en contros ou engajamentos. Estes ajuntamentos focados devem ser di ferenciados dos casos em que as pessoas estão presentes umas às ou tras, mas não engajadas diretamente na manutenção de um estado de fala, constituindo assim um ajuntamento desfocado. A interação
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facada é o tipo que ocorre num estado de fala; a interação desfocada é o tipo que ocorre, digamos, quando duas pessoas se entreolham enquanto aguardam um ônibus, mas não concederam à outra o esta tuto de coparticipante num estado de fala aberto . As regras que regulam o início, a manutenção e o término de es tados de fala, abrangendo uma parte importante daquilo que Bate sou e Ruesch chamam de metacomunicação, foram razoavelmente analisadas na literatura , especialmente em relação a descrições de produções verbais supostamente psicóticas, e obviamente na pes quisa de grupos pequenos e em descrições de psicoterapia de grupo. De qualquer forma, esse aspecto da conduta situacional se encaixa muito bem com o viés ocupacional da sala de duas pessoas e a con versa em voz baixa que os psiquiatras utilizam em sua análise do comportamento psicótico. O que talvez tenha sido ignorado nessa área são as regras que governam os encontros entre aqueles que não se conhecem, as regras, quer dizer, que tratam da abordagem e apro ximação de estranhos, e, além disso, as regras que tratam do estado de estar "com" alguém. As regras que tratam da interação desfocada - a pura e simples copresença na mesma situação - não foram muito analisadas siste maticamente; as poucas sugestões disponíveis vêm ou de descrições de retraimento , por exemplo as de Bleuler, ou de livros de etiqueta. Os sociólogos que se especializam no comportamento coletivo se focam em pânicos, protestos e multidões, com poucas ideias sobre a estrutura do tráfego humano pacífico em lugares públicos. O respei to que transforma meras fronteiras físicas como paredes e janelas em fronteiras comunicativas; a desatenção civil bem estruturada que é concedida às pessoas presentes, através da qual tratamos o ou tro como se ele tivesse sido visto , mas não como um objeto de curio sidade indevida; a manutenção da fachada e da aparência como se sempre estivéssemos prontos para receber orientações e informa ções do ambiente; a expressão da alocação apropriada de envolvi mento como entre envolvimentos principais e laterais (como fu mar) - essas exigências normativas da mera presença não recebe ram nenhuma sistematização . Da mesma forma, pouca atenção foi concedida ao gerenciamen to de engajamentos acessíveis, quer dizer, engajamentos que são mantidos na mesma situação social em que há outros engajamentos e outras pessoas não engajadas. Nós apenas começamos a estudar, sob a influência de etologistas, as regras sobre espaçamento , através 1 39
das quais os círculos conversacionais e as pessoas não engajadas numa situação social dividem o espaço disponível de forma a maxi mizar certas variáveis , modulando o som apropriadamente. Não analisamos muito a dívida que um participante de um engaj amento deve ao engaj amento em relação à situação como um todo, uma dí vida que as pessoas se recusam a pagar quando manifestam várias formas de descontentamento e distração ; e nem, similarmente, tra tamos muito da dívida que o engaj amento como um todo deve à si tuação social e ocasião social - obrigando aqueles no engajamento a ficarem presos a ele, mas não serem levados longe demais pelo de senvolvimento progressivo da atividade do engaj amento. Quando um paciente age de forma classicamente psicótica, ele está ativo em relação a essas várias regras e as unidades de associa ção que elas apoiam. Eu desej o afirmar agora que há um conjunto extremamente amplo de motivos e razões para o indivíduo que rea liza tal conduta. Quando um paciente com danos cerebrais e um pa ciente funcionalmente doente manifestam desvios de conduta simi lares - por exemplo, quando não respondem ao início de um engaja mento - a psiquiatria encontra razões para confirmar a crença de que a conduta pode ser uma coisa médica sintomática, seja a doença orgânica ou funcional. Mas isto certamente é uma inversão da natu reza. É o comportamento do paciente orgânico que imita um delito socialmente estruturado, assim como o silêncio soturno de uma co ruja é lido por nós como um sinal de sabedoria, e é o paciente funcio nal que manifesta o retraimento do contato em sua forma mais com pleta e original. Uma garota de classe média alta que ignora os asso bios, cantadas e convites de j ovens favelados exemplifica o ato de estar fora de contato de uma forma ainda mais comum. Eu não co nheço nenhum desvio de conduta psicótico que não possa encon trar um igual na vida cotidiana na conduta de pessoas que não estão psicologicamente doentes e nem são consideradas como tal; e em todos os casos podemos encontrar uma multidão de motivos dife rentes para se engajar no desvio de conduta, e uma multidão de fato res diferentes que modificarão nossa atitude quanto à sua realiza ção. Eu desej o apenas adicionar que os hospitais psiquiátricos, tal vez através de um processo de seleção natural, são organizados de forma a fornecer exatamente o tipo de ambiente em que participan tes involuntários têm recurso à exibição de impropriedades situacio nais. Se você retira das pessoas todos os meios costumeiros de ex pressar raiva e alienação , e as coloca num lugar onde elas nunca ti1 40
veram razão melhor para ter tais sentimentos , então o recurso natu ral será se agarrar ao que resta - impropriedades situacionais. Permitam-me tentar resumir o argumento . Quando as pessoas entram na presença física imediata umas das outras, elas se tornam acessíveis umas às outras de formas únicas. Surgem as possibilida des de ataques físicos e sexuais , de abordar e ser levado a estados de fala indesejados, de ofender e importunar através do uso de pala vras, de transgredir certos territórios do eu do outro , de demonstrar descaso e desrespeito pelo ajuntamento presente e pela ocasião so cial sob cujos auspícios o ajuntamento ocorre. As regras da conduta ' de face a face que prevalecem numa dada comunidade estabelecem a forma que a counião face a face deve ocorrer, e resulta então uma espécie de "Paz do rei" , garantindo que as pessoas respeitarão umas às outras através do idioma de respeito disponível, manterão seu lu gar social e seus compromissos interpessoais, permitirão e não se aproveitarão do fluxo de palavras e pessoas e tratarão bem a ocasião social. As ofensas contra essas regras constituem impropriedades si tuacionais; muitos desses delitos prejudicam os direitos de todos os presentes e constituem ofensas transmitidas publicamente, inde pendentemente do fato de que muitas parecem ser motivadas pela relação particular do ofensor com pessoas particulares presentes, ou mesmo com pessoas ausentes. Essas impropriedades não são , em primeira instância, um tipo linguístico de comunicação interpesso al, e sim exemplos de desvios de conduta públicos - um defeito não na transmissão de informação ou de relações interpessoais, mas do decoro e do porte que regulam a associação face a face. É neste mun do de formas sancionadas de associação que os sintomas psicóticos encontram seu lar natural, e é através da aquisição de um quadro sistemático das coerções da conduta pública aprovada que podemos obter a linguagem para falar bem e eficientemente sobre a sintoma tologia. As regras para o comportamento enquanto na presença de outros e em virtude da presença de outros são as regras que possibi litam a comunicação face a face ordenada do tipo linguístico; mas essas regras, e as muitas infrações delas que os psicóticos e outros transgressores exibem sistematicamente, não devem em si mesmas ser tratadas antes de tudo como comunicações; elas são antes de tudo orientações (e sua perturbação) da organização social, a asso ciação organizada de pessoas presentes umas às outras.
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Onde a ação está* Estar na corda bamba é a vida; o resto espera 1 •
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Há uma década o termo "ação" era usado , entre os jovens ameri canos urbanos não muito afeitos à gentileza, num sentido não par soniano em referência a situações de um tipo especial, contrastadas com situações em que "não havia ação " . Muito recentemente, esta locução tem sido usada por quase todo mundo , e o próprio termo tem sido flagelado sem misericórdia em comerciais e propagandas. Este artigo , então , lida com um termo que aponta para algo vivo, mas que está ele mesmo quase morto. A ação será definida ana liticamente. Farei um esforço para descobrir onde ela pode ser en contrada e o que isto implica sobre estes lugares. 1 . Chances
Onde quer que a ação sej a encontrada, também encontraremos chances. Comecemos então com um exemplo simples de uma chan ce, e continuaremos a partir dele. Dois garotos encontram uma moeda de cinco centavos no seu caminho , e decidem fazer um cara ou coroa para ver quem fica com
* Este capítulo apresenta algumas dificuldades de tradução. Goffman utiliza muitos termos originários de j ogos de azar e cassinos dos Estados Unidos, termos que mui tas vezes possuem tradução apenas aproximada em português. Eu indico entre col chetes os termos originais quando necessário, e adicionei várias notas para ajudar a esclarecer o significado de alguns deles.
l . Atribuído a Karl Wallenda, falando sobre voltar a se apresentar na corda bamba depois do acidente fatal de sua trupe em Detroit. [ Karl Wallenda era o patriarca dos "Wallendas Voadores", uma trupe circense famosa nos Estados Unidos por suas apresentações de alto risco - N.T. ]
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ela. Eles concordam, então, em entrar numa brincadeira [play] ou, como os probabilistas chamam, uma aposta [gamble] - neste caso , uma rodada do jogo [game] de cara ou coroa. Uma moeda pode ser usada como uma máquina de decisões, da mesma forma que uma roleta ou um baralho de cartas. Com essa máquina em particular, fica claro que enfrentamos um conjunto completamente conhecido de resultados possíveis: cara ou coroa, an verso ou reverso. O mesmo ocorre com um dado: na manufatura e no uso comuns2 , ele apresenta seis lados diferentes como resultados possíveis. Tendo em vista os dois resultados possíveis quando uma moeda é arremessada, a probabilidade ou chance pode ser avaliada para cada um dos arremessos. As chances variam de "certa" a "impossí vel" ou, na linguagem da probabilidade, de 1 a O . O que um j ogador tem em mãos e corre o risco de perder é sua aposta. Aquilo que ele não tem e tem chance de ganhar com o j ogo pode ser chamado de prêmio. O desfecho [payofj] para ele é o prêmio que ele ganha ou a aposta que ele perde. A aposta e o prêmio juntos podem ser chamados de bolo [pot] . Nos j ogos, a probabilidade teórica [ theoretical odds] refere-se às chances de um resultado favorável comparadas com as de um resul tado desfavorável, vendo a máquina de decisão como ideal; a proba-
2. Um dado pode ser usado como uma moeda se, por exemplo, chamarmos 1 , 2 e 3 de cara e 4, 5 e 6 de coroa. Entre os tipos de dados de trapaça há dados com lados di ferentes chamados variadamente de tops and bottoms, horses [ com apenas 3 dos 6 números impressos] , tees, tats [ dados chumbados] , soft rolls [dados que rolam mais que o normal] , Califomia Jourteens [ dados que favorecem o resultado 14] , doar pops [ dados que favorecem 7 ou 1 1 ] , Eastem pops [dados que favorecem 7 ] , etc. Estes dados não têm números diferentes em cada um dos seis lados, e (como com uma moeda de faces iguais) permitem que um j ogador aposte em um resultado que não está entre as possibilidades, e cuja ocorrência então é bastante improvável. É bom notar que dados, muito mais frequentemente que moedas, podem parar em suas bordas (quando param de rolar encostados em outros objetos) e podem sair do campo de jogo. O gerenciamento dessas contingências lamentáveis é um dos traba lhos dos membros de uma equipe de craps [j ogo de dados mais popular nos cassi nos americanos] , especialmente o stickman [ empregado responsável pela manipu lação direta dos dados - N. T . ] , no sentido que suas correções verbais e físicas muito rápidas são planejadas para tornar perfeito um modelo físico muito imperfeito. 1 43
bílidade verdadeira ( true odds] é uma versão teórica das probabilida des teóricas, envolvendo uma correção para os vieses físicos encon trados em qualquer máquina real - vieses que nunca podem ser to talmente eliminados ou totalmente conhecidos 3 • Por outro lado, a probabilidade dada (given odds] ou pagamento (pay ] refere-se ao ta manho do prêmio comparado com o da aposta4 • É bom notar que os resultados são definidos totalmente em termos do equipamento do j ogo, e os desfechos em termos de recursos extrínsecos e variáveis comprometidos no momento com resultados particulares. Assim, com probabilidades teóricas e dadas, de certo modo o mesmo termo é empregado para cobrir duas ideias radicalmente diferentes. Avaliar o bolo em relação à chance, em média, de ganhá-lo , nos dá aquilo que os estudiosos da chance chamam de valor esperado do j ogo. Subtrair o valor esperado da quantidade apostada dá uma me dida do preço ou do lucro em média para se engaj ar no j ogo. Expres sar essa medida como uma proporção da aposta dá a vantagem ou porcentagem do j ogo . Quando não há nem vantagem nem desvanta gem, o j ogo é considerado justo. Aqui, a probabilidade teórica é recí proca à probabilidade dada, de forma que aquele que dá ou coloca as probabilidades (gives ar lays the odds] , apostando uma soma grande na esperança de ganhar uma pequena, é compensado exatamente pela pouca chance de perder para o indivíduo que toma as probabili dades ( takes the odds] . Há j ogos que permitem a escolha de uma profusão de resultados diferentes, cada um deles pagando variadamente e podendo até ter 5 desvantagens diferentes para o apostador. O craps de cassino é um exemplo. Outros j ogos envolvem um conjunto de resultados possí veis favoráveis que pagam variadamente, de modo que o valor espe rado do j ogo deve ser calculado como uma soma de vários valores diferentes: as máquinas caça-níqueis e o bingo são exemplos.
3. Aqui e em outros pontos, ao discutir probabilidade eu agradeço a Ira Cisin. Ele é responsável apenas pelos enunciados corretos. 4. Para aumentar a atração aparente de certas apostas, alguns desenhos de mesa de craps enunciam os ganhos não em termos de probabilidades dadas, mas em termos do bolo; assim, uma aposta cuja probabilidade dada é l em 4 será descrita como l para S. S . jogo de dados popular nos Estados Unidos [ N . T. ] . 1 44
Enquanto um jogo é um modo de adquirir um prêmio , ele é uma oportunidade; enquanto ele é uma ameaça à aposta, ele é um ris co. A perspectiva aqui é objetiva. Um senso subjetivo de oportuni dade ou risco é uma questão bastante diferente, já que ele pode, mas não precisa, coincidir com os fatos. Podemos definir ambos os nossos j ogadores de cara ou coroa como pessoas em cuj o curso de vida encontrar uma moeda não ha via sido previsto. Sem essa descoberta, a vida teria seguido em frente como esperado. Então, cada garoto pode conceber sua situação como capaz de dar a ele um ganho ou de devolvê-lo ao que é apenas normal. Uma chance desse tipo pode ser chamada de oportunidade sem risco. Se um valentão abordasse um dos garotos e apostasse uma moeda vinda do bolso do próprio garoto (e isto acontece em bairros urbanos) , poderíamos então falar de um risco sem oportuni dade. Na vida cotidiana, riscos e oportunidades normalmente ocor rem juntos, e em todas as combinações. O indivíduo às vezes pode voltar atrás em sua decisão de seguir uma linha de atividade quando descobre que ela provavelmente fra cassará. Aqui não há chance, sej a ela arriscada ou oportunista. Para que a sorte estej a presente, o indivíduo deve garantir que está numa posição (ou é forçado a uma posição) de abandonar seu controle so bre a situação, fazendo , no sentido de Schelling, um compromisso6 • Sem compromisso , sem chance. Uma nota sobre a determinação - definindo isto como um pro cesso , e não um evento realizado. Assim que a moeda estiver no ar, o arremessador sentirá que forças decisivas começaram a trabalhar, e isto realmente ocorreu . É claro que é verdade que o período de de terminação poderia ser ampliado para incluir a decisão de escolher cara ou coroa, ou ainda mais para incluir a decisão de j ogar a moeda. Entretanto , o resultado (cara ou coroa) é determinado totalmente durante o tempo em que a moeda está no ar; uma ordem de fatos di ferente, como quem escolherá cara ou quanto será apostado , é de terminada ant �s do arremesso. Resumindo, uma característica es sencial da sit .ação de cara ou coroa é que um resultado indetermi6. SCHELLING, T . C . The Strategy of Conflict. Cambridge: Harvard University Press, 1 960, esp. p. 24. 1 45
nado até certo ponto - o ponto de arremessar a moeda no ar - é clara e completamente determinado depois do arremesso. Uma situação problemática é resolvida. O termo "problemático" é tomado aqui no sentido obj etivo de se referir a algo que ainda não foi determinado , mas está prestes a ser. Como já foi sugerido , a própria avaliação subjetiva do ator traz complicações adicionais. Ele pode não ter consciência de que algo está sendo determinado. Ou ele pode sentir que a situação é proble mática quando na verdade a questão já foi determinada, e o que ele realmente enfrenta é a revelação ou exposição . Ou, finalmente, ele pode estar completamente orientado para aquilo que está realmente acontecendo - percebendo as probabilidades envolvidas e realisti camente preocupado com as consequências. Esta última possibili dade, onde temos um paralelo completo entre a situação obj etiva e a subj etiva, será nossa preocupação principal. As forças causais durante o período de determinação e antes do resultado final são muitas vezes definidas como forças de "mera chance" ou "pura sorte" . Isto não pressupõe algum tipo de indetermi nismo absoluto. Quando uma moeda é arremessada, sua queda é de terminada totalmente por fatores como o estado anterior do dedo do arremessador, a altura do arremesso, as correntes de ar (incluindo aquelas que ocorrem depois da moeda sair do dedo) , e assim por di ante. Entretanto , nenhuma influência humana, intencional e legíti ma, pode ser exercida para manipular a parte relevante do resultado 7 • Certamente existem situações de sorte em que ordens relevantes de determinação humanamente direcionada estão envolvidas em virtude de habilidade, conhecimento , ousadia, perseverança, e as sim por diante. Isto , na verdade, marca uma diferença crucial entre j ogos de sorte "pura" e aquilo que é chamado de competições: na queles, quando a determinação está em j ogo, os participantes po dem apenas aguardar o resultado passivamente; nestas, é exatamen te este período que requer o exercício intensivo e sustentado de ca-
7. Cf. o argumento de MACKAY, D. "The Use of Beh. \vioral Language to Refer to Mechanical Processes " . British ]ournal of the Philosophy of Science, XIII , 50, 1 9 6 2 , p . 89- 1 03 . "On the Logical Indeterminacy of a Free Choice" . Mind, 69, 1 9 6 0 , p . 3 1 -40. •
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pacidades relevantes. De qualquer forma, ainda é o caso que, duran te competições, algo de valor para ser apostado está suj eito à deter minação ; em termos dos fatos e muitas vezes também de sua percep ção , as influências intencionadas e efetivas são insuficientemente influentes para tornar a situação não problemática. Uma característica crucial do cara ou coroa são suas fases tem porais. Os garotos precisam decidir resolver a questão pelo cara ou coroa; eles precisam se alinhar fisicamente; eles precisam decidir o quanto do valor da moeda será apostado no arremesso e quem esco lherá qual resultado ; através da postura e de gestos eles precisam se comprometer com a aposta e assim passar do ponto sem volta. Esta é a fase de preparação [squaring-ofj] ou de aposta. Depois temos a fase de determinação ou de j ogo, durante a qual as forças causais re levantes ativa e determinantemente produzem o resultado 8 • Chega então a fase de exposição ou de revelação , o tempo entre a determina ção e a informação do resultado para os participantes. Esse período provavelmente será muito breve, variará de acordo com os conjun tos de participantes colocados em lugares diferentes em relação à maquinaria de decisão 9 , e possuirá um suspense espe c ial próprio. Finalmente, há a fase de assentamento, começando quando o resulta do é revelado e durando até que as perdas tenham sido pagas e os ga nhos coletados. O período de que os participantes precisam numa certa jogada para se mover pelas quatro fases dela - preparação , determinação, exposição e assentamento - pode ser chamado de duração [span] da
8. No cara ou coroa esta fase começa quando a moeda é arremessada no ar e termi na quando ela pousa na mão - um ou dois segundos depois. Nas corridas de cavalo , a determinação começa quando a barreira é aberta e termina quando se cruza a li nha de chegada depois da última volta, depois de pouco mais de um minuto. Em corridas de ciclismo de sete dias, a fase de determinação dura uma semana. 9. Golpes em corridas de cavalo se baseiam na possibilidade de convencer a vítima de que o período entre um resultado na pista e seu anúncio para lugares distantes é longo o bastante para realizar uma aposta certa depois da corrida, quer dizer, "apostar no passado" - uma condição que pode realmente ocorrer e que tem sido explorada sistematicamente. Podemos adicionar que carteadores de 21 amigáveis em N evada, depois de escolherem uma carta, às vezes olham para ela e caçoam de um jogador sobre um destino que já foi determinado e lido, mas cuja exposição é provocantemente atrasada. 1 47
jogada. O período entre j ogadas pode ser chamado de pausas . O pe ríodo de uma j ogada deve ser diferenciado do período de jogo, a sa ber, a sessão, que é o tempo entre a realização da primeira aposta e o assentamento da última em qualquer ocasião que seja percebida como continuamente devotada ao j ogo . O número de j ogadas com pletadas durante qualquer unidade de tempo é o ritmo de jogo du rante esse tempo 10 • A duração média das jogadas de um jogo estabe lece um limite superior ao ritmo de jogo , assim como o comprimen to médio das pausas; uma moeda pode ser arremessada 5 vezes em meio minuto ; o mesmo número de decisões numa pista de cavalos exige mais de uma hora. Tendo em vista essas distinções nas fases do jogo , é fácil cuidar de uma característica dos j ogos de azar simples que poderia de outra forma passar despercebida. Quando uma j ogada é realizada, sua de tenninação , revelação e assentamento normalmente se seguem ra pidamente, muitas vezes antes que outra aposta seja feita. Uma ses são de cara ou coroa consiste, então, de uma sequência de ciclos de quatro fases com pausas entre os ciclos. Tipicamente, o j ogador mantém uma faixa de atenção e experiência contínua durante o cur so de quatro ou cinco segundos de todas as jogadas, distraindo-se apenas durante as pausas, quer dizer, depois do assentamento de uma j ogada e antes da realização de outra. A vida cotidiana normal mente é muito diferente. O indivíduo certamente faz apostas e con fia na sorte durante a vida cotidiana, como quando , por exemplo , ele decide aceitar um emprego em vez de outro ou se mudar de um estado para outro . Além disso , em certas junturas ele pode ter que tomar várias decisões vitais ao mesmo tempo, e assim manter por um breve período um ritmo de apostas muito alto . Mas normalmen te a fase de determinação - o período no qual as consequências de sua aposta são determinadas - será longa, às vezes se estendendo
1 0 . Por exemplo , suponhamos que os garotos da moeda estejam engajados num j ogo de morte súbita, com um arremesso determinando quem fica com a moeda. Se os dois garotos estiverem juntos nessa ocasião por uma hora, seu ritmo de apostas é de uma por hora. Se eles trocarem a moeda de cinco centavos por cinco de um cen tavo, e arremessarem uma delas de cada vez, e apenas uma vez, então o ritmo de apostas é cinco vezes maior do que era antes, ainda que a mudança de sorte resul tante não seja maior, provavelmente até menor.
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por décadas, seguidas de fases de revelação e assentamento que tam bém são compridas. A propriedade distintiva dos j ogos e competi ções é que, quando a aposta é feita, o resultado é detenninado e o des fecho é concedido no mesmo sopro de experiência. Um único foco agu do de percepção é mantido em alta intensidade durante a duração inteira da jogada. 2 . Conse quencialidade
Podemos, então, tomar alguns termos da análise tradicional do cara ou coroa 1 1 , mas esse esquema logo nos leva a dificuldades. O padrão para a medição da quantidade de uma aposta ou prê mio é estabelecido ou imputado pela comunidade, o público em ge ral, ou o mercado prevalente. Um constrangimento para a análise de jogos é que pessoas diferentes podem ter sentimentos bastante dife rentes sobre a mesma aposta ou o mesmo prêmio . Adultos de classe média podem usar uma moeda de cinco centavos como uma máqui na de decisões, mas dificilmente se darão ao trabalho de arremes sá-la apenas para decidir quem fica com a máquina. Entretanto , ga rotos pequenos podem sentir que uma reivindicação de descobridor de uma moeda de cinco centavos é uma aposta enorme. Quando é preciso dar atenção a variações no significado que pessoas diferen tes dão à mesma aposta (ou ao mesmo prêmio) , ou que o mesmo in divíduo dá em momentos diferentes ou sob circunstâncias diferen tes, falamos de valor subjetivo ou utilidade. E assim como o valor es perado pode ser calculado como o valor médio que resta a um bolo de cinco centavos, também a utilidade esperada pode ser avaliada como a utilidade que um indivíduo designa a um bolo de cinco cen tavos ponderada pela probabilidade de sua vitória. A utilidade esperada de um bolo de cinco centavos deve ser dis tinguida claramente da utilidade esperada de arremessar por esse bolo ; pois os indivíduos regularmente estabelecem um valor subj e tivo - positivo ou negativo - para a excitação ou ansiedade gerada pelo arremesso . Além disso, depois do arremesso, o desprazer de
l l. Um tratamento sólido, ainda que popular, pode ser encontrado em JEFFREY, R.
The Logic of Decision. Nova York: McGraw-Hill, 1965. 1 49
perder e o prazer de vencer provavelmente não se anulam completa mente; a diferença, para qualquer lado, também deve ser reconheci da em média como parte da utilidade esperada da jogada 12 • É possí vel usar padrões objetivos para alcançar o significado das apostas; mas precisamos usar a noção nebulosa de utilidade para alcançar o significado de apostar. Quando passamos da noção clara do valor esperado de um bolo para a noção que será relevante para nossas preocupações, a saber, a utilidade esperada de j ogar pelo bolo , entramos em complexidades quase insolúveis. Quando um indivíduo afirma que um dado perío do de jogo envolve uma grande aposta, ou quando ele sente que é mais arriscado do que outros, podemos envolver um conjunto intei ro de considerações : a escala das apostas; o valor das probabilidades (e se ele as dá ou as toma) ; a brevidade do período de j ogo; a peque nez do número de j ogadas; o ritmo do j ogo ; a porcentagem paga para jogar; a variação de tamanho em relação a prêmios associados com resultados favoráveis. Além disso, o peso relativo dado a cada uma dessas considerações variará bastante com o valor absoluto de cada uma das outras 13 • Para nós, isto significa que indivíduos e grupos diferentes têm fundamentos pessoais um tanto diferentes para medir o risco e a oportunidade; um modo de vida que envolva muito risco pode fazer com que o indivíduo se importe pouco com um risco que outra pes soa consideraria proibitivo lt . Assim, por exemplo , tentativas de ex plicar a presença do j ogo legalizado em Nevada às vezes citam a tra dição mineradora do estado , um tipo de empreendimento que pode ser definido como realmente muito arriscado . O argumento é que
1 2 . Nos j ogos de azar, esses fatores não são independentes. Sem dúvida, parte da experiência obtida com o arremesso é derivada da diferença entre a satisfação de contemplar a vitória e o desprazer com a ideia da derrota. 1 3 . Obras recentes, especialmente de psicólogos experimentais, adicionaram um conhecimento apreciável a essa área através de um estratagema que obriga os indi víduos a demonstrar uma preferência entre apostas envolvendo várias misturas de elementos. C f. , p. ex. , COHEN , J. Behaviour in Uncertainty. Londres: George Allen and Unwin, 1964: cap. 3, "Making a Choice" , p. 27-42. EDWARDS, W. "Behavior Decision Theory". Annual Review of Psychology, 12, 196 1 , p. 473-498. •
14.
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Por esta e outras sugestões, eu agradeço a Kathleen Archibald.
tendo em vista que a própria economia do estado foi baseada em apostas com o solo , é compreensível que as apostas em cassinos nunca tenham sido encaradas com muita desaprovação . Nos j ogos de azar simples e literais, então , a noção básica de "tentar a sorte" está salpicada de inúmeros significados variáveis e não totalmente realizados. Quando passamos dos j ogos de azar para o resto da vida, a situação piora. No cara ou coroa, há razões a priori e empíricas para avaliar as chances de qualquer resultado realmente corno cinquenta por cen to . A validade definitiva desta avaliação não precisa preocupar aque les que arremessam moedas. É isso que é bom sobre moedas. Entre tanto , em muitas situações ordinárias, o indivíduo pode ter que en carar urna matriz de resultados que não pode ser completamente de finida. (Isto pode surgir, por exemplo, se nossos garotos parassem diante de urna caverna profunda com vários túneis, tentando deci dir o que poderia acontecer se eles tentassem explorá-la. ) Além dis so, mesmo quando o conjunto completo de possibilidades de resul tados é conhecido, as chances que devem ser atreladas .a cada urna delas podem estar sujeitas a apenas urna avaliação grosseira baseada em apelos vagos à experiência ernpírica 15 • Além do mais, o avaliador muitas vezes não perceberá bem o quão grosseira sua avaliação é. Na maioria das situações da vida, lidamos com probabilidades subje tivas e, por isso, no máximo urna medição geral muito frouxa, a uti
lidade esperada subjetivamente1 6 •
1 5 . Firmas de boa reputação que se especializam em dispositivos para trapaça em jogos de azar vendem dados de "formas" variáveis que dão ao cliente uma escolha entre cinco ou seis graus daquilo que chamam de "força" . A classificação provavel mente é absolutamente válida. Mas nenhuma companhia jamais testou dados de qualquer suposta força por uma série de testes suficientemente longa para gerar ní veis de confiança em relação à porcentagem favorável que estes dados sujos dão a seus usuários. 1 6 . Na literatura, seguindo F. Knight (Risk, Uncertainty and Profit. Boston: Hough ton Mifflin, 1 92 1 , esp. caps. 7 e 8), o termo "risco" é usado para uma decisão cuj os resultados possíveis e probabilidades são conhecidos, e o termo "incerteza" quan do as probabilidades dos vários resultados não são conhecidas ou sequer conhecí veis. Cf. aqui LUCE, R. &: RAIFFA, H. Games and Decisions. Nova York: Wiley &: Sons, 1958, p; 1 3ss. ) . Seguindo john Cohen, B. Fox (Behavioral Approaches to Acci dent Research. Nova York: Association for the Aid to Crippled Children, 1 96 1 , p .
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Além do mais, enquanto j ogadores de cara ou coroa normal mente j ogam um jogo "limpo " , e apostadores de cassino, um jogo levemente desvantaj oso , os aspectos mais amplos da vida são muito menos equilibrados neste respeito para o indivíduo ; haverá situa ções de grande oportunidade com pouco risco e de muito risco com pouca oportunidade. Ademais, a oportunidade e o risco podem não ser facilmente mensuráveis na mesma escala 17 • Há um problema importante na própria noção de valor - a no ção que apostas e prêmios podem ser medidos em quantidades. Uma moeda de cinco centavos tem um valor ratificado socialmente e um valor subj etivo , em parte por causa daquilo que sua vitória permite, ou sua perda impede, que o arremessador faça depois. Esta é a consequencialidade da aposta, a saber, a capacidade de um desfecho
defluir para além dos limites da ocasião em que ele é entregue e influen ciar objetivamente a vida posterior do apostador. O período durante o qual essa consequencialidade é produzida é um tipo de fase de conse quencialidade ou pós-j ogo da aposta. Agora precisamos tratar de uma questão complicada. O "valor objetivo" e a "utilidade" são meios de estabelecer equivalentes ins tantâneos para consequências que na realidade serão sentidas com o passar do tempo. Isto ocorre ao se permitir que a comunidade ou o próprio indivíduo estabeleça uma avaliação deste futuro, e aceite ou dê um preço para ele agora. Eu desej o evitar esta sofisticação . Quan do , por exemplo , um homem propõe matrimônio , é verdade que o desfecho é determinado assim que a garota toma sua decisão, reve lado assim que ela dá sua resposta, e assentado quando o casamento 50) sugere usar o termo "perigo" [ hazard] para chances objetivas péssimas, e "ris co" para estimativas subj etivas de perigo . Fox iguala isto a uma distinção levemen te diferente, aquela entre o risco percebido como inerente a uma situação e o risco percebido como algo assumido intencionalmente. Cf. tb. COHEN, J. Behaviour in Uncertainty. Op. cit. , p. 63. 1 7 . O conceito de utilidade, e as técnicas experimentais de uma escolha forçada en tre unidades e pares ligados probabilisticamente podem tentar reduzir essas varia bilidades a um único esquema. Entretanto , esses esforços podem ser questionados. Muitas jogadas reais são realizadas em conjunção necessária com o j ogador não perceber o risco (enquanto foca a oportunidade) ou a oportunidade (enquanto lida com o risco) . Estabelecer uma utilidade nessa falta de percepção para equilibrar as coisas não parece uma resposta apropriada.
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consumado ou o pretendente rejeitado se retira para cortejar outra pessoa. Mas num outro sentido , a consequência do desfecho é senti da por toda a vida que resta aos participantes. Assim como um "des fecho" é o equivalente de valor de um resultado , a "consequenciali dade" é o equivalente humano de um desfecho. Passamos então de bolos e prêmios, facilmente definíveis, para desfechos protelados, que só podem ser descritos vagamente. Esta é uma passagem dos bolos para a consequencialidade, e de apostas circunscritas para arenas mais amplas da vida. é
Além de todas estas limitações do modelo de cara ou coroa, há uma outra bastante central que podemos apenas tratar de forma pre liminar agora. A experiência subjetiva desfrutada por garotinhos que j ogam um cara ou coroa vem da sensação de exercer a vontade de forma leve. Uma decisão entre apostar ou não é feita sob condi ções onde nenhuma pressão externa força a decisão , e não apostar seria uma decisão fácil e bastante prática. Quando esta decisão é to mada afirmativamente, toma-se uma segunda sobre o resultado pos sível para se apostar - aqui um direito ilusório , mas ainda assim di vertido , e certamente não ilusório em jogos que envolvem habilida de. Quando o resultado estiver definido , isto pode ser tratado como uma possibilidade que foi prevista, mas em que mesmo assim se apostou . Como consequência, a situação inteira pode facilmente ser vista prospectivamente como uma ocasião de sorte, uma ocasião ge rada e governada pelo exercício de autodeterminação , uma ocasião para se arriscar e agarrar a oportunidade. Entretanto , na vida coti diana o indivíduo pode nunca ter consciência do risco e da oportu nidade que realmente existiram, ou pode perceber a aposta que esta va fazendo apenas depois da jogada terminar. E quando a situação é abordada com seu caráter de sorte em mente, o indivíduo pode des cobrir que o custo de não apostar é tão alto que ele deve ser excluído como uma possibilidade realista, ou, quando a decisão é prática , que não há nenhuma escolha disponível sobre qual dos resultados possíveis ele apostará. Há alguma liberdade de escolha e autodeter minação presentes aqui, mas frequentemente não muita. O modelo do cara ou coroa pode ser aplicado a todas essas situações, mas ape nas ignorando algumas diferenças importantes entre j ogos de azar recreativos e apostas da vida real . Deixando de lado a questão da
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quantidade em jogo , nossos dois garotos que j ogam cara ou coroa não estão engajados no mesmo tipo de j ogo de azar que dois sobre viventes enfrentam sem nenhum prazer quando decidem mutua mente que a única forma de decidir sobre quem deve se sacrificar para deixar a j angada mais leve é um cara ou coroa; e eles, por sua vez, estão suj eitos à sorte de forma diferente da de dois passageiros doentes que são forçados por seus companheiros sadios a se subme ter a uma decisão por cara ou coroa para ver qual dos dois não terá mais direito à reserva de água do bote salva-vidas. 3 . Decisividade18
Um indivíduo prestes a sair de casa para comparecer a um com promisso percebe que está trinta minutos adiantado e tem algum " tempo livre" para utilizar ou aproveitar. Ele poderia aproveitar "bem" o tempo fazendo agora uma tarefa essencial que terá que ser feita em algum momento . Em vez disso , ele decide "passar" o tem po . Ele pega uma revista na mesa, senta numa cadeira confortável, e folheia algumas páginas até chegar a hora de partir. Quais são as características dessa atividade usada para passar o tempo? Abordemos esta pergunta através de outra: quais são os efei tos possíveis desse pequeno pedaço da vida do indivíduo sobre todo o resto dela? Obviamente, aquilo que ocorre durante o tempo "passado" pode não ter nenhuma consequência para o resto da vida do indivíduo 19 . Muitas linhas de atividade alternativas podem ser desempenhadas e ainda assim sua vida continuará como está. Em vez de ler uma revis ta, ele pode ler outra; ou ele pode passar o tempo assistindo TV, ti rando uma soneca, ou resolvendo um quebra-cabeça. Se ele desco brir que tem menos tempo livre do que pensara, ele pode facilmente encerrar sua vadiagem; se descobrir que tem mais, ele pode vadiar mais. Ele pode tentar encontrar uma revista que o interesse , não 1 8 . Fatefulness no original. O neologismo "decisividade" é usado aqui não com o significado de algo que precisa ser decidido, mas algo de caráter decisivo para a vida de um indivíduo, algo que influenciará seu destino (jate) [ N . T. ] . 1 9 . Mas é claro que sua escolha do meio para passar o tempo pode expressar algo sobre ele.
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conseguir, e ainda assim perder pouco devido a esse fracasso , tendo meramente que encarar o fato de que ele está temporariamente sem nada para fazer. Sem ter nada para passar o tempo , ou nada suficien te para isso, ele pode simplesmente esperar. Momentos "desperdiçados" , então , são inconsequentes. Eles são limitados e isolados. Eles não se derramam para o resto da vida, gerando um efeito nela. Em outras palavras, o curso da vida do indi víduo não está suj eito a seus momentos desperdiçados, sua vida é organizada de forma a ser impérvia a eles. As atividades para passar o tempo são selecionadas previamente como atividades que não po dem emaranhar o indivíduo 20 • Passar o tempo muitas vezes envolve o indivíduo em atividades problemáticas. A decisão sobre revista ou TV pode ser apertada, e sua determinação pode só começar quando o indivíduo está prestes a se sentar. Temos aqui um comportamento problemático que não é consequente. (É interessante notar que isto é exatamente o que ocorre no cara ou coroa por cinco centavos. Nossos j ovens aposta dores podem colocar um grande valor subjetivo em ganhar a aposta, mas é muito difícil que o desfecho seja consequente.) Em contraste ao tempo livre [ time offl temos o tempo ocupado [time on] e seu mundo do trabalho sério organizado coletivamente, que engrena os esforços do indivíduo nas necessidades de outras pes soas que contam com ele para suprimentos, equipamentos ou servi ços para cumprir suas próprias obrigações. Fazem-se registros de sua produção e entregas, e ele recebe penalidades se não conseguir reali-
20. O tempo livre aparece em todos os tamanhos, de alguns segundos a alguns anos. Ele aparece entre tarefas profissionais; no traj eto entre a casa e o trabalho ; em casa depois do jantar; fins de semana; férias anuais; aposentadoria. (Existe também em grande parte como fantasia - o tempo longe da vida comum que Georg Simmel chama de "a Aventura".) Quando se passa o tempo livre, isto supostamente é feito através de uma atividade escolhida livremente que possui um caráter de consuma ção própria, um fim em si mesmo . Independentemente do individuo preencher seu tempo livre com atividades consequentes ou não , ele normalmente precisa perma necer no lugar onde os deveres sérios e agendados estão localizados, ou precisa ao menos ser capaz de voltar a ele rapidamente. É bom perceber que o tempo livre para desperdiçar deve ser diferenciado de um vizinho próximo , o tempo que pesso as desempregadas são forçadas a esperar e não podem justificar como um alívio merecido de tarefas passadas ou iminentes.
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zá-las. Resumindo, a divisão do trabalho e a organização do fluxo do trabalho conectam os momentos atuais do indivíduo aos próximos momentos de outras pessoas de forma bastante consequente. Entretanto , a consequencialidade de cuidar apropriadamente de nossos deveres em qualquer ocasião é muito pouco percebida. Certamente, os resultados são mais ou menos retratados antecipa damente, mas a probabilidade de sua ocorrência é tão alta que esse problema não parece precisar de muita atenção. Nada precisa ser pesado, decidido ou avaliado ; nenhuma alternativa precisa ser con siderada. Essa atividade é realmente consequente, mas ela é bem ad ministrada; ela não é problemática. Incidentalmente, qualquer mo mento , seja trabalhado ou desperdiçado, terá esse elemento . É uma questão de consequencialidade absoluta que nossos garotos conti nuem a inalar e exalar e não batam suas cabeças numa parede de concreto ; qualquer fracasso naquele e sucesso neste pode ter efeitos muito duradouros em todos os momentos vindouros de um garoto. Entretanto , continuar a respirar e não bater a cabeça numa parede são objetivos perseguidos de forma tão contínua e impensada, e rea lizados de forma tão certa e rotineira, que nunca é preciso conside rar a consequencialidade de um lapso . As atividades de tempo livre, então , podem ser problemáticas, mas provavelmente serão inconsequentes, e as atividades de tempo ocupado provavelmente serão consequenl �s, mas não problemáti cas. Assim, ambos os tipos de atividade pe dem facilmente ser roti neiros: ou nada de importante acontece, ou nada de importante que seja inesperado e imprevisto . Entretanto , uma atividade pode ser ao mesmo tempo problemá tica e consequente. Eu chamo tais atividades de decisivas [jateful] , mas o termo "extraordinário" [ eveniful] também serviria, e tratare mos aqui deste tipo de sorte. Precisamos admitir agora que apesar do tempo livre e o tempo de trabalho bem administrado tenderem a não ser decisivos , é parte da condição humana que algum grau de decisividade sempre será encontrado . É preciso ajustar contas com as bases primordiais da decisividade. Primeiro , há o tipo literário ou adventício de decisividade. Um evento que normalmente é bem administrado e não tem nada de no1 56
tável pode às vezes lançar decisividade no passado , dando a certos momentos anteriores uma capacidade atípica de ser o primeiro evento numa conjunção decisiva de dois eventos. Se um de nossos jovens apostadores precisar de cinco centavos para fazer uma liga ção telefônica crucial no momento em que a moeda é encontrada, então a chance de ganhar o jogo pode se tomar decisiva. Da mesma forma, nosso indivíduo que passa o tempo pode ser tão absorvido por um artigo da revista a ponto de perder a noção do tempo 21 e não se restabelecer até que seja tarde demais - uma mera irritação , a não ser que o compromisso perdido fosse importante. Ou, folheando a revista, ele pode encontrar um artigo sobre testes de inteligência com exemplos de perguntas. Seu compromisso é um exame em que uma das perguntas aparece. Um momento para se desperdiçar não está completamente separado dos momentos vindouros; ele pode ter conexões inesperadas com eles. Ainda que os indivíduos e suas atividades sempre estejam suj ei tos a alguma decisividade adventícia, há algumas atividades cuja vulnerabilidade a este respeito é grande o bastante para servir como uma caracterização delas. Onde a coordenação e a ocultação são vi tais, um conjunto inteiro de impedimentos menores inesperados perde sua qualidade costumeira de corrigibilidade e se toma decisi vo . Histórias de crimes quase perfeitos e ataques de destacamentos militares quase expostos cultuam essa fonte de decisividade, assim como histórias de trapalhadas estratégicas: Maidstone, Inglaterra: ontem uma gangue de homens mascarados com cassetetes e martelos emboscou um car ro carregando $28.000 para um banco local, mas eles agarraram o prêmio errado - uma sacola de sanduíches.
Em nossa sociedade urbana é provável que o indivíduo verifique a hora periodi camente e possa quase sempre estimar a hora aproximada. Pessoas de sono leve po dem até se orientar constantemente no tempo. Surpreso, em alguma ocasião , sobre "como o tempo voou" , o indivíduo pode na verdade querer dizer apenas uma ou duas horas. Ao perceber que seu relógio parou , ele pode descobrir que na verdade ele parou há apenas alguns minutos, e que ele deveria estar olhando para o relógio constantemente. 21.
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O dinheiro estava trancado no porta-malas do carro e a sa cola com o almoço do funcionário do banco estava no ban co do passageiro22• Ontem três ladrões que estragaram completamente o que deveria ter sido um assalto a banco simples em Rodeo fo ram condenados num Tribunal Federal local [ . . ] .
Os três foram capturados por cerca de 40 policiais em 7 de janeiro quando se esforçavam para fugir com $ 7 . 7 1 O enfia dos num saco de lavanderia que eles tinham roubado do banco United California, o único banco em Rodeo [ . . ] .
Pugh entrou com uma espingarda de cano curto e rendeu os l3 funcionários e dois clientes, enquanto Fleming, carregando uma pistola, foi ao cofre e começou a encher a sacola com notas e, infelizmente, moedas. As moedas não podem ser rastreadas - ele disse, esperto . Ele continuou a empilhar moedas até a sacola pesar cerca de 100 quilos. Então ele arrastou a sacola pelo chão até a porta - e a corda gasta arrebentou. Ambos os homens então carregaram a sacola pela porta, mas ela enganchou na porta e abriu um buraco, deixando um rastro de moedas atrás deles enquanto eles arrasta vam a sacola para o carro de fuga, com Duren ao volante. Mas Duren estacionara perto demais do meio-fio, e os três não conseguiram abrir a porta para colocar o saque no carro. Eles finalmente conseguiram depois de mover o carro, e fugiram em alta velocidade - até a esquina. Lá o carro parou quando os três viram o aglomerado de carros do xerife, da polícia e da patrulha rodoviária23 •
Esses erros são cotidianos e normalmente seriam absorvidos facil mente pela reserva para correção que caracteriza a maioria dos empre endimentos. O caráter especial da atividade criminosa (e de outras operações de tipo militar) é a escassez dessa reserva e daí o preço alto que deve ser pago pela desatenção e pelo azar. Esta é a diferença entre
22. San Francisco Chronicle, 1 0/03/1 966. 23. Ibid . , 06/05/1 966. 1 58
estragar um golpe e realizá-lo com sucesso; aqui um ato se toma um feito 24 • Em segundo lugar, independentemente de quão inconsequente e isolado o momento de um indivíduo seja, e o quão seguro e bem administrado seja seu lugar de deveres consequentes, ele precisa es tar lá em carne e osso para o momento ser realmente seu , e essa é exatamente a mesma carne que ele precisa levar para onde quer que vá, junto com todos os danos que já tenham ocorrido a ela. Por mais cuidadoso que ele sej a , a integridade de seu corpo sempre estará em algum tipo de perigo . Ao ler, ele pode escorregar de sua cadeira, cair no chão e se machucar. Isto é certamente improvável, mas se ele deci dir passar o tempo num banho, ou se ele ganha a vida trabalhando com um tomo mecânico , numa mina, ou em construções, a possibili dade de se machucar seria consideravelmente maior, como demons trado por dados atuariais. O perigo físico é uma estreita linha verme lha que conecta cada um dos momentos do indivíduo a todos os ou tros. Um corpo está sujeito a quedas, golpes, venenos, cortes, tiros, esmagamento, afogamento, queimaduras, doenças, sufo c ação e ele trocussão. Um corpo é uma unidade de equipamento consequencial, e seu dono o está sempre colocando na linha de frente. É claro que ele pode utilizar outros bens capitais em muitos de seus momentos, mas seu corpo é o único que ele nunca pode deixar para trás. Um terceiro aspecto pertinente da condição humana trata da copresença. Uma situação social pode ser definida (em primeira ins tância) como qualquer ambiente de possibilidades de monitoração mútua que dure pelo tempo em que dois ou mais indivíduos se en contrem na presença física imediata uns dos outros, e se estende por todo o território em que tal monitoração mútua é possível.
24. Em mundos vicários ficcionais, as operações criminosas (assim como as opera ções secretas de vários agentes governamentais, estruturalmente similares) são rea lizadas face a uma longa sequência de impedimentos reais e ameaçados, e cada um deles tem uma grande probabilidade de arruinar tudo. O herói consegue sobreviver de episódio a episódio , mas apenas quebrando grosseiramente as leis da probabili dade. Entre jovens aspiantes a tais papéis, aqueles com inclinações probabilísticas devem certamente ser desencorajados sutilmente.
1 59
Por definição , as atividades de um indivíduo devem ocorrer ou em situações sociais ou solitariamente. Será que isto faz diferença para a decisividade de seus momentos? Para o tipo especial de consequencialidade com o qual estamos preocupados, o tipo decisivo que envolve a importância problemáti ca da atividade de um momento sobre o próximo , não deveria im portar se o evento está situado socialmente ou não. Afinal, nossa preocupação é com os efeitos posteriores de uma ação, e não sua condição atual. Ainda assim, a diferença entre atividades solitárias e situadas socialmente tem uma relevância especial própria. Assim como o indivíduo sempre traz seu corpo para toda oca sião de sua atividade, e também a possibilidade de uma ligação for tuita de um evento já consequente a outro que, de outra forma, seria inócuo, ele também se traz como um defensor de padrões de condu ta como competência física, honestidade, atenção, piedade e limpe za. O registro da manutenção desses padrões pelo indivíduo fornece uma base utilizada por outros para atribuir uma caracterização pes soal a ele. Posteriormente, eles empregam essa caracterização para determinar como tratá-lo - e isto é consequente. É claro que a maio ria desses padrões é mantida impensada e consistentemente por adultos; é provável que eles só percebam essas normas quando um acidente estranho ocorre ou quando , em seus anos maduros e ritu almente delicados, eles tentem pela primeira vez cavalgar, patinar, ou se engajar em outros esportes que requeiram técnicas especiais para a manutenção do aprumo físico . Em alguns casos, desvios solitários de conduta resultam num registro de danos que podem depois ser relacionados ao ofensor. Entretanto , em muitos outros casos, não se encontra tal responsabi lidade; ou os efeitos do desvio de conduta são efêmeros (como em atos gestuais de desprezo) , ou eles não podem ser relacionados a seu autor. É apenas a consciência do indivíduo que pode tornar tais ati vidades consequentes para ele, e esse tipo de consciência não se en contra em todos os lugares. Entretanto, quando a conduta ocorre numa situação social - quando , quer dizer, testemunhas estão pre sentes - então esses padrões se tornam imediatamente relevantes e introduzem algum risco , por menor que seja. 1 60
Podemos fazer um argumento similar sobre oportunidades de demonstrar qualidades pessoais excelentes . Sem nenhuma testemu nha presente, os esforços do indivíduo podem ter poucos efeitos du radouros identificáveis; quando outros estão presentes, garante-se algum tipo de registro . Então, em situações sociais, riscos e oportunidades ordinários são complicados por expressões de caracterização. A obtenção de informação através dessa caracterização se torna disponível, muitas vezes disponível demais. As situações sociais tornam-se assim opor tunidades para apresentar informações favoráveis sobre si mesmo, e também se tornam ocasiões arriscadas em que fatos desfavoráveis podem ser estabelecidos. Entre os vários tipos de obj eto com os quais o indivíduo deve li dar durante sua presença entre outras pessoas, um merece atenção especial: as próprias outras pessoas. A impressão que ele cria através de seus negócios com elas e as características que elas imputam a ele como consequência têm uma importância especial para sua reputa ção , pois aqui as testemunhas têm um interesse pessoal direto na quilo que testemunham. Especificamente, sempre que o indivíduo está na presença de outros, ele se compromete a manter uma ordem cerimonial através de rituais interpessoais. Ele é obrigado a garantir que as implicações expressivas de todos os eventos locais sej am compatíveis com o es tatuto que ele e os outros presentes possuem; isto envolve a polidez, a cortesia, e respostas punitivas a ofensas causadas pelos outros contra o eu. E a manutenção dessa ordem, seja durante o tempo li vre ou o ocupado, é mais problemática do que pode parecer à pri meira vista. Uma última palavra sobre situações sociais: a ordem cerimonial mantida pelas pessoas quando na presença imediata umas das ou tras faz mais do que garantir com que cada participante dê e receba o que merece. Através do exercício do porte apropriado , o indivíduo dá crédito e substância às próprias entidades de interação, como conversações, ajuntamentos e ocasiões sociais, e torna-se acessível e utilizável para a comunicação . Certos tipos de desvio de conduta , como a perda d o autocontrole, perturbam gravemente a usabilidade do ator na interação face a face e podem perturbar a própria intera1 61
ção . A preocupação que os outros participantes têm pela ocasião so cial, e os fins que eles esperam que sejam obtidos através dela, jun tos garantem que a propriedade do comportamento do ator receba algum peso . Eu afirmei que o indivíduo está sempre em algum tipo de perigo devido às ligações adventícias entre eventos, à vulnerabilidade de seu corpo, e à necessidade de manter as propriedades em situações sociais. Obviamente, é quando acidentes acontecem - acontecimen tos impessoais não planejados com resultados incidentais ruins que percebemos essas fontes de decisividade. Mas é preciso consi derar alguma coisa que não os acidentes. As capacidades físicas de qualquer adulto normal o equipam, se ele assim desej ar, para perturbar imensamente o mundo imediata mente ao seu redor. Ele pode destruir obj etos, a si mesmo , e outras pessoas. Ele pode se profanar, insultar e contaminar outros, e inter ferir com a movimentação livre deles. Crianças não são consideradas capazes de ignorar essas oportu nidades fáceis (e de qualquer forma elas não são desenvolvidas o bastante para aproveitá-las totalmente) e são coagidas fisicamente para não cometerem travessuras. O desenvolvimento pessoal é o processo pelo qual o indivíduo aprende a ignorar essas oportunida des voluntariamente, mesmo enquanto sua capacidade de destruir o mundo imediatamente ao seu redor aumenta. E essa privação nor malmente é aprendida tão bem, que os estudiosos da vida social não percebem as desistências sistemáticas que ocorrem rotineiramente na vida cotidiana, e o caos completo que resultaria se o indivíduo cessasse de ser um cavalheiro . Só apreciamos isto quando estuda mos detalhadamente a perturbação notável de ambientes sociais produzida por crianças hipomaníacas, j ovens vândalos, suicidas , pessoas patologicamente obcecadas por uma necessidade de auto flagelação , e sabotadores hábeis. Apesar de podermos confiar que nossos jogadores de cara ou coroa não prenderão sua respiração nem baterão suas cabeças numa parede, nem cuspirão um no outro , nem se lambuzarão com sua própria matéria fecal, sabe-se que paci entes de hospitais psiquiátricos se engaj am exatamente nesses com portamentos, demonstrando muito bem a transformação de ativida des consequenciais não problemáticas em atividades decisivas. 1 62
4. Apostas práticas
A condição humana garante que o extraordinário sempre será uma possibilidade, especialmente em situações sociais. Mas o indi víduo normalmente gerencia seu tempo e o tempo livre de forma a evitar a decisividade. Além disso , grande parte do extraordinário que realmente ocorre é tratado de modos que não nos interessam aqui. Há muitas ocasiões de decisividade não evitada que são resol vidas de forma a permitir que os participantes não percebam as chances que eles de fato estavam arriscando . (A ocorrência de tais momentos, por exemplo , quando dirigimos, é em si mesma um as sunto interessante para estudos.) E grande parte da decisividade que ocorre como consequência de eventos estranhos e improváveis é tratada retrospectivamente; o indivíduo redefine sua situação como decisiva apenas depois do fato, e apenas assim ele compreen de em que conexão a decisividade tinha que ocorrer. As decisivida des retrospectiva e não percebida são abundantes, mas elas não se rão analisadas aqui. Ainda assim, obviamente , há nichos extraordinários na vida so cial em que a atividade é tão enfaticamente problemática e canse quente que é provável que o participante se oriente prospectiva mente para a decisividade, percebendo nesses termos aquilo que está ocorrendo . É aqui que situações decisivas sofrem uma transfor mação sutil, reorganizadas cognitivamente pela pessoa que precisa passar por elas. É aqui que o esquema de referência empregado por nossos dois garotinhos é trazido para a vida séria por homens sérios. Tendo em vista a necessidade prática de seguir um curso de ação cujo sucesso é problemático e de aguardar passivamente o resultado dele, é possível que o indivíduo descubra uma alternativa, por mais custosa que seja, e então se defina como alguém que escolheu livre mente entre esta certeza indesejável e a incerteza possível. É pegar ou largar, mas isto é o bastante para permitir que a situação seja lida como uma em que a autodeterminação é central. O perigo é redefi nido como risco assumido ; as possibilidades favoráveis como opor tunidades agarradas. As situações decisivas se tornam empreendi-
1 63
mentos arriscados, e a exposição à incerteza é concebida como uma aposta prática feita voluntariamente 25 • Consideremos agora as ocupações em que enfrentamos conse quencialidade problemática e em que seria fácil definir a atividade de um indivíduo como uma aposta prática feita voluntariamente:
l ) Há papéis no comércio que são financeiramente perigo
sos ou pelo menos instáveis , sujeitando o indivíduo a ondas relativamente grandes de sucesso e fracasso a curto prazo ; entre eles temos os especuladores imobiliários e de ações , pescadores comerciais 26 , garimpeiros.
25. Os teóricos das decisões atualmente demonstram que quase qualquer situação pode ser formulada utilmente como uma matriz de desfechos englobando todos os resultados possíveis, e cada resultado é designado com um valor que por sua vez é pesado em relação à probabilidade de ocorrência. O resultado é que condutas que poderiam ser concebidas como automáticas e não problemáticas, ou como uma resposta obrigatória a exigências inflexíveis e tradicionais, podem ser remodeladas como uma decisão racional tomada voluntariamente em relação a alternativas defi nidas. Além disso , como a escolha é feita entre resultados que têm apenas uma cer ta probabilidade de ocorrer ou, se forem certos, então apenas uma certa probabili dade de serem satisfatórios, a decisão pode ser vista como um risco calculado , uma aposta prática. (Caracteristicamente, a matriz de desfechos trata da mesma forma um resultado possível cuja probabilidade é um produto da natureza, como quando uma decisão sobre uma invasão leva em consideração a probabilidade de tempo bom ou ruim em todos os pontos de desembarque possíveis, ou cujas característi cas probabilísticas foram introduzidas intencionalmente através de equipamentos para apostas, como quando uma das alternativas disponíveis envolve j ogar dados por um prêmio especificado . ) A resistência a esse tipo de formulação pode ser atri buída a uma falta de inclinação a encarar todas as escolhas que estão implicadas num ato . A aceitação dessa formulação envolve uma certa quantidade de associa ção com o diabo; aceita-se as chances, mas elas não são acariciadas. Qualquer que seja a consequência social e política dessa perspectiva da teoria das decisões, pode mos antecipar um resultado puramente cultural, a saber, uma tendência de perce ber cada vez mais a atividade humana como uma aposta prática. Podemos, como um parênteses, adicionar que a bomba atõmica pode ter um efeito um tanto similar - a transformação das ideias sobre uma sociedade futura em ideias sobre as chances de haver uma sociedade futura, chances estas que variam a cada mês. 26. Cf. BARTH, F. "Models o f Social Organization" . Royal Antltropological lnstitute Occasional Paper, 23, 1 966, p. 6. Glasgow: The University Press. 1 64
2) Há papéis na indústria que são fisicamente perigosos: mi neração, trabalho em construções grandes27 , pilotos de testes, tapadores de poços. 3) Há os empregos de "promoção" [ hustling] em empresas co merciais nas quais vendedores e promotores trabalham por comissões ou por contratos sob condições de competição acirrada. Aqui a renda e o prestígio podem ser ganhos e perdi dos rapidamente devido a pequenas contingências traiçoei ras: uma falta de esforço temporária, o clima, o humor passa geiro de um comprador.
4) Há empregos de performance ocupados por políticos, ato
res, e outros artistas ao vivo que, durante cada aparição no palco , precisam trabalhar para ganhar e manter uma plateia sob condições em que muitas contingências podem estragar o espetáculo e colocar a reputação do showman em perigo . Aqui, também, qualquer falta de esforço e qualquer pequeno acidente podem facilmente ter consequências sérias. 5) Há a vocação do soldado 28 e a do policial - posições na vida pública que se encaixam fora das categorias de tr�balho nor mais, e fazem o encarregado ser oficialmente responsável por sofrer perigo físico nas mãos de pessoas que pretendem cau sar isto . O fato de que essas vocações são classificadas fora das posições civis parece reforçar a noção de autodeterminação. 6) Há a vida criminosa, especialmente das variedades menores de não extorsão, que oferece oportunidades consideráveis, mas contínua e renovadamente suj eita o indivíduo a contingên cias terríveis - perigo físico, o risco de perder a posição civil, e flutuações amplas em relação ao pão de cada dia 29 . "Ganhar a
27.
Uma descrição recente é TALESE, G. The Bridge. Nova York: Harper & Row, 1 965.
28. Que compreende, é claro , um dilema interessante: na batalha, é preciso manter uma tradição de honra e de assumir riscos, mas atrás das linhas a organização ne cessita de homens firmes em uniformes de flanela cinza. Cf. JANOWITZ, M. The Professional Soldier. Nova York: The Free Press, 1 960, p. 35-36.
Um retrato autobiográfico útil da sorte envolvida continuamente na vida de um trombadinha de favela especializado em assaltos pode ser encontrado em WlL LIAMSON, H. Hustler! Nova York: Doubleday, 1965. Cf. tb. BROWN , C. Manchild in the Promised Land. Nova York: Macmillan, 1965, para a versão do Harlem. 29.
1 65
vida" nas ruas requer uma orientação constante a oportuni dades imprevisíveis e uma prontidão para tomar decisões rá pidas em relação ao valor esperado de planos propostos - e todos eles suj eitam o indivíduo a grandes incertezas. Como já foi visto, chegar e sair da cena de um crime sujeita os participan tes ao jogo decisivo daquilo que normalmente seriam pequenos incidentes. 7) Uma outra fonte de decisividade pode ser encontrada em arenas, em esportes profissionais cuj os atletas colocam di nheiro , reputação e segurança física em risco ao mesmo tem po: o futebol, o boxe e touradas são exemplos. A vocação de Stirling Moss também o é: [ . . ] o automobilismo e m seu maior nível, na companhia mais rápida e competitiva, dirigindo em grandes prêmios, é o esporte mais perigoso do mundo . É uma das atividades humanas mais arriscadas. O automobilismo mata homens. Em um ano recente a taxa de mortalidade foi de vinte e cinco por cento , ou um em cada quatro. Isto pode ser comparado com as taxas de mortali dades citadas para pilotos de caças e soldados paraquedistas30 • .
8) Finalmente, há os esportes recreativos sem espectadores que estão cheios de riscos: alpinismo , caça de grandes ani mais, mergulho sem equipamento , paraquedismo , surfe, tre nós, exploração de cavernas. 5 . Adap tações
Momentos não extraordinários foram definidos como momen tos que não são consequencialmente problemáticos. Eles tendem a ser monótonos e não estimulantes. (Quando sentimos ansiedade durante tais momentos, isto ocorre por momentos extraordinários que estão prestes a acorrer. ) Mas há muitas boas razões para consi derarmos confortável esse caráter não extraordinário e desej á-lo , privando-nos voluntariamente de apostas práticas com seus riscos e oportunidades - estas simplesmente porque muitas vezes estão relacionadas ao risco . Isto é uma questão de segurança. Em situa-
30. MOSS, S. &: PURDY,
1 66
K. Ali but My Life. Nova York: Bantarn, 1 964,
p. 10.
ções não extraordinárias , podemos administrar cursos de ação com confiança e atingir nossos obj e tivos progressiva e previsivel mente. Através dessa autoadministração , o indivíduo permite que outras pessoas o incluam em seus próprios planos de forma orde nada e efetiva. Quanto menos incerta for sua vida , mais a socieda de pode aproveitá-lo . É compreensível , então, que o indivíduo faça esforços realistas para minimizar o caráter extraordinário - a deci sividade - de seus momentos, e que ele sej a encoraj ado a fazê-los. 31 Ele utiliza suportes • Uma técnica básica é o cuidado físico. O indivíduo se comporta de forma a minimizar o perigo remoto de danos acidentais a seu cor po . Ele não inclina demais a cadeira, nem devaneia ao atravessar um cruzamento movimentado 32 • Atividades desimportantes fazem as mesmas exigências que atividades obrigadas e sérias tanto quanto ao problema de exercer cuidado físico quanto sobre a necessidade de fazer isto. Sempre é preciso exercer algum cuidado . Tomar cuida do é uma condição constante do ser. Por isso , o cuidado é uma das preocupações centrais que os pais, em todas as sociedades, devem inculcar em seus filhos33 - a injunção de "tomar cuidado" e não se envolver desnecessariamente em decisividades evitáveis. Outro meio de controlar a decisividade, que é quase tão empre gado quanto o cuidado físico, é às vezes chamado de providência: uma orientação incrementai a objetivos de longo alcance expressa através de atos que têm consequências aditivas de longo prazo mui to pequenas. O trabalho de investir na poupança é um exemplo; a aquisição de estabilidade num emprego e a obtenção de promoções através da aquisição gradual de treinamento são outros. Criar uma
3 1 . "Copings " no original. "Coping mechanism" ou "coping behavior" são termos usados para se referir aos artifícios, ou suportes, empregados pelos seres humanos para lidar com situações difíceis [ N . T. ] . 32. Obviamente, grande parte desse cuidado é inserido no ambiente através do pla nejamento de segurança. Cadeiras são construídas de forma a limitar a possibilidade de quebra, bancos de forma a limitar a possibilidade de que virem, etc. Até os carros estão começando a ser planejados de forma a minimizar ferimentos possíveis. 33. Sugerido por Edward Gross. 1 67
família grande talvez possa ser incluído . A questão importante aqui é que o esforço de qualquer dia em particular, por envolver um in cremento bastante pequeno, pode ser sacrificado sem ameaçar mui to o conjunto . Esta é a solução calvinista para a vida: quando o indi víduo divide as atividades dos seus dias em atividades que não têm nenhum efeito e atividades que têm uma consequência contributiva muito pequena, nada pode realmente dar errado. Outro meio padrão de se proteger contra a decisividade são os seguros de qualquer forma, como quando compramos velas e fusí veis extras para nosso lar, motoristas compram pneus extras, e adul tos compram planos de saúde. Dessa forma, o custo de problemas possíveis pode ser espalhado facilmente através de todo o curso da vida de um indivíduo, uma " conversão de uma perda contingente maior numa taxa menor fixa" 34 • Os sistemas de cortesia e etiqueta também podem ser vistos como formas de seguro contra decisividades indesej adas, desta vez ligados a ofensas pessoais que um indivíduo pode inadvertidamente causar a outros. A administração segura da interação face a face de pende particularmente desse tipo de controle.
É bom notar que a disponibilidade e aprovação dessas medidas
de redução de risco criam uma nova contingência, uma nova base para a ansiedade. Quando um evento desfavorável ocorre durante um momento que não deveria ser extraordinário , e o evento ultra passa a fronteira do momento e contamina partes da vida futura do indivíduo , ele enfrenta uma perda dupla: a perda inicial em questão, e a perda adicional de aparecer a si mesmo e aos outros como al guém que não conseguiu exercer o tipo de controle inteligente, o tipo de "cuidado" , que permite a pessoas razoáveis minimizar peri gos e evitar remorsos. Esses, então , são alguns dos meios - em grande parte de evita ção - que o indivíduo realisticamente utiliza como suportes para li dar com situações de decisividade. Precisamos agora tratar de uma questão diferente, mas que é facilmente confundida com esta - o comportamento defensivo .
34.
1 68
KNIGHT, F. Risk, Uncertainty and Profit. Op. cit., p. 246.
Atividades decisivas previstas criam ansiedade e excitação . Isto está implícito na noção de que é provável que a utilidade daquilo que é apostado seja bem diferente da utilidade de apostá-lo . E tam bém, como sugerido , o indivíduo muitas vezes sente remorsos quando algo indesej ado acontece cuja chance de ocorrer ele não conseguiu reduzir, e desapontamento quando algo desejável não acontece e cuj a ocorrência ele poderia ter garantido . Qualquer prá tica que administre a resposta emocional associada com a decisivi dade - emoções como ansiedade, remorso e desapontamento - pode ser chamada de uma defesa35 • Quando passamos da consideração da administração da decisi vidade para a administração de um estado emocional associado a ela, precisamos revisar novamente as fases de uma j ogada. Pois com efeito há situações em que respondemos a fases objetivamente in consequentes de uma j ogada com uma sensação de que elas são de cisivas. Nosso indivíduo, prestes a abrir uma carta com os resulta dos de um exame, pode se sentir excitado e ansioso a ponto de se en gajar em pequenos rituais de expiação e controle antes de pousar seus olhos sobre a notícia terrível. Ou , quando a enfermeira se apro xima dele com informações sobre o estado de sua esposa e o sexo de seu bebê, ele pode sentir que o momento é decisivo; como ocorreria quando a equipe do hospital volta com notícias obtidas de uma biópsia realizada nele para avaliar se um tumor é benigno ou malig no. Mas deve estar claro que esses momentos não são realmente de cisivos , e sim apenas de revelação . Em cada um desses casos o desti no do indivíduo já foi determinado antes dele entrar na situação de obtenção de notícias; ele é simplesmente informado sobre aquilo que já está ocorrendo, sobre algo que, nesse momento, ele não pode fazer nada a respeito . Abrir uma carta ou analisar uma amostra de
35. A distinção entre suporte e defesa foi emprestada de MECHANIC, D. Students under Stress. Nova York: The Free Press, 1 962, p. 5 1 . Uma distinção um tanto se
melhante é empregada por ANDERSON, B. "Bereavement as a Subj ect of Cross Cultural Inquiry: An American Sample" . Anthropology Quarterly, XXXVIII, 1965, p . 1 9 5 : "O comportamento direcionado à pressão é orientado para remover, resol ver ou aliviar as próprias circunstâncias invasoras; o comportamento direcionado à tensão para aplacar o desconforto físico ou psicológico que é produzido por esses acontecimentos" . 1 69
biópsia não podem gerar nem determinar uma condição , apenas re velar o que já foi gerado 36 • Assim como revelações podem criar a excitação e preocupação sobre um destino sendo gerado , isto também ocorre com assenta mentos, ou seja, ocasiões em que questões cruciais que já foram de terminadas de uma certa forma são finalmente executadas. Assim, na Europa moderna, os últimos passos de um condenado não eram decisivos , mesmo que cada passo o tenha trazido mais perto da mor te; sua execução era meramente dramática, e o julgamento era real mente decisivo . No século XVIII, quando muitas sentenças de mor te eram aprovadas e a maioria delas comutadas, o julgamento não era tão decisivo quanto o período que se seguia a ele. Obviamente, nos dias de hoj e , com sua agitação contra a pena capital, o período pós-julgamento se tornou novamente bastante decisivo . Podemos agora voltar a tratar de defesas , ainda que de modo passageiro, para relacionar um tópico muito discutido com o assun to deste artigo. O tipo mais óbvio de defesa talvez sej a aquele que não tem ne nhum efeito objetivo no destino, como no caso de superstições ritu ais. O comportamento considerado verdadeiro sobre boxeadores servirá como exemplo: Já que a maioria dos embates é imprevisível, os boxeadores normalmente têm superstições que servem para criar confi ança e segurança emocional entre eles. Às vezes o empresá rio ou treinador usa essas superstições para controlar o luta dor. Um lutador acreditava que, se comesse certos alimen tos, ele certamente venceria porque esses alimentos lhe da vam força. Outros insistem em vestir o mesmo roupão com que venceram sua primeira luta; um deles usava um coberÉ claro que quando o destino não é uma questão de vida ou morte imediata, a mera informação sobre aquilo que ocorreu pode iniciar o trabalho de ajuste aos da nos, de modo que não conseguir aprender agora sobre uma perda eventual pode ser decisivo em si mesmo. Aqui, a revelação do destino não pode causar aquilo que é revelado , mas pode causar o momento de esforços reconstitutivos. Da mesma for ma, se a rapidez da resposta do indivíduo à situação tem importãncia estratégica em sua competição com outras partes, então o momento de sua descoberta sobre o resultado pode ser decisivo, mesmo que a revelação do resultado não possa influ enciar esse resultado em particular. 36.
1 70
tor indígena para entrar no ringue. Muitos têm amuletos, ou consideram importante entrar no ringue depois do ad versário [ . .. ] Alguns insistem que, se uma mulher observar seu treinamento, isso traz azar. Um boxeador, para mostrar que não era supersticioso, passava debaixo de uma escada antes de cada luta até isto se tornar um rito mágico em si mesmo. De forma consistente com esta atitude, muitos in tensificam suas atitudes religiosas e têm Bíblias em seus ar mários. Um lutador tinha um rosário dentro de sua luva. Se ele perdesse o rosário, ele passava a manhã antes da luta na igreja. Apesar de essa atitude supersticiosa poder ser impor tada da cultura local ou étnica, ela é intensificada entre os próprios boxeadores, sejam eles brancos ou negros, lutado res de preliminares ou campeões3 7 •
Apostadores exibem superstições similares, ainda que menos religiosas38 . Claramente, é provável que qualquer prática realista com o ob jetivo de evitar ou reduzir o risco - qualquer suporte - terá o efeito colateral de reduzir a ansiedade e o remorso ; para resumir, é prová vel que ela tenha efeitos defensivos. Uma pessoa que friamente re corre a uma matriz de teoria dos j ogos quando enfrenta uma decisão vital está reduzindo um risco doloroso a um risco calculado. Seu es quema mental lhe traz paz de espírito . Como um cirurgião compe tente, ele pode sentir que está fazendo tudo que é possível fazer e , por isso , pode aguardar o resultado sem angústia o u recriminação . Da mesma forma, uma apreciação clara da diferença entre a fase de determinação de uma jogada e a revelação e assentamento dela pode ajudar o indivíduo a lidar com a ansiedade produzida na duração da atividade; tais distinções podem ter funções defensivas. Não surpreende, então, que, quando não se encontra imediata mente uma base causal para descontar o caráter determinado da si tuação, ela pode ser procurada; e quando ela não pode ser encontra3 7. WEINBERG , K. & AROND, H. "The Occupational Culture o f the Boxer" . Ame
rican ]oumal of Sociology, LXVIII, 1952, p. 463ss. 38. Na sociedade moderna, tais práticas tendem a ser empregadas apenas com uma ambivalência considerável e sem dúvida estão em grande declínio. Para a mudança da situação a respeito de um grupo tradicionalmente supersticioso, pescadores comerciais, cf. TUNSTALL, ). The Fishennen. Londres: Macgibbon & Kee, 1962, p. 168- 1 70.
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da, é imaginada. Assim, por exemplo, vemos que eventos determi nados localmente podem ser interpretados como a consequência de determinações anteriores. Encontramos uma versão desse "deter minismo defensivo" na crença no destino , na predestinação e em kismet - a noção de que os principais resultados de nossas vidas j á estão escritos, e não h á nada que possamos fazer para melhorar ou piorar nossas chances. A máxima do soldado é um exemplo : " eu não morrerei até chegar a minha hora, então para que me preocupar? " 3Q Assim como a causalidade pode ser procurada fora da situação, ela também pode ser procurada em forças locais que servem da mes ma forma para aliviar nosso senso de responsabilidade. Está envol vido aqui um tipo de bode expiatório , relacionado à função de alojar a eficácia causal naquilo que é visto como as partes duradouras e au tõnomas da personalidade de um indivíduo , transformando assim um evento decisivo em algo que "já se esperava" . Ao sofrer um aci dente devido à falta de cuidado, o indivíduo pode dizer: "eu sou as sim mesmo; faço isso o tempo todo " . Quando está prestes a realizar um exame crucial, o indivíduo pode se tranquilizar dizendo a si mesmo que o exame será justo, e que por isso tudo depende do tra balho que ele realizou ou não como preparação. Além disso, a crença na sorte pura pode proteger o indivíduo do remorso de saber que algo poderia e deveria ter sido feito para se prote ger. Aqui temos a posição oposta ao determinismo defensivo - um tipo de indeterminismo defensivo -, mas as consequências são bastante si milares. "Não é culpa de ninguém" , o indivíduo diz. "Foi só azar" 40 .
39. Cf. a discussão sobre o destino de W. Miller em "Lower Class Culture as a Ge nerating Milieu of Gang Delinquency" . ]ournal oJSocial Issues, XIV, 1 958, p. 1 1 - 1 2 . A s raízes religiosas obviamente são encontradas em joão Calvino e n o puritanismo ascético.
40. Um exemplo é citado em COHEN , j . Behaviour in Uncertainty. Op. cit . , p. 147: "A possibilidade de se apoiar na 'sorte' pode ser um grande conforto em outras cir cunstâncias. Em 1 962, as universidades britânicas rejeitaram cerca de 20.000 ins crições. A maior parte dessas pessoas reconciliou essa rej eição com seu orgulho di zendo que a oferta de uma vaga na universidade depende tanto de sorte quanto de mérito . Descreve-se os rej eitados como gente que 'envia inscrições como um apos tador coloca moedas numa máquina de caça-níqueis, certos de que o grande prê mio um dia chegará'" . 1 72
Obviamente , então, uma afirmação tradicional de suporte e defesa pode ser aplicada em relação à decisividade. Mas isto negli gencia um fato mais amplo sobre a adaptação a encarar chances. Quando examinamos de perto a adaptação à vida realizada por pessoas cuj a situação é constantemente decisiva , digamos, aposta dores profissionais ou soldados da linha de frente, descobrimos que a percepção das consequências envolvidas acaba sendo amor tecida de forma especial. O mundo que é apostado é, afinal, apenas um mundo , e o apostador pode aprender a se desfazer dele. Ele pode se ajustar aos altos e baixos de seu bem-estar descontando sua relação anterior ao mundo e aceitando uma relação arriscada com aquilo que os outros têm segurança de ter. As perspectivas pa recem ser inerentemente normalizadoras: quando as condições são encaradas totalmente, podemos construir uma vida a partir de las , e quando isto ocorre de baixo para cima , são os altos , e não os baixos, que são vistos como temporários. 6. Ação
Apesar de ser possível lidar com todos os tipos de decisividade através de suportes e defesas, ela não pode ser evitada completa mente. E, o que é mais importante, existem, como sugerido , algu mas atividades cuja decisividade é realmente apreciável se combi narmos a quantidade arriscada, a taxa de chances, e o caráter pro blemático do resultado. É aqui, obviamente, que o indivíduo prova velmente perceberá a situação como a entrada numa aposta prática arriscar voluntariamente chances sérias. Tendo em vista as reivindicações de obrigações mais amplas que comprometem alguns indivíduos com aquilo que eles podem perceber como empreendimentos arriscados, às vezes a necessidade é transformada em virtude. Isto é outro ajuste defensivo à decisivi dade. Aqueles com deveres decisivos às vezes se consideram ho mens de respeito próprio que não têm medo de se colocar na linha de frente. Em todos os encontros (afirmam eles) estão prontos para colocar seu bem-estar e reputação em perigo , transformando en contros em confrontos. Eles têm um desprezo mais ou menos secre to por aqueles com empregos seguros e confiáveis que nunca preci sam encarar testes reais de si mesmos. Eles afirmam que não apenas 1 73
estão dispostos a permanecer em empregos cheios de oportunida des e riscos, mas que buscaram esse ambiente deliberadamente, re cusando-se a aceitar alternativas seguras, sendo capazes, dispostos e até inclinados a viver no desafio 41 • Dizem que ladrões e batedores de carteiras talentosos, cuja ha bilidade sempre é exercida sob pressão , desprezam pequenos trom badinhas, pois a única arte de que estes precisam para sua vocação é uma certa malícia indigna42 • Os criminosos também podem depreci ar compradores de obj etos roubados como "ladrões sem coragem" 43 • Da mesma forma, carteadores de cassinos de Nevada podem come çar seus turnos sabendo que são eles que precisam encarar as inten ções duras dos j ogadores de ganhar, e ficar friamente no caminho deles, bloqueando consistentemente a habilidade, a sorte e as trapa ças para não perderem a reputação precária que têm com os geren tes. Tendo que enfrentar essas contingências todos os dias, eles se sentem separados dos funcionários dos cassinos que não estão na li nha de tiro . Em alguns cassinos há carteadores especiais que são trazidos para um jogo para ajudar a natureza a corrigir as séries custosas de boa sorte que os j ogadores ocasionalmente experimentam, ou para remover a incerteza que o supervisor [pit boss] pode sentir quando um grande apostado r começa a j ogar seriamente. Esses carteadores praticam artes que exigem delicadeza, velocidade e concentração , e o trabalho pode facilmente ser estragado visivelmente. Além do
4 1 . E. Hemingway (Death in the Aftemoon. Nova York: Scribners, 1 932, p. 1 0 1 ) su gere que homens dessa estirpe, com pouca inclinação a fazer cálculos precisos, têm sua própria doença: "a sífilis foi a doença dos cruzados na Idade Média. Suposta mente ela foi trazida para a Europa por eles, e esta é uma doença de todas as pessoas que levam vidas em que predomina o desprezo pelas consequências. Ela é um aci dente industrial, esperado de todos aqueles que vivem vidas sexuais irregulares e em cujos hábitos mentais preferem se arriscar a usar profiláticos, e é um fim, ou fase, a ser esperado por todos os fornicadores que levam suas carreiras longe de mais". A penicilina enfraqueceu esse caminho para a hombridade. 42 . SHAW, C. "juvenile Delinquency - A Group Tradition" . Bulletin of the State University of lowa, 23 , n . 700, 1 933, p. 10, apud CLOWARD , R. & OHLIN, L De linquency and Opportunity. Nova York: The Free Press, 1 960, p. 1 70. 43 . BLACK, S. "Burglary" , li. The New Yorker, 1 4/1 2/1 963 , p . 1 1 7. 1 74
mais, é provável que o j ogador nesse momento esteja profundamen te comprometido e procurando aberta e até beligerantemente num campo pequeno as provas que têm que estar lá. Os "mecânicos" de dados e cartas habilidosos compreensivelmente desenvolvem des prezo não apenas por não carteadores, mas também por meros carte adores44 • Os pequenos pescadores que eu conheci nas Ilhas Shetland tinham um sentimento parecido; durante cada uma das cinco ou seis j ornadas de um dia de pescaria, eles se sujeitavam a uma aposta séria por causa da variabilidade extrema da pesca45 • Espiar a rede quando o guincho a trazia para fora d'água com seus peixes era uma emoção, e aqueles que a experimentavam sabiam que era algo que seus colegas da ilha não eram homens o bastante para querer supor tar regularmente. É interessante notar que Sir Edmund Hillary46 , ' que veio a praticar uma vocação realmente arriscada, nos deu a se guinte opinião sobre o trabalho que sustentava a ele e seu pai, a sa ber, a apicultura: Era uma vida boa - uma vida de ar puro e sol e trabalho fí sico duro . E, numa maneira singular, era uma vida de in certezas e aventura ; uma luta constante contra os capri chos do clima e uma correria louca quando todas as nos sas 1 .600 colmeias decidiam enxamear ao mesmo tempo. Nós nunca sabíamos como seria nossa safra até extrair o último quilo de mel das colmeias. Mas durante todos os meses excitantes do fluxo de mel, o sonho de uma safra excepcional nos motivava durante as horas longas e du ras de trabalho. Eu acho que éramos otimistas incuráveis. E durante o inverno eu muitas vezes perambulava por nossas lindas colinas cobertas de arbustos e aprendia um
44. Com alguma reverência, carteadores citam como um modelo de referência os "mecânicos" de vinte-e-um em Nova York que trabalhavam ao lado do antro da máfia Murder Inco rporated, e diariamente jogavam com clientes que provavelmente seriam visivelmente intolerantes de qualquer carteador que fosse apanhado trapa ceando . Certamente, aqueles que eram capazes de sobreviver a tal ocupação devem ter se sentido homens de aprumo considerável, à altura de qualquer outra pessoa imaginável nesse departamento . 45. Estudo de Campo, 1949- 1 950. 46. Líder da primeira expedição a chegar ao topo do Monte Everest [N. T . ] . 1 75
pouco sobre confiar em mim mesmo, e sentia as primei ras agitações leves do interesse pelo desconhecido47 •
Quando nos deparamos com essas posições podemos suspeitar que elas estão tentando adoçar coisas ruins - elas seriam mais uma questão de racionalizações do que de descrições realistas. (É como se a ilusão da autodeterminação fosse o pagamento que a sociedade dá aos indivíduos em troca de sua disposição a realizar trabalhos que os expõem ao risco. ) Afinal, mesmo com papéis ocupacionais arriscados, a escolha ocorre principalmente no momento em que o papel é aceito , e outros mais seguros são descartados; quando o in divíduo se compromete com um nicho particular, é mais provável que o fato de ele ter que encarar aquilo que ocorre lá expresse coer ções firmes do que redecisões diárias. Aqui o indivíduo não pode es colher abandonar as apostas na sorte sem consequências sérias para sua posição ocupacional48 • Entretanto , há atividades decisivas que são definidas socialmen te como aquelas em que um indivíduo não está sob nenhuma obri gação de continuar a desempenhar depois de começar a fazê-lo . Ne nhum fator extrínseco o compele a encarar o destino em primeiro lugar; nenhum objetivo intrínseco dá razões úteis para sua partici pação continuada. Sua atividade é definida como um fim em si mes mo , procurada, aceita e completamente sua. Seu registro durante a performance pode ser reivindicado como a razão pela participação, sendo assim uma expressão direta e irrestrita de sua composição verdadeira e uma base justa para a reputação . Com o termo ação eu me refiro a atividades que são consequen tes, problemáticas e realizadas por aquilo que é considerado seu
47. HILLARY, E.
Hígh Adventure. Nova York: Dutton, 1955, p. 14.
4 8 . Dean MacCannell sugeriu que há pessoas que apostam os próprios empregos,
como quando um vigia noturno arrisca ir ao cinema durante seu turno e gosta da aposta tanto quanto do filme. Entretanto, esses empregos são caracteristicamente "meros" empregos, ocupados e abandonados rapidamente por pessoas que não são especificamente qualificadas para eles e que não são qualificadas para nada melhor. Quando esses trabalhos são sujeitos a uma supervisão apenas errática, podem ocor rer as apostas com o emprego. 1 76
próprio bem. O grau de ação - sua seriedade ou realidade [ realness] depende do quão completamente essas propriedades são enfatiza das e está suj eito às mesmas ambiguidades relacionadas à mensura ção do que aquelas descritas no caso das chances. A ação parece ser mais marcada quando as quatro fases da j ogada - preparação , deter minação , exposição e assentamento - ocorrem num período de tem po breve o bastante para estar contido num feixe de atenção e expe riência contínuo. É aqui que o indivíduo se liberta para o momento passageiro , apostando seu estado futuro naquilo que transpira pre cariamente nos segundos que virão. Em tais momentos, é provável que um estado emocional especial seja despertado, emergindo trans formado em excitação. O local da ação pode mudar fácil e rapidamente, como qualquer jogo de dados flutuante prova; na verdade, se uma briga de facas co meçar ao lado de uma mesa de dados, a ação pode mudar de local enquanto muda de tipo, e ainda assim os participantes aplicarão a mesma palavra, como se a ação numa situação fosse por definição a ação mais séria naquela situação no momento , indepençlentemente de seu conteúdo 49 • Ao fazer a pergunta famosa: "Onde está a ação ? " , u m indivíduo pode estar mais preocupado com a intensidade da ação que encontra do que com o seu tipo . Quem quer que participe na ação o faz em duas capacidades bastante distintas: como alguém que arrisca ou aposta algo valio so, e como alguém que precisa realizar quaisquer atividades que sejam exigidas. Nesta última capacidade , o indivíduo normalmen te precisa estar sozinho 50 , arriscando sua reputação de competên-
49. Assim, N. Polsky ("The Hustler" .
Social Problems, XII, 1964, p. 5-6) sugere que um jogo de sinuca entre jogadores habilidosos por uma aposta pequena ficará em segundo lugar em relação a um jogo entre jogadores menos hábeis que estão apos tando quantias m >'.iores.
50. A capacidadr de realizar tende a ser imputada ao indivíduo, mas há situações, como molestair ntos de gangues, em que essa capacidade claramente é derivada dos reforços visívei , que ele pode invocar prontamente. Além disso, há algumas situa ções cuja ação surge porque um conjunto de atores se comprometeu a realizar atos intricadamente coordenados - como em alguns roubos recentes. O próprio cálculo das interdependências face a várias contingências se toma uma fonte de ação.
1 77
j ogos " ' . Mas na primeira capacidade ele pode facilmente compartilhar sua aposta com outras pessoas ou mesmo deixá-las " ficar" com ela totalmente . A ação , então , normalmente é algo do qual podemos ter um "pedaço" ; o realizador da ação tipicamente é um único indivíduo , mas o grupo que ele representa pode conter uma escalação de membros comprometidos conjuntamente que va ria rapidamente. Entretanto, para a análise, é conveniente focar no caso em que o realizador fica com sua ação inteira, e não pega a de mais ninguém. da
em
É claro que foi no mundo dos j ogos de azar que o termo "ação" começou enquanto gíria, e o jogo de azar é o protótipo da ação. Nos cassinos de Nevada podemos encontrar os seguintes usos: "ação de dólar" , refere-se a pequenos apostadores e seus efeitos na renda do dia; e "ação boa [ ou real, ou grande] " refere-se a rendas maiores. Diz-se que carteadores que são intimidados por grandes apostado res são incapazes de "dar cartas para a ação " , enquanto carteadores frios são " capazes de lidar com a ação " . Naturalmente, carteadores novatos são "retirados da ação" e, quando as apostas se tomam grandes e variadas numa mesa de craps, o melhor dos apostadores próximos ao carteador pode ser "colocado ao lado da ação " . Dizem que cassinos que tentam evitar j ogos de limites altos "não querem a ação" . Um grande apostador conhecido por "deixar" muito dinhei ro pode ser recebido calorosamente num cassino porque "gostamos da ação dele" . Supervisores, sempre preocupados em mostrar que de alguma forma merecem o seu salário, "ficam de olho na ação" a uma distância segura. Um trapaceiro conhecido , ou alguém capaz de "contar cartas" em vinte-e-um, pode ser ordenado a deixar o cas sino permanentemente com a frase "não queremos a sua ação" . ] o gadores indecisos "atrasam a ação " , e aquele que não consegue co brir tudo aquilo que é considerado uma boa aposta pode fazer com que outro j ogador pergunte se ele pode "aguentar o resto da ação " . 5 1 . É bastante possível que u m indivíduo esteja mais preocupado com sua reputa ção como um realizador do que com o valor objetivo do bolo em j ogo. Por exem plo , carteadores de cassino, especialmente no começo da carreira, podem achar mais difícil dar as cartas para uma grande aposta durante seu turno do que adminis trar uma aposta do mesmo tamanho como um cliente depois do trabalho.
1 78
Gerentes de cassino merecedores podem ser recompensados "rece bendo um pedaço da ação" , ou seja, uma parte da propriedade ( "pontos" ) . É provável que em cassinos com apenas um aglomerado de mesas (um "buraco" [ "pit" ] ) exista uma mesa que , devido à sua localização ou apostas máximas especiais, seja chamada de "mesa da ação " , assim como em cassinos grandes existe aquilo que é cha mado "buraco de ação" com apostas mínimas altas52 • Apesar de a ação ser independente do tipo e relacionada com a quantidade, esta, por si mesma, não pode ser tomada como um sim ples produto do tamanho de cada aposta pelo número de jogadores apostando. Isto fica muito claro no craps. Uma mesa cujo único joga dor está fazendo apostas de cem dólares pode ser vista como tendo mais ação do que outra mesa cujos vinte j ogadores estão fazendo apostas de cinco e dez dólares. Uma mesa "entupida" de jogadores fa zendo muitos tipos diferentes de apostas pode ser vista como tendo mais ação do que outra mesa em que dez jogadores estão apostando um agregado maior através de apostas simples. Similarmente, dizer que um carteador pode "cuidar da ação" pode significar ou que ele pode dar as cartas friamente para um apostador muito grande, ou que ele pode dar as cartas veloz e precisamente quando é necessário fazer rapidamente um grande número de cálculos e desfechos. Outro aspecto do uso do apostador do termo "ação" surge do fato de que a ação e as chances que ela envolve podem constituir a fonte do ganha-pão diário do apostador. Assim, quando ele pergun ta onde a ação está, ele não está meramente procurando situações de ação , mas também situações em que ele pode praticar sua ocupação . Algo semelhante é encontrado na concepção do ladrão e da prosti tuta de onde a ação está - a saber, onde os riscos para se ganhar a vida estão disponíveis atual e amplamente 53 • Aqui, comprimida or-
52. Da mesma forma, N. Polsky ( "The Hustler" . Op. cit. , p. 5) relata que certos sa lões de sinuca são identificados nacionalmente como "salas de ação", e dentro de um salão haverá uma ou duas mesas reservadas informalmente para a ação . 53. Sugerido por BECKER, H. The Dictionary of American Underworld Língo. Nova York: Twayne, 1 950 (org. por GOLDIN , H . ; O'LEARY, F . &: LIPSIUS, M . ) . Define ação como: Atividade criminal. "Aparece hoje à noite, Joe, tem ação - um j ogo (roubo) no Brooklyn" . 1 79
gu lhosamente em uma palavra, temos uma reivindicação de uma re lação muito especial com o mundo do trabalho . Sem dúvida foram os apostadores que aplicaram em primeiro lugar seu termo a situações fora de jogos de azar, iniciando assim uma difusão de uso que não apostadores recentemente estenderam ainda mais. Mas quase sempre o uso parece apropriado. Subjacente à diversidade aparente de conteúdo está uma única propriedade analítica que pode ser sentida com certeza por pessoas que poderi am ser incapazes de definir com precisão aquilo que sentem. Não há lugar melhor para ver essa difusão de uso do que a pro moção recente da ação em nossa mídia de massa. Na verdade, con tribuintes da mídia recentemente ajudaram a esclarecer o significa do interno do termo e a mostrar sua aplicabilidade a novos conjun tos de situações , dando uma ênfase especial à cultura popular atual. Assim, um anúncio de jornal para o "Dia dos Adolescentes" no Whiskey à Go Go (sem álcool, música ao vivo) , declara: Dance a música Big Beat do Whiskey à Go Go original WHISKEY À GO GO, ONDE A AÇÃO ESTÁ ! 54
Herb Caen, reportando sobre acontecimentos na Baía Leste, afirma que : O Sr. Larry Lawrence, pres. d o Hotel del Coronado , e o acionista Al Schwabacher jr. se encontraram na Cabana P'Alto outro dia, e é por isso que há um boato por aí di zendo que Al pode comprar um pedaço da ação histórica do Coronado 55 •
Caen também escreve: Você sabe onde a ação está nas noites? Em Oakland, é lá que ela está. Ou pelo menos foi o que pareceu ontem, num bar de strip-tease na Praça jack London, onde o pre feito de Oakland, john Houlihan, e o milionário Bemie Murray se envolveram num empurra-empurra que termi-
54. San Francisco Chronicle, 07/08/1965. 5 5 . Ibid. , 22/07/1965. Herb Caen foi um famoso j ornalista americano , conhecido, entre outras coisas, por popularizar os termos beatnik e hippie [N .T. ] . 1 80
nou com Sua Excelência caído de bunda no meio da pista de dança - com as dançarinas dançando o Jrug'6 sobre e [ ao redor de sua figura deitada ] "5 7 . . .
O Las Vegas Sun, sob uma foto da competição , relata : AÇÃO DE BRIDGE - espectadoras assistem com atenção a especialistas em bridge competindo no Hotel Riviera58 •
Durante outro torneio , uma chamada de coluna no Sun afirma: Ação de Gin59 vai para a segunda rodada60 •
E o colunista do mesmo j ornal relata: A dança sexy de Shirley jones do filme Elmer Gantry no Flamingo hoje em dia é a ação mais explosiva desde juliet [ Prowse . . ] 6 1 • .
Uma chamada de capa da revista Newsweek: SINATRA : Onde a ação está62•
Um anúncio colorido na revista Look: 7-UP [ ] ONDE TEM AÇÃO ! Seven-up é a bebida natu [ ral para a turma da ação ! Ela tem a faísca que dança . . ] e [ a ação que manda a sede embora. Procure isso. 7-UP . ] onde tem ação ! 63 . . .
.
. .
E um anúncio na revista Califomia Living, mostrando uma garo ta passando batom, e sugerindo que "a boca de uma garota está sem pre se movendo" , tem como título : Onde a ação da beleza está 64•
56. Tipo de dança parecido com o twist, em moda por um breve período nos anos 1 960 [N.T. ] . 5 7 . San Francisco Chronicle, 24/09/1965. 58. Las Vegas Sun, 1 0/02/1965. 59.Jogo de cartas americano semelhante ao buraco [ N . T. ] . 60.
Las Vegas Sun, 04/12/1965.
61.
Ibid. , 20/04/1965.
Newsweek, 06/09/1 965 . 63. Look, 24/08/1965 . 64. California Living, 07/1 1/1 965. A ação também aparece em outras partes inespe 62.
radas do corpo. Meu vendedor de bebidas, promovendo uma cerveja holandesa im181
Uma foto de capa de página inteira da mesma revista exibe duas modelos numa seção de uma loja de departamentos decorada como um ponto de encontro de adolescentes, sobre um título que diz: Confira a ação da moda65•
E um artigo sobre a venda pelo departamento de polícia de San Francisco de artigos recuperados de roubos que não foram reivindi cados relata que o leiloeiro "mantém o ritmo acelerado para cente nas de compradores fazendo ofertas" : Se não há honra entre ladrões, também não há um deno minador comum dos roubos. Confira a ação no leilão da polícia para ver por quê66 •
Colunistas financeiros, é claro , também recorrem ao termo: Se foi o pãnico para vender que tomou o mercado em ou tubro de 1929 e maio de 1962, então hoj e certamente es tamos nas garras do pãnico para comprar. Pelo menos é assim que Shearson, Hammill &: Co. enxergam o va le-tudo atual. Aparentemente a principal motivação no momento é o medo de perder ou ter perdido uma grande oportunidade de compra - observa a firma de corretagem. Em grande parte , todo dia os compradores de ações - não usaremos o termo "investidores" - estão indo para onde a ação está, e ela não é difícil de encontrar. Para qualquer um que deseje um pouco da ação , Shear son aconselha o seguinte: [ ] 67 • . . .
Grandes vendas ocorreram durante a primeira hora e os registros de cotações começaram a não conseguir acom panhar a ação68 •
portada barata, abre uma garrafa para mim, coloca perto do meu rosto, e diz: "Expe rimenta esta ação " . 65.
Ibid. , 1 3/02/1 966.
66.
Califomia, 1 7/04/1966.
67.
WATSON , L San Francisco Chronicle, 23/04/1966.
68.
Boston Traveler, 22/08/1966.
1 82
Aqueles que escrevem sobre contratos governamentais podem empregar o termo , evocando uma imagem de ocasiões em que deci sões, alocações e oportunidades muito boas estão em pleno proces so de determinação : The Chronícle descobriu ontem que a firma de investi mentos do poderoso lobista Tom Gray ganhou um peda ço de $40.000 da ação quando a junta de Supervisores aprovou uma extensão de $2 milhões do estacionamento 6 Fífth and Míssíon 9 •
Essas ênfases j ornalísticas têm importância. O culto dos car ros fornece um bom exemplo . Encontramos um apoio para este mundo no automobilismo profissional e o esporte público orga nizado ao redor del e . Outro apoio é a propaganda , e eu cito dois exemplos de uma brochura em cores recentemente impressa pela Buick: Pense num carro cheio de ação, com linhas clássicas, ágil como um gato, e luxuoso como não se pode sequer ima ginar. O carro em que você está pensando é o Riviera da Buick. Temos aqui uma mistura única de pe rformance fla mejante (325 cavalos) e equilíbrio sólido que diferencia o Riviera de todos os outros carros. Em outras palavras, é um carro que estaria igualmente em casa em estradas e pistas de corrida. A ÊNFASE ESTÁ NA AÇÃO ! Um carro só ganha vida quando você gira a chave para ligar o motor. Este é o me lhor momento de ter um Buick. Com qualquer um dos seis motores e quatro transmissões da Buick, você com prou um pedaço de ação que não parará nunca.
Essas duas fontes de publicidade contribuem para a fabricação , venda e uso de carros esportivos e sedãs rápidos, e isto por sua vez fornece equipamentos oficiais para transformar as estradas em ce-
69. "Uma parte de $40.000 da Ação" .
San Francisco Chronicle, 04/08/1966,
p. l .
1 83
nas
de ação , lugares onde habilidade, impaciência e veículos caros
podem ser exibidos sob condições seriamente arriscadas 70 •
Neste ensaio , a ação será considerada principalmente no con texto da sociedade dos Estados Unidos. Apesar de sem dúvida todas as sociedades terem cenas de ação , foi nossa própria sociedade que encontrou uma palavra para ela. É interessante notar que percebe mos a ação num momento em que - comparado com outras socie dades - nós diminuímos bastante na vida civil a ocorrência de deci sividade do tipo sério , heroico e zeloso . Uma última palavra sobre a disseminação de palavras. Na j oga tina de cassinos , quando um jogador faz uma aposta grande e a per de, ele às vezes se refere ao que fez como "uma furada" [blowing it] . Então, engajar na ação sem sucesso é "furá-la " . A implicação é que uma aposta desej ável (neste caso monetária) que possuíramos agora foi perdida, e que nem a posse da aposta nem sua perda eram parti cularmente justificadas ou legítimas. Furar uma aposta grande pas sa uma má impressão sobre si mesmo, mas não tão ruim que sej a inadmissível acusar-se facilmente d e ter feito isso. É este complexo que acabou sendo generalizado . Funcionários de cassinos novos no emprego sentem que haverá um grande lucro se eles conseguirem "chegar lá" , mas que não há nenhuma forma prática de garantir que eles chegarão. Durante essa
70. Dirigir muitas vezes se torna uma forma de ação, e a relação entre práticas de di reção cotidianas com o mundo idealmente perigoso das pistas de corrida, e o mun do de promoção de sonhos da publicidade de carros é um tópico social importante, talvez percebido suficientemente apenas por aqueles que têm um interesse profis sional em diminuir as taxas de acidentes. Cf. , p. ex. , jONES, M. "Who Wants Safe Driving" . The Observer, Resenha de Fim de Semana, 1 6/08/1 964, p. 1 7 . COHEN , ]. Behaviour in Uncertainty. Op . cit. : cap . 5 , " Gambling with Life on the Road" . ROBERTS , j . ; THOMPSON , W. &: SUTTON-SMITH, B. "Expressive Self-Testing in Driving" . Human Organization, 25, 1 , 1 966, p. 54-63 . Dirigir para "ganhar tempo" poupa uma quantidade notavelmente pequena de tempo, mas gera uma corrente de ação subjacente; muitas vezes parece que estamos poupando tempo para experi mentar riscos. Algumas pessoas gostam de viagens aéreas pela mesma razão. Elas programam sua partida para o aeroporto de forma a minimizar a espera quando chegarem lá, e incidentalmente se certificam de haver algum perigo de perder o voo e, uma vez no avião , eles apreciam uma sensação de um leve perigo de vida durante o voo . •
•
1 84
fase difícil, há muitas pequenas infrações de regras que servem como justificativa suficiente para demissão : chegar alguns minutos atrasado para o turno ; recusar uma tarefa indigna; errar no manu seio das fichas; ser irreverente quanto a uma perda da casa; expres sar impaciência sobre o ritmo do próprio progresso , e assim por diante. Quando a habilidade e reputação são adquiridas, a estabili dade é apenas um pouco mais segura: séries de má sorte; suspeitas infundadas de roubo ; mudanças na administração ; tudo isso pode resultar em justificativas para uma demissão repentina. A perda de um emprego devido a algo que também pode, de fato, ser visto como um lapso insignificante também é uma "fura da" . Em contraste à perspectiva de classe média que tende a definir a posição ocupacional como algo que só pode ser adquirido e perdido merecidamente, a situação ocupacional para o funcionário de cassi nos tende a oscilar muito rapidamente entre "chegar lá" e "furar" , e nenhum desses estados é visto como particularmente justificado . Essa perspectiva se espalhou para outras áreas da vida, e um cartea dor pode falar sobre ter furado seu casamento ou sua chance de uma educação universitária. A lógica dessa atitude vigorosa diante das características funda mentais da vida, que implica uma defesa profunda para a vida com ação, pode ser entendida em referência à organização social de Ne vada: a relativa facilidade de divórcios e casamentos; a presença de um número muito grande de pessoas que fracassaram profissional ou conjugalmente; uma tradição de fronteira de não se fazer per guntas sobre a história ou o ganha-pão atual das pessoas; a possibili dade clara de conseguir um emprego equivalente no outro lado da rua depois de ser demitido; a alta visibilidade de um grande número de empregados de cassinos conhecidos por terem trabalhado recen temente em empregos melhores em outros cassinos; o fato de que rodadas esporádicas de j ogos grandes significam a realização espo rádica da experiência ideal de uma cultura, de forma que, por mais longos e magros que sej am os dias entre rodadas, esse uso do pró prio dinheiro pode ser o melhor que Nevada pode oferecer. De qual quer modo , a ação não é o único termo que parece ter se dissemina1 85
do
a
pa rlir das mesas de jogos. Há uma família de termos que parece
estar envolvida, e a família inteira parece estar migrando 71 • 7. Onde a ação está
Eu afirmei que a ação é encontrada sempre que o indivíduo vo luntariamente arrisca chances consequentes percebidas como evitá veis. Normalmente, a ação não será encontrada durante a rotina de trabalho dos dias úteis, em casa ou no emprego . Pois aqui as coisas tendem a ser organizadas de forma a deixar as chances de fora, e aquelas que permanecem não são obviamente voluntárias. Onde, então, encontramos rotineiramente a ação ? Permitam-me resumir as sugestões já feitas de passagem. Primeiro , os competidores encontram ação no esporte competi tivo comercializado . Talvez porque essa atividade seja encenada para uma plateia e assistida por diversão , sentimos que não poderia existir uma razão completamente séria para se engaj ar na atividade em si. E também o fato de que amadores realizam essas atividades espetaculares sozinhos, privadamente e sem receber por isso , como recreação, reforça a noção de que os profissionais estão engajados numa vocação autodeterminada de livre e espontânea vontade. Isto é o caso mesmo que esteja claro que interesses profissionais e co merciais podem ser apostados de forma organizada sobre o resul tado do espetáculo. Apesar de um piloto de corridas poder ganhar a vida ao volante, e a decisão de uma companhia de manter ou cance lar um modelo de automóvel pode depender do resultado de uma
7 1 . Além de "ação" e "furar" , precisamos contar a frase "chegar lá" [having it made] como sendo uma fonte de renda , merecida ou não , que permite uma vida de pouco trabalho e despesas consideráveis, e um sentido da frase "ter um esquema" [ to have something going for oneselj] , a saber, algum tipo de vantagem, como quando um funcionário de cassino diz que nunca joga vinte-e-um a não ser que tenha um es quema com o carteador - incidentalmente, uma condição de j ogo que é muito difí cil de evitar. Eu não tratarei aqui de um termo usado por funcionários de cassino em muitos contextos: to hustle. Este é um membro adotado da família de termos de cassino, originário de um negócio mais antigo . [ To hustle, em cassinos, significa "fraudar" , mas o termo surgiu em relação à prostituição, onde significa "conseguir clientes para uma prostituta" - N . T . ]
1 86
corrida 72 , ainda sentimos que os pilotos poderiam escolher outros tipos de emprego, ou pelo menos se abster da corrida atual, e que esse tipo de chance é , de alguma forma, voluntário . O próximo lugar da ação que devemos analisar são os esportes arriscados sem espectadores 73 • Não se recebe nenhum pagamento por esse esforço; nenhuma identidade publicamente relevante é consolidada por ele; e ele não incorre em nenhuma obrigação no mundo sério do trabalho. Na ausência das pressões normais para se engajar numa atividade, é supostamente fácil pressupor que a auto determinação está envolvida e que as chances enfrentadas o são ape nas devido ao desafio que resulta. É interessante notar que alguns desses esportes vigorosos são dominados por cidadãos j ovens e sóli dos que podem se dar ao luxo de dedicar tempo, viagens e equipa mento a eles. Essas pessoas parecem desfrutar do melhor de dois mundos, aproveitando a honra de se arriscar sem ameaçar muito seus envolvimentos rotineiros dos dias úteis. Os próximos da lista são os lugares de ação mais comercializa dos - lugares de localização conveniente em que equipamentos e o campo para seu uso podem ser alugados, recebendo um leve grau de ação . Casas de boliche, salões de sinuca, parques de diversão e cen tros de fliperama fornecem arranj os em que o custo do j ogo e o valor do prêmio geram um con texto levemente decisivo para a exibição da competência. Apostas públicas em corridas de cavalos e em cassi nos permitem que o apostador demonstre vários atributos pessoais,
72. Por exemplo, a participação dos Corvette na corrida de Sebring de 1956, como descrita pelo piloto john Fitch (com C. Barnard) , The Day that Corvette Improved the Breed, p. 271-286, apud BEAUMONT, C. NOLAN , W. Omnibus of Speed. Nova York: Putnam and Sons, 1 958: "Eu sabia que um fracasso em Sebring provavelmente significaria o fim do interesse da Chevrolet em produzir carros de corrida" (p. 286) .
73. É característico que "vale a pena assistir" aos esportes recreativos arriscados, que eles frequentemente serão assistidos, e que o realizador precisa aceitar essa au diência. Ele deve ser capaz de realizar seu papel enquanto é assistido; mas ele não deve realizá-lo apenas para ser assistido e deve realizá-lo mesmo que não haja es pectadores. Não importa o quão grande seja a multidão que assiste a um esportista, nem o quanto ele esteja fascinado com o fascínio deles, o papel deles não é ratifica do; eles não podem exigir que ele agende sua performance nem a complete depois de ter começado. Eles têm o direito que ele ignore o fato deles estarem assistindo , mas o dever de aceitar que ele os ignore. 1 87
u • a ...,
c usto considerável. As atrações de "vertigem" em feiras e pa rques de diversão resolvem abertamente nosso dilema em relação ú ação ao oferecer um perigo com garantias de não ser realmente pe rigoso - o que Michael Balint descreveu bem como a excitação segu ra dos arrepios [ thrills] : a um
Em todas as diversões e prazeres deste tipo podemos ob servar três atitudes características: (a) uma quantidade de medo consciente, ou pelo menos uma percepção de perigo externo real; (b) uma exposição voluntária e in tencional de si a esse perigo externo e ao medo gerado por ele; (c) enquanto ao mesmo tempo existe uma espe rança mais ou menos confiante de que o medo pode ser tolerado e desejado , o perigo passará, e que seremos ca pazes de voltar sãos e salvos. Essa mistura de medo, pra zer, e esperança confiante face ao perigo externo é o que constitui o elemento fundamental de todos os arrepios74•
Há um tipo final de ação comercializada envolvendo participação direta que eu chamarei de "estar nos holofotes" [jancy millingr5 • Os adultos em nossa sociedade podem sentir um gostinho de mobilidade social consumindo produtos valiosos, desfrutando de entretenimen-
74. BALINT, M. Thrills and Regressions. Londres: Tr e Hogarth Press!rhe lnstitute of Psycho-Analysis, 1959, p. 23 . Balint prossegue fa: �ndo este comentário interes sante (p. 23-24) : "Examinemos rapidamente de que ,·orma outros arrepios se pare cem com aqueles oferecidos em parques de diversão . Alguns estão ligados à alta ve locidade, como em todos os tipos de corridas, equitação , automobilismo , patinação, esqui, tobogãs, velejar, voar, etc. Outros estão ligados a situações exp ostas, como vá rias formas de saltos e mergulhos, escaladas, asa-delta, domesticar animais selva gens, viajar para terras desconhecidas, etc. Finalmente, há um grupo de arrepios li gados a formas de satisfação estranhas ou mesmo completamente novas, ou na forma de um novo objeto ou de um método desconhecido de prazer. O objeto novo óbvio é uma virgem, e é impressionante como quantos arrepios reivindicam este adjetivo. Falamos de terra virgem, um pico virgem, ou um caminho virgem para o pico , velo cidades máximas virgens, e assim por diante. De modo geral, qualquer parceiro se xual novo é um arrepio, especialmente se ele ou ela pertence a outra raça, cor ou credo . As novas formas de prazer incluem, entre outros: comidas novas, roupas no vas, costumes novos, até formas novas de atividades sexuais 'perversas'. Em todos esses fenômenos encontramos os mesmos três fatores fundamentais descritos aci ma: o perigo externo objetivo gerando medo , a exposição voluntária e intencional a ele, e a esperança confiante de que no fim tudo dará certo " . 75. A necessidade d e tratar desse modo d e ação foi recomendada por Howard Becker. 1 88
tos caros e na moda, passando tempo em ambientes luxuosos e se misturando com pessoas de prestígio - e ainda mais se tudo isto ocor rer ao mesmo tempo e na presença de muitas testemunhas. Essa é a ação do consumo . Além disso, a mera presença num ajuntamento grande e apertado de pessoas em uma festa pode trazer não apenas a excitação gerada por multidões, mas também a incerteza de não se sa ber exatamente o que está prestes a acontecer, a possibilidade de fler tes, que podem eles mesmos levar à formação de relacionamentos, e a experiência animada de estar a um cotovelo de distância de alguém que realmente consegue encontrar uma ação real na multidão. Quando esses vários elementos de estar nos holofotes são com binados, e o indivíduo compara o prestígio e a brevidade da partici pação contra o custo de chegar à cena e a taxa de despesas necessá rias durante cada momento de participação, o resultado é um tipo de ação difusa - ou melhor, um sabor da ação - por mais limitada que seja a decisividade 76 • O indivíduo traz para si mesmo o papel de realizador e o de espectador; ele é a pessoa que se engaja na ação , mas ao mesmo tempo ele é a pessoa que provavelmente não será afe tada permanentemente por ela. Aqui os cassinos de hotéis oferecem um exemplo extremo. Eles não apenas disponibilizam apostas monetárias, mas esse tipo de ação é recoberto com a ação de consumo . Temos uma breve penetração na vida dos ricos. Limusines estacionadas por choferes são amontoadas na entrada. Depois da entrada, o ambiente é luxuoso. Bebidas caras são servidas nas mesas, muitas vezes sem custos para o consumidor. Um bufê de qualidade pode ser oferecido, permitindo uma glutonaria de alto nível. Encoraja-se um sistema de gratuidade que eleva seus usuários e faz com que garçonetes de pouca roupa, escolhidas por sua aparência, sejam um tanto acessíveis. Um sistema de sinais operados no "buraco" permite que essas garotas entreguem drinques, cigarros e aspirinas em qualquer lugar do estabelecimento se necessário. "Mensageiros" de bingo 77 e garotas que trocam dinheiro são organiza-
76. Os serviços em tais lugares precisam ser caros se o objetivo for facilitar esse tipo de ação . Os proprietários aceitam isto, mas por outras razões. 77. Funcionários encarregados de levar as apostas de bingo para serem processa das [ N . T. ] .
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dos para ficar à disposição da mesma forma. Na mesa facilita-se o
contato com pessoas conhecidas nacionalmente e com os grandes gastadores. Também existe a proximidade daquilo que alguns cha mariam de elemento gangster. Garante-se acesso fácil a entreteni mentos de fama nacional, e até alguma proximidade física com os apresentadores. O bar é "enfeitado" com garotas do coro vestidas com suas roupas de fora do palco. As clientes femininas sentem que podem experimentar com a alta costura esportiva, reivindicando uma imagem e estilo que talvez elas não tentassem em casa devido à mo déstia. Resumindo , a oportunidade para enobrecimento efêmero é abundante. Entretanto, se o cliente quiser se sentar durante esse eno brecimento, é muito provável que ele tenha que se sentar numa mesa de jogos. Então temos um ambiente rico, mas cada minuto dele pro vavelmente custará arriscar um dinheiro considerável. Outros estabelecimentos de serviços públicos também parecem cada vez mais recobrir seus serviços com escolhas indulgentes até então consideradas irrelevantes . Assim, nossos j atos adicionaram garotas bonitas, comida razoável, filmes e bebidas grátis 78 • Postos de gasolina oferecem agora não apenas combustível, mas a companhia de mulheres frentistas atraentes por um momento . E, é claro , temos a moda recente do topless, que traz, junto com comida , garçonetes que são garantidamente atraentes 79 • 78. Num artigo sobre "The 'Secrets' of Air Hostesses" [ "Os 'segredos' das aeromo ças " ] (San Francisco Chronicle, 04/04/1966) , sob a manchete "Those Cupcakes in the Sky" [ "Esses docinhos no céu" ] , lemos: "- O que queremos de nossas aeromo ças é uma atratividade discreta [diz Na n cy Marchande, uma loira escultural encar regada das garotas da PSA ] . Ao escolher uma aeromoça, prestamos atenção parti cular à aparência dela. - Os passageiros, disse Lawrence [o presidente das linhas aéreas Braniff, uma das líderes em merchandising aéreo I merecem mais do que uma viagem segura e confortável. Eles merecem um pouco de diversão . A definição de Lawrence de diversão a bordo incluiu pintar a frota de jatos da Braniff em várias co res de ovos de páscoa, e redecorar loucamente os interiores das aeronaves, dos pos tos de venda de passagens e das salas de espera. Mas ele reservou a maior diversão para as aeromoças da companhia. Ele contratou o famoso estilista italiano Milio Pucci, o inventor da calça bailarina, para criar um vestido de aeromoça com 'char me, excitação e surpresa'" . 79 . Acho que o caso mais claro d o recobrimento d e indulgências é The Harry's Sho eshine Palace, em San Francisco (como relatado no San Francisco Chronicle, 26/07/1966) , que oferece engraxates de topless por $2 e uma carteira de identidade.
De Sade ficaria impressionado com essa promoção de seus princípios. 1 90
Certos segmentos de cada comunidade parecem responder me lhor do que outros à atração desse tipo de ação . Vale a pena notar que os indivíduos respondem não como membros de uma comuni dade local, mas como membros da sociedade mais ampla de menta lidade parecida, mas sem qualquer outra relação. Forasteiros na ci dade podem perguntar ao motorista de táxi onde a ação está e pro vavelmente conseguirão entrar quando chegarem lá. Uma camara dagem de indivíduos que, de outra forma, seriam estranhos, está en volvida, uma coalizão temporária contra a sociedade dos respeitáveis na qual aquele que procura ação provavelmente tem amigos e relaci onamentos. Os mecanismos tradicionais de conhecimento de pes soas e convites pessoais não são necessários para restringir a partici pação ; em vez disso , servem os riscos da participação . Apesar de ser possível e desejável procurar onde a ação está exa minando a organização social de modo geral, estou preocupado aqui com um esforço muito mais específico. Eu quero examinar os arranj os sociais reais através dos quais a ação é disponibilizada. O mundo social opera de forma que qualquer indivíduo que este ja fortemente orientado para a ação, como alguns apostadores, pode perceber as potencialidades de chances em situações que outros en xergariam como sem decisividade; a situação pode até ser estruturada de forma a manifestar essas possibilidades80 • A chance não é mera mente procurada, e sim esculpida. Devemos adicionar que é provável que a forma de chance encontrada aqui seja um risco considerável ao bem-estar corporal em troca da oportunidade de um ganho insignifi cante. A única cena de decisividade que quase qualquer um tem con dições de produzir é alguma versão da "roleta russa" , e ela é uma cena que exemplifica muito bem o risco como um fim em si mesmo. É in-
80. Sugerido por Sheldon Messinger. O exemplo clássico, popularizado por Da mon Runyon [ autor americano conhecido por seus contos sobre Nova Iorque na época da Lei Seca - N. T .] , é o pequeno apostador da Broadway que reconstitui per ceptualmente o ambiente ao seu redor em uma série contínua de resultados apostá veis prestes a serem determinados sobre os quais ele oferece proposições. O herói cultural aqui é john W. "Apostou-um-milhão" Gates, o rei do arame farpado , que, em 1 897, num trem entre Chicago e Pittsburgh, aparentemente ganhou 22 mil dó lares apostando em corridas de gotas de chuva , usando a j anela do trem como pista (cf. ASBURY, H. Sucker's Progress. Nova York: Dodd Mead, 1 938, p. 446) .
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teressante notar que atualmente, através do LSD e outras drogas, está disponível um meio de se arriscar voluntariamente o bem-estar psí quico para se chegar além da consciência normal. O indivíduo aqui • ' • ' usa sua propna mente como o eqmpamento necessano para a açao 81 . As pessoas que acenam com o suicídio usam seus corpos numa aposta, mas aqui, como com as drogas, o risco enquanto tal não pa rece ser o principal propósito do empreendimento 82 • O interesse ge ral recente sobre os efeitos deletérios do fumo e do colesterol são um exemplo mais leve da mesma possibilidade; a esses vários sabo res podemos adicionar o sabor extra de não dar a mínima83 • •
-
Nos casos examinados até agora , a chance está na atitude do próprio indivíduo - sua capacidade criativa de redefinir o mundo ao seu redor como suas possibilidades de decisão. Tratemos agora das possibilidades de ação que exigem mais do ambiente e são facilita das mais diretamente pela organização. Podemos encontrar um começo simples nas apostas em cassi nos, já que estes são lugares, antes de tudo, cuja organização física e social é planejada para facilitar a ocorrência da ação. A eficiência desses arranj os precisa ser compreendida e apreciada. Tudo que um j ogador precisa fazer é entrar num cassino (cassinos fora das ruas provavelmente não necessitarão nem que uma porta seja aberta) e colocar dinheiro numa área de preparação ou compromisso. Se o carteador ainda não estiver jogando , ele imediatamente começará a fazê-lo , uma pausa momentânea que é ela mesma evitada por mui tos cassinos que contratam funcionários apenas para manter j ogos mortos correndo . Em poucos segundos, o j ogador pode se plugar em atividades bastante significativas; tomadas estão disponíveis. Além disso , j ogos de cassino têm uma duração notavelmente curta, permitindo uma taxa de j ogo muito alta. Uma j ogada de ca ça-níqueis leva apenas 4 ou 5 segundos. Uma rodada de vinte-e-um pode levar apenas 20 segundos, devido a técnicas de manipulação
8 1 . Sugerido por Nancy Achilles. 82. Os vários tipos de aposta com a vida desfrutados por aqueles inclinados ao sui cídio são discutidos em FARBEROW, N. &: SCHNEIDMAN , E. The Cry for Help. Nova York: McGraw-Hill, 1 96 1 , esp . p. 132-133. 83. Sugerido por Dean MacConnell. 1 92
das cartas que todos os carteadores aprendem a empregar84 • Em to dos os jogos de cassino também é possível se engajar em mais de uma j ogada ao mesmo tempo e, no caso dos caça-níqueis e do craps, espalhar as apostas múltiplas de forma que temos um compromisso e o início da determinação de uma aposta enquanto outra está nas fases posteriores do processo de determinação. Um j ogo , o bingo , dispo nível na maioria dos cassinos, é organizado especificamente para que em quase todas as regiões do cassino sej a possível fazer apostas e acompanhar a determinação . Placares do bingo são colocados em vários lugares e atualizados simultaneamente de forma eletrônica. "Mensageiros" de bingo [ keno runners] coletam apostas e entregam desfechos em todos os lugares do cassino, exceto os banheiros. As fa ses do jogo não coincidem com nenhuma outra atividade do cassino. Assim, não importa o que um indivíduo esteja fazendo , nem onde ele esteja fazendo, ele pode sobrepor sua atividade com o bingo e sem pre ter pelo menos um número de bingo "valendo para ele" 85 • Um j ogador pode se empenhar em todos os tipos de cálculos e adivinhações sobre como administrar sua aposta, e isto pode ou não envolver suportes, defesas, ou ambos. Mas ele também pode, se qui ser, simplesmente empurrar uma pilha de dinheiro ou fichas não contadas na direção geral da área de compromisso e o carteador es crupulosamente fará o resto. (Eu vi um carteador ajudando um ho mem cego a j ogar, e também um homem artrítico demais para segu rar suas próprias cartas. ) Um grande conjunto de esforços do j oga dor é assim bem cuidado pela mesma organização do jogo . Isto sig nifica que um j ogador pode começar assistindo com muita atenção tudo o que acontece, fazendo cálculos elaborados, perceber que está ficando completamente exaurido depois de oito ou nove horas de j ogo, ou bêbado a ponto dos funcionários precisarem apoiá-lo para
84. N. Polsky ("The Hustler" . Op. cit . , p. 6) sugere que em "salas de ação" j ogos de bilhar são escolhidos e até modificados para aumentar a taxa de ação, que senão se ria baixa demais. Entretanto, j ogos de cinco minutos ainda parecem ser os de me nor tempo, a não ser quando se aposta em tacadas individuais. 85. Na sociedade americana corno um todo, as corridas de cavalos, apostas em lote rias, e o mercado de ações são meios pelos quais um individuo pode ter urna ou duas coisas "valendo para ele" todos os dias. O bingo tem um caráter de sobreposi ção um tanto similar, mas cada jogada leva apenas alguns minutos. 1 93
q u e de não caia de sua cadeira, e mesmo assim, fazendo apenas al
guns gestos relevantes, continuar ativo em sua capacidade de apos tador. A organização do jogo nos cassinos é planej ada para fornecer ação não apenas a pessoas de posições sociais muito diferentes, mas também a pessoas em estados fisiológicos muito diferentes. Além desses vários arranjos organizacionais, temos o fato cen tral de que cassinos, dentro de limites muito amplos, rotineiramen te cobrem apostas de qualquer tamanho . O jogador pode, então, ar riscar seu capital independentemente de seu tamanho . Ele tem ga rantida a oportunidade de encarar a excitação de um risco e oportu nidades financeiras um pouco maiores do que a maioria das pessoas de sua posição se sentiriam confortáveis em aceitar. Os cassinos concretamente incorporam arranj os para permitir que o indivíduo se force até os limites de sua própria tolerância para ganhos e per das , garantindo assim um teste real e difícil, pelo menos a seus pró prios olhos. Podemos mencionar alguns arranjos específicos fora de cassinos para gerar eficientemente oportunidades de ação . Um bom exemplo pode ser encontrado nas convenções associadas com touradas. Aqui, o estilo e a graça dos movimentos e da postura, o conhecimento do trabalho, e o domínio do touro , três qualidades centrais exibidas em touradas, recebem pontos de acordo com o perigo ao eu que é volun tariamente introduzido pelo indivíduo durante os movimentos. É preciso então forçar a segurança a seus limites extremos: Nas touradas modernas não é suficiente que o touro seja simplesmente dominado pela muleta para que a espada possa matá-lo. O matador precisa realizar uma série de passos clássicos antes de matar se o touro ainda for capaz de avançar. Nestes passos, o touro deve passar pelo corpo do matador ao alcance do chifre. Quanto mais perto o touro chegar do homem depois do convite e direção des te, maior o arrepio que o espectador recebe86 • A tourada é a única arte em que o artista corre risco de vida e em que o grau de brilho da apresentação fica aos
86. HEMINGWAY, E. "The Dangerous Summer" . Life, 05/09/1960, p. 86. 1 94
cuidados da honra do lutador. Na Espanha, a honra é uma coisa muito real. Chamada de pundonor, isto signifi ca honra, probidade, coragem, respeito próprio e orgulho numa única palavra87 •
Um conjunto de arranj os um tanto parecido pode ser encontra do como a base da ação no automobilismo. Tipicamente, a diferença na mera capacidade de velocidade dos carros de classes similares não é relevante o bastante para ganhar corridas. Um piloto vence quando se aproxima mais frequentemente dos limites em que a ve locidade fará com que ele perca o controle do carro do que os outros pilotos, devido a diferenças de coragem ou competência88 • De fato , é a possibilidade de reestruturar atividades rotineiras para permitir que limites sejam forçados que transforma atividades rotineiras num campo de ação . Por exemplo , em estradas os carros normal mente se espalham num padrão cuja estabilidade é produzida por cada motorista avaliando aquilo que os outros motoristas não ousa riam fazer, e então com efeito patrulhar esses limites; mantemos as sim o nosso lugar no tráfego . "Ganhar tempo" na estrada quando o tráfego está pesado significa forçar além do ponto que os.outros mo toristas consideram que protege sua posição 89 • Para que o esforço de testar os limites sej a possível, o equipa mento que o ator usa pode ter que ser restrito apropriadamente. Afi nal, touradas dificilmente testariam um homem se ele usasse um cartucho de rifles Weatherby 460 em vez de uma capa e uma espada. Da mesma forma, se quisermos que a travessia do oceano sej a um desafio , precisamos usar jangadas em vez de navios de cruzeiro . Se quisermos transformar um peixe numa oportunidade de luta, então
87. HEMINGWAY, E. Death in the Aftemoon. Op. cit., p . 9 1 . 88. MOSS, S . &: PURDY, K . Ali but My Life. Op. cit. , p. 22: " O piloto mais rápido é aquele que pode se aproximar mais do ponto em que os pneus do carro perdem aderência da pista e fazem com que a máquina entre numa derrapagem incontrolá vel. (A palavra-chave aqui é 'incontrolável'. Em boa parte do tempo, o piloto delibe radamente solta o carro e permite que ele derrape, mas sob controle. ) "
8 9 . É claro que melhorias nas estradas e na dirigibilidade dos carros meramente permitem que o motorista seja "expressivo" em velocidades maiores; quaisquer que sejam as condições do tráfego, o território do outro sempre estará lá para ser forçado . 1 95
p rl'ci sa mos e s co lh e r a vara , a linha e o anzol com os maiores limites 90 poss 1 vc i s , o que muitas vezes acontece • Se quisermos que a caça de
a n i mais grandes seja não apenas cara, mas também arriscada, então miras telescópicas dificilmente parecem "justas" , de fato , talvez sej a até melhor substituir o rifle por u m arco e flecha. Arranjos que evocam esforços marginais geram a possibilidade de ação . Podemos analisar mais um arranj o de ação . Ele é encontra do quando podemos criar uma série através de vitórias em rodadas consecutivas, de forma que cada rodada seguinte adiciona a mesma probabilidade adicional de terminar a série enquanto adiciona mais do que o valor da rodada anterior à série como um todo . Por exem plo , no boliche, a reputação do indivíduo enquanto jogador está re lacionada ao placar máximo que ele atingiu. E o placar depende do número de strikes durante qualquer série ou conjunto de j ogadas, aumentando mais do que linearmente com o número de strikes con secutivos. Além disso , uma próxima j ogada de placar máximo tende a ser assimilada mentalmente àquilo que o indivíduo já realizou , e por isso o fracasso em realizá-la constitui um "furo" de uma sequên cia de pontos que o jogador " tinha valendo" . Enquanto o ganho possível com cada jogada aumenta, isto também ocorre com a difi culdade de manter a habilidade. Algo semelhante é encontrado nas apostas de cassino ligadas à prática de "deixar correr" , a saber, apos tar todos os ganhos da aposta anterior na próxima j ogada, e conti nuar fazendo isto por uma série de j ogadas. Aquele que consegue acumular seus ganhos dessa forma muitas vezes recebe respeito como alguém que tem "coragem" , está "quente" e "sabe quando apostar" . E como a aposta (num j ogo de dinheiro constante) é do brada todas as vezes, a quinta ou sexta vitória seguida será muito mais pesada do que a segunda ou terceira. E assim o j ogador desco bre que o ganho monetário e psíquico aumenta mais do que aritme ticamente, enquanto ao mesmo tempo precisa enfrentar oportuni dades completamente novas de perda total. 90. GILBERT, B. "The Moment-of-Truth Menace".
Esquire, dez./1 965, p. 1 1 7 . O artigo de Gilbert é uma descrição de até que ponto os esportistas vão para encontrar um ambiente natural que possa ser transformado num desafio através da limitação apropriada de equipamentos. A exploração de cavernas e caiaques em correntezas são usados como exemplos. 1 96
Precisamos tratar de um último assunto em relação à base orga nizacional da ação . Anteriormente eu sugeri que as pessoas presen tes numa situação social podem servir não apenas como testemu nhas, mas também como os próprios obj etos sobre os quais o indiví duo age, e que seu histórico em relação a isto terá importância espe cial. Quando esses atos que envolvem os outros implicam chances decisivas criadas intencionalmente apenas para que possam ser ar riscadas, então temos um tipo especial de ação em que as próprias pessoas que estão presentes para o ator fornecem o campo para sua ação . Hemingway nos dá uma ilustração maravilhosamente rude, que também recebemos de artistas de circo que atiram facas, e garo tinhos que atiram bolas de neve: Uma das atrações que Mary preparara no parque foi uma cabine de tiros que ela alugara de um circo itinerante. Antonio ficara um pouco chocado em 1958 quando Ma rio, o chofer italiano, segurara cigarros numa ventania para que eu arrancasse as pontas acesas com uma espin garda 22 Na festa, Antonio prendeu cigarros em sua boca para que eu acertasse as cinzas. Fizemos isso sete vezes com as espingardinhas da galeria de tiros e no final ele estava fumando rapidamente os cigarros para ver qual era o menor tamanho que conseguiríamos deixá-los. .
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Ele finalmente disse: - Ernesto , fomos o mais longe que dá. Este último quase arranhou meus lábios. O marajá de Cooch-Behar também se viciou nessa diver são alegre . Ele começou , conservadoramente, usando
uma piteira , mas a abandonou imediatamente pela esco la das baforadas. Eu parei enquanto ainda estava no lu cro e me recusei a atirar em George Saviers porque ele era o único médico na casa e a festa acabara de começar. Ela foi longe9 1 •
Enquanto uma pessoa fornece um campo de ação para outra, esta outra pode, por sua vez, usar o primeiro indivíduo como seu campo de ação . Quando encontramos essa reciprocidade de uso e o objetivo é exercer algum tipo de perícia ou habilidade, falamos de
91.
HEMINGWAY, E. "The Dangerous Summer" . Op. cit. , 1 2/09/1960, p. 76. 1 97
uma competição ou duelo . O que ocorre nessas cenas pode ser cha mado de ação interpessoal92 • A ação interpessoal ocasionalmente parece apenas duplicar o tipo comum. Num duelo de pistolas, por exemplo , um indivíduo é o campo de alvo passivo para o outro , enquanto, ao mesmo tempo, o outro é o campo de alvo passivo para o primeiro - com exceção , é claro , dos pequenos estratagemas de ficar num ângulo que apresen te a menor superfície possível para o adversário , e usar os braços como um escudo para o coração . De fato , um duelo de pistolas pode ser analisado como um arranj o para juntar duas funções separáveis: a competição de alvos e um esquema de desfecho para vencedores e perdedores. Entretanto , é mais frequente que a reciprocidade seja mais íntima e interessante. O próprio ato através do qual um partici pante exerce suas capacidades face a outra pessoa pode em si mes mo fornecer o campo para a ação competidora ou de retaliação do outro . A impressão que um participante transmite será retirada da impressão que o outro transmite. Mesmo nas diversões de tiro de Hemingway, temos um gostinho disto : a frieza demonstrada por Antonio ao se submeter ao papel de alvo requer para seu campo de ação os esforços de atirador de Hemingway. Assim como existem arranjos sociais para garantir a ação , tam bém há arranj os para garantir a ação interpessoal. Um exemplo im portante é a prática disseminada de desvantagens [ handicapping] 92. Normalmente , os arranj os de competições requerem que os participantes es tejam face a face, mas existem, por exemplo, competições de corte entre dois pre tendentes à mesma mão em que os adversários nunca se encontram; há competi ções na coluna de cartas ao editor e há outras (como Hemingway sugere) , onde o histórico de uma das partes, que pode estar ausente no momento , se torna o con texto da ação do outro (HEMIN GWAY, E . "The Dangerous Summer". Op. cit. 05/09/1960, p. 9 1 -92) : "Touradas não valem nada sem rivalidade . Mas com dois grandes toureiros ela se torna uma rivalidade mortal . Porque quando um deles faz algo que ninguém mais consegue fazer, e pode fazê-lo regularmente, e isto não é um truque , mas sim uma apresentação mortalmente perigosa que só é possível devido a nervos, juízo, coragem e arte perfeitos, e este toureiro aumenta sua leta lidade continuamente , então o outro , se tiver qualquer falha temporária de ner vos ou de juízo , será gravemente ferido ou morto se tentar igualá-la ou superá-la. Ele terá então que recorrer a truques, e quando o público aprender a diferenciar os truques das coisas verdadeiras ele perderá a rivalidade , e terá muita sorte se ainda estiver vivo ou capaz de se apresentar" .
1 98
em competições93 • Esse dispositivo garante que, por mais díspares que os competidores sejam, todos terão mais ou menos a mesma chance de ganhar ou perder, e isto dependerá de seus próprios es forços até o limite. Garantimos assim que o resultado não apenas seja imprevisível e, assim, capaz de manter a atenção, mas também uma questão de esforço marginal, com a vitória obtida pelo competi dor que chega mais perto de seus limites do que os outros. Esse es forço extrafinal determina o resultado . Uma competição com des vantagens, então , é um arranj o muito bem calculado para transfor mar dois indivíduos em campos de ação um para o outro , com o de talhe adicional de que o sucesso de uma pessoa precisa ser equili brado pelo fracasso da outra. Podemos adicionar que uma limitação autoimposta de equipamentos na caça e na pesca também pode ser vista como um tipo de desvantagem: a presa é transformada num adversário , e o resultado é uma competição "justa" (ou melhor, qua se justa) . Jogos limpos requerem presas limpas94 • Em vários j ogos e esportes, então, os indivíduos podem usar uns aos outros como campos de ação, normalmente, numa arena se gregada, removidos física e temporalmente da vida séria. Mas obvia mente o uso mútuo uns dos outros como um campo de ação é mais geral. Como uma ponte dos j ogos até o mundo , examinemos as rela ções entre os sexos. Todas as situações de ação descritas até agora são cenas muito mais de atividade masculina do que feminina; de fato, a ação em nossa cultura ocidental parece pertencer ao culto da masculinidade apesar da existência de t ou rei ras , mu l h e r es p i l o to s e da preponde rãncia de mulheres nas máquinas de caça-níqueis dos cassinos95 • Há
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,
93. GOFFMAN , E. "Fun in Games" , p. 67. In: Encounters. Indianápolis: Bobbs Merrill, 1 96 1 . [ Em esportes como o golfe, a prática de handicapping consiste em fa zer com que os jogadores com um histórico superior comecem a partida com algu mas tacadas de desvantagem em relação aos competidores com menos experiência e habilidade. - N . T . ) 9 4 . Trocadilho intraduzível: "Fa ir games (j ogos) requirefair game (presas)" [ N . T . ] . 95. A masculinidade, enquanto valor, parece ser especialmente importante na soci edade latina, e como um valor ela dificilmente pode ser dissociada de sua base nos aspectos biológicos do sexo . Cf. PITT-RIVERS , J . "Honour and Social Status" . Ho nour and Shame. Chicago: University o f Chicago Press, 1 966, cap . 1 , p. 45 [ org. por 1 99
registros de alguns duelos lutados por mulheres europeias, mas es ses encontros parecem ser considerados uma perversão do belo sexo , e não seu ornamento 96 • Mas, obviamente, as mulheres estão envolvidas de forma especial em um tipo de ação: elas são os cam pos de j ogo para a ação sexual e de corte . Homens adultos podem definir uma mulher como um obj eto com o qual se desej a iniciar uma relação potencialmente sexual . O risco é a recusa, a união com pessoas de posição inferior, a responsabilidade, a traição de relacionamentos anteriores , ou o desprazer de outros homens; a oportunidade é o tipo de confirmação do eu que apenas o sucesso nessa área consegue trazer. Essa ação às vezes é chamada de "paque ra" [making out9 7] . Em nossa sociedade, há horários e locais especiais para a paquera: festas, bares98 , bailes, hotéis turísticos, parques, salas de aula, eventos públicos, encontros de associações, pausas para café em escritórios, re uniões de igrejas, e ruas públicas de má reputação. A paquera em si é de dois tipos, de acordo com se o círculo em que ela ocorre contém pessoas que se conhecem ou não . Entre os que se conhecem, encontra mos trocas de flertes e o início de casos; entre os que não se conhecem, intercâmbios de sinais de interesse e propostas.
PERISTIANY, ] . ] : "Assim, a coibição é a base natural da pureza sexual, assim como a masculinidade é a base natural da autoridade e da defesa da honra familiar. O ide al do homem honrado é expressado pela palavra hombria, 'hombridade' [ . . ] A mas culinidade significa coragem, seja ela empregada para fins morais ou imorais. É um termo ouvido constantemente no pueblo, e o conceito é expressado como a quintes sência física sexual do homem (cojones). A noção contrária é transmitida pelo adje tivo manso, que significa inofensivo, mas também castrado. Sem essa base fisiológi ca, obviamente não se pode esperar que o sexo frágil possua tal conceito , e isto é ex cluído das exigências da honra feminina " . Supostamente as contrapartes femininas das virtudes masculinas clássicas envolvem a modéstia, a coibição e a virgindade, cuja exibição parece envolver qualquer coisa que não a ação. .
96. BALDI CK, R. The Duel. Londres: Chapman and Hall, 1965, cap. 1 1 , "Women Duelists" , p. 1 69- 1 78. 97. O termo making out, no século XXI , significa "beij ar" , conotação que não exis tia quando Goffman redigiu este livro, e não mais "paquerar" [ N . T. ] . 98. Uma afirmação parecida é encontrada em CAVAN , S . Liquor License. Chicago : Aldine, 1966. Cf. tb. ROEBUCK, j . &: SPRAY, S. "The Cocktail Lounge: A Study of Heterosexual Relations in a Public Organization". American joumal of Sociology, jan./1967. 200
Entre os que não se conhecem, a facilitação organizacional da paquera assume muitas formas: a instituição de anfitriãs sociais em hotéis, bares de telefone, a mediação de balconistas de bar para a ro tina do compro-um-drinque-para-você, etc. Eu analisarei em maior detalhe a situação nos cassinos de Nevada. As mesas de cassinos são , por definição , abertas para qualquer adulto com dinheiro para gastar. Apesar da impessoalidade apa rente da operação , estranhos na mesma mesa descobrem que uma leve camaradagem é gerada por uma exposição ao destino conjun ta e mutuamente visível. Grandes apostadores, com um envolvi mento implicado por causa do tamanho de suas apostas , e o estatu to implicado dos visivelmente endinheirados, tornam-se um tanto acessíveis a colegas apostadores e mesmo a espectadores . A res ponsabilidade mútua imputada pelo resultado (no sentido limita do , mas constante , em que isto é imputado) aumenta a exposição e conexão moral. E entre os sexos prevalece uma abertura adicional. Homens quase sempre podem dar alguns conselhos gratuitos a mulheres na vizinhança, juntando-se gradualmente a . elas numa coalizão de esperança contra o carteador. Além disso , se ocorre de uma mulher j ogar de uma forma que pode ser interpretada como lucrativa para todos, pode-se facilmente " colocar" uma aposta por ela e aumentar o envolvimento mútuo. Da mesma forma , depois que se conhece uma mulher, ela pode receber apostas de presente sem comprometer abertamente sua posição . Então, parece natural que ela fique com tudo ou parte de suas vitórias. Assim, as mesas fornecem a primeira j ogada no j ogo dos relacionamentos, e tam bém uma cobertura muito graciosa sob a qual pagamentos em di nheiro podem ser feitos como adiantamento para favores sociais e sexuais realizados posteriormente de forma não comercial. É as sim que se facilita organizacionalmente a paquera. Devemos notar que há muitos homens que se intimidam quanto a se envolver ativamente na paquera, mesmo quando estão em luga res estabelecidos para esse propósito . Há muitos outros que buscam tais oportunidades em qualquer lugar, seja na casa, em locais de tra balho , ou em contatos de serviços. E eles encaram todos os dias com
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tais potencialidades em mente99 • Esses homens orientados cronica mente precisam ser classificados junto com aqueles que estão dispostos a transformar qualquer evento numa proposição de aposta, ou qualquer tarefa em uma competição de força, habilidade ou conhecimento. Tentativas de iniciar um relacionamento potencialmente sexual são, obviamente, apenas uma forma da ação interpessoal que ocorre na comunidade como um todo. Outro tipo importante ocorre quando o indivíduo serve como um campo de ação em virtude de sua capacidade de receber e causar ferimentos tanto físicos quanto verbais. Para en contrar aqueles que favorecem esse esporte, provavelmente teremos que procurar "forasteiros" que, como adolescentes, ainda não foram costurados muito fortemente em estruturas organizacionais. Suposta mente, é entre eles que essas atividades decisivas causarão as menores perturbações e serão mais toleráveis; é um caso de ter pouco a perder, ou ter pouco a perder por enquanto, um caso de estar bem organizado para a desorganização. O estudo de gangues de esquina de jovens urba nos agressivos e alienados nos dá uma ilustração: O tempo acelerado dos testes de relacionamentos em es quinas, em contraste com, por exemplo , grupos de traba lho , surge em parte porque os líderes não controlam quantidades importantes de propriedade, porque eles po dem conceder poucos privilégios ou imunidades, e por que não há pressões institucionais externas que coagem os membros a aceitar a disciplina da gangue 1 00 •
Entre tais j ovens a noção de "barato" [ "kicks " ] tem sua impor tância mais clara. Aqui, a cultura e o refinamento dos esportes reco nhecidos não está presente para mascarar a gratuidade dos riscos to mados; a própria comunidade é transformada num campo para a ação, utilizando especialmente iguais, adultos desprotegidos , e pes soas percebidas como símbolos da autoridade policiaL Walter Mil ler nos dá uma boa descrição :
99. Apesar de a noção de ação certamente ser relevante para contatos heterossexuais, ela parece ser ainda mais para contatos homossexuais. A sociedade gay aparente mente destaca a "transa de uma noite" (ou , melhor, transa de parte da noite) muito mais do que a sociedade heterossexual, tendo uma taxa correspondentemente alta de contingência e risco em relação à formação de relacionamentos . 1 00 . SHORT , J &: STROTBECK, F . Group Process and Gang Delinquency. Chicago : University of Chicago Press, 1965, p. 196.
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Muitas das características mais típicas da vida de classe bai xa estão relacionadas à busca de excitação ou "arrepio" . Estão envolvidos aqui o uso altamente prevalente do álco ol por ambos os sexos e o uso disseminado de todo tipo de jogos de azar - jogar "nos números" [playing the num 1 bers ] 0 \ apostar em corridas de cavalos, dados, cartas. A j ornada pela excitação encontra o que talvez seja sua ex pressão mais vívida na prática altamente padronizada da "noite na cidade" recorrente. Essa prática, designada por vários termos em áreas diferentes ( "ir para a balada", "ga nhar a noite", "pular de bar em bar") envolve um conjunto padronizado de atividades em que o álcool, a música, e aventuras sexuais são componentes fundamentais. Um grupo ou indivíduo sai para "rodar" por vários bares ou clubes noturnos. A bebedeira continua progressivamente durante a noite. Os homens tentam "catar" mulheres, e as mulheres jogam o jogo arriscado de insinuar avanços se xuais. Lutas entre homens envolvendo mulheres, apostas, e afirmações de bravura física, em várias combinações, são consequências frequentes de uma noite rodando por ba res. O potencial explosivo desse tipo de aventura com sexo e agressão, frequentemente levando a "confusões" , é bus cado semiexplicitamente pelo indivíduo. já que sempre há uma boa possibilidade de que estar na noite terminará em brigas, etc ., a prática envolve elementos de risco voluntá rio e perigo desejado 102 •
1 0 1 . Um tipo de loteria ilegal muito popular entre negros do Harlem, em Nova York, na primeira metade do século XX, com algumas semelhanças com o j ogo do bicho no Brasil [ N . T. ] . 1 0 2 . MILLER, W . "Lower Class Culture as a Generating Milieu o f Gang Delin quency" . Op. cit. , p. l l . Uma das primeiras descrições sobre o tema da excitação na delinquência é encontrada em THRASHER, F. The Gang. Chicago : University of Chicago Press, 1 927, cap. 5 : "The Quest for New Experience" . Uma versão mais atual é encontrada em H. Finestone ("Cats, Kicks and Color" . Social Problems, 5 , 1957, p. 5 ) , que descreve u m grupo que combina o desdém pelo mundo d o traba lho com uma preocupação muito forte com a expressão da frieza diante de proble mas. Da mesma forma, as "preocupações focais" que Miller atribui à cultura urbana de classe baixa (confusão, agressividade, inteligência, excitação , destino , autono mia) parecem muito apropriadas para apoiar o envolvimento na ação .
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Um estudioso de italianos de classe baixa de Boston nos dá ou tra descrição : Para aquele que procura a ação , a vida é episódica. O rit mo da vida é dominado pelo episódio aventureiro , em que ápices de atividade e sensações são alcançados atra vés de comportamento excitante e às vezes libertino . O objetivo é a ação , uma oportunidade de arrepio , e a chance de enfrentar e superar um desafio . Ele pode ser procurado num j ogo de cartas, numa briga, num inter lúdio sexual, numa competição de bebedeira, numa ses são de apostas , ou numa troca rápida e furiosa de tiradas e insultos. Qualquer que sej a o episódio , aquele que procura a ação o faz resolutamente, e vive o resto de sua vida numa preparação quieta - e muitas vezes taciturna para esse clímax, na qual diz-se que ele normalmente está "matando tempo" 103 • 8. Caráter
Começando com um garoto arriscando a sorte, passamos para a consequencialidade; de lá chegamos à decisividade do tipo zeloso (notando que isto poderia levar à construção da situação como uma aposta prática realizada voluntariamente) ; e de lá chegamos à ação uma espécie de atividade em que a autodeterminação é celebrada. E vimos que a decisividade, evitada por muitas pessoas, é aprovada, por algum motivo, por outras, e existem até aquelas que constroem um ambiente no qual elas podem desfrutá-la . Algo significativo e peculiar parece estar envolvido na ação. A descrição de Hemingway da situação humana de um de seus toureiros favoritos nos dá uma dica sobre aquilo que devemos procurar:
1 03 . GANS, H. The Urban Villagers. Nova York: The Free Press, 1 962, p. 29. Ele apresenta urna outra discussão sobre o apelo da ação nas p. 65-69. Na literatura, mui tas vezes se argumenta que os jovens adolescentes precisam desenvolver e demons trar a hornbridade e que a busca da ação serve para isso. Neste capítulo, eu argumen to que a hombridade é um complexo de qualidades que é melhor chamar de "cará ter" , e que é isto que deve ser tratado na análise da "representação" adolescente. De qualquer forma, corno Bennett Berger aponta ("On the Youthfulness of Youth Cultu re" . Social Research, 30, 1 963, p. 325-327) , a orientação para a ação envolve urna pre ocupação não apenas com a masculinidade, mas também com a juventude.
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Nós conversáramos sobre a morte sem morbidez, e eu dissera a Antonio o que eu pensava sobre ela, o que é inú til, já que nenhum de nós sabe nada sobre ela, eu podia ser sinceramente desrespeitoso sobre a morte e às vezes comunicar esse desrespeito a outras pessoas, mas eu não estava lidando com ela neste momento. Antonio a en frentava pelo menos duas vezes por dia, às vezes todos os dias da semana, viajando longas distâncias para fazer isso . Todo dia ele deliberadamente provocava o perigo dela para si mesmo , e prolongava esse perigo para além dos limites em que ele normalmente pode ser suportado , através de seu estilo de tourear. Tudo que ele sabia era tourear e ele fazia isso tendo nervos perfeitos, sem nunca se preocupar. Pois o seu modo de lutar, sem truques, de pendia de entender o perigo e controlá-lo através da for ma pela qual ele se ajustava perfeitamente à velocidade do touro, ou à falta dela, e o controle do touro através de seu pulso que era governado por seus músculos, seus nervos, seus reflexos, seus olhos, seu conhecimento seu instinto e sua coragem.
Se houvesse qualquer coisa errada com os seus reflexos, ele não poderia lutar dessa forma. Se sua coragem falhasse pela menor fra ção de segundo , o feitiço seria quebrado e ele seria arremessado ou chifrado . Além disso, ele precisa brigar com o vento que poderia lhe expor ao touro e matá-lo caprichosamente a qualquer momento. Ele sabia de todas essas coisas fria e completamente, e nosso problema era reduzir o tempo que ele tinha para pensar sobre elas ao mínimo necessário para que ele se preparasse para enfrentá-las antes de entrar na arena. Este era o compromisso regular de Antonio com a morte que precisamos enfrentar todos os dias. Qualquer ho mem pode ser capaz de enfrentar a morte, mas se com prometer a trazê-la o mais perto possível enquanto reali za certos movimentos clássicos, e fazer isso de novo e de novo e depois causar ele mesmo a morte, com uma espa da, de um animal que pesa meia tonelada e que você ama, é mais complicado do que simplesmente encarar a morte. É encarar sua apresentação como um artista criativo todo dia e sua necessidade de funcionar como um matador ha bilidoso . Antonio precisava matar rápida e misericordio-
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samente e ainda assim dar ao touro uma chance completa de matá-lo quando ele passava por cima do chifre pelo to•. menos duas vezes por dia
Se examinarmos momentos em que um indivíduo arrisca tais chances, seja como parte de trabalho sério ou de brincadeiras peri gosas, algumas capacidades, algumas propriedades de sua composi ção parecem ter relevância intrínseca ou "primária" : em trabalhos de construção de estruturas altas, cuidado e equilíbrio ; no alpinis mo, a "condição" e resistência; nas touradas, o senso de oportunida de e o julgamento perceptivo ; na caça esportiva, a mira; nos jogos de azar, um conhecimento das probabilidades; e em todos os casos, a memória e experiência. Muitas vezes essas capacidades primárias podem ser criadas através de treinamento. É importante notar que as mesmas capacidades podem ser exercidas durante circunstâncias inconsequentes , quando os aspectos arriscados de ocasiões reais são completamente evitados ou meramente simulados. Encontramos assim sessões de treino , tiro ao alvo, testes, j ogos de guerra e ensaios de palco. O treinamento organizado usa extensivamente esse tipo de simulação . Aqui, uma atuação boa ou má não precisa ser decisiva por si mesma nem em seu efeito na reputação do ator. Da mesma forma, as capacidades primárias podem muitas vezes ser exercidas em ocasiões em que a performance efetiva é atingida fácil e impensa damente, quando , resumindo , os resultados são consequentes, mas não problemáticos. É sob circunstâncias percebidamente decisivas - consequentes e problemáticas - e apenas em relação próxima a elas que aparece um segundo conjunto de capacidades ou propriedades. Uma sensa ção repentina de um indivíduo sobre algo que poderá acontecer logo pode ter um efeito notável em seu comportamento , em relação tanto a laços sociais quanto realização de tarefas. No caso das rela ções com os outros, o comportamento baseado em princípios que ele consegue exibir durante ocasiões ordinárias pode desmoronar. A consciência rápida daquilo que os seus princípios custam a ele no momento pode fazer com que sua decência costumeira falhe e, no calor e pressa do momento, o interesse próprio sem disfarces pode
1 04 . HEMINGWAY, E. "The Dangerous Summer" . Life, 1 2/09/1960, p. 75-76.
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se intrometer. Ou, pelo contrário, o alto custo repentino do com portamento correto pode servir apenas para confirmar sua integri dade. Da mesma forma, na parte da realização de tarefas, o fato de ele imaginar a consequência de fracassar ou ser bem-sucedido para si mesmo pode afetar fortemente sua capacidade de exercer as capa cidades primárias em questão . As possibilidades iminentes podem deixá-lo nervoso, incapaz de utilizar o que sabe, e incapaz de reali 105 zar ações organizadas ; por outro lado, o desafio pode fazer com que ele mobilize suas energias e se saia melhor do que o esperado . Em contraste ao amigo de Hemingway, Antonio, temos jose Marti nez que, ao estrear como matador em Múrcia, desmaiou quando o touro entrou na arena 106 • Essas capacidades (ou falta delas) para agirmos de forma correta e firme diante de pressões repentinas são cruciais; elas não especifi cam a atividade do indivíduo , mas sim como ele se portará nesta ati vidade. Eu me referirei a essas propriedades de manutenção como um aspecto do caráter do indivíduo . A prova de incapacidade de se comportar efetiva e corretamente sob a pressão da decisividade é um sinal de caráter fraco. Aquele que manifesta uma hapilidade mé dia e esperada não parece ser muito julgado em termos de caráter. A prova de uma capacidade destacada de manter o autocontrole total quando as cartas estão na mesa - seja em relação a tentações morais ou a realização de tarefas - é um sinal de caráter forte.
105. j . L. Austin ("Pleas for Excuses" (Philosophical Papers. Oxford: Oxford Uni versity Press , 1 96 1 , p . 1 4 1 [ org. por URMSON , j. & WARNOCK, G . ) ) , discutindo os vários "departamentos nos quais o negócio de fazer ações é organizado " , sugere: "Há, por exemplo , o estágio em que temos que realmente desempenhar alguma ação em que embarcamos - talvez tenhamos que realizar certos movimentos corporais, ou fazer um discurso. Enquanto realmente Jazemos essas coisas (costurando a ação) precisamos prestar (alguma) atenção àquilo que estamos fazendo e tomar (algum) cuidado para nos precaver contra perigos (prováveis) : podemos precisar usar juízo ou tato : precisamos exercer controle suficiente sobre nossas partes cor porais, e assim por diante. A desatenção , o descuido, erros de juízo , grosseria, falta de j eito - todos estes e mais outros são males (com desculpas anexas) que afetam um estágio específico na maquinaria da ação , o estágio executivo, o estágio em que estragamos as coisas". 1 06. Relatado por McCABE, C . San Francisco Chronicle, 02/06/1966. 207
Tanto as propriedades primárias quanto aquelas do caráter con tribuem para a reputação que um indivíduo adquire; ambas são, por tanto , consequentes. Mas há diferenças importantes entre as duas. Como foi sugerido, as qualidades primárias podem ser expressas numa situação que não é decisiva; as qualidades do caráter - nos as pectos considerados aqui - só emergem em eventos decisivos, ou pelo menos eventos considerados decisivos subj etivamente. Pode mos aprovar, desaprovar ou sermos moralmente neutros quanto a qualidades primárias. Entretanto , as propriedades de caráter sempre são julgadas a partir de uma perspectiva moral, simplesmente porque uma capacidade de se mobilizar para o momento está sempre suj eita à avaliação social. E, em contraste com as propriedades primárias, as marcas de caráter tendem a ser avaliadas em extremos, referindo-se a fracassos completamente inesperados ou sucessos extraordinários; a mera conformidade com os padrões normais não é o problema. Final mente, diferente de traços primários, os de caráter tendem a ser "es sencializadores" , colorindo totalmente nosso retrato da pessoa carac terizada dessa forma, e (como veremos depois) uma única expressão tende a ser considerada uma base adequada para um julgamento. Analisemos algumas das principais formas de caráter importan tes para o gerenciamento de eventos decisivos. Primeiro , há as várias formas de coragem, a saber, a capacidade de visualizar um perigo imediato e ainda assim levar adiante o curso de ação que traz o perigo. As variações são estabelecidas pela natu reza do risco, por exemplo , físico, financeiro , social ou espiritual. Assim, entre apostadores profissionais, há respeito por uma quali dade chamada de "arriscar tudo " , a saber, uma disposição a se sub meter às regras do j ogo enquanto se arrisca uma porção significativa do capital atual do indivíduo - supostamente com a graça para acei tar a vitória ou derrota circunspectamente. É bom notar que os inte resses servidos por ações corajosas podem ser bastante egoístas; a questão é a prontidão do ator a enfrentar grandes riscos. Há a combatividade [gameness] , a capacidade de se manter numa linha de atividade e continuar a despej ar todos os esforços nela in dependentemente de percalços, dor ou fadiga, e isto não é devido a uma insensibilidade bruta, mas devido à força de vontade e determi nação internas. Os boxeadores nos dão um exemplo: 208
Há também um culto de um tipo de coragem perseveran te, chamada de "coração lutador" , o que significa "nunca admitir a derrota" . O lutador aprende cedo que a cora gem que ele exibe - a habilidade, se necessário, de cair lu tando - caracteriza o boxeador respeitado e que agrada às plateias. Ele precisa se agarrar à esperança de que pode vencer com mais alguns golpes 1 0 7 .
Devemos adicionar que as pessoas não estão sozinhas, e talvez não estejam nem em primeiro lugar, nessa questão de mostrar cora ção . Touros criados apropriadamente o exibem maravilhosamente ; é por isso que eles aceitam as batalhas feitas para eles e continuam a lutar mesmo de uma posição cada vez mais fraca, e é por isso que touradas podem existir. Cavalos de corrida, sob uma leitura especial do termo "classe" , também podem ter coração 108 • Uma característica fundamental de caráter pessoal do ponto de vista da organização social é a integridade, significando aqui a pro pensão a resistir à tentação em situações em que haveria muito lucro e alguma impunidade ao se esquecer de padrões morais momenta neamente. A integridade parece ser especialmente importante du rante atividades decisivas que não são testemunhadas por outros. Apesar das sociedades diferirem enormemente nos tipos de caráter que aprovam, nenhuma sociedade poderia persistir por muito tem po se seus membros não aprovassem e encoraj assem essa qualidade. Todos tendem a reivindicar um alto padrão de integridade, por mais rara que seja a realização dele; a excelência neste quesito é conside rada evidente, e pessoas que fracassam são aquelas que são designa das, neste caso , como tendo caráter fraco 109 • (Portanto , podemos en contrar exemplos de integridade nos menores cantinhos da vida: quando um vendedor promove um produto inadequado com me nos persuasão do que poderia aplicar; quando uma garota não can cela um encontro que uma oportunidade repentina tornou desvan-
107. WEINBER' cit. , p. 462.
,
K. &: AROND, H. "The Occupational Culture o f the Boxer" . Op .
1 08. Cf. SCOT f, M. The Racing Game. Chicago: Aldine , 1 968. 109. Eu agradeço a Marvin Scott pelas sugestões tratando do lugar especial da inte gridade enquanto uma propriedade de caráter. 209
taj oso; quando uma criança admite ter causado uma ofensa que se ria atribuída a outras pessoas; quando um motorista de táxi ou bar beiro entrega três dólares em notas quando uma dívida de dois dóla res é paga com uma nota de cinco . ) Comentários um tanto seme lhantes podem ser feitos sobre a "autodisciplina" , a capacidade de se abster de um envolvimento excessivo nos prazeres fáceis da mesa seja num bar, num restaurante, ou num cassino . Anteriormente, sugeri que as próprias situações sociais carre gam algumas implicações quanto à reputação, especialmente em re lação aos padrões que os participantes são obrigados a manter em seus negócios uns com os outros. Eu disse que essa consequenciali dade normalmente não era problemática. Entretanto , aqui precisa mos ver que as circunstâncias às vezes causam isso . Por exemplo, a manutenção contínua da ordem cerimonial pode ocasionalmente tornar-se muito cara, produzindo o privilégio questionável de exibir uma versão especial da integridade. Nesses momentos, o indivíduo terá que decidir se cederá ou não à pressão , se deixará os padrões escorregarem ou não . A galanteria se refere à capacidade de manter as formas da cortesia quando as formas estão cheias de substância. Ela é demonstrada quando Douglas Fair banks 110 , no meio de um duelo cinemático até a morte, pega a espada que seu adversário deixara cair e a entrega de volta com um gesto cortês, para impedir que uma vantagem sem significado estragasse a oportunidade de uma expressão válida. Outros esportes apresentam oportunidades semelhantes: Foi em 1 902 que o então campeão britânico Selwyn F. Edge, pilotando na corrida Paris-Viena, teve um pneu fu rado e foi forçado a parar para consertá-lo . Entretanto, ele logo descobriu que a bomba de ar que trouxera não funcionava. Sem ela, o pneu não poderia ser enchido e o carro não poderia prosseguir. N esse momento , o exuberar te Conde Louis Zborowski apareceu na estrada num M t ·cedes , olhou rapidamen-
l lO. Ator americano do início do século XX, conhecido principalmente por seu pa pel como Zorra [ N .T. ] .
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te para a situação, parou ao lado do carro de Edge e jo gou sua própria bomba de ar para o rival. Edge acabou vencendo a copa Gordon Bennett. Zborowski foi o se gundo m .
É interessante notar que os exemplos de galanteria são normal mente do tipo que citei, e negligenciam o lugar dessa propriedade na vida cotidiana. Na verdade, um loj ista é galante quando ele des necessária e polidamente aceita a devolução de uma grande venda a um turista que repentinamente mudou de ideia. Da mesma forma, um passageiro numa lista de espera é galante quando ele voluntaria mente cede o penúltimo lugar para que um casal j ovem, próximo na fila, possa ficar junto sem ter que esperar o próximo voo 112 • É claro que a galanteria não é a única qualidade de caráter en contrada em conexão com a manutenção cara e problemática da or dem cerimonial. Assim como o indivíduo deve cortesias a outros, estes também as devem a ele e, se não o tratarem apropriadamente, ele pode descobrir que precisa arriscar atos de retaliação para mos trar que eles não podem se aproveitar dele. No mundo contemporã neo, a polícia nos dá excelentes exemplos deste tema, já que às vezes eles sentem que precisam empenhar seus punhos, seus cassetetes e até seus revólveres para garantir uma boa deferência daqueles que eles prendem ou abordam de outra forma 113 •
1 l l . DAVIS, S. " Chivalry on the Road" . In: BEAUMONT, C. & NOLAN , W. Omni
bus of Speed. Op. cit. , p. 32-33. l l 2 . Em cassinos, a galanteria é institucionalizada como o direito e dever especial do supervisor. Apostas cujo resultado é questionado são julgadas por ele, e o estilo tradicional e preferido é sugerir gentilmente ao cliente como a culpa poderia ser ou é dele, e então, depois de limpar assim o nome do carteador, permitir graciosamen te que a decisão vá contra a casa . Eu vi supervisores se comportarem dessa forma quando a aposta era grande o bastante para fazer uma diferença apreciável na conta da mesa nesse turno. Aqui, é claro, o próprio cassino está preocupado em adquirir e manter uma reputação daquilo que neste contexto é chamado de "classe" , o oposto de ser "barato" . (Encontra-se um tratamento geral do caráter organizacional em SELZNICK, P. Leadership in Administration. White Plains: Row, Petterson, 1957, esp. p. 38-42 . )
1 1 3 . Cf. WESTLEY, W. "Violence and the Police " .
American ]oumal of Sociology,
UX, 1953, p. 39-40. 21 1
Atos de retaliação desse tipo pressupõem, é claro, que a pessoa ofendida tem grande autoridade e recursos. Quando isto não é o caso , então ela pode se sentir obrigada a sacrificar sua própria substância para manter as aparências. O resultado é uma galanteria invertida: não uma cortesia cara, mas um desprezo caro. No extremo mítico, empregado zelosamente em muitos romances de ação, o herói, despi do e amarrado numa cadeira, cospe ou pelo menos faz uma careta para o vilão que ameaça morte e tortura; o herói voluntariamente exacerba uma situação precária para demonstrar aversão pela presun ção e estilo do vilão . De forma mais realista, descobrimos que serviçais de todos os tipos sabem que se o valor de seu serviço ou de seu eu é questionado , eles podem majestosamente recusar qualquer paga mento ou até mesmo pedir ao cliente para levar sua freguesia para ou tro lugar - uma questão de cortar o próprio nariz para destruir a fa chada de outra pessoa. Normalmente não apreciamos tais vitórias de Pirro, e nem a qualidade de caráter considerada responsável por ar rancá-las. E sem dúvida tais incidentes não ocorrem frequentemente no mundo real. Mas histórias de sua ocorrência estão em todos os cantos, e parecem ter um papel significativo para manter o respeito próprio dos serviçais e o comedimento daqueles a quem eles servem. De todas as qualidades de caráter associadas com o gerencia mento da decisividade, a mais interessante para este ensaio é a com postura, quer dizer, o autocontrole, o domínio de si e o aprumo . Esse atributo é duplamente consequente, pois ele causa diretamente o funcionamento de uma propriedade primária e é ele mesmo uma fonte de reputação . A compostura tem um lado comportamental, uma capacidade de executar tarefas físicas (tipicamente envolvendo o controle dos músculos das mãos) de forma suave, organizada e autocontrolada sob circunstâncias decisivas. Ganhar dinheiro com sinuca é um exemplo : Por outro lado, o jogador precisa ter "coração" (coragem) . O sine qua non é que ele seja um bom "jogador de dinhei ro" , que possa dar o seu melhor quando o jogo vale ação pesada (o que muitos jogadores não conseguem) . E ele também não deve deixar uma jogada azarada ou distrações na plateia perturbá-lo. (Ele pode fingir ser abalado em tais ocasiões, mas isso é apenas parte de seu truque.) E a quali212
dade de seu jogo também não pode deteriorar quando, seja por um erro de cálculo ou algum outro motivo, ele se en contra muito atrás do que gostaria de estarll4 .
Podemos citar um exemplo do que esta capacidade não é : Noite passada, u m homem nervoso vestindo uma capa impermeável e óculos escuros estava no guichê de paga mento da loja Safeway, na Rua Mission, 4940. Enfiando a mão no bolso, ele retirou uma pistola automáti ca de calibre 32. Ou pelo menos tentou. A arma ficou presa no bolso, disparando um tiro no rodapé da cabine do caixa. Uns 1 5 clientes e dez funcionários encararam o homem. Ele lambeu os lábios, nervoso. - Isto é um assalto - ele balbuciou para a caixa Rose Ca telli, 30, moradora da Rua Naples, 579. - Quero todo o dinheiro do cofre. E então ele deu as costas e saiu correndo da loja, com o gerente Val Andreacchi e o funcionário Tom Holt em perseguição.
Sem sequer olhar para trás, o atirador disparou frenetica mente três ou quatro tiros enquanto correu meio quartei rão até um beco na Rua London, pulou em seu carro , e fugiu rapidamente 11 5 •
A compostura também tem aquilo que é considerado um lado afetivo, o autocontrole emocional necessário para se lidar com os outros. Na verdade, o que parece estar envolvido é o controle físico dos órgãos empregados para falar e gesticular. Sir Harold Nicolson, discorrendo sobre as qualidades necessárias a um diplomata profis sional, nos dá exemplos: Uma terceira qualidade essencial para o diplomata ideal é a qualidade da calma. O negociador não apenas deve evitar demonstrar irritação quando enfrenta a estupidez, desones tidade, brutalidade ou presunção daqueles com quem é seu dever desagradável negociar, mas ele deve deixar de lado todas as hostilidades pessoais, todas as predileções pessoais, todos os entusiasmos, preconceitos, vaidades, exageros, dramatizações e indignações morais. [ . .. ]
1 14. POLSKY, N. "The Hustler" . Op. cit. , p. 10. 1 1 5 . San Francisco Chronicle, 1 7/1 1/1963 . 213
A qualidade da calma, aplicada ao diplomata ideal, deve se expressar em duas direções principais. Em primeiro lugar, ele deve ter bom humor, ou pelo menos ser capaz de man ter seu mau humor sob controle perfeito. Em segundo lu gar, ele deve ser muito excepcionalmente paciente. As ocasiões em que diplomatas perderam a paciência são lembradas com horror por gerações de seus sucessores. Napoleão perdeu a paciência com Mettemich no Palácio Marcolini em Dresden em 26 de junho de 1 8 1 3 , e j ogou seu chapéu no carpete com resultados deveras infelizes. Sir Charles Euan Smith perdeu a paciência com o Sultão do Marrocos e rasgou um tratado na presença imperial. O Conde Tattenbach perdeu a paciência na Conferência de Algeciras e expôs seu país a uma grave humilhação diplo mática. Herr Stinnes perdeu a paciência em Spa 1 1 6 .
Esses homens "explodiram" , deixaram de ser seus próprios mestres, tomando-se , junto com seus princípios, suj eitos ao contro le de outros. junto ao valor de movimentos suaves e emoções serenas, pode mos examinar o valor da calma e prontidão mentais, ou seja, a pre sença de espírito. Esta competência é importante para a execução apropriada de muitas tarefas impessoais, como , por exemplo , pro vas. Estas são supostamente um dispositivo de amostragem para descobrir um resultado justo e esperado . Mas, na verdade, a nota numa prova depende da mobilização de memória e conhecimento sob pressão , e então a confecção de uma resposta abrangente e orde nada num tempo não exatamente confortável; o oposto disto é às vezes chamado de "dar um branco" 117 • A presença de espírito tam bém é importante em tarefas que envolvem outras pessoas direta-
1 1 6. NICOLSON , H. Diplomacy. Nova York: Oxford University Press, 1 964, p. 62. 1 1 7 . Como parte da socialização, provas escolares podem ser importantes não por causa daquilo que os alunos precisam aprender para fazê-las, mas sim por causa da quilo que eles podem aprender ao fazê-las. Pois aqui, pelo menos em nossa socieda de, está talvez o treinamento inicial mais importante para a realização de tarefas di fíceis sob condições de tempo limitado, de forma que a falta de compostura mental por si mesma provavelmente desperdiçará um tempo limitado e aumentará sua própria produção . É interessante notar que, em nossa sociedade, testes formais que requerem compostura ftsica sob circunstâncias difíceis parecem aparecer apenas muito mais tarde na vida, se é que aparecem. 214
mente. Esse tipo de presença de espírito é aquilo que pessoas conhe cidas como espirituosas têm, e a pessoa tímida não tem. Livros de mots famosas, afirmações brilhantes de tato, e "cala-bocas" e humi lhações eficientes testemunham o interesse geral nessa disposição. A compostura tem ainda outro lado , a capacidade de contem plar a mudança abrupta do destino - o próprio, e por extensão, o dos outros - sem perda de controle emocional, sem se "abalar" 118 • A compostura também tem um lado corporal, às vezes chamado de dignidade, quer dizer, a capacidade de manter o decoro corporal face a custos, dificuldades e impulsos imperativos 119 • Aqui, o esporte do surfe (ainda mais do que o esqui) tem interesse especial. O apru mo físico e a dignidade da postura ereta devem ser mantidos numa prancha chata e estreita contra forças retumbantes que desafiam até o limite a capacidade humana para esse tipo de autocontrole corpo ral. Aqui a manutenção do aprumo físico não é meramente uma condição para a performance efetiva, mas um propósito central dela. Podemos mencionar um último aspecto da compostura: a confi ança de palco - a capacidade de suportar os perigos e oportunidades de aparecer perante grandes plateias sem medo , constrangimento, vergonha ou pãnico . Por trás disto está o tipo especial de aprumo re lacionado a lidar com a contingência de estar sob a observação de outros enquanto se desempenha um papel em que é fácil perder cré dito. Uma variação interessante ocorre no mundo secreto de es piões, agentes à paisana e criminosos, no qual pode ser necessário "agir naturalmente" perante uma plateia crítica quando se sabe que em alguns poucos segundos o show inteiro pode acabar. O que 1 1 8. Uma análise desta questão é oferecida em GLASER, B. &: STRAUSS , A. Aware ness ofDyíng. Chicago : Aldine, 1965, p. 226-256, cap. 1 3 : "Awareness and the Nur
se's Composure" . 1 1 9 . A dignidade pode criar notícias. Vejamos um relato d o Sun-Tímes (com foto ) , 1 7/04/1953: "Viviane Romance, uma estrela d e cinema francesa que s e recusou a deixar um ator cuspir em seu rosto e xingá-la numa cena de um filme, foi multada em $ 1 1 .428 por quebra de contrato em Paris. A estrela disse que tal ação estava 'abaixo de sua dignidade'" . Um bom exemplo de conduta que alguns considerariam indigna pode ser encontrado no livro Pícture, de L Ross (Nova York: Dolphin, 1 962) em que ela descobre as tarefas ignóbeis que Albert Band aparentemente rea lizava como assistente de john Huston e Gottfried Reinhardt. Cf. esp. p. 3 2-5 7, 9 1 -97. [Band, Huston e Reinhardt foram diretores de cinema - N .T. ]
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se segue foi escrito sobre um dos melhores arrombadores de Nova York, logo depois de realizar um roubo muito grande no décimo an dar de um hotel: Ele desceu as escadas para o nono andar e pegou o eleva dor até o térreo. Com aquilo que a polícia chama de "co ragem de arrombador" , ele deixou que o porteiro cha masse um táxi para ele. - Foi a primeira vez na minha vida que não pude dar uma gorj eta para o porteiro - ele disse para a polícia. - Meus bolsos estavam tão cheios de j oias que eu não consegui pegar nenhum trocado . Foi muito constrangedor l 20 .
Está envolvido aqui um conjunto importante de suposições. Pessoas que têm boas razões para temer serem presas a qualquer momento são inclinadas a fugir correndo ou pelo menos ficar cons tantemente de olho em perigos possíveis. Essas tendências bastante naturais podem ser mantidas sob controle, mas raramente sem dei xar algum traço de agitação . Então , as autoridades, procurando aquele realmente culpado entre os aparentemente inocentes, esta rão corretamente inclinadas a vistoriar pessoas que pareçam des confiadas, ou ansiosas sem nenhuma causa visível. Parecer tímido , então , é estragar o disfarce de "parecer com qualquer um" . Mas se o indivíduo sentir que sua aparência o está denunciando , ele sentirá que tem mais motivos para ter medo . Suprimir o impulso de sair do recinto que este novo medo causa gerará sinais ainda maiores de fal ta de naturalidade que, por sua vez, terão seu efeito circular. A compostura, em todas as suas dimensões diferentes, tradicio nalmente é associada com a ética aristocrática. Entretanto , recente mente uma versão dessa qualidade tem sido bastante promovida por elementos urbanos vulgares sob o rótulo de coo!ness 1 2 1 • Sir Harold talvez não aprovasse a locução , mas seus conselhos para um diplo-
1 20. BLACK, S. "Burglary" , 11. Op. cit . , p. 1 1 8. 121. Literalmente, "frieza" , mas sem tradução para o português na acepção em que Goffman o emprega (o termo é utilizado no original por j ovens brasileiros) - o mais próximo que temos é a expressão "ficar frio" . É bom notar que na época em que Goffman publicou este ensaio, o termo , como ele diz, era utilizado principalmente por classes mais baixas. Hoje em dia, no início do século XXI, seu uso já se generali zou entre j ovens de todas as classes [N.T. ] . 216
mata itinerante poderiam ser expressos com precisão dizendo "Que rida, fique fria" 122 • O ponto importante aqui é que descobrimos que a compostura é uma preocupação e um valor em muitas culturas dife rentes e através de muitos estratos diferentes. Parece haver duas ra zões principais para isto . Primeiro , sempre que um indivíduo está na presença imediata de outros, especialmente quando ele está envolvido cooperativa mente com eles - como , por exemplo , na manutenção conjunta de um estado de fala - sua capacidade enquanto um participante com petente da interação é importante para eles. A ordem social mantida no ajuntamento retira seus ingredientes, sua substância, de peque nos comportamentos disciplinados. Sua contribuição de um porte apropriado se mistura com a contribuição dos outros para produzir uma copresença organizada socialmente. Ele precisará manter con trole sobre si mesmo se quiser se tomar disponível para as questões do momento e não as perturbar. A falta de compostura o desqualifi cará para esses deveres e ameaçará o mundo sustentado conjunta mente em que os outros sentem que têm direito de estar. Segundo , esteja ou não o indivíduo na presença de outros, qual quer tarefa que ele realize envolve o uso fácil e treinado de faculda des humanas - mente, membros e, especialmente, músculos das mãos. Muitas vezes, esse gerenciamento precisa ser adquirido e mantido sob circunstâncias muito especiais: qualquer fracasso tem porário de controle devido à preocupação sobre a situação criará ra zões para ainda mais constrangimento e, por isso, ainda mais falta de jeito , e assim por diante até o indivíduo ficar abalado demais para
1 22 . Mas a coolness contemporânea parece ter nuances próprias. O estilo emprega do pressupõe que, apesar da coolness ser uma característica pessoal, aquele que a possui está numa relação alienada com ela , já que mantê-la é sempre problemático . Assim como podemos perder a carteira, podemos perder a coolness. O termo tam bém é estendido para cobrir não apenas o envolvimento em questões perturbado ras, mas o envolvimento em qualquer coisa - aparentemente, sob a pressuposição de que para aqueles cuja posição social é vulnerável, qualquer preocupação por qualquer coisa pode ser infeliz, e a indiferença é a única posição defensível. Final mente, na frase "esfria aí" [ to cool it] , comunica-se uma injunção contra comporta mentos que poderiam excitar respostas indesejáveis de outras pessoas e assim, por extensão , aumentar a ameaça contra nossa própria situação e, em consequência, contra nossa coolness.
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lidar com a tarefa. Engolidores de espadas são um exemplo claro . O toque e a temperatura da lãmina fazem com que aqueles que não têm prática tenham náuseas, o que certamente impossibilita a tare fa. Quando essa resposta consegue ser suprimida, o aprendiz desco bre que a espada faz com que sua garganta se feche bastante. Ele pre cisa de mais treino para relaxar esses músculos e permitir que a es pada passe sem tocá-los. Quanto mais a espada toca, maior a chance de um espasmo involuntário, o que, obviamente, aumentará a quan' 1 23 tidade de toques . (E claro que , correspondentemente, quanto mais bem composto o engolidor, menos a espada tocará e menos restrita será a passagem, e assim por diante.) Como foi sugerido , um apuro similar ocorre sob condições de tempo limitadas. A falta de j eito pode desperdiçar tempo, o que torna a situação mais difícil, o que por sua vez provoca ainda mais descompostura. Já que as pessoas em todas as sociedades precisam levar a cabo boa parte de suas atividades em situações sociais, devemos esperar que a capacidade de manter apoio à ocasião social sob circunstâncias difíceis seja aprovada universalmente. Da mesma forma, já que indivíduos em todas as sociedades e estratos precisam realizar tarefas, a compostura requerida por isto será uma preocupação em qualquer lugar. Eu listei várias bases de caráter forte: coragem, combatividade, integridade, compostura. Deve estar claro que elas podem ser com binadas , produzindo decorações para a vida moral da comunidade. Um operador de telégrafo que polidamente se recusa a abandonar seu navio naufragando , e afunda enquanto friamente improvisa re paros no transmissor, combativamente se motivando mesmo com suas mãos queimadas, combina em seu feito quase tudo que a socie dade pode pedir de uma pessoa . Ele transmite uma mensagem im portante, mesmo que ninguém receba seu SOS. Desejo agora voltar à sugestão de que, apesar das propriedades de caráter serem encontradas tipicamente durante momentos deci sivos, elas também são exibidas durante ocasiões de mera decisivi dade subj etiva, quando um destino que já está determinado está sendo revelado e assentado. Os sentimentos gerados durante esses momentos podem exigir poderes de autocontrole para serem bem
123. Cf. MANNIX, D. Memoirs of a Sword Swallower. Nova York: Ballantine, 1 964, p. 94-98.
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gerenciados. E , é claro , esse domínio de si será especialmente im portante quando outros estão imediatamente presentes, já que a in teração ordenada que eles mantêm seria colocada em perigo pela descompostura do indivíduo cuj o destino está em j ogo . Não podemos encontrar nenhum exemplo melhor do que as qualidades exibidas por alguém prestes a ser enforcado, guilhotina do, fuzilado, ou submetido à câmara de gás. As execuções ocorrem sob condições nas quais a plateia é bastante instável, e em que a co operação física e a equanimidade psíquica são exigidas do homem condenado para as coisas correrem suavemente. O saber sobre exe cuções registra, como consequência, pessoas que lutaram, se con torceram, cuspiram, uivaram, desmaiaram e tiveram incontinência durante os momentos antes de serem despachados, provando sua falta de caráter: "O povo de York testemunhou outro enforcamento desa gradável quando joseph Terry lutou, gritou e mordeu quando o carrasco tentou colocar o nó em volta de seu pescoço. Seis homens vieram para o cadafalso para segu rá-lo e finalmente a corda foi forçada em sua cabeça, mas em outro embate o capuz caiu . Neste momento a plata forma caiu. Terry saltou e conseguiu colocar um pé na borda do cadafalso , agarrando-se a um dos postes da for ca com seu braço . Aqui ele conseguiu enfrentar os esfor ços conjur tos do carrasco e de seus assistentes por um minuto antes deles conseguirem derrubá-lo . Ele morreu com seu rosto coberto de contorções assustadoras" 1 24 • 124. ATHOLL, J . Shadow of the Gallows. Londres: john Long, 1954, p. 77. A histó ria das execuções normalmente é escrita em termos evolucionistas, começando com mortes cruéis indicadas para vários crimes e chegando até a nossa época, onde a morte humanitária é administrada para muito poucos crimes, e há muita pressão para se abolir totalmente a pena de morte. Na verdade, a história das execuções po deria ser melhor escrita em termos de interação , pois a evolução das técnicas de execução tem muito a ver com o desenvolvimento de dispositivos e práticas para garantir uma ocasião social tranquila. Tendo em vista que a plateia, o carrasco e a vitima estarão ansiosos, como se pode realizar o ato de forma a facilitar o autocon trole dos três tipos de participantes? A história das práticas de execução é a história da resposta se acumulando lentamente. Vejamos a arte dos enforcamentos, por exemplo. Desenvolveram-se forcas que podem ser erguidas silenciosamente du rante a noite no pátio da prisão para minimizar visões e sons medonhos; uma " tabe la de quedas" de acordo com o peso e condição do pescoço, de forma que a exten219
Em contraste, as histórias contam de outras atrações que troca ram gracejos com a plateia, mantiveram as delicadezas sociais, aju daram o carrasco no ajuste do nó e, de modo geral, facilitaram as coi sas para todos os presentes. O humor da forca realmente ocorre, como quando um aristocrata, prestes a ser guilhotinado, recusa o copo de rum tradicional, dizendo : "Eu perco todo o meu senso de direção quando bebo" 125 • As dificuldades procedimentais que vítimas de execuções indis postas podem causar, e sua tendência geral de ir para a morte coope rativamente, demonstram o desej o que as pessoas têm de exibir ca ráter forte. O homem condenado normalmente coopera; ele tem es pírito esportivo ; ele não é uma criança; ele aceita que perdeu o j ogo sem ressentimento nem caindo no choro 126 , e pode até demonstrar um coração de lutador, desdenhando com uma careta colocar sua aposta final de forma tradicional, quer dizer, com piedade, orações, e um pedido para que aqueles que ficam o perdoem e sejam perdoa dos 127 . Este tipo de graça é o ato socializado final e terrível, pois o são da queda livre nem deixaria o homem se contorcendo nem arrancaria a cabeça dele, e sim quebraria seu pescoço com precisão - projetando-se um nó e um tipo de corda para facilitar este ajuste; correias para os braços para impedir que o homem obstrua a queda; e alçapões que ficam presos até que a corda seja puxada, que abrem rapidamente quando isto ocorre, e (num dos toques mais interessantes) pro jetados para não ficarem oscilando para frente e par2 trás numa reverberação pesa rosa da queda. Pode-se argumentar que o caráter ht nanitário da execução dificil mente seria importante para a vítima , já que a quescão de como alguém logo será despachado pode muito bem ser considerada sem importância em comparação com o fato de que alguém está prestes a ser despachado. São apenas aqueles que fi cam para trás que podem se confortar sabendo que o fim foi praticamente indolor e que ninguém sentiu prazer com o negócio terrível de prepará-lo e testemunhá-lo . 1 2 5 . KERSHAW, A. A History of the Guillotine. Londres: john Calder, 1958, p. 7 1 . 126. É claro que não são apenas crianças que podem ser maus esportistas e perder sua equanimidade e, assim, seu caráter quando perdem um j ogo . Como uma enxa drista profissional relatou : "Em um j ogo, uma jogadora holandesa perdeu de re pente sua rainha para uma russa. Ela saiu correndo do palco chorando" (Senhorita Lisa Lane, apud "Talk of the Town". The New Yorker, 1 9/09/1 964, p. 43) . 1 2 7 . E m correlação com a tendência n a direção d e execuções "humanitárias" , tem havído um declínio nos pedidos de graça e caráter que colocamos sobre os conde nados. Na câmara de gás em prisões americanas, pode-se pedir que a vítima respire profundamente logo depois que o cianeto é liberado, mas ninguém pediria que ela apresentasse suas últimas palavras da forma que era costumeira nos séculos XVII e XVIII. Sobre últimas palavras, c f. ATHOLL,J. Shadow of the Gallows. Op. cit. , p. 56. 220
homem condenado tranquiliza a situação social, apoiando a parte mais evanescente de nossa vida social - suas ocasiões sociais - exa tamente quando ele quase não pode compartilhar mais daquilo que está apoiando. Afinal, há outras pessoas presentes. Passemos pelos dentes da eternidade se for preciso, mas não os limpe com os dedos. Compreensivelmente, durante os tempos de execuções públi cas, a conduta do dia final do condenado era observada de perto e contribuía muito para sua reputação póstuma. Heróis podiam então nascer, ser confirmados e assassinados enquanto morriam. Em co munidades nas quais a possibilidade de execução não é insignifican te, ainda encontramos esse interesse, como Claude Brown sugere em suas memórias do Harlem: Parecia que um monte de gente da vizinhança, manos que a gente conhecia, que foram para a escola conosco , estavam sendo fritados [na prisão de] Sing Sing. Tinha vi rado um hábito na vizinhança ir falar com as mães e pa rentes desses manos que foram para a cadeira elétrica em Sing Sing. Eu lembro que quando eu era mais j ovem , quando eu estava [na prisão ] Warwick, e logo depois que eu saí, ouvia falar que gente que eu conhecia tinha ido pra cadeira. Todo mundo queria saber o que eles tinham dito porque a gente queria descobrir algo para nós mes mos. A gente queria descobrir se tinha valido a pena no último minuto, se eles achavam que tinha valido a pena, agora que eles iam morrer. Quando eu era mais novo, alguns anos depois de Warwick, eu queria saber se esses manos eram mesmo durões. Eu acho que a maioria dos caras da minha idade olhava pra eles como heróis quando eles estavam sendo fritados em Sing Sing. A gente queria saber as últimas palavras deles. Alguém me disse que quando eles fritaram Pirulito - Pirulito era um mano meio doido, e a gente chamava ele de Pirulito porque ele gostava de doces - logo antes dele morrer, ele disse: - Bom, parece que esta foi a última lambida do Pirulito . Foi isso. Todo mundo admirava ele pela forma que ele se despediu. Ele não gritou, nem nada disso 1 28 •
1 28. BROWN , C. Manchild in the Promised Land. Op. cit. , p. 2 1 1 . 221
Ao revisar algumas das qualidades que influenciam a forma em que um indivíduo atuará em ocasiões desesperadas, sugeri uma cone xão entre ação e caráter. A relação não deve ser exagerada. Aqueles que apoiam uma moralidade provavelmente sentem que ela pode ser levada longe demais, mesmo que a sociedade possa se beneficiar do exemplo oferecido pela devoção extrema. Também devemos admitir que há certas qualidades de caráter valorizadas positivamente obtidas quando nos aferramos a uma tarefa que não é dramática por um lon go período de tempo e, consequentemente, a conduta durante qual quer dado momento não pode conter uma expressão completa da ca racterística. Além do mais, durante a decisividade zelosa, como quan do homens guerreiam, o tipo de graça e intrepidez de destaque indivi dual exibido por apostadores e pilotos de corrida não será o bastante. Como William james notou em seu elogio das virtudes militares, há uma necessidade de abandonar interesses privados e demonstrar obe diência a ordens 129 • Uma crise pode exigir não apenas as qualidades de caráter que levam um indivíduo a superar outros e se destacar, mas também aquelas que o levam a se submergir nas necessidades imediatas do todo. Mesmo o interesse próprio pode exigir a demons tração disciplinada de qualidades muito pouco heroicas. O jogador de sinuca por dinheiro nos oferece um exemplo: O j ogador precisa se abster de conseguir realizar muitas das tacadas extremamente difíceis. Isso não é fácil, por que é difícil de resistir ao arrepio de fazer uma tacada complicada que causa aplausos da plateia. Mas o j ogador precisa resistir, senão ficaria mais difícil de acreditar em seus erros em tacadas mais comuns 1 30 •
Aqui a qualidade mais profunda de caráter é conseguir parecer, sob pressão, que se tem menos graça do que realmente é o caso . Fi nalmente, como já foi sugerido , há as qualidades de caráter associa das tradicionalmente com a feminilidade. Estas obrigam a mulher a se retrair de todas as disputas para preservar sua pureza, garantindo que mesmo seus sentidos não serão maculados. Quando a ação é ne-
l29. JAMES, W. "The Moral Equivalem of War" . Essays on Faith and Morais. Nova York: Meridian, 1 962, p. 323. 130. POLSKY, N . "The Hustler" . Op . cit. , p. 9. 222
cessária para garantir essa virtude , supostamente ela é realizada pelo homem que protege a mulher. Eu sugeri que quando o indivíduo está numa situação social ele está exposto a julgamentos dos outros presentes, e que isto envolve que eles o avaliem em relação a capacidades primárias e qualidades de caráter. Nenhum quadro dessas contingências de reputação esta ria completo sem tratar das crenças p op ular es que p re do minam na sociedade em relação à natureza das pessoas, pois essas crenças ofe recem o esquema de referência para os julgamentos de característi cas feitos em relação ao indivíduo testemunhado. Primeiro , com propriedades de caráter, diferente das proprieda des primárias , uma única expressão tende a ser considerada definiti va. Já que propriedades de caráter são evocadas apenas nas ocasiões raras em que a decisividade não foi evitada, manifestações posterio res de corroboração ou correção não são imediatamente prováveis. Precisaremos forçosamente confiar numa única amostra. E , o que é mais importante, faz parte do imaginário dessas características que nenhuma exceção é permitida. É exatamente quando ele está mais tentado a se desviar, que o indivíduo tem a oportunidade mais clara de ser constante e assim demonstrar seu caráter; essa constân cia-apesar-de-tudo é, de fato , a essência do caráter. Dizer que impu tações leigas são impulsivas e infundadas, e que com o passar do tempo e em várias situações o indivíduo talvez não mantenha de fato o caráter que manifesta atualmente é verdade, mas não importa aqui. Eu não estou preocupado em saber se um certo indivíduo pos sui ou não uma característica específica , mas em como noções sobre o caráter funcionam na vida cotidiana. Em nossos negócios com ou tra pessoa pressupomos que o caráter que ela expressa atualmente é um retrato completo e duradouro dela, e ela ao lidar conosco faz exatamente a mesma suposição de como ela será vista. É claro que desculpas são oferecidas, explicações dadas e exceções concedidas; mas este trabalho é feito em relação à pressuposição anterior de que a demonstração atual é crucial, e de qualquer forma muitas vezes é incompletamente efetiva. Segundo , uma vez que a evidência de caráter forte tenha sido es tabelecida, ela não precisa ser reestabelecida intencionalmente, pelo menos não imediatamente; por enquanto, o ator pode se basear no 223
seu histórico . Ele pode confiar que os outros pressuporão que se a ocasião correta surgir ele assumirá as implicações de seus modos e agirá com caráter. Mas isto, é claro , traz seu próprio perigo para a vida moral, pois nós tendemos a operar em termos de visões otimistas de nós mesmos, que seriam desacreditadas se um dia as testássemos. Terceiro, existe a crença de que uma vez que o indivíduo tenha falhado de forma particular, ele se toma essencialmente diferente a partir daquele momento e deveria simplesmente desistir. Um solda do doutrinado com a ideia de que ele tem uma vontade, e que vonta des ou se mantêm totalmente ou são completamente quebradas, pode tender, por causa disso , a divulgar tudo que sabe durante um interrogatório inimigo a partir do momento em que ele tiver divul gado alguma coisa m . Da mesma forma, pode-se dizer que um tourei ro perde todo o seu valor depois da primeira chifrada 132 • E também, em corridas de cavalos, existe a discussão sobre jóqueis que "per dem a coragem" e passam a correr mal, ou até a se recusar a correr. Histórias exemplares falam de jóqueis famosos que, sentindo que perderam a coragem, proclamaram esse fato e se aposentaram dos páreos 133 • Histórias parecidas são contadas sobre mergulhadores de grandes profundidades. E a ficção detetivesca muitas vezes descreve policiais e marginais durões que recebem um espancamento severo e depois nunca recuperam seu brio anterior. E , é, claro , há a crença comum de que, depois que descobrimos e pagamos o preço de um homem, torna-se impossível confiar nele e é melhor que ele passe a aceitar subornos pequenos, mas frequentes. junto com a crença na "capacidade de perda" da coragem, na des trutibilidade da fibra moral, e em "ele-nunca-mais-será-o-mesmo" , há uma outra: depois de não ter coragem ou fibra moral por muito tempo, um indivíduo pode adquirir repentinamente "energia" ou "coração" , e a partir deste ponto continuar a tê-la:
1 3 1 . BIDERMAN , A. "Social-Psychological Needs and Involuntary Behavior as Illustrated by Compliance in Interrogation" . Sociometry, 23, 1 960, p. 1 38-139. Um outro relato é apresentado em GOFFMAN , E. Asylums. Nova York: Doubleday Anchor, 1 96 1 , p. 89-90. 132. Cf. , p. ex. , HEMINGWA Y, E . Death in the Afternoon. Op. cit. , p. 89 . 133. LEACH, J . "Unseated by Nerves" . The Observer, 03/03/1963. 224
Cayetano Ordonez, Nino de la Palama, sabia lidar com a muleta perfeitamente com ambas as mãos, era um ator lindo com um grande senso artístico e dramático da Jae na 134 , mas ele nunca mais foi o mesmo depois de desco brir que os touros carregavam passagens pelo hospital, inevitáveis, e a morte, talvez, em seus chifres, além de no tas de cinco mil pesetas entre sua cemelha. Ele queria as notas, mas não estava disposto a se aproximar dos chifres
para pegá-las quando descobriu a penalidade que era aplicável pelas pontas deles. A coragem percorre urna distância tão curta ; do coração para a cabeça; mas quando ela some ninguém sabe para onde ela vai; para urna he morragia, talvez, ou para urna mulher, e é ruim estar no negócio das touradas quando ela se some, seja lá para onde quer que ela tenha ido . Às vezes ela é recuperada de outro ferimento , o primeiro pode trazer o medo da morte e o segundo afastá-lo , e às vezes urna mulher a leva e ou tra a traz de volta. Os toureiros ficam em suas profissões confiando em seu conhecimento e em sua habilidade de limitar o perigo , e torcem para que a coragem volte, e às vezes ela volta, mas, na maioria das vezes, não 13 5•
Na ficção e nos mitos, a redenção muitas vezes é alcançada ape nas no ato que dá ao indivíduo força suficiente para morrer por seus princípios, e o falecimento do redimido serve para manter as pres suposições contraditórias de que uma queda da graça é permanente e que uma pessoa quebrada pode se consertar. Tendo em vista a crença de que o caráter pode ser adquirido e perdido dramaticamente, o indivíduo claramente terá razões para ir em frente com uma situação arriscada independentemente do custo material ou físico provável para si mesmo, manifestando assim aquilo que às vezes é chamado de orgulho . É interessante notar que nossas crenças sobre a coragem permitem um pouco de ajuda de fora nesta questão: muitas vezes sentimos que uma dose rápida de uma bebida forte permitirá que um homem desempenhe uma ação
1 34. Em espanhol, termo usado para indicar o conjunto de passos realizados du rante uma tourada [N.T. ] . 1 3 5 . HEMINGWAY, E . Death in the Aftemoon. Op. cit . , p . 222. 225
difícil melhor e mais facilmente, e um número surpreendente de si 1 tuações permite tal fortificação 36 • Tendo em vista esses argumentos sobre a natureza do caráter, é possível entender melhor por que a ação parece ter um apelo peculi ar. Claramente, é durante momentos de ação que o indivíduo tem o risco e a oportunidade de exibir para si mesmo e às vezes para ou tros seu estilo de conduta quando as cartas estão na mesa. O caráter é apostado ; uma única boa exibição pode ser considerada represen tativa, e uma exibição ruim não pode ser desculpada ou tentada de novo facilmente. Exibir ou expressar caráter, fraco ou forte, é gerar caráter. O eu , resumindo , pode ser suj eito voluntariamente à recria ção . Sem dúvida essa permissão é praticável, do ponto de vista da sociedade, porque, como fica ilustrado claramente em relação com a "aposta" dos apostadores, o preço de fazer tais demonstrações prova velmente oferece um freio automático contra aqueles que poderiam ser inclinados demais a exibi-las. De qualquer forma, aqui está a chance de mostrar graça sob pressão; aqui está a oportunidade de ser medido pela medida dos homens de Hemingway. Podemos começar a ver que a ação não precisa ser percebida, em primeira instãncia, como uma expressão de impulsividade ou irracio nalidade, mesmo quando o resultado é risco sem nenhum prêmio apa rente. Certamente arriscamos uma perda através da ação; mas pode ha ver um ganho real de caráter. É nesses termos que a ação pode ser vista como um risco calculado 1 3 7 • Afirmações (incluindo a minha) de que a ação é um fim em si mesmo devem ser entendidas como locuções. Arriscar-se seriamente de forma voluntária é um meio de manter e ad quirir caráter; isto é um fim em si mesmo apenas em relação a outros ti pos de propósito. Considerar a ação literalmente como um fim em si mesmo seria trivializar e truncar a explicação social. E agora começamos a ver o caráter como ele realmente é. Por um lado , ele se refere àquilo que é essencial e imutável sobre o indi136. A prática de execuções é uma ilustração. Cf. , p. ex. , KELLER, A. (org . ) . The Hangman's Diary. Londres: Philip Allen, 1 928, p. 8, sob a frase stãrkenden Trunk . [ "drinque d e restauração" - N . T . ] 137. Este argumento foi feito recentemente em relação ao risco envolvido em rela ções sexuais extraconjugais e brigas de gangues. Cf. STRODTBECK, F. &: SHORT , J. "Aleatory Risks Versus Short-run Hedonism in Explanation of Gang Action" , So cial Problems, 12, 1 964, p. 1 27- 140. 226
víduo - aquilo que é característico dele. Por outro lado , ele se refere a atributos que podem ser gerados e destruídos durante momentos decisivos. Nesta segunda visão o indivíduo pode agir de forma a de terminar as características que doravante serão suas; ele pode agir de forma a criar e estabelecer aquilo que será imputado a ele. Toda vez que um momento ocorre, então seus participantes se encontra rão com outra pequena chance de fazer um nome para si mesmos. Daí um paradoxo. O caráter é ao mesmo tempo imutável e mu tável. Mas é assim que nós o concebemos. Também deve estar bem claro que nossa falta de lógica sobre essa questão tem seu valor social. A organização social, em todos os luga res, tem os problemas do ânimo e da continuidade. Os indivíduos precisam chegar a todas suas pequenas situações com algum entusi asmo e preocupação, pois é em grande parte através desses momen tos que a vida social ocorre, e, se não houvesse um esforço renovado em cada um deles, a sociedade certamente sofreria. A possibilidade de criar reputação é a espora. Mas ainda assim, se a sociedade quiser per sistir, o mesmo padrão precisa ser mantido de uma ocasião social real para outra. Aqui a necessidade é de regras e convencion,alidade. Os indivíduos precisam se definir em termos de propriedades já aceitas como deles, e agir confiavelmente em termos delas. Para satisfazer as exigências fundamentais de ânimo e continui dade, somos encoraj ados a acreditar numa ilusão fundamental. Ela é nosso caráter. Algo inteiramente nosso que não muda, mas que ao mesmo tempo é precário e mutável. As possibilidades relacionadas ao caráter nos encoraj am a renovar nossos esforços em cada mo mento de atividade da sociedade do qual nos aproximamos, especi almente seus momentos sociais; e é precisamente através dessas re novações que as rotinas antigas podem ser mantidas. Permite-se que pensemos que há algo a ganhar nos momentos que enfrentamos para que a sociedade possa enfrentar os momentos e derrotá-los. 9 . Competições d e caráter
Começando com a noção de tarefas ocupacionais decisivas, po demos enxergar a ação como um tipo de evocação auto-orientada de forma ritualizada da cena moral que surge quando tais tarefas são exercidas. A ação consiste de tarefas arriscadas realizadas "por si mesmas" . A excitação e a exibição de caráter, os efeitos colaterais 227
das apostas práticas, de cenas decisivas sérias, tornam-se, no caso da ação, o propósito tácito de todo o show. Entretanto , nem as tarefas decisivas nem a ação nos dizem muito sobre as implicações mútuas que podem ocorrer quando a exibição de caráter de uma pessoa tem importãncia direta sobre a de outra, e também não aprendemos sobre o esquema de compreensão que possuímos para lidar com tais ocor rências. Para isto , precisamos nos voltar para a ação interpessoal. Durante ocasiões desse tipo de ação , não é apenas o caráter que está em jogo - prevalece aqui uma decisividade mútua. Cada pessoa estará pelo menos incidentalmente preocupada em estabelecer evi dências de caráter forte, e as condições serão tais que só permitirão isto à custa do caráter dos outros participantes. O próprio campo que o primeiro usa para expressar o caráter pode ser a expressão de caráter do outro. E algumas vezes as propriedades primárias em j ogo podem elas mesmas ser transformadas abertamente numa con veniência, servindo marcadamente apenas como uma ocasião para uma batalha através do caráter, e por ele. O resultado é uma compe tição de caráter; um tipo especial de jogo moral. Esses engajamentos ocorrem, é claro, em jogos e esportes nos quais os adversários estão equilibrados e são necessários esforços marginais para vencer. Mas as competições de caráter também são encontradas sob condições planejadas menos obviamente para com petições, sujeitando a todos nós a um fluxo de pequenas perdas e ganhos. Todo dia, podemos tentar marcar pontos de várias formas, e todo dia podemos ser derrubados de várias formas. (Talvez um pe queno resíduo permaneça de cada uma dessas atribulações , de for ma que, no momento em que um indivíduo se aproxima de outro , seus modos e seu rosto podem revelar as consequências que são normais para ele, e sutilmente dirigir a interação num caminho que se desenvolve e termina como sempre parece ocorrer com ele . ) Bar ganhas, ameaças, promessas - seja no comércio, na diplomacia, na guerra , em j ogos de cartas ou relações pessoais - permitem que um competidor oponha sua capacidade de desmontar intenções e re cursos contra a capacidade do outro de provocar ou adular aquilo que é secreto para que possa ser lido . Sempre que indivíduos pedem ou dão desculpas, proferem ou recebem elogios, insultam ou são in sultados, o resultado pode ser uma competição de autocontrole. Da mesma forma, os pequenos flertes tácitos que ocorrem entre amigos 228
e entre estranhos produzem uma competição de indisponibilidade ainda que normalmente não mais que isto . E quando ocorrem gra cejos ou "observações" , alguém terá demonstrado mais aprumo que outra pessoa. Os territórios do eu têm fronteiras que não podem ser patrulhadas literalmente. Em vez disso , as disputas de fronteiras são buscadas e desfrutadas (muitas vezes com alegria) como um modo de estabelecer onde estão as fronteiras de uma pessoa. E essas dispu tas são competições de caráter. Entretanto, se quisermos apreciar a importância de competi ções de caráter, precisamos nos afastar de jogos e escaramuças em direção às características constitutivas da vida social. Precisamos examinar o investimento que um indivíduo é obrigado a fazer em expectativas legítimas que por um acaso são suas, especialmente ex pectativas informais , e os meios disponíveis na sociedade para esta belecer autoridade, posição hostil, domínio e estatuto. No jogo en tre virtude e posição , encontramos um código que atinge o centro do eu , e que vale a pena tentar formular idealmente. Quando duas pessoas estão mutuamente presentes, a conduta de cada uma pode ser lida para se chegar ao conceito que ela exprime em relação a si mesma e à outra. O comportamento copresente se toma assim tratamento mútuo. Mas o próprio tratamento mútuo tende a se tomar socialmente legitimado , de forma que cada ato, seja substanti vo ou cerimonial, se toma a obrigação do ator e a expectativa do ou tro. Ambos os participantes são transformados num campo em que o outro necessariamente pratica conduta boa ou má. Além do mais, ambos não apenas desejarão receber o que merecem, mas descobrirão que são obrigados a fazer com que isso aconteça, obrigados a policiar a interação para garantir que recebam o que é justo. Quando ocorre uma competição sobre qual tratamento do eu e do outro deve prevalecer, cada indivíduo se engaja em oferecer evi dências para estabelecer uma definição de si mesmo à custa daquilo que pode restar para o outro . E essa disputa constrangerá não ape nas o desej o de um lugar satisfatório nas definições que prevalecem, mas também o direito de receber tal lugar e o dever de insistir nele. Está envolvida aqui uma "questão de princípio" , ou seja, uma regra cuja santidade é derivada não apenas da conduta real orientada por ela, mas também de sua implicação simbólica como uma regra de
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um conj unto inteiro de regras , estando o sistema inteiro amea çado us . A insistência por um lugar desej ável é assim coberta e fortalecida pela insistência por nosso lugar de direito, e isto é ainda mais endurecido pela obrigação de fazê-lo , para que o padrão intei ro de regras não se deteriore. Podemos então nos engaj ar em honra, a saber, aquele aspecto da composição pessoal que faz com que o indivíduo zelosamente entre numa competição de caráter quando seus direitos foram violados - um curso que se torna mais necessá139 no segmr quanto mawres parecerem os custos provave1s . •
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O j ogo tipicamente começa com um j ogador ofendendo uma re gra moral, cuja aplicação particular o outro j ogador se comprome teu a manter pessoalmente, normalmente porque ele ou aqueles com quem ele se identifica são os alvos da ofensa. Esta é a "provoca ção " . No caso de pequenas infrações , é provável que o ofensor ofe reça uma desculpa imediata, que restaura tanto a regra quanto a honra do ofendido ; o ofendido precisa apenas comunicar sua acei tação para abortar o jogo inteiro - na verdade, ele pode se descul par também ao mesmo tempo, ou aceitar a desculpa antes que ela sej a oferecida, demonstrando mais uma vez a grande preocupação das pessoas em ficar fora desse tipo de ação. (Uma questão estrutu ral importante aqui é que é mais fácil oferecer uma desculpa em nossa capacidade de guardião dos direitos dos outros, quando esta é autoiniciada, do que é aceitar uma afronta em nossa capacidade de protetor de nossa própria santidade. ) Um término semelhante do j ogo ocorre quando o ofendido comunica um leve desafio (o bastante para mostrar que ele possui honra) , chamando a atenção do ofensor para aquilo que aconteceu , o que é seguido por uma se quência de desculpas e aceitação. Pede-se e oferece-se "satisfação " , e não s e gera muito caráter, ainda que cada lado possa mais uma 1 38. Cf. o argumento de FRIED, C. " Reason and Action" . Natural Law Fo rum, vol. 1 1 , 1 966, p. 13-35. 139. O caso principal aqui é o duelo de honra do século XVI. Um cavalheiro zelava por sua honra, mas apenas um pequeno número de pessoas era socialmente qualifi cado a ponto de obrigá-lo a satisfazer sua honra através de um duelo, e então, é cla ro , os problemas de arranjar um horário, lugar e equipamento mutuamente satisfa tórios eram tão grandes que em países como a Inglaterra poucos duelos realmente aconteciam. Cf. BRYSON , F. The Point of Honor in Síxteenth-Century ltaly: An Aspect of the Life of the Gentleman. Nova York: Institute of French Studies/Co lumbia University, 1935. BALDICK, R. The Duel. Op. cit. •
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vez afirmar que é uma pessoa socializada apropriadamente com pie dade apropriada para as regras do jogo . Entretanto, mesmo quando a ofensa é incomum e profunda, consequências sérias podem ser evitadas. A pessoa ofendida pode abertamente expressar seu senti mento de que o ofensor não é o tipo de pessoa cuj os atos precisam ser levados a sério 140 ; o ofensor, ao ser desafiado, pode recuar com um dito espirituoso , de forma que, mesmo que uma parte dele perca fama, é outra parte dele que está causando isso - e fazendo isso tão bem a ponto de rebater a reivindicação do desafiante de ter que rea lizar um trabalho autorrestaurador. Já que um desafio pode ser comunicado e recusado com as me nores dicas, descobrimos aqui um mecanismo geral de controle so cial interpessoal. Um indivíduo que saiu levemente de linha é lem brado da direção que ele está tomando e de suas consequências an tes que qualquer dano sério tenha sido causado . O mesmo mecanis mo parece ser empregado para o estabelecimento de uma hierarquia social em relação a vários tipos de direitos. Se a competição realmente quiser começar, o desafio comunica do pelo ofendido precisa ser sério , e o outro j ogador precisa clara mente se recusar a dar satisfações. Quando ambas essas respostas estão presentes, elas juntas transformam retrospectivamente o sig nificado da ofensa inicial, reconstituindo-a como o começo daquilo que às vezes é chamado de um "encontrão" [ run-in] . Isto é sempre algo que envolve duas pessoas, diferente de um "incidente" , que pode envolver centralmente apenas uma pessoa. O resultado é o combate moral, com as propriedades de caráter entrando em j ogo como algo que pode ser ganhado ou perdido 141 • Os encontrões en-
140. Caixas de banco já impediram assaltos a banco ao simplesmente se recusar a levar a sério o bilhete de ameaça entregue a eles por pretensos assaltantes armados. Da mesma forma, policiais podem enfrentar ameaças de pistolas contra si mesmos simplesmente dando as costas ao atirador, removendo a base de competição (CF. San Francisco Chronicle, 26/07/1965 , p . 3 : " Cop Turns His Back - And Disarrns a Gunrnan") . 1 4 1 . Os duelos tradicionais eram mais complexos devido à regra de escolha de ar mas. Se o ofendido desafiasse o ofensor a um duelo, este último normalmente teria a escolha de armas, urna vantagem injusta para alguém que já tinha feito algo erra do. E por isso o ofendido insultava abertamente o ofensor, "desmentindo-o", e com essa provocação o ofensor original seria então forçado a desafiar o ofendido . Atra vés dessa cooperação extensa, a escolha de arma podia cair no lado certo . 231
volvem a própria vítima em todas as fases do processo de sanção. Nesse tribunal, o queixoso deve agir como juiz e carrasco . Como é característico da ação em geral, o indivíduo sozinho é aqui a unida de eficaz de organização . Deve estar aparente que o significado dessas várias jogadas é parcialmente derivado da orientação que o j ogador traz a elas e as lei turas que ele faz retrospectivamente delas 142 • Portanto , haverá uma folga na definição da situação , e um certo grau de consenso mútuo será necessário antes que um encontrão completo possa ocorrer. No mundo de hoj e , quando um encontrão realmente ocorre, é provável que uma competição de caráter se siga imediatamente, se ela tiver que ocorrer. Entretanto , nos mitos e rituais, as partes mui tas vezes se retiram para se encontrar novamente num lugar desig nado , mantendo voluntariamente um compromisso com o destino do tipo corpóreo e também de caráter. Em ambos os casos, testemu nhas são necessárias e sempre precisam se abster cuidadosamente de interferir. (Isto garante que a competição sej a considerada "jus ta" , uma cena válida para o jogo de caráter. ) Quando o encontrão ocorreu e a competição começou , a s impli cações de caráter do j ogo podem se desenrolar de formas diferentes, e não necessariamente com restrições "de soma zero " . U m dos lados pode sofrer uma derrota evidente e m base das propriedades de caráter: ele mostra que estava blefando o tempo todo e não está realmente preparado para realizar o ato que amea çou ; ou ele perde a coragem, dá as costas e foge, deixando seu adver sário na posição confortável de não ter que demonstrar até que pon to ele seriamente estava preparado a levar a competição; ou ele des morona enquanto um adversário, rebaixa-se e implora misericór dia, destruindo seu próprio estatuto enquanto uma pessoa de cará ter na pressuposição básica de que ele então será indigno como um adversário e não mais se qualificará como um alvo de ataque. Ambos os lados podem sair com honra e afirmando um bom ca ráter - aparentemente, um resultado obtido cuidadosamente na
142. Sugerido por BOURDIEU, P. "The Sentiment o f Honour in Kabyle Society" . In: PERISTIANY, ] . Honour and Shame. Op. cit. , p. 200. 232
maioria dos duelos de honra formais, uma realização considerável já que ferimentos também normalmente eram evitados. E supostamente ambos os lados podem perder, assim como um lado pode perder enquanto o outro ganha pouco. Assim, essa exce lente competição de caráter, o "racha" 143 , pode terminar com ambos os veículos virando , nenhum veículo virando , ou com um virando tão rápido que seu motorista perde muita honra, mas seu adversário não recebe nenhum crédito em particular 144 • Obviamente, o resultado de caráter da competição é bastante independente daquilo que pode ser visto como o resultado "mani festo" da pelej a . Um j ogador superado pode combativamente dar tudo que tem para sua situação sem saída e então cair coraj osa mente , ou orgulhosamente, ou insolentemente , ou graciosamente, ou com um sorriso irônico nos lábios 145 . Um suspeito de crimes pode manter-se frio diante de técnicas elaboradas empregadas por equipes de investigadores policiais , e depois receber a condenação do juiz sem piscar. Além disso, um j ogador enfrentando um adver sário que se equipara a ele pode sofrer severamente enquanto seu adversário se humilha usando técnicas desonrosas , mas decisivas, perdendo assim um duelo , mas ganhando caráter. Da mesma for-
143. [ "Chicken run" no original - um tipo de "racha" de carros em que dois moto ristas dirigem em direções opostas em alta velocidade, indo um ao encontro do ou tro, até que um deles vire o carro para evitar um acidente, perdendo assim a compe tição - N . T . ]
144. Uma apresentação ficcional d o racha automobilístico pode ser encontrada em G. Elliott, Parktílden Village (N ova York: Signet, 1961 :42-43) . Um tratamento ana lítico elegante é oferecido por T.C. Schelling, Arms and Influence (N ova York: Yale University Press, 1966: 1 1 6- 1 25) . É bom notar que, antes que o jogo possa ser joga do, as pessoas precisam saber como o equipamento acessível para elas pode ser usa do para esse propósito . Alguns garotos de classe média não sabem que um cigarro aceso segurado entre as mãos de dois garotos diferentes até queimar a carne oferece uma possibilidade perfeita para o jogo . (O primeiro a retirar a mão perde, obvia mente, e automaticamente termina a provação para os dois. ) A competição de prender a respiração parece ser mais conhecida. 145. Uma das razões para que resgates inesperados sejam usados em histórias de ação é que apenas desta forma o herói pode receber uma chance de demonstrar que, mesmo diante de dificuldades quase insuperáveis, ele não pedirá arrego . Per sonagens secundários têm a permissão de provar isto de forma mais definitiva, sen do dispensáveis para a história. 233
ma, um indivíduo que se opõe a um adversário fraco pode ganhar o caráter de valentão através do próprio ato de ganhar a partida . E um valentão que empata realmente está perdido , como esta notícia de Fresno , Califórnia , ilustra: Ontem de manhã uma garçonete e um bandido j ogaram uma partida de "pagar para ver" com pistolas carregadas e, apesar de nenhum disparo ter ocorrido , a garçonete venceu . A ação aconteceu no The Bit, um oásis proletário de vi nho e cerveja no sul da cidade, onde a amável joan O'Higgins estava trabalhando atrás da bancada. De repente um bandido enorme entrou no estabeleci mento , pediu uma cervej a , exibiu uma pequena pisto la e ordenou à senhorita O'Higgins esvaziar a caixa re gistradora. A garçonete colocou $ 1 1 no bar, uma quantidade que não satisfez o bandido, cuja altura foi estimada em um metro e noventa e cinco. - Me dá o resto - ele exigiu. A garçonete O'Higgins abriu uma gaveta com a sacola principal de dinheiro e a pistola calibre . 22 embaixo dela. Ela apontou a arma para o homem e perguntou: - E agora, o que você quer fazer? O bandido, percebendo que encontrara um oponente à altura no The Bit, piscou quando viu a arma e saiu , dei xando sua cerveja e os $ 1 1 para trás 1 46 •
Assim como uma jogada está suj eita à interpretação , também um resultado de caráter pode ser lido diferentemente por partici pantes diferentes. Em negociações entre nações , por exemplo, pode ser que não surja nenhum critério sem ambiguidade para um acordo sobre quem ganhou e quem perdeu 147 • A pontuação em alguns casos pode ser tão flexível que cada lado pode manter sua própria visão do resultado final. Desta forma, algumas lutas entre gangues de rua ri-
146. San Francisco Chronicle, 14 de julho de 1 966. 147. F . Iklé, How Nations Negotiate (Nova York: Harper & Row, l 964: 1 64ss . ) . Cf. tb. BOURDIEU, p. 207, apud PERISTIANY, J . Honour and Shame. Op. cit. 234
vais podem terminar com ambos os times sentindo que ganharam 1 •1H . Esse tipo de presunção é facilitado por uma mistura variável de preo cupação com o resultado físico ou manifesto , permitindo que um time enfatize o placar em atributos primários, enquanto o outro o faz em propriedades de caráter. O caubói dos duelos do Velho Oeste é especialmente instrutivo para demonstrar a cooperação e o respeito às regras necessários da parte de todos os participantes para que o j ogo possa conseguir ge rar caráter e ameaçá-lo , ou sej a , para que o caráter entre no j ogo. Ambos os lados devem levar o j ogo a sério; ambos, como sugerido, precisam se tornar disponíveis, entregando-se voluntariamente pa ra o j ogo. Durante o combate que resulta, o herói, se acabar tendo uma vantagem fácil, deve desistir dela com desdém, restringindo-se a um meio de luta que não deixará que o vilão tenha nenhuma for ma de escapar das expressões de caráter que resultarão. E o herói, depois de vencer um desafio ou um duelo , pode logo dar as costas ao adversário , sabendo que sua superioridade, uma vez estabeleci da, não será desafiada de novo imediatamente, e que de qualquer forma tomar cuidados demais é algo indigno 149 • Tendo em vista essas sugestões sobre a dinâmica dó j ogo de ca ráter, analisemos brevemente algumas das implicações. Aquele que deseja evitar eventos decisivos precisa evitar encon trões ou rastejar em segurança para longe daqueles que não foram evitados - seja ele o ofensor ou o ofendido. Quase todo mundo rasteja dessa forma, ainda que se diga que os oficiais do Kaiser quase nunca o faziam. Mesmo Casanova, que, de acordo com seu próprio relato, era um espadachim formidável e um cavalheiro de grande caráter, admi te tais retiradas, comentando sobre elas durante uma ocasião em que a honra acabara de forçá-lo a um duelo com um desconhecido:
148. SHORT,]. & STRODTBECK, F. "Why Gangs Fight" . Transcu:tion, I, 1964, p. 26. 1 49 . Essa estranha confiança decisiva no jogo limpo do inimigo recém-derrotado tem uma função social óbvia. Sem essa confiança, o dominio e a hierarquia não forneceriam um mecanismo social prático para estabelecer uma ordem temporária. Se os adversári os em um encontrão começassem uma nova competição logo depois de terminar a pri meira, nenhuma ordem poderia ser estabelecida. Todos estariam sempre engajados ou em lutar, ou em ficar de guarda cuidadosamente. De qualquer forma, a "autoexposição terminal" da parte do vencedor é uma jogada padrão para terminar uma ampla varie dade de competições - embates de luta livre, touradas, duelos de caubóis, etc. 235
Tivemos um j antar agradável e conversamos alegremente juntos sem dizer uma palavra sobre o duelo , com a exce ção de uma dama inglesa que disse, não me lembro em relação a que, que um homem de honra nunca deve se ar riscar a se sentar para jantar num hotel a não ser que ele se sinta inclinado, se necessário, a lutar. A observação era muito verdadeira na época, quando era preciso sacar uma espada por qualquer palavra fútil e se expor às conse quências de um duelo se não quiséssemos que até as da mas apontassem o dedo do escárnio para nós 1 50 •
Uma outra implicação se segue à primeira. Ela tem a ver com "competições de competição" . A tendência do indivíduo de evitar ocasiões em que o caráter é ameaçado o expõe a ser forçado por ou tra pessoa a entrar numa competição sobre se haverá ou não uma competição. O agressor, sabendo que sua vítima provavelmente procurará quase qualquer meio de evitar um acerto de contas, pode forçá-la a admitir uma exibição de sua fraqueza diante de testemu nhas, enquanto o agressor demonstra sua própria bravura. O agressor, numa competição , pode começar ou cometendo uma ofensa que o outro não pode ignorar com facilidade, ou res pondendo a uma ofensa pequena ou até microscópica de forma a atrair o ofensor quase inocente para uma pelej a 151 • Se a vítima ainda se recusa a entrar na batalha, o agressor pode provocá-la com atos 150. The Memoirs of]acques Casanova. Vol. 2. Nova York: Dover, 196 1 , p . 958. 1 5 1 . L Yablonsky ( The Violent Gang. Nova York: Macmillan, 1 962, p. 208-209) , ao descrever tipos de membros de gangues, relata o extremo lógico: " [ . . . ] Outros j ovens que podem ser incluídos na categoria de pertencimento marginal a gan gues são os indivíduos sociopatas quase sempre prontos para lutar com qualquer gangue disponível. Eles procuram ou provocam a violência simplesmente, como eles descrevem, 'pelo barato ou ação'. Eles não são necessariamente membros de qualquer gangue violenta em particular, mas em alguns aspectos eles são mem bros de todas elas. Eles se juntam a gangues porque, para eles , gangues são uma oportunidade conveniente e de fácil acesso para a violência. Quando a gangue, enquanto um instrumento , não é apropriada, eles 'inventam' sua própria forma de violência (por exemplo , os três homens que chutaram um homem até a morte por 'assobiar uma canção de que a gente não gostava') . Por exemplo, num padrão típico utilizado por esse tipo de j ovem , ele se aproxima de um desconhecido com a provocação 'O que você disse sobre a minha mãe?' A vítima é então agredida an tes que possa responder à pergunta , e é claro que não há nenhuma resposta apro priada para impedir o ataque". 236
cada vez mais insuportáveis, num esforço aparente ou para encon trar seu pavio ou para demonstrar que ela não tem um pavio. Fala mos aqui de "incitar" , "instigar" , "afrontar" ; quando o agressor é um subordinado, falamos de "insolência" . Devemos repetir que, apesar deste tipo de agressão poder não ser comum, pelo menos na vida cotidiana de classe média , não obstante todos os contatos face a face entre indivíduos são ordenados por vários sinais antecipados de respeito mútuo, e essa ordenação pode facilmente ser transfor mada por um agressor num campo perigoso de ação interpessoal decisiva. Por exemplo , em qualquer lugar que o indivíduo vá, ele implanta uma exigência tácita de que os outros presentes manterão respeitosamente seus olhos, vozes e corpos longe do círculo imedia tamente ao seu redor. Em todos os lugares, essas cortesias territoriais são mantidas automática e impensadamente; mas em todos os luga res elas oferecem muitos meios à disposição para um agressor (atra vés da falha clara e demorada em conceder essas considerações) tes tar a honra do indivíduo . Da mesma forma, desconhecidos em luga res públicos são unidos por algumas obrigações mínimas de ajuda mútua, estabelecendo o direito de, por exemplo , perguntar a hora ou orientações para algum destino , ou até de pedir um cigarro ou um trocado . Ao conceder tal pedido , o indivíduo pode perceber que seu maço inteiro de cigarros é tomado calmamente, ou todos os tro cados em sua mão , enquanto seu olho é mantido pelo agressor para que a afronta seja ancorada numa percepção mútua reconhecida mutuamente. Vendedores ambulantes em ruas de favelas podem perder uma fruta em seus carrinhos da mesma forma insolente 152 • A acomodação mútua que ordena o tráfego humano pode então ser vista como algo que deixa vulnerável aqueles que a consideram autoevidente. Eu gostaria de citar por extenso uma ilustração ficcio nal oferecida por William Sansom. O cenário é um "clube" de bebi das londrino. O herói, e narrador, que toca piano no clube, é abor dado de repente: Quando uma voz acima de mim diz: - Tu não vai tocar mais, amigo?
1 5 2 . Apesar desses vários "logros" serem dirigidos contra um indivíduo , este mui tas vezes serve em parte como símbolo de um grupo mais amplo - o mundo adulto, a autoridade policial, brancos, etc. 237
É um j ovem que eu nunca vi antes, um garoto quase novo demais para estar num bar. A cabeça dele verga como um calombo de ossos num pescoço fino demais para supor tá-lo. Ele veste roupas exageradas, e um tipo especial de penteado, como um porco-espinho. Ele empina seus om bros para que pareçam maiores. Os olhos dele são opacos como escamas de peixe morto. Ele cerra seus dentes como se estivesse enjoado.
- Num instante. - eu digo a ele. O tom dele foi realmente insolente, mas a juventude serve como desculpa para muitas coisas. - Não demore muito então, amigo - ele diz, ainda me en carando fixamente com seus olhos de peixe morto . Então, atrás dele, eu começo a ver uma espécie de irmão gêmeo - mas ele era apenas outro jovem vestindo o mes mo tipo de roupas. E então eu vi que havia mais seis ou sete no bar, ou sentados de pernas esticadas na mesa. Eu olhei para Belle [a proprietária] e ela deu de ombros, sem esperanças, do outro lado do salão - como se esse fenô meno repentino estivesse além de suas capacidades. - Nossa - eu disse para Marie, ignorando o j ovem, que ainda estava parado ali olhando para mim -, temos com panhia esta noite. - Vocês têm - o garoto disse tristemente -, vocês certa mente têm - e ele foi embora para o bar, andando num passo conscientemente rígido . Lá ele disse alguma coisa para os outros, e todos eles olharam para mim e sacudi ram a cabeça - mais uma vez, tristemente, como se eu es tivesse realmente numa situação muito ruim [ . . . ] Nós os observamos por um momento . Todas as olhadelas e gestos eram cuidadosamente agressivos. Eles esticavam as pernas forçando Andrew, que carregava uma bandeja de drinques, a dar a volta - e o observaram em silêncio enquanto ele fazia isso . Um deles se inclinou e pegou uma bandeja de batatas fritas da mesa de outra pessoa sem sorrir, e claramente sem se desculpar. Outro , no bar, começou a atirar caroços de azeitona nas garrafas. Belle pediu que parasse. Ele se desculpou com um gesto exage rado e atirou outro imediatamente.
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- Pelo amor de Deus, toque alguma coisa. - Belle disse. Eu me levantei. Falar sobre eles tão abertamente fora um erro. Eles sabiam que estavam sendo discutidos, e agora, quando me dirigi ao piano, viram que suas ordens foram obedecidas. Dava quase para sentir eles se exibindo. Então eu comecei a tocar as notas de algodão da Humo resque para distraí-los um pouco. É claro que não funcionou. A qualidade comum de todos esses jovens é sua vigilãncia. Eles sentam e observam tudo com um desgosto obtuso . Isto dá a eles aquele famo so olhar "murcho" . Quando o meu tinido se estabeleceu , um deles perambulou na minha direção, mãos nos bol sos, queixo para baixo, e parou acima de mim. Ele sim plesmente pronunciou , como uma ordem, o nome de um hit do momento. Tirando essa grosseria clara, o maior bi cho-papão dos pianistas é alguém pedir outra música quando ele já está tocando - por isso eu cerrei meus den tes e tentei fechar meus ouvidos. Ele empurrou meu bra ço direito com seu cotovelo fazendo com que eu parasse de tocar e disse simplesmente: - Anda. - E repetiu, mais alto, seu pedido" 1 53•
Eu estou sugerindo que comportamentos insignificantes podem ser empregados como um convite sério para um encontrão ou acerto de contas. Um tipo de ato truncado deve ser mencionado especifica mente. É o uso do estilo de ficar em pé ou andar como um convite amplo para a ação para todos os outros presentes. Daí temos um "pas so de delinquente" que, na verdade, comunica um desafio à autorida de dos adultos presentes, afirmando simultaneamente não apenas que a primeira jogada foi feita mas também que ela não foi enfrentada 154 por aqueles a quem ela foi e é direcionada . O caminhar especial do toureiro na arena, sandunga, é a estilização da mesma expressão.
153. SANSOM, W. The Cautious Heart. Nova York: Reynal & Co. , 1958, p. 1 00- 102. 1 54. Sobre esta e outras j ogadas mistas empregadas por delinquentes, cf. o estudo útil de WERTHMAN, C. Delinquency and Authority. Berkeley: University of Cali fomia, 1964, p. 1 1 5 e cap. LV, "Gang Members and the Police" [dissertação de mestrado ] . 239
Já que são expressões ou comunicações , e não questões subs tantivas, que estão envolvidas nesses j ogos, não há muito que impe ça o símbolo de ter sua duração e visibilidade cada vez mais atenua das até praticamente desaparecer. Como consequência, pode haver uma sequência de jogadas entre dois j ogadores e o estabelecimento de um vencedor sem quase nenhuma atividade visível, como foi su gerido, é claro , na análise da comunicação de G.H. Mead. Anteriormente, eu sugeri que um indivíduo pode ganhar uma reputação , entre seus colegas, de alguém que procura a ação - sem pre de olho em qualquer garota desej ável que ele encontre, ou pron to para "tirar satisfação" da menor afronta, ou de ver uma aposta em qualquer coisa que aconteça. Da mesma forma, um indivíduo pode adquirir a reputação de sempre estar disponível para outros para um tipo particular de ação interpessoal, pronto a qualquer momento para servir como um teste definitivo de qualquer um que busque de finição . O "pistoleiro" do Velho Oeste normalmente é retratado como o exemplo arquetípico . Jogadores de sinuca famosos também se encontram selecionados para esse papel. Gates "Apostou-um-mi lhão" 155 aparentemente atraía apostadores da mesma forma 156 . Hoj e e m dia, a polícia, estando comprometida (como já foi sugerido) com a obtenção de deferência imediata de todos os civis que encontra, e com obrigar essa exigência com uma disposição imediata de invocar sanções físicas, às vezes se encontra forçada nesse papel de testador. Estrelas de cinema que representam papéis de heróis durões podem ser utilizadas como testadores por aqueles que os encontram por acaso em lugares públicos. Músicos de jazz famosos que permitem "duelos de piano" são outro exemplo, pelo menos para aqueles que escrevem sobre eles. Não importa se um indivíduo constantemente procura compe tições de caráter ou é constantemente procurado para elas - pode mos prever que ele não durará muito; qualquer um que tenha tais inclinações será um dia removido da competição pela operação da probabilidade. Quando cada jogada envolve uma aposta considerá vel, aquele que se arrisca persistentemente não deve planejar muito 1 5 5 . Cf. nota 80 [ N . T. ] . 1 56. Cf. BEEBE, L The Big Spenders. N ova York: Doubleday, 1966, p . 85. 240
a longo prazo . O papel da ação é longevo , mas seus realizadores du ram apenas brevemente, exceto na televisão. Assim como existe a especialização de pessoas , existe a especi alização de sinais. Afrontas particulares podem ser definidas como aquelas que um indivíduo honrado não deve tolerar. Há pontos críticos reconhecidos por todos aqueles envolvidos como pontos em que as coisas terão ido longe demais; quando eles são atingidos, a pessoa ofendida deve recusar desculpas, sentir as coisas seriamen te, e tomar medidas para restabelecer a ordem normativa se quiser preservar sua honra. Entre as várias palavras que um caubói hon rado pode ouvir, ele precisa, por mais pacíficas que sejam suas in tenções, reconhecer aquelas poucas que todos sabem que são pala vras " de briga" . Quando tal função especializada é concedida a atos, eles podem ser empregados por agressores como uma chama da inevitável à ação . Realizados de forma calculada e clara, esses atos testam a honra do receptor, quer dizer, sua prontidão inde pendentemente do preço a manter os códigos pelos quais ele vive. Todas as partes compreendem a ofensa real como algo incidental, uma mera conveniência; a importância principal do ato é servir como um teste frontal da reivindicação tácita de honra do indiví duo 157 . Assim, um enunciado convencionalizado , "O senhor men tiu na minha cara" , era a mentita tradicional - o ato através do qual uma pessoa ofendida forçava o ofensor a desafiar o orador a um duelo 158 • Cuspir no rosto do outro é um exemplo mais comum e menos cavalheiresc o . Nas relações raciais americanas atuais , o uso por um branco da palavra "preto" [ nigger] é igualmente provoca dor. Outros atos servem como testes em grupos mais circunscri tos. Um professor numa escola de favela urbana que afirma a regra da escola contra atrasos fica vulnerável a um aluno que entra atra1 5 7 . Esses atos de insolência e insubordinação clara devem ser contrastados com atos corporais de ieferência, atos que também são especializados, mas que servem para afirmar a d ;posição atual do ator de aceitar o status quo. 1 58 . Cf. BRYSC N, F . The Point of Honor in Sixteenth-Century Italy . . Op. cit. , cap. IV. Como sugerido , o ofendido não podia desafiar o ofensor porque isto daria ao ofensor a escolha das armas. Assim, pressupunha-se que os ofensores eram honra dos o bastante para permitir sua manipulação para o papel de desafiador. .
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sado e o encara friamente para enfatizar o desafio 159 • Esses atos de teste são j ogadas favoritas em competições de competição . Assim como um teste pode ser criado a partir de um ato ofensi vo realizado por um indivíduo contra outro, ele também pode ser gerado pela exigência, sob ameaça, que um indivíduo aja de uma forma que ele considera inapropriada. Para estabelecer um indiví duo numa posição subordinada, um agressor pode coagi-lo a reali zar abertamente uma obediência ou serviço indigno baseado na pressuposição que, uma vez que ele ceda a isto , ele poderá (e sabe que poderá) a partir de então atender a qualquer exigência feita a ele 160 • Como ocorre com o j óquei, consideramos que a "coragem" foi perdida, mas dessa vez em relação à atividade interpessoal e sua or dem cerimonial. E, é claro , enquanto ambas as parte compartilha rem essas crenças, o jogo social será j ogado dessa forma. Ao analisar a ação , eu disse que, apesar de haver uma relação en tre ação e caráter, algumas formas de caráter surgem em oposição ao espírito da ação. A mesma qualificação deve ser feita em relação à ação interpessoal e competições de caráter. Há situações em que a recusa de um indivíduo de ser envolvido numa pelej a de honra é aprovada , e os desafiantes são acusados de "imaturidade" . Sempre é possível para o indivíduo se recusar a aceitar o esquema de refe rência ritual inteiro e, além do mais, fazer isso de forma ousada, es pecialmente quando seus semelhantes apoiam este estilo de resposta: Mas devemos enfatizar que, apesar dos estereótipos em vigor, nem todas as gangues juvenis são orientadas para conflitos, e os sistemas de valor podem variar entre elas, como entre outros agrupamentos humanos. Uma gangue "de escapismo" [ retreatest] , que constrói seu sistema de valores ao redor do efeito das drogas, apresenta um con traste dramático. Apesar de serem criticados e ridicularizados repetida mente por outras gangues devido à sua covardia e falta de hombridade, os escapistas raramente respondiam a pro159. Um incidente deste tipo é descrito em WERTHM <\N, C. Delinquency and Aut
hority. Op. cit. , p. 68-69. 1 60. Cf. o tratamento de "testes de obediência" em GOFFMAN , E . Asylums. Op. cit. , p. 1 7-18. 242
vocações, e sempre fugiam do combate. Eles não se preo cupavam com sua reputação de lutadores - pois não a ti nham - e não a consideravam importante - na verdade, eles pensavam que as gangues orientadas para conflitos eram "caretas" . Ao serem desafiados diretamente a se juntar a outras gangues de brancos para repelir os protes tos de negros "entrando n'água" numa praia de Chica go 1 6 1 , eles "viajaram" com pílulas e jogaram baralho des preocupadamente durante todo o incidente" 1 62 .
1 6 1 . Até os anos 1960, negros não podiam se banhar nas praias de Chicago. No iní cio dessa década houve protestos organizados em que grupos de negros entravam sem permissão na água dos Grandes Lagos [N.T. ] . 1 62 . SHORT, ] . &: STRODTBECK, F . "Why Gangs Fight" . Op. cit . , 27-28. Cf. tb. seu "The Response of Gang Leaders to Status Threats" . American ]oumal of Socio logy, LXVIII, 1963, p. 5 76-577. Um exemplo literário é oferecido no romance de Louis Auchincloss, Sybil (Nova York: Signet, 1953, p. 1 22- 1 23 ) . Um homem (Phi lip) , em seu clube com sua amante, chama um conhecido em particular (Nicholas Cummings) e pergunta se ele gostaria de conhecê-la. Nicholas se recusa, e o se guinte diálogo ocorre: "- É melhor tomar cuidado, Cummings - ele disse ameaça doramente. - Você está falando sobre a moça com quem pretendo casar. Mas Ni cholas simplesmente continuou a encará-lo com seu olhar gelado. - É difícil para as pessoas saberem disso, não é - ele perguntou -, quando você ainda está casado com minha prima? Houve uma pausa pesada. - Bom, de qualquer forma - Philip disse cuidadosamente, sem saber quais são as exigências da honra numa situação tão constrangedora - é melhor você parar com essas piadinhas sobre julia. A não ser que você queira perder os dentes. Entretanto , Nicholas foi impiedoso. - Você con sidera o termo 'amante' uma 'piadinha'? - ele perguntou. - Sinto muito. Achei que era preciso . Você não vai negar que ela é sua amante, vai? Porque eu devo te dizer que, como advogado de sua esposa, ainda que ela não tenha me pedido isto , eu me ocupei em descobrir exatamente qual é sua relação com a senhorita Anderson. A palavra 'amante' parece explicá-la perfeitamente. Você tem alguma melhor? De qualquer forma, eu devo insistir no meu direito de descrevê-la dessa forma sempre que eu tiver ocasião de discutir os seus negócios com aqueles que possam estar pre ocupados com isto. Se você tiver alguma obj eção, você está livre para pedir um res sarcimento , seja legalmente num processo de calúnia, ou ilegalmente, como você ameaça, através de um a taque à minha pessoa. Philip agora respirava com dificul dade. Não havia nenhuma regra para lidar com uma pessoa que desafiava de forma tão ousada os preceitos mais elementares da boa camaradagem. - Você gostaria de ir lá fora - ele perguntou - e resolver esta questão como um cavalheiro? - Não, eu certamente não gostaria -, respondeu Nicholas. - Eu não vim para o meu clube para te dar uma oportunidade de começar uma briga na rua. Philip ficou parado por mais um momento, olhando para ele, incerto . - Ah, vá para o inferno - ele res pondeu. - Malditos advogados - ele disse quando se afastou . Pilantras. Todos eles". 243
Algo semelhante ocorre em bares de classe média, onde uma pessoa ofendida pode sentir que seria indigno dela "pedir satisfa ções" , pelo menos com o adversário particular do momento - de mocratizando assim a noção cavalheiresca de que só vale a pena de safiar nossos semelhantes sociais. A vítima se contentará em passar um breve sermão a seu adversário sobre o quanto ele é "doente " . Em mundos sociais nos quais a honra é altamente valorizada, e os ho mens devem estar preparados para arriscar suas vidas para salvar suas fachadas, as modas da moralidade podem mudar rapidamente, e o ato de provar tais atributos como nossa "masculinidade" podem ter sua importância reduzida 163 . Houve até o desenvolvimento do ideal literário do "anti-herói" , que confiantemente recusa todas as oportunidades de exibir virtudes custosas, demonstra um orgulho subterrâneo em escapar de suas obrigações morais, e nunca se arris ca. É claro que quando um indivíduo recusa um desafio com frieza,
1 63. C. Brown (Manchild in the Promised Land. Op. cit. , p. 2 1 1 , 253-256, 26 1 ) ofe rece uma boa descrição das formas pelas quais j ovens do Harlem nos anos de 1930 e 1940 aprendiam sobre a necessidade de defender seu dinheiro e suas mulheres com lutas letais, e como , nos anos 1950, em conjunção com a importância crescen te das drogas, o poder coercivo do código declinou notavelmente. Esta é apenas uma versão pequena de histórias maiores. O duelo de honra, por exemplo , ainda que bastante popular na França, ocorria muito raramente nos estados do Norte, sendo bastante rej eitado pelos cidadãos. Na Inglaterra, em 1 844, o artigo do Decre to do Motim, que obrigava os oficiais a manterem sua honra através de duelos, foi derrubado e substituído por decretos que os proibiam. O terceiro dos novos artigos esboça muito bem a perspectiva antiofensa moderna: "Expressa-se aprovação da conduta daqueles que, tendo o infortúnio de ofender, ou ferir ou insultar outros, explicam francamente, desculpam-se ou oferecem inde nização por isso, ou daqueles que, ao serem ofendidos, aceitam cordialmente expli cações ou desculpas francas pelas ofensas; ou , se tais desculpas não são oferecidas nem aceitas, submetem a questão ao oficial em comando; e, finalmente, todos os oficiais e soldados são absolvidos de desgraças e desvantagens se, estando dispostos a oferecer ou aceitar tais indenizações , recusam-se a aceitar desafios, pois eles terão apenas agido como é apropriado para o caráter de homens honrados, e realizaram seu dever como bons soldados que se suj eitam à disciplina" (apud BALDICK, R. The Duel. Op. cit., p. 1 14) . Este é o comentário de Baldick: "De forma surpreenden temente repentina, esses artigos, que foram reconhecidos como constituindo um 'Código de Honra' britânico, combinados com a determinação óbvia de juízes e jú ris para condenar duelistas por assassinato , com o sarcasmo da imprensa, e com a pressão cabal da opinião pública, conseguiram suprimir os duelos na Grã-Bretanha [ . ] o duelo como uma instituição honrada, respeitada e próspera deixou de existir, para todos os propósitos, na Grã-Bretanha na metade do século XIX" (ibid.). . .
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ou não fica raivoso por uma ofensa, ele está demonstrando autocon trole sob circunstâncias difíceis, e assim estabelece um certo caráter, mas não do tipo heroico . Resumindo, apesar das competições de caráter que podem ser disputadas sem envolver a força física não serem incomuns, as varie dades clássicas do pugilato e do duelo de caubóis pertencem, em grande parte, a locais cinematográficos. Não obstante, a lógica de lu tas e duelos é uma característica importante de nossa vida social co tidiana. A possibilidade, por menor que seja, de que as coisas pos sam degenerar nessa direção oferece às pessoas presentes mutua mente uma razão de fundo para ocultar expressões de hostilidade; aqui elas têm um guia constante para aquilo que não se permitirá que aconteça. (De fato, uma piada sobre "resolver lá fora" pode ser usada como uma jogada estratégica para restabelecer a falta de serie dade se houver um desenvolvimento ameaçador no discurso so cial. ) Através de várias acomodações conjuntas, a voz de nossa ra zão prevalece ao custo de quase nenhuma desonra. 1 0 . Conclusões
A visão sociológica tradicional do homem é otimista. Quando você faz com que a besta desej e obj etivos delineados socialmente sob os auspícios do "interesse próprio" , é preciso apenas conven cê-la a regular suas atividades de acordo com um conjunto elabora do de regras básicas . (Eu quero adicionar que entre essas regras são importantes as "propriedades situacionais" , ou seja, padrões de conduta através cuja manutenção significa que ela expressa respeito pela situação atual. ) Correspondentemente, o principal problema que o indivíduo pode causar é não adquirir desejos apropriados , ou voluntariamente não respeitar as regras para obter quaisquer dese jos que ele tenha adquirido. Mas obviamente é preciso tratar de ou tras dificuldades. Este ensaio cuidou de uma delas. Estej a um indivíduo preocupado em atingir um objetivo pessoal ou manter uma norma reguladora, ele precisa estar em comando fí sico de si mesmo para fazer isso. E há momentos em que sua atenção às contingências na situação perturba seus negócios com os tópicos em questão : sua capacidade de realizar tarefas mentais e físicas ordi nárias é abalada, e sua obediência costumeira a princípios morais básicos é enfraquecida. A própria inteligência que permite a ele ten245
tar prever e fazer cálculos na busca de seus objetivos, as próprias qualidades que fazem dele algo mais complexo do que uma simples máquina , garantem que em certos momentos aquilo que ele inteli gentemente traz à mente perturbará sua capacidade de agir e atrapa lhará sua moralidade normal. A habilidade de manter o autocontrole sob circunstâncias difíceis é importante, como o são, portanto, a frieza e firmeza moral necessá rias para que isto seja feito. Se a sociedade quiser utilizar o indivíduo , ele precisa ser inteligente o bastante para apreciar o s riscos sérios em que ele está envolvido e ainda assim não se tornar desorganizado ou desmoralizado por essa apreciação. É apenas então que ele trará para momentos da atividade da sociedade a estabilidade e continuidade que eles exigem para manter a organização social. A sociedade apoia esta capacidade através de pagamentos morais, atribuindo caráter forte àqueles que demonstram autocontrole, e fraco àqueles que são facilmente distraídos ou derrotados. Podemos compreender então o paradoxo de que quando um feito imoral é realizado por um plano bem executado que exclui tentações impulsivas, podemos quase ad mirar o culpado; podemos pensar que ele tenha um caráter muito mau , enquanto apreciamos que ele não tem caráter fraco 1 64• Uma oportunidade central de demonstrar caráter forte é encon trada em situações decisivas, e tais situações necessariamente arris cam o indivíduo e seus recursos. (Um destino já decidido que agora está sendo assentado também é útil, mas ainda mais caro. ) É prová vel então que o ator evite esses riscos e tente rastejar para longe de ocasiões que ele não evitou. Afinal, em nossa sociedade, devemos sobreviver aos momentos, e não vivê-los. Além disso , a própria ati vidade decisiva muitas vezes perturba rotinas sociais e não pode ser tolerada em grandes quantidades por organizações. (Assim, na Eu ropa, os duelos prosperaram sob monarquias, mas os monarcas e seus principais generais lideraram as tentativas de conter a institui ção , parcialmente devido ao custo que os duelos causavam a oficiais importantes. ) Na vida doméstica e profissional, a maior parte desses perigos parece ter sido eliminada com segurança.
1 64. Um bom exemplo recente é oferecido pelos heróis do planejamento que exe cutaram o Grande Roubo de Trem na Inglaterra. Sobre o respeito que eles obtive ram, cf. GOSLING, J. &: CRAIG, D. The Great Train Robbery. Indianápolis: Bobbs-Merrill, 1965, p. 1 73-1 75. 246
Entretanto , há alguma ambivalência quanto à vida segura e sem momentos. Alguns aspectos do caráter podem ser afirmados facil mente, mas há outros que não podem ser nem expressados nem ga nhos em segurança. Pessoas cuidadosas e prudentes devem então abandonar a oportunidade de demonstrar alguns atributos valoriza dos; afinal, dispositivos que livram os momentos do indivíduo da decisividade também os livram de novas informações a seu respei to - livram-nos, resumindo , de expressões significativas. Como re sultado , a pessoa prudente perde conexão com alguns dos valores da sociedade, alguns dos próprios valores que retratam a pessoa como ela deveria ser. Por isso, algumas apostas práticas podem ser procuradas, ou , se não procuradas, pelo menos aproveitadas quando elas ocorrem no curso regular das atividades. E realizamos atividades que são consi deradas fora da rotina normal, evitáveis se quiséssemos, e cheias de riscos e oportunidades dramáticos. Isto é a ação. Quanto maior a de cisividade, mais séria a ação. A decisividade coloca o indivíduo numa relação muito especial com o tempo, e a ação séria o leva a essa relação voluntariamente. Ele precisa se preparar para estar numa posição de entrar nela, e en tão entrar. As circunstãncias em que ele se arremessa dessa forma precisam envolver questões que são problemáticas e consequentes. E - no caso mais puro - suas atividades sob essas circunstãncias pre cisam ser resolvidas ou pagas pela duração atual daquilo que para ele é uma experiência subjetivamente contínua 165 • Ele deve se expor ao tempo, a segundos e minutos passando fora de seu controle; ele deve se entregar à resolução rápida e certa de um resultado incerto .
1 6 5 . As pessoas diferem em até que ponto elas prendem a respiração por uma expe riência contínua. Fanáticos e crentes verdadeiros parecem estar inclinados a esticar um pouco as coisas, mantendo uma duração de experiência e entusiasmo quando outros exalariam e passariam para outras jogadas da vida. É claro que poetas e reli giosos tendem a argumentar que se o indivíduo compara o tempo bastante conside rável em que ele precisa passar morto com o tempo relativamente breve em que ele pode andar e passear pelo mundo , ele poderia muito bem encontrar uma razão para enxergar toda a sua vida como um j ogo muito decisivo de duração muito curta, e cada segundo dele deveria enchê-lo de ansiedade sobre aquilo que está sendo gasto. E, na verdade, nosso tempo razoavelmente breve está se esgotando, mas parece que só conseguimos prender nossa respiração por segundos e minutos dele. 247
E ele deve se entregar ao destino nessa forma quando ele poderia evitá-lo a um custo razoável. Ele precisa apostar. A ação séria é um passeio sério , e passeios desse tipo são pratica mente sempre excluídos da vida cotidiana. Como foi sugerido, todo indivíduo participa de atos consequentes, mas a maioria desses atos não é problemática, e quando eles o são (como quando se toma uma decisão profissional que afeta a vida do indivíduo) , a determinação e assentamento dessas apostas muitas vezes chegam depois de décadas, e então já estarão obscurecidos pelos desfechos de muitas de suas ou tras apostas. A ação, por outro lado, traz o risco e a resolução no mes mo momento aquecido da experiência; os eventos da ação inundam o agora momentãneo com suas implicações para a vida que se segue. A ação séria é um meio de obter alguns dos benefícios morais da conduta heroica sem assumir todos os riscos de perda que a oportu nidade de heroísmo normalmente envolve. Mas a própria ação séria envolve um preço considerável . Isto pode ser minimizado pelo indi víduo ao participar da ação comercializada, em que a aparência de decisividade é gerada de forma controlada numa área da vida calcu lada para isolar suas consequências do resto da vida. O custo dessa ação pode ser apenas uma pequena taxa e a necessidade de sair da cadeira, ou da sala, ou da casa.
É aqui que a sociedade oferece uma outra solução para aqueles que querem elevar seu caráter, mas diminuir seus custos: a manufa tura e distribuição de experiência indireta através da mídia de massa.
Quando examinamos o conteúdo da experiência indireta comer cializada, descobrimos uma uniformidade assustadora. Apostas prá ticas, competições de caráter e ação séria são retratados. Estas podem envolver faz de conta, biografias, ou uma visão de outra pessoa atual mente exercendo uma atividade decisiva. Mas parece que é apresen tado sempre o mesmo catálogo morto de exibições animadas '66 • Em
1 66 . James Bond recebe uma missão decisiva. Ele se dirige a seus superiores num clube exclusivo e lida muito firmemente com seus recursos. ]ames Bond aluga um quarto num hotel chique num balneário chique numa parte chique do mundo . James Bond conhece uma garota inatingível e então rapidamente conquista a garota, e de pois disso ele demonstra como consegue superar friamente o assassinato dela no quarto. ]ames Bond enfrenta um adversário com carros, cartas, helicópteros, pisto las, espadas, arpões, engenhosidade, conhecimento de vinhos, judõ e habilidade ver bal. ]ames Bond esnoba o homem prestes a torturá-lo com um ferro quente, etc. 248
todos os lugares, recebemos oportunidades para nos identificarmos com pessoas reais ou fictícias engajadas em vários tipos de decisivida de, e para participarmos indiretamente dessas situações. Por que a decisividade, em todas as suas variedades, é um ingre diente tão popular da vida ilusória? Como foi sugerido, ela oferece excitação sem custo , se o consumidor puder se identificar com o protagonista 167 • Esse processo de identificação parece ser facilitado por dois fatores. Primeiro , atos decisivos, por definição , envolvem o ator no uso de facilidades cujo agente completo e eficaz é o próprio ator. Um único indivíduo é aquele que toma as decisões e as execu ta, a unidade relevante de organização. Supostamente , é mais fácil se identificar com um indivíduo, real ou fictício , pelo menos na cul tura burguesa, do que com um grupo , uma cidade, um movimento social, ou uma fábrica de tratores. Segundo , a decisividade envolve um j ogo de eventos que podem ser iniciados e realizados num espa ço e tempo pequenos o bastante para serem completamente teste munhados. Diferente de fenômenos como a ascensão do capitalis mo ou a Segunda Guerra Mundial, a decisividade é algo que pode ser assistido e retratado em sua totalidade, do começo ao fim em uma sessão; diferente desses outros eventos, ela é inerentemente apropriada para ser assistida e retratada. Vejamos a seguinte história contada por um j ornalista negro, atravessando os Estados Unidos de carro para escrever uma matéria sobre como seria tal viagem para uma pessoa como ele:
167. É claro que há grandes diferenças através do tempo e entre culturas diferentes em relação àquilo que as pessoas se permitirão desfrutar indiretamente. Eu não acho que assistir a execuções hoje seja considerado um grande privilégio, mas não há dúvida de que isto já foi um exemplo melhor de arrepios através de participação indireta. Assim, na Inglaterra do século XVIII: "A curiosidade dos homens sobre a morte levou os intelectuais e as pessoas de des taque a se fascinarem com o cadafalso . Pepys era um espectador frequente, e dizem que Boswell, o biógrafo dejohnson, usou seu grande dom para fazer amigos com os famosos com o Protetor de Newgate simplesmente para conseguir bons lugares nos enforcamentos. Em uma ocasião, quando ele põde cavalgar para Tyburn com o condenado, ele se sentiu tão sortudo quanto um torcedor moderno com um par de ingressos para uma decisão mundial dos pesos pesados. Seu prazer foi compartilha do por Sir joshua Reynolds, na carruagem atrás dele" (ATHOLL, ] . Shadow of the Gallows. Op. cit. , p. 53) . 249
Eu não fiquei muito tempo em Indianápolis, nem em Chicago, que agora estava nas garras de um inverno terrí vel nos Lagos. Então eu estava atravessando Ohio, diri gindo devagar, cinto de segurança apertado na minha cintura. No meio da tarde eu vi um carro da polícia se aproximando. Eu olhei para meu velocímetro e vi seten ta, o limite. Eu me mantive nessa velocidade, esperando que o policial me ultrapassasse, mas quando olhei para trás vi que ele estava dirigindo no meu ritmo. Então ele sinalizou para que eu parasse. Depois do Kentucky, eu fora seguido por policiais ou pa trulheiros na Georgia, Tennessee e Mississippi; eu fora parado em Illinois e na Califórnia. Seguido, parado , e in formado que eu era um homem negro sozinho num carro grande, e vulnerável para diabo. Eu não aguentava mais. Eu arranquei o cinto de segurança e abaixei a j anela. Isso não me deu espaço suficiente, por isso eu praticamente chutei a porta para abri-la. - Qual é o problema? - eu gritei para o policial. Ele não respondeu enquanto andava para o carro . E então eu de cidi entrar com tudo - meu corpo, também, se ele o qui sesse -, pois eu não toleraria mais abusos. - Mostre-me seus documentos. - Eu perguntei qual é o problema. - Isso não era o que ele queria. Segundo o ritual, eu tinha que ter entregue meus documentos para ele sem nenhuma palavra. - Eu quero ver seus documentos. Eu os dei para ele, sentindo o fedor de um homem prestes a exercer a insolência da profissão . Era o velho j ogo: "você é negro, eu sou branco , e também sou um tira " . Ele mexeu nos documentos e então , inclinando-se casu almente sobre a janela, disse: - john , qual é a sua profissão? Eu ri. O que é que a profissão tem a ver com uma suposta violação de tráfego? Será que a natureza do meu trabalho indicaria para ele se eu tinha dinheiro o bastante para su borná-lo? Será que era para ele saber que eu era o "tipo certo" de negro, aquele que tem conexões políticas que poderiam deixar as coisas ruins para ele? Será que eu de-
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via ser desempregado e estar transportando drogas, um cadáver ou meninas através da divisa do estado? Policiais e patrulheiros dos Estados Unidos, quando vocês tiverem um dia devagar, sempre poderão encontrar um ou dois negros passeando pelo seu estado. Alegrem esse dia agin do abertamente como vocês são . - Meu nome - eu gritei - é Senhor Williams. - Eu tenho certeza de que tiras e patrulheiros usam o primeiro nome com muitas pessoas brancas, mas eu saquei este aqui. "john" era sinônimo de "garoto" 1 68 • Ele tirou o braço da janela. Eu joguei minha autorização de viagem nele. Eu o observei enquanto ele a leu , e pensei, não , eu não sou o "tipo certo" de negro , nem vou te subornar, e estou a cin co segundos de me comprometer completamente - o que significa a cinco segundos de te quebrar a cabeça. Ele me olhou do topo da página. - Sr. Williams, o senhor estava andando a oitenta na es trada. Quando eu te alcancei, o senhor estava a oitenta e quatro. - Você está mentindo . Eu estava a setenta. Oitenta? Pren da-me e prove isso. - Sr. Williams - Estou cansado de toda esta perseguição de vocês. - Sr. Willi< ms - Vocês exageram tanto com essas palhaçadas que vão acabar se dando mal. Outros carros diminuíam quando passavam por nós. O patrulheiro agora parecia ansioso. Sim, minha raiva me fazia tagarelar, mas eu estava pronto para ir. E mais, ape nas pelos insultos que eu falei, ele teria me prendido se estivesse certo. Em vez disso, ele voltou para o seu carro e eu segui em frente - a setenta milhas por hora"1 69•
1 68. Nos Estados Unidos, especialmente nos estados do sul, quando um branco usa o termo "garoto" ("boy") para se referir a um negro, isto quase sempre tem uma conotação racista [N.T. ] . 1 69 . WILLIAMS, j . "This ls My Country Too", li.
Holiday, set./1964, p . 80. 251
O Sr. Williams realmente teve essa experiência e depois ele a disponibilizou, e disponibilizou a si mesmo , numa revista popular. Uma reportagem dramática cobre muito bem os eventos relevantes, como o faria uma versão dramática de palco. Nós, leitores, nos en volvemos indiretamente, confortavelmente distantes de nossa vida normal. O que para ele é uma competição de caráter, um momento da verdade, para nós é um meio de massagear nossa moralidade. Quaisquer que sejam as razões para nosso consumo de expe riência indireta, a função social de fazer isto é clara. Recebemos em segurança homens honrados em suas cenas de decisividade com os quais nos identificamos sempre que damos as costas a nossos mun dos reais. Através desta identificação , o código de conduta afirmado em atividades decisivas - um código caro ou difícil demais de man ter completamente na vida cotidiana - pode ser esclarecido e reafir mado . Asseguramos um esquema de referência para julgar atos coti dianos, sem termos que pagar suas penalidades. A mesma figura-para-identificação muitas vezes participa dos três tipos de atividade decisiva: tarefas perigosas, competições de caráter e ação séria. Portanto , podemos facilmente passar a acreditar numa conexão intrínseca entre elas, de forma que aquele a quem o caráter leva a um tipo de atividade decisiva será o tipo de pessoa no tipo de vida que também considera necessário e desejável participar dos outros dois aspectos. É fácil deixar de ·er que a afinidade natu ral do herói para todos os tipos de decisividade provavelmente não pertence a ele, mas sim àqueles entre nós que participam indireta mente de seu destino . Nós moldamos e preenchemos essas figuras românticas para satisfazer nossa necessidade, e nossa necessidade é de economia - uma necessidade de entrar em contato indireto com o maior número de bases de caráter possível pelo mesmo preço de entrada. Um indivíduo vivo desencaminhado o bastante para pro curar todos os tipos de decisividade apenas adiciona carne e ossos para algo que surgiu como um pacote para consumo . Isso sugere que regras de organização social podem apoiar e ser apoiadas por nosso mundo indireto de decisividade exemplar. Por tanto , o herói de caráter provavelmente não será o homem na rua: Pensem na pressão sobre nosso vocabulário moral se pe díssemos a ele para produzir mitos heroicos de contado-
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res, programadores e executivos de recursos humanos. Nós preferimos caubóis, detetives, toureiros e pilotos de corrida, porque esses tipos incorporam as virtudes que nosso vocabulário moral está equipado para celebrar: realização individual, aventuras e intrepidez 1 70 •
Já que o retrato é necessário , é preciso encontrar um lugar para o retratista. Por isso, nas bordas da sociedade, há poças de pessoas que aparentemente acham razoável se engaj ar diretamente nos fei tos arriscados de uma vida honrada. Ao se remover cada vez mais da substância de nossa sociedade, elas parecem agarrar cada vez mais certos aspectos de seu espírito. Sua alienação de nossa realidade as liberta para serem sutilmente induzidas a perceber nossas fantasias morais. Como já foi sugerido sobre delinquentes, elas de alguma forma cooperam ao encenar uma cena na qual projetamos nossa di nâmica de caráter: O delinquente é o homem renegado. Sua conduta pode não apenas ser vista negativamente , como um dispositi vo para atacar e derrogar a cultura respeitável; mas ela pode ser vista positivamente como a explo�ação de mo dos de comportamento que são tradicionalmente sim bólicos da masculinidade desimpedida, aos quais a cul tura de classe média renuncia porque são incompatíveis com seus objetivos , mas que não deixam de ter uma cer ta aura de g lamour e romance. É por isto que eles tam bém entram na cultura respeitável, mas apenas em for mas disciplinadas e atenuadas como os esportes organi zados, em j ogos de fantasia ou faz de conta, ou indireta mente como em filmes, televisão e histórias em quadri nhos. Não permitimos que eles interfiram com os negó cios sérios da vida . O delinquente, por outro lado , ao re nunciar a estes negócios sérios, como definidos pela classe média, está mais livre para desviar estas correntes subterrãneas de nossa tradição cultural. O ponto impor tante para nosso propósito é que a resposta delinquente, por mais "errada" e "reles" que sej a , ainda faz parte do
1 70. BERGER, B. "The Sociology of Leisure: Some Suggestions". Industrial Relations, vol. l, n. 2, 1962, p. 4 1 . L. Yablonsky (The Violent Gang. Op. cit. , p. 226-227) afirma algo semelhante numa discussão daquilo que ele chama de "herói sociopata". 253
conj unto de respostas que não ameaçam sua autoidenti ficação como um homem 1 7 1 •
Apesar das atividades decisivas muitas vezes serem respeitáveis, há muitas competições de caráter e cenas de ação séria que não o são . Mas estas são as ocasiões e lugares que mostram respeito pelo caráter moral. Não encontramos locais de adoração apenas em cor dilheiras que convidam o alpinista, mas também em cassinos, salões de sinuca e pistas de corrida; pode ser que a sensibilidade moral sej a fraca exatamente nas igrej as, onde h á uma grande garantia d e que nada decisivo ocorrerá. Ao procurar onde a ação está, chegamos a uma divisão românti ca do mundo. Em um lado estão os lugares seguros e silenciosos, o lar, o papel bem regulado nos negócios, na indústria e nas profis sões; no outro estão todas as atividades que geram expressão , exi gindo que o indivíduo dê a cara para bater e se coloque em perigo por um momento passageiro . É a partir desse contraste que confec cionamos quase todas nossas fantasias comerciais. É a partir desse contraste que delinquentes, criminosos, apostadores profissionais e esportistas ganham seu respeito próprio. Talvez este seja o paga mento em troca do uso que fazemos do ritual de suas exibições. Um último ponto: a experiência indireta restabelece nossa cone xão com os valores relacionados ao caráter. O mesmo ocorre com a ação . Então, a ação e a experiência indireta, tão diferentes na superfí cie, parecem estar aliados de perto . Posso citar alguma evidência. Vej amos as roupas. Roupas femininas são planejadas para se rem "atraentes " , o que deve significar, num ou outro sentido , que o interesse de homens não especificados deve ser atraído. E com essa atração , temos a base para um tipo de ação . Mas a probabilidade real
1 7 1 . COHEN , A. Delinquent Boys .Glencoe: The Free Press, 1955, p. 140. Aqui difi cilmente poderíamos encontrar um exemplo melhor do que o escritor Norman Mai ler. Seus romances apresentam cenas de deveres decisivos, competições de caráter e ação séria; seus ensaios expõem e exaltam os riscos, e aparentemente em sua vida pessoal ele demonstra uma certa tendência a definir tudo , de seus casamentos a seus encontros sociais, em termos da linguagem e estrutura do jogo da luta. Quais quer que sejam as recompensas e os custos da orientação da vida a apostas, ele pa rece tê-los colhido . É claro que, nessa mitificação da própria vida, Hemingway foi o campeão anterior. 254
dessa ação ocorrer muitas vezes é muito baixa. Reforçamos assim fantasias, mas não a realidade. Uma versão mais clara dessa mesma provocação indireta é o grande número recente de vendas, para cau bóis sem cavalos, de chapéus de vaqueiro, botas de salto alto , calças Levi's e tatuagens 172 • Delinquentes que carregam facas e são "maqui nados" exibem da mesma forma uma orientação maior à ação , mas aqui talvez as aparências tenham mais chance de se intrometer na realidade. As loterias, os "números" e o bingo de cassinos são expressões comercializadas de apostas improváveis oferecidas a um preço mui to pequeno . O valor esperado da jogada é, obviamente, muito me nor até do que o preço, mas recebemos uma oportunidade para fan tasias agradáveis de ganhos milionários. Aqui a ação é, ao mesmo tempo, indireta e real. Quando as pessoas vão para onde a ação está, elas muitas vezes vão para um lugar onde há um aumento não das chances enfrenta das, mas das chances pelas quais elas serão obrigadas a se arriscar. Se a ação realmente ocorrer, é provável que ela envolva alguém como elas, mas outra pessoa. Então, elas foram para um l� gar onde o envolvimento de outra pessoa pode ser assistido de perto e desfruta do indiretamente.
É claro que a comercialização representa a mistura final entre fantasia e ação. E ela tem uma ecologia. Nos fliperamas de assenta mentos urbanos e balneários de verão pode-se alugar cenas em que o cliente pode ser a estrela de apostas animadas por serem muito le vemente consequentes. Aqui, uma pessoa atualmente sem conexões sociais pode inserir moedas em máquinas de habilidade para de monstrar às outras máquinas que ela tem qualidades de caráter aprovadas socialmente. Esses pequenos espasmos nus do eu ocor rem no fim do mundo , mas lá no fim estão a ação e o caráter.
1 72. Cf. , p . ex. , POPPLESTONE, ] . "The Horseless Cowboy" . Trans-Actions, mai. jun./1966. 255