Lucernas romanas do Norte de África
Rui Morais
A colecção de lucernas romanas do Norte de África no Museu D. Diogo de...
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Lucernas romanas do Norte de África
Rui Morais
A colecção de lucernas romanas do Norte de África no Museu D. Diogo de Sousa com dois estudos sobre o mito de Héracles e Dejanira por José Ribeiro Ferreira e Carlos A. Martins de Jesus
Colecção
Fluir Perene - nº 7
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Autor: Rui Morais
Título: A colecção de lucernas romanas do Norte de África no Museu D. Diogo de Sousa Editor: José Ribeiro Ferreira Edição: 1ª / 2008 © do autor (Rui Morais)
Design Gráfico: Fluir Perene
Capa: Carlos Barbosa Rosto: desenho esquemático do motivo decorativo da lucerna com o rapto de Dejanira pelo centauro Nessos (Júlia Andrade).
Contracapa: Detalhe da decoração de um kratêr do século IV com a representação de centauro. Fernández Fernández, A.; Pérez Losada, F. - “Una gran Crátera Tardorromana con decoración pintada aparecida en la villa de Toralla” (Vigo, Galicia, España), en Actas LRCW3 (inédito). Tiragem: 200 exemplares
Obra produzida no âmbito das actividades da UI&D Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos Impressão: Simões & Linhares, Lda. Av. Fernando Namora, n.º 83 - Loja 4 3030-185 Coimbra ISBN: 978-989-95751-8-9 Depósito Legal: 282654/08
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Índice
In limine - César Valença
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Prefácio - Isabel Silva
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A COLECÇÃO DE LUCERNAS ROMANAS DO NORTE DE ÁFRICA NO MUSEU D. DIOGO DE SOUSA – Rui Morais
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Catálogo – Rui Morais e Carlos Barbosa
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Bibliografia
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Rapto de Dejanira - José Ribeiro Ferreira
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Antologia de textos - José Ribeiro Ferreira
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O crime de Dejanira ou a morte do herói - Carlos A. Martins de Jesus
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In limine A oferta de D. Manuel de Lancastre do conjunto de lucernas ao Museu D. Diogo de Sousa tem um significado especial. D. Manuel de Lancastre, da Casa de Bertiandos, Ponte de Lima, é por linha masculina 14º sobrinho neto de D. Diogo de Sousa, Arcebispo de Braga, Primaz de Espanhas. Tendo privado e correspondido com grandes Humanistas da época, D. Diogo de Sousa, como clérigo humanista, legou à cidade uma vasta obra após a sua investidura como Arcebispo e Senhor de Braga. A modernidade e dimensão em D. Diogo são bem conhecidas pela obra espiritual e pelo progresso material que legou à cidade. Assim se compreende que obras contemporâneas o reivindiquem como patrono, como no caso do Museu de Arqueologia desta cidade. Ao serviço de Deus e da cidade, D. Diogo repetidas vezes declarou nada querer para si, nem um só palmo de terra que fosse. Fica-nos assim o exemplo do mais completo desprendimento e de busca incessante de um sentido de vida. Pelo que acabamos de referir, alegramo-nos com esta iniciativa de D. Manuel de Lancastre, que através da Casa Bertiandos, um 7
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dos mais emblemáticos edifícios da arquitectura erudita do País, em muito vem enriquecer o património desta cidade. A relação do doador com Braga encontra outras ramificações que por via familiar explicam a razão destas palavras. É que D. Manuel de Lancastre está também ligado à cidade pelos seus bisavôs paternos e maternos, irmãos do Conde de Bertiandos, que residiam na Casa dos Biscaínhos então de sua família, e hoje um dos prestigiados Museus da cidade. Bem-haja. César Valença, Braga 16 de Setembro de 2008
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Prefácio
A doação feita por D. Manuel de Lancastre, ao Museu Regional de Arqueologia D. Diogo de Sousa, de uma colecção de lucernas produzida no Norte de África, constitui uma honra para este Museu e um motivo de grande regozijo, para todos os estudiosos e de uma maneira geral, para os públicos dos Museus. Graças à generosidade e ao gosto apurado e criterioso deste coleccionador de Arte Antiga, em Portugal, este Museu passa a acolher e a oferecer aos seus visitantes um conjunto de 24 lucernas e um molde, de um inestimável valor histórico e documental. Ainda que o acervo arqueológico, proveniente de Bracara Augusta, integrasse fragmentos de objectos do mesmo tipo, estudados e publicados no âmbito da especialidade, esta colecção veio tornar acessível, a todos, a enorme riqueza histórica e iconográfica que caracteriza as lucernas romanas de produção norte-africana. O estudo realizado por Rui Morais põe em evidência a homogeneidade e a riqueza dos motivos decorativos do acervo agora divulgado. É pois com profundo reconhecimento que sublinhamos a generosidade de D. Manuel de Lancastre a quem expressamos a nossa gratidão por ter contribuído para o enriquecimento da nossa colecção, em prol de um melhor conhecimento da Arte Antiga. Isabel Silva, Braga Setembro de 2008
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A colecção de lucernas romanas do Norte de África no Museu D. Diogo de Sousa
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Graças à generosa oferta de Manuel de Lancastre, o Museu D. Diogo de Sousa, em Braga, possui uma interessante colecção de lucernas e um molde africanos. À excepção de um exemplar (nº 1), trata-se de um conjunto muito homogéneo quanto à cronologia e local de produção. O primeiro exemplar estudado (nº 1) é alto-imperial. Corresponde a uma lucerna africana de tradição itálica de “bico redondo”, de meados do séc. II. Como ocorre neste tipo de lucernas, possui uma marca impressa no fundo externo, neste caso assinalando que se trata de uma peça saída da oficina de L(ucius) Domitius. Grande parte da colecção (nº 2 a 22) corresponde a lucernas africanas em sigillata dos períodos médio e baixo-imperiais, fabricadas no centro e norte do actual território da Tunísia. Com excepção de três exemplares (nº 2, 5 e 6), todas possuem um rostrum tubular unido ao disco por um canal de lados paralelos, formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação. Os dois últimos exemplares estudados (nº 23 e 24) são semelhantes aos anteriores, diferenciando-se apenas pelo facto de não serem produzidos em sigillata. O primeiro, com uma superfície e pasta cinzentas, foi fabricado em ambiente redutor; o segundo, com uma pasta creme rosada, tem vestígios de um engobe avermelhado, muito semelhante ao da película externa que caracteriza o verniz da sigillata. Particularmente interessantes são os motivos decorativos presentes nos discos destas lucernas. Apesar de se tratar de exemplares adquiridos no mercado de antiguidades, o estudo da 13
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sua iconografia é importante. Damos como exemplo o facto de estas peças apresentarem temas já conhecidos noutras formas e, numa escala mais modesta, darem a conhecer novas variantes desses temas ou mesmo acrescentar-lhes outros ainda inéditos. Como é característico deste tipo de lucernas, são abundantes os temas relacionados com animais, aqui representados por cães em corrida (nº 11; 13-14), antílopes norte africanos (Oryx Gazella) a galope (nº 15-16), e uma pantera igualmente em corrida (nº 8). Como seria de supor em lucernas tardias de produção africana, estão presentes motivos exclusivamente pagãos (nº 2-3; 7-9; 12; 17; 21) e cristãos (nº 5, 10; 18; 19-20; 22-24). Os motivos pagãos retratam temas da religião, da mitologia ou seres mitológicos. Os temas ligados à religião estão representados por dois bustos de Serápis (nº 7 e 9), uma divindade provavelmente introduzida no séc. IV a. C. em Alexandria com o propósito de reunir as tradições religiosas egípcia e helénica; duas figuras de Eros alados (nº 12 e 21), o último dos quais citaredo; e a imagem de Fortuna com os atributos que lhe são característicos, a cornucópia da abundância e o timão, que simbolizavam a distribuição de bens e a coordenação da vida dos homens (nº 2). Directamente relacionada com a mitologia temos uma lucerna (nº 17) que retrata a cena do rapto de Dejanira pelo centauro Nessos. Trata-se de um tema muito conhecido no âmbito da literatura, em particular pela versão de As Traquínias de Sófocles, e motivo de vasta representação iconográfica no mundo grego e romano. Damos como exemplo, e a título de curiosidade, uma taça ática de figuras vermelhas recentemente estudada por Rocha-Pereira (2007: 91) e que integra a colecção de vasos gregos de Manuel de Lancastre. 14
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Taça ática de figuras vermelhas (c. 510-500 a.C.). Rapto de Dejanira pelo centauro Nessos, (Colecção particular D. Manuel de Lancastre).
Como referem os textos de José Ribeiro Ferreira e Carlos Jesus, que se seguem no final do Catálogo, o tema do rapto de Dejanira pelo centauro Nessos foi amplamente retratado na literatura e na iconografia greco-latina. No que às lucernas diz respeito o tema foi representado em duas lucernas datadas dos finais do século I (LIMC, s.v. ‘Nessos’ 109 e 110).
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Os seres mitológicos são nesta colecção ilustrados por um hipocampo (nº 3), um espécie de cavalo-marinho responsável por puxar o carro de Poséidon, cuja parte anterior é a de um cavalo e a posterior de um peixe. Como referimos, as restantes lucernas da colecção estão decorados com motivos exclusivamente cristãos. Uma das lucernas apresenta no disco um krâter (nº 5), tema frequente em sarcófagos cristãos ornados com o culto dionisíaco (Boube 1984: 189). Como nos sarcófagos, a representação de Krateres de duas asas, de fundo demasiadamente estreito e uma boca larga donde saem vinhas, pode ter um significado eucarístico. A interpretação como árvore da vida é também possível, como parece sugerir um mosaico tardio de Sousa (Tunísia) onde se vê uma vinha a sair de um krâter (Yacoub 1995: 385; apud Casas i Genover e Soler i Furté 2006: 101, fig. 45). O tema da terra de Canaã (região que se estende de Sídon para Gaza, na costa Leste do Mediterrâneo, a oeste do rio Jordão), local sagrado tantas vezes retratado no Velho Testamento, está também presente nesta colecção. Trata-se da lucerna decorada com um jovem nu que suporta um cacho de uvas (nº 10). Retrata os exploradores de Canaã, Hebreus enviados por Moisés àquela região, que voltam com um cacho de uvas como prova de fertilidade da terra. Aí, o leite, o mel e as uvas abundavam e o vinho servia para saciar a sede. Tal era a riqueza e exuberância da produção que seriam necessários três a quatro homens para transportar, entre varas, um único cacho de uvas! Numa outra lucerna (nº 19) vê-se uma figura togada sentada à direita. O motivo da cruz em monograma, tão frequente neste tipo de lucernas, está representado duas vezes (nº 18 e 24), o primeiro dos quais invertido. 17
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Um dos mais belos exemplares desta colecção (nº 23) está decorado com a imagem de Cristo Pantokrator. Na sua dupla condição de divino e humano, Cristo está representado de pé, com larga túnica cingida ao nível da cintura, e com os braços abertos em posição de bênção. As outras duas lucernas apresentam motivos mais simples: dois pássaros afrontados entre uma roseta (nº 20) e dois quadrados sobrepostos (nº 22). A peça de maior destaque desta colecção corresponde à valva superior de um molde de lucerna que terá sido usado para o fabrico de lucernas africanas semelhantes às que temos vindo a referir. Na área reservada ao disco está a representação de uma lebre a correr no eixo do molde, idêntica à decoração de lucernas fabricadas na mesma área de produção (Bonifay 2004: 376, nº 38, 377). Como se refere no catálogo, trata-se de um molde fabricado no Centro da Tunísia, na região de El Jem, provavelmente saído das oficinas de Sidi Marzouk Tounsi. Da mesma área de produção existem alguns moldes de lucernas em Museus e colecções privadas. Jean Boube (1991: 337-354), a propósito do estudo de quatro moldes provenientes de El Jem, adquiridos nos anos sessenta para duas colecções privadas de Toulouse, refere ainda um exemplar existente no Museu de Mayence e dois outros conservados nas colecções do Prähistorische Staatssammlung de Munique. No catálogo nº 22 da Galeria Günter Puhze de 2008 foram a leilão a parte superior de dois moldes bivalves, com a área reservada ao disco ornada com a representação de Fausta (nº 135) e de um cavalo a saltar (nº 136) que, à semelhança dos anteriores, teriam sido usados no fabrico de lucernas afins às que aqui se apresentam.
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Catálogo Rui Morais e Carlos Barbosa
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Lucernas de “bico redondo” Nº 1 Tipo: Deneauve VII B (Bonifay, sub-tipo 1, tipo 4 A). Produção: Africana. Difusão: Norte de África. Descrição: Corpo circular de secção troncocónica. Orla larga, inclinada para o exterior, ornada com um friso de óvulos. Uma moldura, delimitada por duas finas caneluras, separa a orla do disco. Disco côncavo, com orifício de alimentação central, decorado com um cão à direita. Rostrum curto e arredondado, com a parte superior plana, separado do disco por um segmento de recta inciso. Asa perfurada, delimitada exteriormente por duas finas caneluras. Base plana, ligeiramente alteada, com marca bem impressa. Marca: L. DOMITIS [Lucius Domitius]. Cronologia: Inícios a meados do séc. II. Dimensões: Alt.: 40 mm; Compr.: 102 mm; Larg.: 79 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0162
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Lucernas Africanas em sigillata Nº 2 Tipo: Atlante I (Bonifay, tipo 37). Produção: Centro da Tunísia (Bonifay 2004: 353). Difusão: Tunísia, Líbia e Itália (Atlante 1981: 189). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla lisa, inclinada para o exterior, separada do disco por três grossas molduras. Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação centrais, decorado com uma fortuna que ostenta uma cornucópia na mão esquerda e timão na direita. Rostrum ogival de pequenas dimensões, delimitado pela moldura exterior do disco que assinala a transição para as lucernas de canal. Asa não perfurada incluída no molde. Base anelar, com três pequenas molduras concêntricas no interior.Cronologia: 230240/310. Dimensões: Alt.: 55 mm; Compr.: 132 mm; Larg.: 95 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0160
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Nº 3 Tipo: Atlante IV A. Produção: Centro da Tunísia (Atlante 1981: 188-190). Difusão: Tunísia, Argélia, Líbia e Itália (Atlante 1981: 192). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla lisa e estreita, inclinada para o exterior. Quatro grossas molduras, separadas por três largas e fundas caneluras, separam a orla do disco. Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação dispostos na transversal, decorado com um hipocampo à esquerda. Rostrum tubular unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação. Asa não perfurada incluída no molde. Base anelar moldurada. Cronologia: 300-310 (?). Dimensões: Alt.: 49 mm; Compr.: 116 mm; Larg.: 82 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0170
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Nº 4 Tipo: Atlante IV B (Bonifay, Tipo 38) Produção: Centro da Tunísia (Atlante 1981: 188-190). Difusão: Tunísia (Atlante 1981: 190). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla inclinada para o exterior, ornada com folha de palma. Disco côncavo e liso com dois orifícios de alimentação descentrados. Rostrum tubular unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação. Asa não perfurada incluída no molde. Base plana. Cronologia: Séc. IV. Dimensões: Alt.: 59 mm; Compr.: 124 mm; Larg.: 91 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0178
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Nº 5 Tipo: Aparentada ao tipo Atlante VI (Bonifay, Tipo 41). Produção: Centro da Tunísia (Atlante 1981: 192). Difusão: Tunísia e Líbia (Atlante 1981: 192). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla larga e plana ornada com incisões oblíquas, separada do disco por uma grossa moldura. Disco plano, com dois orifícios de alimentação centrais, decorado com um grande Krâter com asas do qual sai uma vinha que possui uma boca larga e fundo exageradamente estreito. Rostrum ogival de pequenas dimensões. Asa não perfurada incluída no molde, delimitada no exterior por uma fina canelura. Base anelar com dupla moldura. Cronologia: Sécs. V / VI. Dimensões: Alt.: 47 mm; Compr.: 116,5 mm; Larg.: 83 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0164
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Nº 6 Tipo: Aparentada ao tipo Atlante VI (Bonifay, Tipo 41). Produção: Centro da Tunísia (Atlante 1981: 192). Difusão: Tunísia e Líbia (Atlante 1981: 192). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla muito larga e lisa, separada do disco por duas grossas molduras. Disco plano, com dois orifícios de alimentação centrais, sem decoração. Rostrum ogival de pequenas dimensões. Asa não perfurada incluída no molde, delimitada no exterior por uma fina canelura. Base anelar com dupla moldura. Cronologia: Sécs. V / VI. Dimensões: Alt.: 53 mm; Compr.: 134 mm; Larg.: 95 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0165
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Nº 7 Tipo: Aparentada ao tipo Atlante VI (Bonifay, Tipo 41). Produção: Centro da Tunísia (Atlante 1981: 192). Difusão: Tunísia e Líbia (Atlante 1981: 192). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla lisa, inclinada para o exterior, separada do disco por três fundas caneluras delimitadas por duas grossas molduras. Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação descentrados, decorado com Serápis à esquerda (Bonifay 2004: 355, fig. 200, nº3). Rostrum tubular unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação. Asa não perfurada incluída no molde. Base anelar com dupla moldura. Cronologia: Sécs. V / VI. Dimensões: Alt.: 46 mm; Compr.: 121 mm; Larg.: 83 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0175
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Nº 8 Tipo: Atlante VII B. Produção: Tunísia (Atlante 1981: 192). Difusão: Tunísia (Atlante 1981: 192). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla plana, ornada com folha de palma. Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação centrais, decorado com uma pantera à esquerda. Rostrum tubular unido ao disco por dois canais de lados paralelos formados por uma moldura que rodeia o disco; como é característico deste tipo de lucernas a moldura exterior rodeia igualmente o orifício de iluminação. Asa não perfurada incluída no molde. Base anelar com dupla moldura. Cronologia: 325-350 (?). Dimensões: Alt.: 46 mm; Compr.: 120 mm; Larg.: 85 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0158
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Nº 9 Tipo: Tipo Atlante VIII A1 a (Bonifay, Tipo 45, var. a-b). Produção: Provavelmente do Norte da Tunísia (Bonifay 1994: 359). Difusão: Mediterrâneo ocidental, região renano-danubiana, Egeu, Egipto, ex-Jugoslávia e Portugal (Atlante 1981: 195). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla inclinada para o exterior, ornada com folha de palma. Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação centrais, decorado com Serápis à esquerda (Bonifay 2004: 355, fig. 200, nº3). Rostrum tubular unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação. Asa fracturada, perfurada, incluída no molde. Base anelar côncava, ligada à asa por uma nervura. Cronologia: Finais do séc. IV/ séc. V. Dimensões: Alt.: 42 mm; Compr.: 126 mm; Larg.: 81 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0179 36
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Nº 10 Tipo: Tipo Atlante VIII A1a (Bonifay, Tipo 54, var. a-b). Produção: Provavelmente do Norte da Tunísia (Bonifay 1994: 359). Difusão: Mediterrâneo ocidental, região renano-danubiana, Egeu, Egipto, ex-Jugoslávia e Portugal (Atlante 1981: 195). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla inclinada para o exterior, ornada com folha de palma. Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação centrais, decorado com rapaz nu que com uma vara suporta um cacho de uvas (Bonifay 2004: 356, fig. 201, nº1). Rostrum tubular unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação. Asa perfurada incluída no molde, delimitada exteriormente por uma funda canelura central. Base anelar côncava, com dupla moldura, ligada à asa por uma nervura. Cronologia: Finais do séc. IV/ séc. V. Dimensões: Alt.: 55 mm; Compr.: 122 mm; Larg.: 79 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0176 38
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Nº 11 Tipo: Atlante VIII A1a (Bonifay, tipo 45, var. a-b). Produção: Provavelmente do Norte da Tunísia (Bonifay 1994: 359). Difusão: Mediterrâneo ocidental, na região renano-danubiana, Egeu, Egipto, ex-Jugoslávia e Portugal (Atlante 1981: 195). Descrição: Lucerna de canal. Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla inclinada para o exterior, ornada com folha de palma. Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação dispostos no eixo da lucerna, decorado com um cão com coleira a correr à esquerda. Rostrum tubular unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação. Asa perfurada incluída no molde, delimitada exteriormente por uma funda canelura central. Base anelar, ligada à asa por uma nervura com dupla moldura, com marca anepígrafa. Marca: Cruz incisa. Cronologia: Sécs. IV/ V. Dimensões: Alt.: 50 mm; Compr.: 120 mm; Larg.: 85 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0159 40
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Nº 12 Tipo: Tipo Atlante VIII A1a (Bonifay, Tipo 45, var. a-b). Produção: Provavelmente do Norte da Tunísia (Bonifay 1994: 359). Difusão: Mediterrâneo ocidental, na região renano-danubiana, Egeu, Egipto, ex-Jugoslávia e Portugal (Atlante 1981: 195). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla inclinada para o exterior, ornada com folha de palma. Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação descentrados, decorado com um Eros alado sentado à direita. Rostrum tubular ligeiramente fracturado, unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação. Asa fracturada, perfurada, incluída no molde e delimitada exteriormente por uma funda canelura central. Pequena base anelar, ligada à asa por uma nervura incisa, com marca anepígrafa. Marca: Cruz incisa. Cronologia: Finais do séc. IV/ séc. V. Dimensões: Alt.: 43 mm; Compr.: 119 mm; Larg.: 78 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0172 42
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Nº 13 Tipo: Atlante VIII B (Bonifay, Tipo 43). Produção: Centro da Tunísia, provavelmente do atelier de Henchir es-Srira. (Bonifay 1994: 358). Difusão: Mediterrâneo ocidental e Egipto (Atlante 1981: 195). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla inclinada para o exterior, ornada com festões de volutas. Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação centrais dispostos no eixo da lucerna; está decorado com um cão a correr à direita, cujas extremidades se sobrepõem e ultrapassam a moldura que delimita o disco. Rostrum tubular unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação. Asa não perfurada incluída no molde, delimitada no exterior por uma fina canelura. Base anelar, ligeiramente côncava, ligada à asa por uma nervura com dupla moldura. Cronologia: Séc. V. Dimensões: Alt.: 50 mm; Compr.: 112 mm; Larg.: 72 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0180 44
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Nº 14 Tipo: Atlante VIII B (Bonifay, Tipo 43). Produção: Centro da Tunísia, provavelmente do atelier de Henchir es-Srira (Bonifay 1994: 358). Difusão: Mediterrâneo ocidental e Egipto (Atlante 1981: 195). Descrição: Lucerna de canal. Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla inclinada para o exterior, ornada com festões de volutas. Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação centrais, decorado com um cão com coleira a correr no eixo da lucerna. Rostrum tubular unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação. Asa perfurada incluída no molde, delimitada no exterior por uma fina canelura. Base anelar côncava, ligada à asa por uma nervura incisa. Cronologia: Séc. V. Dimensões: Alt.: 40 mm; Compr.: 113 mm; Larg.: 77 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0173 46
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Nº 15 Tipo: Atlante VIII B (Bonifay, Tipo 43). Produção: Centro da Tunísia, provavelmente do atelier de Henchir es-Srira (Bonifay 1994: 358). Difusão: Mediterrâneo ocidental e Egipto (Atlante 1981: 195). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla inclinada para o exterior, ornada com festões de volutas. Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação, um dos quais descentrado; decorado com um antílope com longos chifres, galopando à direita cujas extremidades se sobrepõe à moldura que delimita o disco. Rostrum tubular unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação. Asa perfurada incluída no molde, delimitada no exterior por uma fina canelura. Base em anelar côncava, ligada à asa por uma nervura incisa, com marca anepígrafo. Marca: Três linhas dispostas em forma de triângulo. Cronologia: Séc. V Dimensões: Alt.: 50 mm; Compr.: 118 mm; Larg.: 78 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0163 48
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Nº 16 Tipo: Atlante VIII B (Bonifay, Tipo 43). Produção: Centro da Tunísia, provavelmente do atelier de Henchir es-Srira (Bonifay 1994: 358). Difusão: Mediterrâneo ocidental e Egipto (Atlante 1981: 195). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla inclinada para o exterior, ornada com festões de volutas. Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação descentrados; está decorado com um antílope a galopar à direita cujas extremidades se sobrepõem à moldura que delimita o disco. Rostrum tubular unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação. Asa perfurada incluída no molde, delimitada no exterior por uma canelura. Base anelar côncava, ligada à asa por uma nervura incisa, com marca anepígrafa. Marca: Cruz incisa. Cronologia: Séc. V. Dimensões: Alt.: 52 mm; Compr.: 114 mm; Larg.: 77 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0169 50
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Nº 17 Tipo: Atlante VIII C1 a (Bonifay, tipo 46). Produção: Centro da Tunísia (Bonifay 2004: 364). Difusão: Mediterrâneo ocidental, região renano-danubiana, Egeu, Egipto, ex-Jugoslávia e Portugal (Atlante 1981: 195). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla inclinada para o exterior ornada com incisões paralelas que terminam junto ao rostrum por duas pequenas incisões circulares. Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação descentrados, decorado com Nessos à direita a raptar Dejanira. Rostrum tubular unido ao disco por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação; duas pequenas incisões circulares, iguais às da orla, assinalam a transição do disco para o rostrum. Asa perfurada incluída no molde, delimitada no exterior por uma fina canelura. Base em anelar plana, ligada à asa por uma nervura. Cronologia: Sécs. IV/ V. Dimensões: Alt.: 43 mm; Compr.: 110 mm; Larg.: 76 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0157 52
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Nº 18 Tipo: Atlante X A1 a (Bonifay, Tipo 57, grupo C5, var. B). Produção: Bizacena (Bonifay 1994: 388). Difusão: Mediterrâneo ocidental, costa atlântica, região renano-danubiana, ex-Jugoslávia, Egeu, Egipto e Chipre (Atlante 1981: 201). Descrição: Lucerna de canal. Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla plana, rebaixada, ornada com motivos em forma de coração (Petriaggi 1993: 400, Tav.12, nº35), trevos (id. ibidem: 403, Tav. 15, nº 123), folhas lanceoladas e elementos circulares (id. ibidem: 399, Tav. 11, nº7). Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação centrais, decorado com uma cruz invertida em monograma, com motivos triangulares e pérolas no seu interior (Petriaggi 1993: 407, Tav. 19, nº 210E; Bonifay 2004: 387, fig. 216, nº 10, 11e 13). Rostrum tubular unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação. Asa não perfurada incluída no molde. Base anelar plana, ligada à asa por uma nervura. Cronologia: Sécs. IV/ VI. Dimensões: Alt.: 50 mm; Compr.: 137 mm; Larg.: 80 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0171 54
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Nº 19 Tipo: Atlante X A1 b (Bonifay, tipo 54, Grupo C2). Produção: Centro da Tunísia (Bonifay 2004: 373). Difusão: Mediterrâneo ocidental e Egipto (Atlante 1981: 201). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla plana, rebaixada, ornada com triplos motivos circulares e triangulares com uma pequena pérola no interior; entre estes duas pérolas. Disco côncavo com dois orifícios de alimentação e figura sentada virada à direita. Rostrum tubular unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação com sinais de uso. Asa fracturada não perfurada, incluída no molde. Pequena base anelar, ligeiramente côncava, ligada à asa por uma nervura. Cronologia: Séc.V. Dimensões: Alt.: 48 mm; Compr.: 128 mm; Larg.: 84 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0166 56
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Nº 20 Tipo: Atlante X A2 (Bonifay, Tipo 54, grupo C2). Produção: Centro da Tunísia (Bonifay 2004: 373). Difusão: Mediterrâneo ocidental (Tunísia, Itália, França e Espanha), Egipto, Roménia e Egeu (Atlante 198: 201). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla plana, rebaixada, ornada com frisos de volutas. Disco côncavo, com orifício de alimentação central; está decorado com dois pássaros afrontados e uma roseta dentada de seis pétalas que inclui no interior dois círculos concêntricos e pequenas pérolas. Rostrum tubular unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação com sinais de uso. Asa não perfurada incluída no molde. Base anelar, ligada à asa por uma nervura, com marca anepígrafa. Marca: Círculos concêntricos moldurados. Cronologia: Finais do séc. IV / séc. V. Dimensões: Alt.: 48 mm; Compr.: 135 mm; Larg.: 81 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0174 58
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Nº 21 Tipo: Atlante X B1 a. Produção: Africana. Difusão: Tunísia, Argélia, Itália insular, Grécia e Egipto (Atlante 1981: 201). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla inclinada para o exterior, ornada com dupla palma. Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação descentrados, decorado com Eros citaredo, alado, que segura um oinochoe na mão direita e na esquerda um instrumento musical (cítara?). Rostrum tubular unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação. Asa não perfurada, incluída no molde. Base anelar ligeiramente alteada. Cronologia: Finais do séc. IV/ séc. VI. Dimensões: Alt.: 53 mm; Compr.: 127 mm; Larg.: 82 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0161
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Nº 22 Tipo: Atlante XI A2 (Bonifay, Tipo 60). Produção: Africana. Difusão: Argélia e Grécia (Atlante 1981: 203). Descrição: Corpo de secção troncocónica, ogival na transição para o rostrum. Orla plana, rebaixada, ornada com motivos semi-circulares em forma de “ferradura”. Disco côncavo, com orifício de alimentação central, decorado com dois quadrados sobrepostos; pequenas pérolas em relevo no interior dos quadrados e no circulo que delimita o orifício de alimentação (Petriaggi 1993: 399, Tav.11, nº 29B). Rostrum tubular, ogival na transição para o disco, com uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação que apresenta sinais de uso. Asa não perfurada incluída no molde. Base anelar plana, ligada à asa por uma nervura em relevo, duas protuberâncias em forma de moldura ligadas ao bico. Cronologia: Séc. V. Dimensões: Alt.: 52 mm; Compr.: 141 mm; Larg.: 82 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0168 62
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Outras Lucernas Africanas
Nº 23 Tipo: Atlante X A1 a (Bonifay, Tipo 54, grupo C2, var. B). Produção: Centro da Tunísia, possivelmente do “atelier” Byzacène ou “atelier” de Sidi Marzouk Tounsi (Bonifay 1994: 371). Difusão: Bacia do Mediterrâneo ocidental, costa atlântica, região renano-danubiana, ex-Jugoslávia, Egeu, Egipto e Chipre (Atlante 1981: 201). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla plana, rebaixada, ornada de modo alternado, com triângulos de contornos duplos (Ennabli 1976: D4/D5) e rosetas de seis pétalas (Ennabli 1976: J2). Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação centrais, decorado com Cristo Pantocrata de pé e braços abertos em posição de bênção; veste uma túnica cingida ao nível da cintura (Bonifay 2004: 374, fig. 209, nº7). Rostrum tubular unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação. Asa não perfurada incluída no molde. Base anelar plana, ligada à asa por uma nervura, com marca anepígrafa. Marca: Dois círculos concêntricos incisos. Cronologia: Séc. V. Dimensões: Alt.: 45 mm; Compr.: 130 mm; Larg.: 78 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0156 64
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Nº 24 Tipo: Atlante X A1 a (Bonifay, Tipo 66, Grupo D3, var. A). Produção: Tunísia Setentrional (Bonifay 1994: 401). Difusão: Mediterrâneo ocidental, costa atlântica, região renano-danubiana, ex-Jugoslávia, Egeu e Chipre (Atlante 1981: 201). Descrição: Corpo piriforme de secção troncocónica. Orla plana, rebaixada, ornada com um friso de peixe (Bonifay 2004: 403, fig. 225, nº 24; Ennabli 1976: quadro, nº V1). Disco côncavo, com dois orifícios de alimentação centrais, decorado com uma cruz em monograma, ornada com motivos triangulares e pérolas. Rostrum tubular, fracturada ao nível do orifício de iluminação, unido ao disco por um canal de lados paralelos formados por uma moldura contínua que rodeia o disco e o orifício de iluminação com sinais de uso. Asa não perfurada, incluída no molde. Base anelar plana, ligada à asa por uma nervura. Cronologia: Séc. V. Dimensões: Alt.: 43 mm; Compr.: 103 mm; Larg.: 79 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0177 66
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Molde de Lucerna
Nº 25 Tipo: Valva superior de uma lucerna de tipo Atlante X A (Bonifay, Tipo 54, grupo C2). Produção: Centro da Tunísia, em El Jem, provavelmente no “atelier” de Sidi Marzouk Tounsi. Difusão: Maioritariamente no Mediterrâneo ocidental (Bonifay 2004: 371). Descrição: Fracturada na área da asa, conserva em negativo o bico, a orla e o disco. No lugar da orla ornatos circulares E1, alternados com losangos sobrepostos. Na área reservada ao disco a representação de uma lebre a correr no eixo do molde. Como é característico deste tipo de moldes foi aplicado um sistema de fecho destinado a evitar o deslize de uma valva para a outra. No rebordo do molde foram cavados quatro entalhes côncavos, dispostos dois a dois, para encaixe das quatro saliências na valva inferior. A parede interna da valva está recoberta por uma película de pasta fina e alisada. À semelhança de outros moldes com a mesma proveniência, possui uma pasta ocre clara, com numerosos grãos de feldspato, alguns cristais de quartzo (alguns com 0,2 a 0,3 de largura) e partículas de mica e pedaços de tégula. Cronologia: Séc. V. Dimensões: Alt.: 51 mm; Compr.: 174 mm; Larg.: 132 mm. N.I.: M.D.D.S. 2008.0167 68
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Bibliografia
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Rapto de Dejanira José Ribeiro Ferreira
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O Rapto de Dejanira José Ribeiro Ferreira A lucerna mostra a tentativa de rapto de Dejanira pelo Centauro Nessos, quando a passava de uma para a outra margem do rio Eveno, na Etólia. Aí exercia essa função, depois de regressar à sua terra, passado o confronto entre Centauros e Lápitas (cf. Apolodoro, Biblioteca 2. 87), que tão significativa presença mereceu na arte e iconografia. Os Gregos, de modo geral, não tinham dos Centauros opinião muito favorável ou muito positiva, apesar das excepções de Quíron e de Folos, por exemplo. Diziam que haviam nascido – também com as devidas excepções, é evidente – dos amores sacrílegos de Íxion e uma nuvem a que Zeus dera a forma de Hera. Violentos, nunca conseguiam dominar as suas paixões e deixavam-se arrastar pelos instintos, cedendo aos primeiros desejos e impulsos. Assim os retratam no episódio do rapto das mulheres Lápitas e subsequente combate. Assim actuaram os companheiros do hospitaleiro Folos. Assim procedeu Nessos, quando Héracles, acompanhado da jovem mulher Dejanira, cuja mão obtivera em luta contra o monstro aquático Aqueloo, chega à margem do rio Eveno – episódio que aparece situado pela tradição literária em diversa altura na vida do casal. Se, para algumas fontes, a viagem ter-se-ia realizado logo a seguir às núpcias (cf. Sófocles, Traquínias 562-563; Séneca, Hércules 491-500), outra versão do mito coloca-a depois de uma estadia de três anos em Éfira, em casa de Oineu, sogro do herói (cf. Arquíloco, frs. 286-288 West; Diodoro Sículo 4. 36. 2-5; 75
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Apolodoro, Biblioteca 2. 7. 6): o filho de Zeus vê-se obrigado a abandonar Éfira e a partir para o exílio, ao causar acidentalmente a morte de Êunomo, o jovem filho de Arquiteles, durante um banquete em casa de Oineu. Daí que, por vezes, nas representações iconográficas apareça também a presença de uma criança – Hilo, primeiro filho do casal. Na viagem necessitaram de cruzar o rio Eveno, onde Nessos passava os transeuntes, por pequena paga. Héracles faz ele próprio a travessia, mas entrega Dejanira ao Centauro para a levar de uma margem à outra. E este, seduzido pela beleza do fardo que transportava e sob o domínio do desejo, quis aproveitar-se da situação e tenta violentá-la. Ante os gritos e susto da mulher, como Nessos a levara para a margem oposta, Héracles salva-a, atingindo o agressor com uma seta do seu arco infalível. Antes de morrer conseguiu ainda Nessos incutir na crédula Dejanira um pretenso segredo que lhe recuperaria o amor de Héracles, se ele um dia o desviasse para outra mulher: recolher num recipiente uma poção amorosa, com a qual, no caso de qualquer infidelidade, embeberia um manto que lhe ofereceria. Não há coincidência das fontes sobre a constituição deste filtro amoroso: para a versão mais divulgada, trata-se do sangue do Centauro associado ao veneno da Hidra de Lerna que a ponta da seta de Héracles conservara (e. g. Sófocles, Traquínias 569-577; Higino, Fábulas 34); outras dão-no como mistura do seu sangue e esperma do Centauro (Diodoro Sículo 4. 36. 4-5; Apolodoro, Biblioteca 2. 7. 6). Esta cena de rapto e castigo tem considerável expressão na iconografia. O Lexicon Iconographicum Mythologiae Classicae (LIMC) dá 125 ocorrências. E um dos exemplares mais famosos e mais antigos oferece-o a cena da Ânfora protoática de figuras negras (c. 620610 a.C.), precisamente pelo Pintor de Nessos – pintor que recebe o nome por causa desse vaso que é a sua obra mais famosa e que se encontra no Museu Arqueológico Nacional de Atenas (nº 1002).
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Ânfora proto-ática de figuras negras (c. 620-610 a.C.), pelo Pintor de Nessos.
Há, contudo, uma diferença de ênfase entre a iconografia e as fontes literárias relacionadas com este passo da tradição respeitante a Héracles. As últimas insistem em apontar o arco e a seta envenenada como fautores do castigo – é a versão do mito mais conhecida e divulgada por essa via; só o fr. 64 Maelher de Baquílides fala em clava, no verso 26. Já a iconografia, de modo geral, representa Héracles a matar Nessos com a espada ou com a maça.
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Hýdria de figuras negras do Pintor do “Vaticano 309” (c. 560 – 540a.C.). Musée du Louvre. Paris.
Naturalmente que o faz para mostrar a força plástica dos dois adversários em confronto directo – e talvez também para facilitar a representação em espaços reduzidos como são os vasos, as moedas e as lucernas. É evidente que a morte pela espada ou clava não permitiria um episódio que é essencial ao mito e preludia a morte de Héracles: os conselhos de Nessos relativos à poção amorosa e a recolha por Dejanira, sem o herói se aperceber.
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Taça ática de figuras vermelhas atribuída ao Pintor de Aristófanes (c. 420-410 a. C.). Museum of Fine Arts, Boston, Massachusetts, USA
Nestorís lucânia de figuras vermelhas do Pintor do “Primato” (c. 360-350 a. C.). Musée du Louvre. Paris. (Colecção de Antoine-Edme Durand).
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A mistura recolhida por ocasião da morte de Nessos, utilizoua Dejanira na veste fatal que enviou ao marido, quando este, por ocasião de um sacrifício, lhe solicita, pelo servidor Licas, uma túnica e um manto. Héracles apaixonara-se por Íole, uma donzela no esplendor da juventude, por cuja posse lutara e destruíra um país. Mulher já madura e a notar que as rugas já lhe sulcavam as faces e que o branco lhe polvilhava os cabelos, a visão dessa adolescente traz-lhe à memória o conselho de Nessos e pensa ser chegado o momento de o seguir. E a veste remetida, em contacto com o sol e por efeito da poção mágica, cola-se-lhe ao corpo e vai-o consumindo fibra a fibra. E sempre que Héracles tentava tirá-la, só conseguia arrancar pedaços da própria carne. Desse modo se vingou Nessos e desse modo também se cumpriu o oráculo de que Héracles pereceria às mãos de um morto. São assim os Centauros. Da repercussão que teve na literatura o bem intencionado – embora irreflectido – acto de Dejanira e a consequente morte de Héracles sublinho apenas o tratamento na densa e pungente tragédia de Sófocles, As Traquínias, cuja data deve ser pouco anterior a 427-426 a. C. Dejanira, preocupada com a ausência e a falta de notícias do marido, vê entrar-lhe pelo palácio aquela jovem ainda a florescer e a sua chegada abre-lhe o coração à colheita do ciúme. Ainda disfarça a sua dor perante o Arauto que a trouxe, falando do imenso poder do amor que a todos sujeita e governa, até os próprios deuses (vv. 441-443), e declarando-se disposta a submeter-se à sua vontade, já que quem ao Amor faz frente não revela sensatez – poder esse precisamente sublinhado pelo Coro no estásimo I (vv. 497 sqq.) em que evoca o episódio da luta de Héracles e Aqueloo, instigados por Cípris, por causa de Dejanira. Diante das mulheres do Coro, no entanto, Dejanira revela a sua dor profunda e, entregue às preocupações, confessa ter consciência de já não ser a jovem por quem Héracles se batera; agora, envelhecida, vê o herói apaixonado por outra jovem, cuja beleza vai desabrochando em contraste com a sua que se vai esvaindo (vv. 547-548); vê que 80
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por essa jovem ele se bate como fizera outrora por si. Mas não é capaz de sentir cólera contra Héracles (vv. 543-544). Relembra então a morte do centauro Nessos, vítima das setas de Héracles, por tentar abusar dela; rememora as suas palavras, ao morrer, e o sangue que lhe doou como poção mágica infalível para recuperar o amor do marido quando começasse a vacilar. A ocasião chegara e do seu plano informa as mulheres do Coro. Envolvera com esse sangue uma túnica que, através de Licas, fará chegar ao marido que tanto ama, como presente pela sua vitória. Com a única intenção de recuperar o seu amor, entrega o manto a Licas, descansada e confiante, com recomendações sobre a veste e com o conselho de não falar demais nem revelar demasiado cedo «o amor que lhe tenho, / antes de saber se lá longe eu sou amada» (vv. 631-632). E nestas palavras, que são uma saudação de amor para Héracles, mostra Dejanira, como observa Lesky, com tocante ternura a sua feminilidade. E no entanto retrai-se, pois não sabe se o marido lhe corresponde com igual afecto . A transformação da lã, com que embebera o manto, em pó e espuma desperta-lhe a consciência de que Nessos não tinha motivo algum para a ajudar e se mostrar indulgente com ela que afinal fora a causa da sua morte: o Centauro desejaria antes vingar-se de quem o atingira. E assim será ela, Dejanira, na inconsiderada esperança de reconquistar Héracles para o seu amor, quem o vai aniquilar. Em breve os seus temores são confirmados pela chegada do filho que maldiz a mãe por ter causado morte horrível ao pai. A infeliz, ouvida a descrição da agonia cruel do marido amado, entra silenciosa no palácio a caminho da morte. E o coro entoa um breve canto de lamento, espécie de comentário aos últimos acontecimentos em que vê a força poderosa e dissimulada do amor (vv. 860-861):
A intendente foi Cípris que opera em silêncio, foi ela a autora manifesta destes actos.
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Sófocles, Traquínias 562-577: Conservo desde há muito, num vaso de bronze, a dádiva de um antigo monstro. Era ainda jovem, quando a recolhi do peito cabeludo de Nesso, no momento em que expirava, assassinado. Mediante um salário, ele costumava atravessar a corrente profunda do Eveno, transportando os homens nos seus braços, sem o auxílio de um remo ligeiro ou de um navio de velas. Também a mim — seguia eu pela primeira vez com Héracles, como sua esposa, o caminho designado por meu pai — me transportou ele aos seus ombros quando, no meio da corrente, me toca com as suas mãos insolentes. Eu grito então, e o filho de Zeus, logo se volvendo, arremessa-lhe com o braço uma flecha alada que num silvo lhe trespassa o peito e o atinge nos pulmões. Moribundo, articula o Centauro estas palavras: «Filha do velho Eneu, se crês em mim, tira ao menos uma vantagem desta travessia, já que foste a última que eu transportei. Se recolheres nas tuas mãos o sangue da minha chaga, coagulado à volta da flecha, no sítio onde o monstro de Lerna, a Hidra, a tingiu de negro, ficarás na posse de um encantamento para o espírito de Héracles, de tal modo que ele não contemplará mulher alguma que possa amar para além de ti.» Pensando nisso, amigas, conservei o filtro bem guardado em minha casa desde a morte do centauro. A esta túnica o apliquei agora, consoante ele me havia dito em vida. A tarefa está terminada. Tradução de M. Céu Fialho Diodoro Sículo 4. 36. 3: E [Héracles] na sua viagem, quando chegou ao rio Eveno, encontrou aí o Centauro Nessos que por um salário fazia a travessia do rio. Ele transportou primeiro Dejanira e por causa da sua beleza ficou apaixonado por ela e tentou raptá-la de forma violen85
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ta. Gritando ela pelo marido, Héracles atinge o Centauro com uma seta e Nessos, que com ela se unira enquanto atravessava e quase a desfalecer devido à intensidade da ferida, disse a Dejanira que lhe daria um filtro para que Héracles nunca desejasse aproximarse de qualquer outra mulher. Ele aconselha-a, em conformidade, a recolher o sémen que dele tinha caído e a misturá-lo com azeite e o sangue que gotejava da seta, para com essa mistura embeber a veste de Héracles. Este conselho deu, pois, Nessos a Dejanita e exalou o último suspiro. Ela colocou o sémen num recipiente, como Nessos lhe ordenara, mergulhou nele a ponta da seta. E fez tudo sem conhecimento de Héracles. Diodoro Sículo 4. 38. 1: E aí [no promontório Ceneu] Héracles, para realizar um sacrifício, enviou o servidor Licas a Tráquis, junto de sua mulher Dejanira. Ordenou-lhe que lhe solicitasse túnica e manto que costumava usar nos sacrifícios. Mas Dejanira, informada por Licas da paixão de Héracles por Íole e querendo afeiçoá-lo mais a si, untou a túnica com o filtro que recebera do Centauro para sua destruição. Licas, desconhecedor de tudo, levou as vestes para o sacrifício. E Héracles veste a túnica embebida e, como pouco a pouco a força do corrosivo fármaco começa a actuar, ele entra na maior aflição. E dado a seta conter veneno proveniente da víbora e por essa razão a túnica, devido ao calor, devorar a carne do corpo, Héracles vê-se em tal sofrimento que mata Licas, que o servira, abandona o exército e regressa a Tráquis. Estrabão, Geografia 9. 4. 8: Nessa região fica também a colina Tafiassos, na qual se encontra o túmulo de Nessos e de outros Centauros, de cuja putrefacção, dizem, provoca o cheiro e dá aspecto granuloso à água que corre na base da colina. E é por essa razão que o povo se chama Ozolos.
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Estrabão, Geografia 10. 2. 5: [O rio Eveno] nos primeiros tempos chamava-se Licormas. E aí Nessos, que tinha sido nomeado barqueiro, ao que se diz, foi morto por Héracles, por ter tentado violar Dejanira, quando no barco a passava no rio. Ovídio, Heroides 9. 138-144: Carta ficcionada de Dejanira a Héracles Amaste-me também, como a muitas outras; a mim, [porém, sem crime. Não te envergonhes se duas vezes fui causa de lutas tuas: a chorar recolheu Aqueloo os chifres na margem húmida e submergiu a fronte truncada na água limosa. E o Centauro Nessos sucumbiu no mortífero Eveno – o sangue equino maculou as suas águas. Mas porque estou a relatar estas coisas? A escrever, [se divulga a fama de que meu marido perecera pelo veneno da [minha túnica. Ovídio, Heroides 9. 159-163: Coisa única peço e juro pelas sacratíssimas leis do leito: não se diga que tramei insídias contra o teu destino. Foi Nessos, quando seu lascivo peito é atravessado [pela seta, que me disse: «Este sangue tem os poderes do amor.» E eu enviei-te o tecido embebido com o veneno de Nessos. Ovídio, Metamorfoses 9. 101- sqq; 12. 308-310: Vide tradução de Paulo F. Alberto. Livros Cotovia (Lisboa), pp. 225-226.
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Séneca, Medeia 771-sqq.: Fala dos ingredientes mágicas usados por Medeia Ofereço-te [a Hécate] … o sangue que Nessos, esse traidor barqueiro, concedeu ao expirar. Apolodoro, Biblioteca 2. 151: Ele [Héracles], acompanhado de Dejanira, dirigiu-se para o rio Eveno, onde o Centauro Nessos exercia a ocupação de atravessar os viajantes por uma taxa, alegando que tinha recebido dos deuses esse privilégio, por causa da sua rectidão moral. Héracles cruzou o rio por si próprio, mas como Nessos pedia pagamento mesmo assim, ele deixou que atravessasse Dejanira. No caminho tentou raptá-la. Héracles ouve-a gritar e atinge Nessos no coração com uma seta, quando chegou a terra. Já moribundo, Nessos chamou Dejanira e disse-lhe que, se ela desejasse uma poção amorosa para usar em Hérales, devia misturar o sémen que ele derramara no solo com o sangue que estava a correr do ferimento provocado pela seta. Ela assim fez e levou a poção consigo. Apolodoro, Biblioteca 2. 157: [Dejanira], com grande receio de que Héracles desejasse mais Íole do que ela própria e acreditando que o sangue de Nessos era verdadeiramente uma poção amorosa, ela embebeu o manto com ele. Héracles colocou-o e deu início ao sacrifício, mas logo o manto ficou em fogo e, como veneno de hidra, começou a devorar a sua carne. Pausânias 10. 38. 1: [O rio Eveno] nos primeiros tempos chamava-se Licormas. E aí Nessos, que tinha sido nomeado barqueiro, ao que se diz, foi morto por Héracles, por ter tentado violar Dejanira, quando no barco a passava no rio. 88
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O crime de Dejanira ou a morte do herói (Baquílides, Dit. 16) Carlos A. Martins de Jesus Em data desconhecida, o segundo ditirambo de Baquílides, na ordenação que a esse livro terão dado dos alexandrinos, terá sido executado em Delfos – para aí se inclina a maior parte dos estudiosos –, mas não é de descartar por completo a hipótese de ter sido apresentado em Atenas, teoria apoiada na alusão a Posídon (v. 19) e a Atena (vv. 20-21). Composto de uma tríade completa, num estado de conservação bastante aceitável, o poema apoia-se na narração de dois mitos, um etiológico e outro com intenções mais do campo da ética. Irei às terras de Píton], já que um cargueiro de ouro me enviou, da Piéria, Urânia de belo trono, carregado de afamados hinos para o deus], no tempo em que, no florido Hebro, entre feras] ele se alegra, ou com o cisne de longo [pescoço, com doçura da sua voz] animando o coração, até a Pito] ele chegar, a buscar dos peanes as flores, – ó Apolo Píteo! –, essas que os coros das gentes de Delfos entoam junto do teu ilustre templo.
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Mas antes, cantemos como deixou a Ecália, consumida pelo fogo, o filho de Anfitrião, homem de ardilosos planos, e veio para o promontório que o mar banha [de ondas; aí, do seu resgate, a Zeus de vastas nuvens, o Ceneu, nove touros de grave mugir se dispôs a imolar, mais dois ao deus que revolve os mares e abala a terra, e à donzela de olhar seguro, à virgem Atena, uma novilha de altos cornos, ainda por jungir. Eis que o deus a que se não resiste a Dejanira inspirou, cheio de lágrimas, um plano astuto, quando ela tomou conhecimento da dolorosa notícia: que a Íole de níveos braços o filho de Zeus, destemido na luta, a enviava, como esposa, ao seu refulgente [palácio. Ah infeliz! Desgraçada! Que foi ela planear! O poderoso ciúme a deitou a perder, junto com o tenebroso véu que escondia as coisas do porvir, quando, nas róseas margens do rio Licormas, recebeu de Nessos a prodigiosa oferenda.
A primeira estrofe funciona como a explicação das origens do próprio género poético em que o texto se insere, como poetização das circunstâncias da sua performance. A predominância da primeira pessoa nestes versos iniciais parece denunciar o propósito claro do poeta 90
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em deslocar-se a esse recinto sagrado, pois que a Musa Urânia, claramente a sua predilecta, se encarregou de enviar-lhe, das montanhas da Piéria de onde é natural, um “cargueiro dourado” (v. 2) “carregado de afamados hinos” (v. 4), imagem comum para a inspiração poética que podemos ler, entre outros, em Simónides (fragmento 535 PMG) e Álcman (fr. 142 PMG). Impressionante é o quadro de deleite do deus entre os Hiperbóreos, um misto de côr e erotismo, dado em especial pela presença dos cisnes com os seus elevados e níveos pescoços, o mesmo animal em que se metamorfoseara Zeus para seduzir e conseguir unir-se a Leda. Estes cisnes têm, a acrescentar à sua beleza, a mais valia de possuirem uma voz doce (v. 7), noção cara aos poetas antigos que levou mesmo Calímaco (Hinos 4. 249sqq.) a considerar estes animais as “aves das Musas”. A antístrofe marca, de forma lapidar, a mudança de mito, de tom e de tema. O advérbio do verso 13 confirma, no seguimento da estrofe anterior, que esse canto deve ainda incluir-se no grupo dos ditirambos executados durante os meses de Inverno, antes do regresso de Apolo e de se iniciarem os peanes em sua homenagem. E a forma verbal do mesmo verso traz consigo promessas de um canto mais elevado, de natureza épica. Da épica, de facto, seriam originárias as inúmeras peripécias da vida de Héracles, dos seus trabalhos e mesmo da sua morte, o assunto eleito por Baquílides para a segunda parte do seu poema. Para narrar a morte do herói, o poeta acciona toda a sua arte e constrói uma acção, desenvolvida em três tempos distintos, não ordenados por ordem cronológica. Depois de vencer a Ecália, cujo rei, Êurito, lhe negara a mão da princesa Íole, Héracles encontra-se no monte Ceneu e aí se prepara para sacrificar aos deuses, em acção de graças pela vitória obtida. Consigo, da cidade tomada, leva no resgate a jovem que tanto desejou e por quem destruiu toda uma nação. É ao tomar conhecimento do sucedido que Dejanira, sua esposa por direito, se decide a accionar um plano antigo que havia aprendido 91
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de Nessos, o centauro, moribundo já, quando Héracles o matou na passagem de um rio. Envia pois ao marido uma túnica fatal, embebida num filtro amoroso composto pelo sangue do monstro; ao vesti-la, o herói é consumido fisicamente pela túnica, que se lhe crava à pele e o queima até às entranhas. Assim perece, às mãos de uma mulher, o mais valente dos heróis gregos.
Dejanira entrega a Héracles a túnica fatal. Pelike ática de figuras vermelhas, c. 430 a.C. Londres, British Museum.
É esta, em traços gerais, a versão da história que Sófocles actualiza em Traquínias, tragédia cuja data, de igual modo, ignoramos por completo. Os estudiosos têm considerado que ambas as versões, a do tragediógrafo e a de Baquílides, devem ser bastante próximas no tempo. No entanto, tem sido impossível concluir a 92
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qual delas dar a primazia, até porque ambos são impossíveis de datar no actual estado de conhecimentos. Ou, de outro modo, que poeta teria sido influenciado pelo outro? Pela nossa parte, preferimos perguntar: será necessário conceber esta inspiração directa entre ambos? De facto, a história da morte de Héracles integraria uma série de epopeias antigas, para nós quase totalmente perdidas. Temos notícia de uma Heracleida de Pisandro e de uma Heracleias de Paníasis de Halicarnasso, além de um poema, atribuído a Creófilo, intitulado precisamente Tomada da Ecália. Preferimos por isso, até para evitar uma polémica que pode nunca ter fim, encarar estes e outros textos como fonte de ambos, Sófocles e Baquílides. A versão deste último, no ditirambo que nos ocupa, é em tudo semelhante à de Traquínias. As diferenças, estamos em crer, prendem-se com o estilo de cada autor e, não menos importante, com as necessariamente diferentes exigências dos dois géneros em causa. Baquílides não dispõe, como Sófocles, de perto de 1300 versos para contar uma história; tem que o fazer num muito mais escasso número. A opção que tomou é clara: condensar as acções e reduzi-las ao indispensável, aproveitando sempre o conhecimento implícito de quem o ouve em relação ao tema e não deixando de cultivar um tom profundamente dramático. Aspectos como a ordem de narração dos acontecimentos (também invertida na tragédia), os lugares e os animais sacrificados a que se alude ou a referência de ambos a um objecto responsável pela morte do herói, o filtro amoroso (teras, para Baquílides, e pharmakon para Sófocles) são detalhes que denotam uma proximidade que, para alguns, é demasiado gritante para mais não ser do que mera coincidência. Toda a narração vive de claras notações de luz e fogo. Repare-se, desde logo, como a cidade destruída por Héracles, diz o poeta, foi deixada para trás “consumida pelo fogo” (v. 13), um fogo que, na metáfora das suas labaredas, é amor e, mais ainda, 93
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paixão incontrolável desse Héracles que, uma vez mais, tudo arriscou por uma mulher. Fogo que está também implícito na imolação das vítimas no monte Ceneu (vv. 19-22) e que, no final da sua vida, materializado na túnica fatal, há-de consumir o seu corpo. Mas outras notações de fogo e luz são perceptíveis no texto, desde logo quando o palácio de Tráquis é dito ser “refulgente (v. 29). E o fogo fatal adivinhava-se já, em jeito de trágico presságio, nas margens do rio Licormas onde, em tempos, Nessos tinha perecido, cobertas todas elas de rosas, em princípio de cor vermelha (v. 34), como que preconizando, em termos iconoplastas, o sangue derramado do herói morto. É portanto pela selecção de epítetos e outros adjectivos que Baquílides constrói um quadro, em três tempos e três espaços, pintado em tons de luz, fogo e sangue, onde o vermelho é, sem dúvida, a sensação visual predominante. Como se o mesmo fogo, simbolicamente presente no momento da morte de Nessos pelas rosas vermelhas que ali se encontravam, fosse um aviso que não mais abandonaria Hércules até ao momento derradeiro, quando por fim se havia de concretizar em chamas ardentes e que não podem ser pagadas. Uma luz / fogo que é, por duas vezes, símbolo de vitória – sobre Nessos e sobre a Ecália –, uma vitória que em breve se compreenderia não passar de engano, bem à maneira da esperança desses heróis de tragédia, que logo a Sorte derriba do elevado patamar de confiança em que repousavam. Assim também, efusiva e indómita, é a paixão de Dejanira, cedo transformada toda ela em ciúme, um sentimento doentio que a leva a agir como que condicionada pelo que, em Sófocles, facilmente designaríamos de cegueira trágica. As razões do ciúme que a toma são claras. Não que a incomode sobremaneira que o esposo leve para o palácio uma qualquer concubina; no caso de Íole – e é isso que lhe dói – o poeta é bem claro quando afirma que Héracles a transporta como esposa (v. 29) para com ele partilhar o leito, o poder e a vida. Dejanira, essa, há-de ser preterida, madura 94
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já em demasia para satisfazer os apetites todos desse herói até então invencível. A ainda raínha, que só na morte deixará de o ser, concebe então um plano (v. 25), dupla e ironicamente qualificado de “astuto” (v. 25) e “causador de muitas lágrimas” (v. 24). A preocupação vai mais no sentido de procurar responsabilidades, de atribuir a culpa do sucedido a uma entidade. Não é ela Dejanira, em última análise. Quem lhe inspirou tal plano foi um “deus a que se não resiste” (v. 23), referente ao que tudo indica a Eros ou mesmo ao Destino, entidade superior aos próprios olímpicos; e mesmo a arma do crime, quando a ela se refere apenas como “prodigiosa oferenda” dádiva de um deus, parece recuperar a ideia de que os acontecimentos foram exteriormente condicionados. Perto do final, no entanto, diz-se claramente que foi o “poderoso ciume” (v. 31) o responsável pelos seus actos. Resta pois a dúvida: a quem atribui Baquílides a culpa? Aos deuses, e a Eros em particular, ao Destino ou a uma força intrínseca ao homem, como é o ciume? Um pormenor que tem sido levado em conta no estudo deste episódio, em especial pelo confronto do texto de Sófocles com a iconografia disponível (cf. LIMC, s.v. “Nessos” e “Deianeira”), prende-se com algo à partida tão insignificante como seja, imagine-se, a arma de que se serviu Héracles para assassinar Nessos. Os dados da pintura de vasos parecem indiciar, na sua maioria, que o herói se terá servido de uma espada ou de uma clava, sendo que o arco e a flecha parecem ser uma versão cuja fama literária é revitalizada mais tarde, no século V , já presente contudo também na pintura de vasos mais antiga (Cf. LIMC, s.v. “Nessos”, n.os 80-88).
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Héracles ataca Nessos, que foge com Dejanira, com o arco e a flecha. Hýdria caretana de figuras negras. Etrúria, c. 530-520 a.C.
Muito embora Baquílides não refira esse detalhe no poema que estamos a comentar, ele surge no fragmento 64 Maehler, onde a arma referida é a clava. Deve então este fragmento ser anterior ao ditirambo 16 e à tragédia sofocliana. Nesta última, com efeito, a opção pelo arco e flecha – os mesmos que haviam ferido de morte a hidra de Lemnos – torna viável esse outro aspecto importante da lenda, o filtro venenoso em que Dejanira embebe a túnica para o marido, segundo Sófocles (Traquínias 555-582). Permite tal escolha dotar a história de potencialidades trágicas incomparavelmente maiores, ao mesmo tempo que semeia a dúvida, de sabor dramático, entre culpa e inocência. O ditirambo 16 de Baquílides insiste pois em aproximar o seu autor de um universo ético bastante próximo da tragédia, o que não implica, como se disse já, que aceitemos a inspiração directa na versão sofocliana. Conceitos como tyche, destino, cegueira e ironia trágicas gritam bem alto no poema. Salta à vista, 96
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em última análise, a matização cromática que, bem ao seu estilo narrativo, o poeta deu a toda a descrição do mito, unindo desse modo três tempos e três espaços que, muito embora distintos, ganham elos de determinismo inegáveis também ao nível da expressão poética.
Héracles fere Nessos com uma flecha, ele que tem já cravejadas três no corpo. Lékitos ática de figuras negras e fundo branco, atribuído ao Pintor de Edinburgo (c. 480 a.C.)
E assim, o maior dos heróis gregos, o filho de Zeus e Alcmena, ele que, à nascença, estrangulara com as próprias mãos as duas serpentes que ao seu implúvio enviara Hera para o eliminar, acaba morto às mãos de uma mullher, seja ela ou não a responsável última desse crime. Se nas odes 9 e 13 o nome do herói e o seu mito são convocados como exemplo de vitória, mais do que pode a força humana – diríamos –, outros momentos há em que Ba97
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quílides deles se serve para reflectir sobre noções diametralmente opostas: a derrota, o sofrimento e a morte. Por isso o vemos no Hades a chorar, depois de ter escutado a triste narração autobiográfica de Meleagro (Baquílides, Ode 5, vv. 155-158). Pressentiria ele para si, mesmo sem nesse pressentimento depositar qualquer fé, um destino em tudo semelhante ao do espectro do ancião que lhe falava? O certo é que, no ditirambo 16, quando o assunto mítico em causa é a sua morte, parece o poeta gritar bem alto que mesmo a quem nunca antes foi vencido chega um dia a derrota. Terrível é a queda, quando encentada de alto patamar. Parece o poema ensinar que o triunfo, e o orgulho que dele advem, implicam ambos um sem número de perigos. Assim é a vida humana, e a dos heróis, em igual medida, exemplos superlativos, não mais, de uma natureza em tudo semelhante à nossa. Havia de dizer Camões, na esteira chocantemente directa de Petrarca, que amor é fogo que arde sem se ver. No mito de Héracles e Dejanira, o amor que é paixão e arde como labaredas apenas não queima o ser que ama, antes o herói amado por alguém a quem já não devota grande sentimento. E mais ainda. Ele faz-se anunciar em diferentes momentos, concretiza-se nas chamas ateadas pela túnica funesta sobre o corpo de Héracles para, por fim, arder e se tornar bem visível, do alto do monte Ceneu, bem de longe, a todos quantos se atrevem a contemplar semelhante espectáculo.
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