A REVOLUgAO BURGUESA NO BRASIL Florestan Fernandes (2* Para chegar a conceituacao c a nossa "revolucao burguesa", Flores...
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A REVOLUgAO BURGUESA NO BRASIL Florestan Fernandes (2* Para chegar a conceituacao c a nossa "revolucao burguesa", Florest; )rocesso de formacao da economia e da s tempos em que se iniciou a coloniza snao para exercer melhor a critica da <_ j suas estruturas, submetidas a rigorosa analise. Hssa angulacao Ihe permite ver as singularidades brasileiras dos conceitos de- "revolucao burguesa", "burguesia" e "burgues", conceitos estes que nao podem ser aplicados no Brasil como simples transposicao academica. Capitulos como os que versam sobre o status colonial, as implicacoes sociais e economicas da Independencia e a formacao da ordem social competitiva estabelecem as condicoes e iluminam os estagios do desencadeamento historico da nossa "revolucao burguesa". Alto nivel de interesse ganham igualmente as paginas dedicadas ao exame dos prol>lemas da crise do poder burgues no Brasil, crise deflagrada pela passagem do capitalismo competitive ao capitalismo mcnopoHsta. Desdobra-se essa analise na abordagem do modelo autarquico-burgues de transformacao capitalista vigente no Brasil, e das contradicoes sociais e politicas geradas no interior da nova ordem.
A SOCIOLOGIA NUMA ERA DE REVOLUQAO SOCIAL Florestan Fernandes (2.a ed., reorg. e ampl.) Este livro, que anarece sob organizacao relativamente diversa, em sua segunda edicao, reiine ensaios voltados para o tipo de conhecimento que o sociologo deve criar quando se procura atingir o desenvolvimento de acordo com os requisites da democratic. Escritos numa epoca em que narecia pacifico que os principals pafses da America Latina, o Brasil inclusive, possuiam condicoes para desencadear uma revolucao democratica "dentro da ordem", eles fccalizam as tarefas r,r£ticas da Sociologia e a interacao^dos panels que o scciologo deve desempenhar em sua dupla condicao de cientista e cidadaa. Apesar das aparencias, o livro nao perdeu sua atualidade. Suas principais ideias ainda estao de pe. Que estrategia devemos seguir, nas condicoes brasileiras, nara o desenvolvimento da ciencia? O que precisa fazer o sociologo, enquanto cientista, para converter o ccnhecimento sociologico em um conhecimento critico, litil ao "planejamento dentro da Uberdade"? A realidade que exigia o debate dessas ideias nao desapareceu. Ao contrario, ela se agravou, impondo que retomemos, de modo ainda mats intenso, o debate interrompido.
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idson de Oliveira Nunes (organizador)
A Ayentura Sociologica Objetividade, Paixao, Improvise e Metodo na Pesquisa Social
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Z A H A R
Z A HA A culture o service do progresso social
EDITORES
de ciencias sociais EDITORES
A AVENTURA SOCIOLOGICA Trata-se este de urn volume singular, Nele, conhecidos cientistas sociais brasileiros narram sua pratica de pesquisa, suas indecisoes, descobertas e incertezas. Narram seu. processo .de trabalho e procuram descrever e rejfletir sobre o seu cotidiano de produc.ao de conhecimento, preocupando-se basicamente com as questoes metodologicas. Talvez seja mesmo este o topico que resume e :faz convergir essas cronicas: o processo de desvendar cientificamente a realidade segundo os individuos que fazem das Ciencias Sociais a sua profissao, Mas a maior particularidade do livro reside na maneira pela qual foram escritas as cronicas. Elas foram contadas na primeira pessoa do singular, retratando a interagSo do investigador com. os problemas metodologicos e com a complexidade 'do objeto, Nao se trata, pbrtanto, de discursos normativos, tao proprios aos manuals de metodologia da • pesquisa, m'as sim de relates que recuperam o fascinante processo de encontro com a realidade e com sua captagao em bases analfticas. A rigor, estas sao historias que os .manuais nao contam; sao historias da pratica cotidiana de trabalho clentifico. Ouatro formas diferentes de intera^ao com a pesquisa social sao destacadas. 'Em primeiro lugar, examina-se a busca da realidade catrav^s da entrevista e da observa^ao, \ : ressaltando as diferentes estratlgias de 1 abordageiri, a versao qualitativa, a I'quantitativa e a associagao das tecnicas. Sao I artigos distintps que exemplificam p^ara o lestiidioso as peculiarsdades destas. tecnicas, § jiem sempre alternativas, de pesquisa j social. Tarabe*m se vera, num segundo passo, ;,^a apresenta^ao de tentativas de reconstrucaO !/, de fatos recentes representados por '! processes decisorios ja encerrados, e sobre ;' o^quais se deseja produzir interpreta<;ao, Em 1"
(.continue net 2f aba)
A AVENTURA SOCIOL6GICA Objetividade, Paixao, Improvise e Metodo na Pesquisa Social
BIBLIOTECA DE CIENGIAS SOCIAIS Sociologia e Antropologia
Sbc pa/
Edson de Giveira Nunes
Pf 1?
(organizador)'"
., Objetividade, Paixao; ImproVisp/e . Metodo na Pesquis a-.Social.
ZAHAR EDITORES RIO DE
Copyright © 1978 by Edson de Oliveira Nunes
capo de JANE
INDICE f^iblioteca
Cert-.
UF/ES
Pequena Introdugao a Avetttura Sociologica BOSON DE OLIVEIRA NUNES
"I
I — A Busca da Realidade Objetiva A troves da Entrevista e da Observance
Nenhuma parte deste livro poderd ser reproduzida sejam quais forem os meios empregados fmtmeografia, xerox, datilografia, gravafao, reproducao em disco ou em fita)f sem a permissao por escrito da editora. • Aos ittfratores se apUcam as sanfoes previstas nos artigos 122 e 130 da Lei n.° 5.988 de 14 .de dezembro de 1973i
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47
B — A
65
Versao Quantitativa
.,
"Brab Drain": Pesquisa Multinacional (SIMON SCHWARTZMAN) Os Resultados A Metodologia A Teoria : , ~O Contexto Institutional Pesquisa Para ou Pesquisa Aplicada -. Conclusoes Metodo e Improvisagao, ou como Conseguir uma Entrevista Naquele Setor Que Vai dos Fundos da Igreja -Mainz ate o Corrego e Dali as Margens da Rio-Battia (AMAURY DE SOUZA) Fontes de Erros em Pesquisas or Atnostras ... f O Desenho Amostral e o Problema da Nao-Cobertura O Trabalho de Campo e o Problema da Nao-Respqsta Bibliografia ".'.'
TOMB./93
Sist. Bibliofecas/UFES 1978
Direitos para esta edigao contratados com Z A H A R
A — Versao Qualitativa O Offcio de Etndlogo, ou como Ter "Anthropological Blues" (ROBERTO DA MATTA) Observando o Familiar (GILBERTO VELHO) Entrevistando Famfiias: Notas sobre o Trabalho de Campo (TANIA SALEM)
C — A Associate das Tecnicas.
E D I T O R E S
6]
Caixa Postal 207. ZC-00, Rio Impresso no Brazil''
J
Observa?ao Participante e "Survey": Uma Experiencia de Conjugacao (NEUMA AGTJIAR) ~i-Hist6ria Pessoal e Eleigao de um Problema Cientifico ^^4 Construgao do Problema de .Investigofao: Da Biografia a Teoria Generalizafao ao Nivei da Coleta de Dados
67 68 74
si 85 86 89 100 108 119
123 125 130 135 137
INDICE
A A VENTURA SOCIOL&HCA
Especificacao ralizacao A Pesquisa Conclusoes
A Guisa de Conditsao: Dinamismo Institutional e Receptividade Social ...............................................
Progressive; Invertendo o Mavimento de Gene139 143 150
7. Da Ignorancia Especifica (ou da Est&ica Sociolbgica) (EDMUNDO CAMPXJS COELHO) y O Projeto ^ A Conexao Burocratica A Equips O Trabalho Initial de Campo , Pantos de Ancoragem , A Reconstrucao do Processo ^O Planejamento coma Politico Reavaliando a Ignorancia , Uma Satisfacao a Metodocracia .-..'....'8. Voce" Quer Ir a Paris? Ou de como Passei a Extender de Disseminacao de Resultados de Pesquisas de Ciencias Sociais Entre "Policy-Makers" (ALEXANDBE DE S. C. BARBOS) Como Comecou a Historia A Realizacao da Pesquisa Depois dps Dados Decisoes Criticas Nao-Antecipadas Post-Scriptum
155 157 15S 153 161 164 166 171 173 175
Memories de um Orientador de Tese (CLAUDIO MOUKA. CASTBO) .................................................... Introducao .............................................. O Que Nao £ Uma Tese? ................................. O Evento Traumdtico da Escolha do Tema .................. Didrio de um Orientador .................................. a) b) c) d) e) f) g)
178 182 186 191 193 197
III — A Reconstrucao Historica de Processes Politicos e Sociais 9. Coroneis e Burocratas no Brasil Imperial: Cronica Analitica v jie uma Suitese Historica (FERNANDO URICOECHEA) Tentative de Reconstrucao Empi'rica de um Movimento Poli1 tico Radical (HELGIO TRIMPADE) .' -^ Origens do TemaT, .T. ~ jsEstrutttracao do Trabalho \Etnergencia das Hipoteses A Estrategia da Pesquisa ' /(nejro J: Entrevista Semidiretiva Anexo 2: Questionario .".T.... Anexo 3: Atitudes.Ideologicas Anexo 4: Escalas de Atitudes Ideologicas 11. O Ator, o Pesquisador e a Historia: Impasses Metodologicos na Implantacao do CPDOC (ASPASIA ALCANTARA CAMAKGO) .. Advertencia _. 1. Um Ponto de Partida: Documentacao e Pesquisa 2. Historia Oral: Entrevistando Lideres a) Primeiras Opcoes , . b) Delimitacao de um Tema i c) A Velha e a Nova Questao da Objetividade d) Entrevista como Docttmento Histdrico e) O Processo de Entrevista - • f) Abordagem InterdiscipHnar em Perspective!
IV — A Perspectiva Externa ao Processo de Pesquisa 12.
II — Reconstrucao de Processes Decisorios: A Analise do Passado Recente
201 226 227 230 235 239 257 259 264 270 276 276 277 282 282 288 290 291 296 301
302
A Ambicao Excessiva: Os Tratados Definitives ...... A Historia da Humanidade como Tema de Tese ..... Das Maneiras Naturais de se Dispor Mai do Tempo: Excesso de Dados e Excassez de Analise .......... As Ofensas a Lingua Pdtria; Prova de Redacao para o Mestrado? .................................... Do Discurso de Vereador ao Discurso Cientifico ..... O Orientador como Guia Espiritual e Consultor Sentimental ....................................... Dos Direitos e Deveres do Orientador ..............
Nota sobre os Autores
307 307 308 314 317
317 318 319 323 324 324 325
327
Pequena Introdugao a Aventura Sociologica EDSON DE OLIVEIBA NUNES Neste volume, o leitor tera acesso a varies artigos, cronicas, que relatam o processo de elaboracao de pesquisas sociais. A caracterfstica basica destas cronicas e representada por sua preocupacao com a "logica da descoherta" e por seu desinteresse proposital com os aspectos normativos da metodologia da pesquisa. For esforeo deliberado procurou-se reconstruir o processo de reflexao e as estrategias utilizadas por cada autor no desenrolar de sua atividade. Com este procedimento, procura-se gontrappr ao necessario discursp nQrmatjva^dQs,.tnaauais_a^ rigueza, a atipicidade e a pessoalidade do cQtidiano_da_p_esguisa. Nesta pequena introdugao, procure, a semelhanca do que os outros artigos fazem com a pesquisa, relatar o processo de reflexao que levou a construcao deste volume^ bem como expor algumas questoes que se impuseram durante e ao final deste processo. Comecemos por explicitar a argumentagao e a pauta das questoes que serviram inicialmente como quadro de referencia e justificativa para o livro. * * *
A literatura acerca da metodologia da investigacao sociologica e bastante rica e fertil. O estudante do tema tera a sua 'disposicao uma vasta gama de textos introdutorios, bem como variadas 'alternativas de textos profissionais sofisticados. Ademais, nas revistas da profissao poderao ser encontrados iniimeros artigos acerca de modelos de analises, medidas particulares, escalas, testes especificos, etc. Num outro veio de interesse. ainda ligado a metodologia, sera
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A AVENTURA SOCIOL6GICA
tambem facil o acesso a inumeras discussoes referidas as questoes episteinologicas da pesquisa social. Como se nao bastasse o rico filao bibliografico, o estudioso ou estudante ainda tern aberta a possibilidade de freqiientar cursos sobre a metodologia da pesquisa ou a epistemologia das ciencias sociais. No que se refere, portanto, a esses temas, e bastante satisfatorio o acervo disponivel das disciplinas sociais. Ha, contudo, um aspecto que tern merecido pouca atengao e para o qual algumas analises recentes tern se voltado: e a pratica dos pesquisadores cemo "uma^nstjncia de estudo e como forma de enriquecimento das disciplines.^ Ja se referiu varias vezes1 que, apesar da extensa literatura sobre metodos, pouco se conhece sobre "o metodo" utilizado para a lealizagao de estudos especificos, uma vez que os manuais estariam male voltados para um exame logico dos metodos de pesquisas, interessados sobretudo numa logica mais propria ao "contexto da justificagao" do que ao "contexto da descoberta".2 Alem disso, en
11 , O exame de alguns relatorios de pesquisa pode, sem grande esforco, corroborar tal perspective. A descrigao da metodoloffia utilizada, a explicagao dos passes e etapas da pesquisa, as referenciaa as tecnicas escolhidas para analise sao usualmente demonstradas_sfe_ gundo aquele^ areabtmco logico-normativo proprio ao contexto da justificacao. Evidentemente, os piocedimentos fortnalizados enquanto corpos normativos de referenda sao de enorme utilidade tanto no processo de investigate quanto no de comunicac.ao dos resultados de pesquisa.4 A postura compartilhada e, de certa forma, negociada pelos membros da comunidade academica, no que se refere aos canones da pesquisa e da comunicacao, e de extrema utilidade no que toca a padroes de julgamento e validagao dos estudos realizados. Sua utilizacao e reprodugao no limite, contudo, pode acarretar efeitos distintos daqueles considerados benefices e necessaries: a^ jtrj-. fauJfig2-d&_gap.&l-demiurgico & metodologja^e.-aJbipostasia da racionalidade acabam por tolher ^a^esvirtuar^o avango das discipjinas. O estudo"Has prdticas dos pesquisadores em seu cotidiano de investigagao pode, entretanto, oferecer estimulantes subsidies ao estudante voltado para o aprendizado do corpo normative da metodologia da pesquisa, Isso contem implicacoes interessantes, A primeira e a de que e litil para a sociologia, ou para a metodologia da pesquisa, tomar o sociologo em sua pratica didria de descrever e analisar "o mundo" como objeto de estudo importante para o enriquecimento do acervo metodologieo das disciplinas sociais. A segunda implicagao e a de que as prefereneias ou estilos pessoais influem nas solugoes encontradas pelos analistas para seus problemas de pesquisa. A terceira e a de que o processo de pesquisa so contem racionalidade maxima quando relatado segundo os cauones do contexto da justificativa; no dia-a-dia, ao contrario, o analista devera resolver questoes, tomar decisoes, escolher caminhos uao programados, solucionar, enfim, o "quebra-cabega" cotidiano de sua pesquisa. sense Features of Bodies of Knowledge" in McKinney e Tiryakin, Theoretical Sociology — The Meredith Corporation, 1970, pp. 319/336. * Exemplos da instancia normativa a que se refere o texto estao seminalmente desenvolvidas em Lazarsfeld, P.; Pasanela, A.; Rosemberg, M. Continuities in the Language of Social Research, The Free Press, Nova York, 1972. Ver tambem, para exemplo, o trabalho de Lazarsfeld, "The Place of Empirical Social Research in the Map of Contemporary Sociology" in McKinney, J. e Tiryakin, E., Theoretical Sociology, The Meredith Corporation, Nova York, 1970, pp. 301/318, sobre a questao dos valores e prefereneias do pesquisador, ou, por exemplo, Howard Becker, "De que lado Estamos?" e "Politica Radical e Pesquisa Sociol6gica: Observa•coes sobre Metodologia e Ideologia", in Uma Teoria da Acao Coletiva, Zahar Editores, Rio, 1977.
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PfijQUENA
A AVENTURA SOQOL6GICA
A quarta e a de que o estudo das solugoes dadas por cada pesquisador constitui conhecimento agregavel ao eorpo metodologico normativo ja referendado e negociado pelo bom seuso dos membros da comunidade da diseiplina. Com essa otica, surgiu a ideia da preparacao de uma coletanea de ensaios.5 A suposigao, bastante obvia, <jue se fez e a de que a pratica da pesquisa produz nao apenas os resultados descritos nos relatorios, como tambem produz conhecimento metodologico relevante alem de, naqueles ambientes institucionais e organizados, resultar em informacao sobre a organizagao da pesquisa, sua relagao com clientes e/ou patrocinadores, sua administracao, etc. A coletanea deveria ser composta de textos particularizantes ao inves de generalizantes; textos mais referidos a pratica dos condutores da pesquisa do que ao arcabougo normativo-metodologico; especial atencao deveria ser dada a descrigao da pesquisa (elaboragao do projeto, grau de especificagao do projeto e do "desenho" inicial, modifieacoes ocorridas, problemas, falbas, erros, relagao com o objeto estudado, com patrocinadores, etc.) e a motivagao para faze-la. Forma particular de enriquecer o paper seria o oferecimento ao leitor de um contraponto com a teoria e a metodologia pertinentes: desta forma ficariam claros os pontos de desvio, as solucoes, os achados. Este contraponto poderia compor o proprio corpo do paper ou ser executado por uma prospera politica de pes-de-pagina, Estariamos sempre a procura da demonstracao do que e especifico a cada estudo, em eomparacao com o acervo. * **
Compete, para melhor esclarecimento, relatar em maior detalbe o processo que conduziu a proposigao da coletanea. Em julho de 1976, em virtude do oficio de sociologo, envolvime fortemente com leituras e debates, acerca da metodologia e da rotina da pesquisa em ciencias sociais. Movido, por um lado, pela necessidade de melbor solucionar algumas diividas propostas pelo cotidiano da coordenagao de pesquisas e, por outro, pelo trabalho de preparacao de minha dissertagao de mestrado — que versaria exatamente sobre a rotina de pesquisa em ambientes organizados — deliberei que tentaria convencer os companheiros de trabalbo a produzir relates do dia-a-dia dos estudos que realizavamos, com o intuito de preparar um pormenorizado caderno de textos que deta5 Evidentemente a proposicao nao e original, uma vez que esta claramente influenciada pelos trabalhos acima citados. O principal merito, entretanto, consistiria em fazer circular de publico experiencias relativas a pesquisas desenvo'.vidas no Brasil, com as peculiaridades que Ihe sao oertinentes.
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Inassem discrepaucias entre nosso trabalho e as prescrieoes dos manuais de tecnicas de pesquisa. Percebia, apos quatro anos na coordenacao de um grupo de pesquisadores, certas distancias intrigantes entre a nossa pratica e a receitada nos livros. Nao^estava muito longe de cp^cjui£jjue_executavamos. o_ permanente e cotidiano as' sassinato^do metodo. Eram tantas as questoes a resolver, tantos os pequenos detalhes, tantos os improvises, tao intense, sistematico e penoso o afastamento entre a pesquisa e o projeto inicial que, talvez — indicava o providencial bom senso — esta fosse a regra, e nao a excecao e que, talvez, alnda, fosse sensato e relevante produzir relates que pudessem fixar publicamente esta experiencia. Ao mesmo tempo em que estas preocupagoes com o caratet. eventuabnente profano de nossa pratica se desenvolvia, cresciam outras^~3uvidas acompannadas de dtizias de problemas sobre a organizagao e a administracao de pesquisa, sobre os conflitos das pessoas no trabalho, enfiin, sobre a ambiencia da pesquisa que se desenvolve em instituieoes academicas, em organizagoes complexas. ^_ Pude perceber, pela leitura e pela troca de impressoes com. colegas, que nao estava travando contato com problemas particulares. Pelo contrario, desenhava-se ai um veio enorme de pontos de convergencia e de ansiedade de muitos pesquisadores. Abandonei a ideia de produzir um caderno de pesquisa, mimeografado, evoluindo para a expectativa de produzir um volume mais amplo, um livro, de earater mais abrangente, que pudesse reunir as experiencias diversificadas de muitos colegas, em universidades distintas, regioes diferentes, com formagao e interesses variados. Fiz entao circular, sob a forma de memorando, entre varies cieutistas sociais, um texto que procurava alinhavar essas preocupaeoes e que as colocava num pauo de fundo capaz de oferecer parametros a um conjunto de artigos a serem escritos.6 Uma ano e meio apos, aqui esta, nesta coletanea, a resultante. Nao chega a se constituir num livro representative de todo o esforgo que se faz hoje nas ciencias sociais no Brasil. Por razoes de espago, algumas vezes, e de prazos, em outras, muitos colegas deisaram de se juntar a este volume (def iciencia, contudo, nao insanavel no future). Vale mencionar que embora o prazo que vai da elaboragao do memorando a finaHzagao do volume possa parecer muito longo a algumas pessoas, ele reflete, ao contrario, um percurso normal. Este percurso e permeado por idas e vindas de cartas para o Brasil e exterior, telefonemas interurbanos, discussao dos termos, negociacao e renegociacao de prazos, leitura de textos, disG
Em linhas gerais, as primeiras paginas desta Introdusao repetem o referido memorando, intitulado O Cotidiano da Pesquisa.
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A AVENTUHA SOCIOL6GICA
cussao de seu conteiido, enf im, um sem numero de pequenas coisas que fazem da finalizagao de uma coletanea como esta um trabalho tao estimulante quanta o proprio processo de pesquisa. Na tarefa de classificegao dos textos para a apresentagao publica (como agrupa-los? como apreender seu objetivo central?) o exercicio do arbitrio pretensamente esclarecido e inevitavel e se manifesta pela associa530 de problemas e categories centrais as disciplinas sociais com o eventual bom senso do organizador. Certamente esta classificac.eo guarda muita semelhanga com o proprio trabalho do pesquisador. Leitura ainda que Ugeira dos artigos revelara por certo a diversificagao de experiencias e abordagens relatadas. Circunspeetas algumas, bem humoradas outras, as cronicas que aqui se apresentam revelam preocupacoes distintas e, ate mesmo, maneiras diferentes de se relacionar com a discipline, fazendo o volume parecer "desbalanceado". Entretauto, creio que reside ai sua maior riqueza, exatamente na diversificacao das leituras que se f izeram do memorando, na diversificac.ao de posturas e experiencias, Na tentative de organizar editorialmente esta diversidade, quatro ordens de questoes foram agrupadas: a busca__dajobjetiyjdade atraves da entrevista e da observagao;^ a_reoor|Strusao_^ eyentbs ocprridosjnp ,passado,j«cente;| a_r^MnsSuGa^bi^prica,,de™processos poljticps_e_sociais;Ja jjerspectiva ^xtenia_a_o_processo de mvestigegeo, representada pelo reTato""3ajitividade de orientadoiLjle pestruiapenas produto de uma politica de organizacao editorial dos textos. Eles se interpenetram, contradizem-se as vezes, se complementam. Nenhum artigo, a bem da verdade, se restringe ao titulo da segao que Ibe foi imposta, revelando a inevitavel arbitrariedade, ainda que bem intencionada, dos processoa de classificacao e rotulageo, As questoes mais graves acerca da objetividade e da interferencia das preferencias do pesquisador no processo de pesquisa, por exemplo, permeiam todo o volume. Ademais, questos relatiyas_ao^_eOTLSjranginieritos institucionais e aos entraves buroSFaticos e administrgtiyos a_t^gja^e~investigasao^o"deln^e^ tiTda3o"s no^interipr de^inuitas^ crmicas. Para nao falar nos "Saas^da pesquisa sob contrato e na sempre viva e velha querela "pesquisa pura versus pesquisa aplicada". • A leitura dos ensaios chama atengao para um fato adicional e para uma quaUficagao que precise ser feita. A tentative de reconstruir o contexto da descoberta e tarefa de extrema dificuldade e, nela. sempre se e capturado pela logica da justificagao. A logica em uso e inenarravel. Sua apresentagao e sempre filtrada pela cultura academica do narrador, pela sua formagao e, principalmente, por sua interpretagao e analise. E essa impossibilidade logica de reproduzir sem interferencia analitica o proeesso individual de conviven-
PEQUENA
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cia com o objeto faz com que a pesquisa so possa ser totalmente apreendida e sentida por aqueles que participam da aventura de sua organizacao. Alguns livros tentam ensinar como pesquisar, outros» como este, tentam descrever o processo de realizacao __ cupar com oens^namentp-de_cQm.o_pes.quisar._i_A dimensao verdadeira do processo de pesquisa, entretanto, so pode ser captada pela pratica e pela observagao direta ou trabalho dos colegas. A experiencie comuniceda atraves de artigos ou conferencias e, sem duvida, filtrada e interpreteda pelo ator que relate. Ainda assim, o esforco de desformelizar a narrative e de tentar expor a experiencia^viyide contem muita riqueze pedagogica. * *
Outro fato a se destacar, ja pela inspecao des notes de pe de pagina em toda a extensao do volume, e que a ^reocupagao ^ _ _ sociais, ~ conceituaHjeZnietodoIogieo^-Com .a iostitucionalizacao da pesquisa. com os inetgdg^_e_tecnicas_de_abgrdBgeniT enfim, com o avanco da capacidade analitica ^as_ciencies sociais, nao_se_fez_ainda._notar_no__ Brasil. Praticamente todes as referencias ao "estado das artes" tomam como base depoimentos gerados no exterior, Talvez isto reve-' le o ainda incipiente e embrionario estado das ciencias sociais com explicita referencia empirica no Brasil. Talvez indique o insatisfatorio estagio de institucionalizagao da comunidade academica nesta area. De quelquer forme, o volume que se segue revela muitas preocupagoes ja sedimentadas, muita reflexao ja feita, muitos pas-= sos em direcao aLjmaturidade. Nao obstante, vale a pena enfatizer que nao apenas a preocupacao com a instaucia metodologica ligada a pratica de pesquisa se beneficia dos avangos gerados por comunidades profissionais de outros paises. Outra questao ressalta. A propria forma que e preocupagao analitica assume e os parametros e paradigmas que pautam grande parte da investigacao contemporanea no Brasil, bem como muitos dos proprios temas estudados, sao produzidos a partir do exterior. A formulagao do problema a ser investigado, isto e, a selegao do "quebra-cabe§a" a ser montado, deve muito ao treinamento e a socializagao em centros universitarios estrangeiros. Em outjas__Balayjcas,_muito do aue_se produz hoje nas ciencias sociais_brasileijas-e-pensado a partir^de f ora7^e~f ora"p^a~o'entro . Entretanto, esta nogao de "de fora" e "4e dentro", se Hem pensada, revela uma fragilidade e induz um ensinamento. Fragilidade, porque quando se fala em ciencia e em trabalho cieutifico a dicotomia "de fora" / "de dentro", baseada eni fronteiras politicas e territorials, e inutil; a internacionalidade e o
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A A VENTURA SOCIOLOGICA
apanagio da ciencia. Ensinamento, poique mostra que o contato com a comunidade internacional e com as riorums mais avancadas na produgao do conhecimento tem influenciado o processo de reflexao sobre as ciencias socials produzidas no Brasil atraves do foriiecimento de sofisticadas tecnicas de produgao de conhecimento,7 originadas na analise e no reprocessamento da grande massa critica disponivel naqueles centros. Esta preocupacao critica com os meios de produgao do conhecimento identifica uma mudanca de p^iradjgmas lia busca da evidSncia cientifica e se faz acompanhar hoje pela revisita sistematica e prolifica a obra dos analistas considerados classicos e pela " reconstruct" permanente do conhecimento sobre o Brasil. Mas nao e so isso. A vinculacao inlernacional nao se restringe a influencia academica. Muita da investigacao reallzada deve sua elaboragao a dota$6es e/ou a financiamentos colocados a disposicao por fandagoes estrangeiias. 0 mesmo ocorre com o financiamento de estudos e com a ajuda para comparecimento a congresses no exterior e mesmo para a frequencia e preparagao de reunioes cientificas no Brasil. Recentemente, inclusive, discussoes travadas em varios foruns colocaram sob suspeicao politica essa relagao com financiadores externos. De' maneira objetiva, tal suspeicao acaba por atingir 6s principais cientistas socials brasileiros e as principals institxiigoes de ciencias sociais. Louge, contudo, de produzir um conhecimento alienante e descomprometido, o que essa comunidade tem produzido e avangado em termos da interpretagao critica da sociedade brasileira nao e desprezivel, assim como nao e de se desrespeitar o avaneo do conhecimento sobre as particularidades dos processos sociais que se desenrolam no Brasil contemporaneo. Longe de captar a realidade do fenomeno, aquela suspeicao toma a aparencia pelo concreto. IS precise lembrar que as ciencias sociais tem perdido no Brasil grande parte de sua base institucional. A propria graduacao em ciencias sociais enfrenta o minguante interesse das T Este contato com as tecnicas sofisticadas foi alvo do interesse de AndrS Beteille com relac.ao a India. Beteille mostrou-se preocupado com. o encanto com as tecnicas e a perda de peso substantive dos estudos das novas geracoes de soci61ogos indianos. Segundo e!e, em pai'ses como a India, sem uma tradEcao forte e independents de pesquisa sociologica, o efeito dessa influencia e negativo e esterilizante, alem de introduzir necessidades instrumentais excessivamente custosas. Ver "The Danger of Research-Methodology", International Social Science Journal, Paris, vol. XXVIII, n.° 1, 1976. As preocupacoes de Beteille, se valem pela advertSncia, nao parecem aplicar-se( como poderao atestar as cronicas que se seguem, a producao dos cientistas brasileiros.
PEQUENA
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uuiversidades a par da total ausencia de trabalho de pesquisa a este nivel, trabalho este capaz de formar o estudante e guia-lo para interesses de estudo e investigacao. Os cursos de ciencias sociais sao hoje ministrados a base da "explicacao", fazendo recprdar o velho professor explicador de antigas epocas. Por outro lado, a atividade de pesquisa progressivamente desligou-se do pedagogico contato com a universidade e com o estudante de graduagao, acabando por localizar-se majoritariamente em centros e institutes especializados. No maximo, e possivel encontrar a *"*pesquisa_erru.ciencias_sociais Ueada apenas a —pos-sn:aduaf •_,—-•v~ , * ' " —° •* —°— gao, distante_ do^QPVvio universitario^mplo. Os efeitos deste distanciamento nao sao despreziveis: os institutes de formacao basica nao convivem mais com o micleo mais produtivo de cientistas sociais, agora na ilhada pos-graduagao; os estudantes estao impedidos de observar e conviver com aqueles profissionais que produzem o conhecimento e que constituem o corpo de interlocutores privilegiados no debate academico. Ensinar na graduacao transformou-se progressivamente em estagio de inicio de carreira para aqueles profissionais que procuram ligar-se a pesquisa e ao debate disciplinar; e enorme a rotatividade de professores nos institutes e departamentos de sociologia e politica. Tambem o estudante da graduagao, por esse desvirtuamento, esta ilhado da face produtiva das disciplines sociais. Nao sera facil, e ja existe boa evidencia para isso, manter acesa a formacao de bons estudantes e pesquisadores, uma vez mantida esta distancia entre a universidade e a pesquisa. No passado recente este distanciamento quase foi extinto, porem de' maneira episodica. Extinguiu-se antes, por razoes obscurantistas, a pesquisa e a critica social neste nivel. Nao seria demais afirmar que a mais forte vinculagao com o exterior tornou-se a alternativa a suspeigao com que os governantes brindaram as ciencias sociais no ultimo decenio: minguaram-se os recursos, suprimiram-se instituicoes de pesquisa e debate. De qualquer forma, a dupla suspeicao radical mostra-se duplaniente equivocada. As ciencias sociais nao se tornaram alienadas ou "vendidas" pelo seu contato com o exterior nem, muito menos, abandonaram sua perspectiva critica por causa da pressao oficial. Que nao se faca entretanto elogio do apoio externo, assim como nao se faga o elogio da integridade do apoio nacional. Ao contrario, e forcoso reconhecer que este tema e sempre delicado. Mas e tarnbem necessario procurar a certeza de que os cientistas precisam de suporte para a realizacao legitima de sua atividade e que este Ihs e devido por merito e pela relevancia social de sua tarefa. £ funda-
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A AVENTURA SOCIOLOGICA
mental que nao se impute ao pesquisador eventuais motivagoes e valores sem antes analisar o conteiido do que e produzido. * **
Mas, leiamos os artigos e deixemos de lado esta argumentagao. Embora sugerida e enriquecida pelos textos, que se seguem, nao constitui o seu objeto central, e reflete talvez mais a leitura do organizador do que a opiniao dos autores. Neste volume, o leitor encontrara uma historia narrada segundo a perspectiva do ator, daquele que, por sua pratica individual, elabora o avango das disciplines pelo trato com as pesquisas e exposigao de conclusoes. A narrativa dos passes que compoem os processes de produgao de conhecimento e a referenda as cqndicoes institucionais que Ihes servem de base constituem a motiva9ao basica destes artigos, tao desiguais e diferenciados no que se refere a abordagem e aos estilos, mas tao unanimes na paixao e no compromisso com o oficio critico de cientista social. O cotidiano deste oficio, o trabalho cientifico, e o que se encontrara narrado nas cronicas a seguir. Sua leitura podera confirmar que o processo de penetrar na realidade, produzir classificagoes, compor explicacoes; de dirigir projetos, negociar fundos, varar a burocracia; de arquitetar metodologias e tecnicas capazes de produzir a competente captura do mundo fugidio e complexo da vida social; de errar e improvisar; de sofrer e apaixonar-se pela descoberta, pelo trabalho de campo, pela tarefa abstrata de atribuir sentido as relacoes socials, nao e menos que uma aveutura do corpo e do espirito.
A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA ATRAVIS DA ENTREVISTA E DA OBSERVAQAO
A.
A Versao Qualitativa
O Oficio de Etnolog-o, ou como Ter "Anthropological Blues" * R.OBEBTO DA MATA
This glory, the sweetest, the trueA or rather the only true glory, awaits you, encompasses you already; you will know all its brilliance on that day of triumph and joy on which, returning to your country, welcomed amid our delight, you wilt arrive in our walls, loaded with the most precious apoils, and hearers of happy tidings of our brothers scattered in the uttermost confines of the Universe. Degerando** Introdugao Em Etnologia, como nos "ritos de passagem", existem tres fases (ou pianos) fundamentals quando se trata de discorrer sobre * Trabalho apresentado na Universidade de Brasilia, junto ao Departamento de Ciencias Socials, no Simposio sobre Trabalho-de-Oampo, ali realizado. Espresso meus agradecimentos aos Profs. Roberto Cardoso de OUveira e Kenneth Taylor, que na epoca eram, respectivamente, Chefe do Departamento de Ciencias Sociais e Coordenador do Curso de Mestrado de Antropologia Social, pelo convite. Posteriormente, o texto foi publicado no Museu Nacional como Comunicagao n.° 1, Setembro, 1974, em edicao mimeografada. Desejo agradecer a Gilberto Velho, Luiz de Castro Faria e Anthony Seeger pelas sugestoes e encorajamento, quando da preparacao das duas versoes deste trabalho. ** Joseph-Marie Degerando, The Observation of Savage Peoples (1800), traduzido do Frances por F.C.T. Moore, Berkeley e Los Angeles: University of California Press, 1969.
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A VERSAO QUALITATTVA
as etapas de uma pesquisa, vista pelo prisma do seu cotidiano. A primeira, e aquela caracterizada pelo uso e ate abuso da cabega, quando ainda nao temos nenhum contato com os seres humanos que, vivendo em grupos, constituem-se nos nossos objetos de trabalho. E a fase ou piano que denomino de teorico-intelectual, marcada pelo divorcio entre o futuro pesquisador e a tribo, a classe social, o mito, o grupo, a categoria cognitiva, o ritual, o bairro, o sistema de relacoes sociais e de parentesco, o modo de produgao, o sistema politico e todos os outros dominios, em sua lista infindavel, que certamente fazem parte daquilo que se busca ver, encarar, enxergar, perceber, estudar, classificar, interpreter, explicar. etc. . . Mas esse divorcio — e e bom que se diga isso claramente — nao diz respeito somente a ignorancia do estudante. Ao contrario, ele fala precisamente de um excesso de conhecimento, mas de mn conhecer que e teorico, universal e mediatizado nao pelo concreto e sobretudo pelo especifico, mas pelo abstrato e pelo nao vivenciado. Pelos livros, ensaios e artigos: pelos outros. Na fase teorico-intelectual, as aldeias sao diagramas, os ma? trimonios se resolvem em desenhos geometricos perfeitamente simetricos e equilibrados, a patronagem e a clientele politica aparecem em regras ordenadas, a propria espoliagao passa a seguir leis e os indios sao de papel. Nunca ou muito raramente se pensa em coisas especificas, que dizem respeito a minha experiencia, quando o conhecimento e penneabilizado por cheiros, cores, dores e amores. Perdas, ansiedades e medos, todos esses intrusos que os livros, sobretudo os famigerados "manuals" das Ciencias' Sociais teimam por ignorar. Uma segunda fase, que vem depois dessa que acabo de apresentar, pode ser denominada de^psrSodo pratico. Ela diz respeito, essencialmente,_a nossa antevespera de pesquisa. De fato, trata-se daquela semana que todos cuja pesquisa implicou uma mudanga drastica experimenter am, quando a nossa preocupagao = muda subi> tamente—das_ teorias mais univejsais jaara os" p~roblemas mais banalmente concretos. A pergunta, entao, nao e mais se o grupo X tern ou nao linhagens segmentadas, a moda dos Nuer, Tallensi ou Tiv, ou se a tribo Y tern corridas de tora e metades cerimpmais, como os Kraho ou Apinaye, mas_de_pjanejar a quantidade~de~arroz e. remedies^ que,~deve"reii=ley.aEi=^iara-;O^^SnpPcpmigo. Observe que a os^cilagao^do pendulo da existencia para tais questoes — onde vou dormir, comer," ~viver — nao e nada agradavel. Especialmente quando o nosso treinamento tende a ser excessivamente verbal e teorico, ou quando somos socializados numa cultura que nos ensina sistema* icamente o conformismo, esse filho
da autoridade com a generalidade, a lei e a regra. No piano pratico, portanto, ja nao se trata de citar a experiencia de algum heroi-civilizador da disciplina, mas de colocar o problema fundamental na Antropologia, qual seja: o da especificidade e relatividade de sua propria experiencia.
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A fase final, a terceira, e a que cnamo de pessoal ou existen ciaL Aqui, nao temos mais divisoes nitidas entre as etapas da nossa form.ac.ao cientifica ou academica, mas por uma especie de prolongamento de tudo isso, uma certa visao de conjunto que certamente deve coroar todo o nosso esforgo e trabalho. Deste modo, enquanto o piano teorico-intelectual e medido pela competencia academica e o piano pratico pela perturbagao de uma realidade que vai se tornando cada vez mais imediata, o piano existencial da pesquisa em Etnologia fala mais das licoes que devo extrair do meu proprio caso. fi por causa disso que eu a considero como essencialmente globalizadora e integradora: ela deve sintetizar a biografia com a teoria, e a pratica do mundo com a do oficio. Nesta etapa ou, antes, nesta dimensao da pesquisa, eu nao me encontro mais dialogando com indios de papel, ou com diagramas simetricos, mas com pessoas. Encontro-me numa aldeia eoncreta: calorenta e distante de tudo que conheci. Achp-me fazendo face a lamparinas e doenca. Vejo-me diante de gente de carne e osso. Gente boa e antipatica, gente sabida e estupida, gente feia e bonita. Estou, assim, submerse num mundo que se situava, e depois da pesquisa volta a se situar, entre a realidade e o livro. • fi vivenciando esta fase que me dou conta (e nao sem susto) que estou entre dois fogos: a minha cultura e uma outra, o meu mundo e um outro. JJe fato, tendo me preparado e me colocado como tradutor de um outro sistema para a minha propria linguagem, eis que tenho que iniciar minha tarefa. E entao verifico, intimamente satisfeito, que o meu oficio -—...ypltado para o estudb dos homens — e analogo a propria caminhada das'soci^^^des humanas: senapre na tenue linha divisoria que separa os animals na determinagao da natureza e os deuses que, dizem os crentes, forjam o seu proprio destine. Neste trabalho, procure desenvolver esta ultima dimensao da pesquisa em Etnologia. Fase que, para mim e talvez para outros, foi tao importante.
I Durante anos, a Antropologia Social esteve preocupada em estabelecer com precisao cada vez maior suas rotinas de pesquisa
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ou- como e tambem chamado o exercicio do oficio na sua pratica mais imediata, do trabalho de campo. Nos cursos de Antropologia os professores mencionaram sempre a necessidade absoluta da coleta de tun bom material, isto e, dados etnograficos que permitis* sem um dlalogo mais intenso e mais proficuo com as teorias conbecidas, pois dai, certamente, nasceriam novas teorias — segundo a velha e, porque nao dizer, batida dialetica do Prof. Robert Merton. Desse esforco nasceram alguns livros — na America e fora dela — ensinando a realizar melbor tais rotinas. Os dois mais famosos sao o notorio Notes and Queries in Anthropology, produzido pelos ingleses e, diga-se de passagem, britanicamente produzido com zelo missionario, colonial e vitoriano, e o nao rnenos famoso Guia de Investigagao de Dados Culturais, livro inspirado pelo Human Relations Area Files, sob a egide dos estudos "cross-culturais" do Prof. George Peter Murdock. Sao suas pecas impressionantes, como sao impressionantes as monografias dos etnologos, livros que atualizam de modo correto e impecavel essas rotinas de "como comecei fazendo um mapa da aldeia, colhendo duramente as genealogias dos natives, assistindo aos ritos funerarios, procurando delimitar o tamanbo de cada roga" e "terminei descobrindo um sistema de parentesco do tipo Crow-Omaha, etc . . .w. Na realidade, livros que ensinarn__a^-f azer f4hos-na^os?a"diicipliDa, e^ode-se mesmo dizer sem medo de incorrer em exagero — que eles nasceram com a sua fundacao, ja que foi Henry Morgan, ele prcprio, o primeiro a descobrir a utilidade de tais rotinas, quando preparou uma serie de questionarios de campo que foram enviados aos distantes missionaries e agentes diplomaticos norte-americanos para escrever o seu superclassico Systems of Consanguinity and Affinity of the Human Family (1871)1. Tal traHigSo e obviamente necessaria e nao <$_ naeu__prop6sl,i»^-a<jui tentar denegri-la. Nao sou D. Quixote e recohheco muito bem os frutos que dela nasceram e poderao ainda nascer. E. mesmo se estivesse contra ela, o maximo que o bom senso ms permitiria acrescentar e que essas rotinas sao como um mal necessario. Desejo, porem, neste trabalho, trazer a luz todo um "outro lado" desta mesma tradicao oficial e explicitamente reconhecida pelos antropologos, qual seja: os aspectos que aparecem nas anedotas e nas reunioes de antropologia, nos coqueteis e nos momen-
tos menos fomiais. Nas estorias que elaboram de modo tragicomico um mal-entendido entre o pesquisador e o seu melhor informante, de como foi duro chegar ate a aldeia, das diarreias, das dificuldades de conseguir comida e — muito mais importante — de como foi dificil comer naquela aldeia do Brasil Central. Esses sao os chamados- aspJ^tbsIl_'lronianticQS=5 da disciplina, quando o pesquisador se ve^obrigado a atuar como medico, cozinheiro, contador de historias, mediador entre indios e funcionarios da FUNAI, viajante solitario e ate palhaco, Ijnsandg^rQaa, destes varios e insuspeitados paoeis para poder bem realizar^ as rotinas que infalivebnente aprendeu jQa__escola_graduada.pS curioso e significativeT^que tais aspectos sejam cunhados de "anedoticos" e, como ja disse, de "romanticos", desde que se esta consciente — e nao e precise ser filosofo para tanto — que a Antropologia Social e uma disciplina da comutacao e da mediagao. E com isso quero sunplesmente dizer que talvez mais do que qualquer outra materia devotada ao estudo do Homem, a Antropologia e aquela onde necessariamente se estabelece uma ponte entre dois universes (ou subuniversos) de significacao, e tal ponte ou mediagao e realizada com um minimo de aparato institucional ou de instrumentos de mediagao. Vale dizer, de modo artesanal e paciente, dependendo essencialruente de humores, temperamentos, fobias e todos os outros ingredientes das pessoas e do contato humano. Se e possivel e permitido uma interpretacao, nao ha duvida de que todo o anedotario referente as pesquisas de campo e um modo muito pouco imaginative de depositar num lado obscuro do oficio os seus pontos talvez mais importantes e mais significativos, E uma maneira e — quern sabe? — um modo muito envergonhado de nao assumir o lado humano e fenomenologico da disciplina, com um temor infantil de revelar o quanto vai de subjetivo nas pesquisas de campo, temor esse que e taiito maior quanto mais voltado esta o etnologo para uma idealizagao do rigor nas disciplinas sociais. Numa palavra, e um modo de nao assumir o oficio de etnologo integralmente, e o medo de sentir o que a-D^a- Jean-Garter" Lave jienonii.n«iJ1rT,^p-rEs-a-ifeIIcidade, numa carta do campo, o -aritfiropologicat blues.
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1
Rcpublicado em 1970, Anthropological Publications: Oosterhout N.B. — Holanda. Veja-se, em relacao ao que foi mencionado acima, pp. viii e ix do Prefacio e o Apendice a Parte III, pp. 515 e ss.
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II
For anthropological blues se quer cobrir e descobrir, de um modo mais sistematico, os aspectos interpretativos do oficio de etnoiogo. Trata-se de incorporar no campo mesmo das rotinas oficiais, ja legitimadas como parte do treinamento do antropologo, aqueles
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aspectos, extraordindrios, sempre prontos a emergir em todo o relacionamento humano. De fato, so se tem Antropologia Social quando se tem de algum modo o exotico, e o exotica depende invariavelmente da distancia social, e a distancia social tem como componente a marginalidade (relativa ou absoluta), e a marginalidade se alimenta de um sentimento de segregagao e a segregagao implica estar so e tudo desemboca — para comutar rapidamente essa longa cadeia — na liminaridade e no estranhamento. De tal modo que vestir a capa de etnologo e aprender a realizar uma dupla tarefa que pode ser grosseiramente contida nas seguintes formulas: (a) transformar o exotico no familiar e/ou (b) transformar o familiar em exotico. E, em ambos os casos, e necessaria a presenga dos dois termos (que representam dois universes de significagao) e, mais basicamente, uma vivencia dos dois domi: nios por um niesmo sujelto disposto a situa-los e apanha-los. Numa certa perspectiva, essas duas transformasoes parecem seguir de perto os momentos criticos da histdria da propria disciplina./ Assim e que a primeira transformacao —-^ob exotico em familiar/— 'eoiresp6nde~ao movTmento jjriglnal da Antrogo^giaauando os etnologos cbnjugaramjo^seu-esforgo na busca deliberada dos enigmas sociais situados em universes de significagao^ sabidamente incompreendidos pelos meios sociais do seu tempo./ffi foi assim que se~re3uziu e transformou — para citar apenas urn caso classico — o kula ring dos melanesios num sistema compreensrvel de trocas, alimentadas por praticas rituals, politicas, juridicas, economicas e religiosas, descoberta que veio, entre outras, permitir a criagao, por Marcel Mauss, da nogao basilar de fato social total, desenvolvida logo apds as pesquisas de B. Malinowski."2 /A segmida^transformacao~parece-._.coriesponderao momento jjrese'nte', quandoji^discipliria_S!e_.volta-.para-a-nossa_,pr6pria_soci&cJader~num"nioviinento semelhante,.a^um_auM^xQrcisino, pois jja nao se trata_inais_de_depositar1_rio_^ej^agejtn_africano ou melanesico o j^tmdb
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guntam os "porques") o exotico no que esta petrificado dentro de nos pela reificagao e pelos mecauismos de legitimac,ao.3 Essas duas transformagoes fundamentals do oficio de etuologo parecemffliardar _eotre-sljinia_estreita relagao de bomoj.ogia_J Como o desenrolar de uma sonata, onde~um tema^e'*gpresentadoJclarainente no seu_injcio,_de£envolyido rebuscadamente no seu curso^e. -finalmente, retomado no seu epilogo. "WB"Ea"so ^da"s~ tfamformagoes antropologicas, os movimentos sempre conduzem a um encontro. Deste modo, a primeira transformagao leva ao encontro daquilo que a cultura do pesquisador reveste inicialmente no envelope do bizarro, de tal maneira que a viagem'do etnologo e como a viagem do heroi classico, partida em tres momentos distintos e interdependentes: a safda de sua sociedade, o encontro com o outro nos confins do seu mundo social e, finalmente, o "retorno triunfal" (como coloca Degerando) ao seu proprio grupo com os seus trofeus. De fato, o etnologo e, na maioria dos casos, o ultimo agente da sociedade colonial ja que apos a rapina dos bens, da forga de trabalho e da terra segue o pesquisador para completar o inventario canibaHstieo: ele, portanto, busca as regras, os valores, as ideias — numa palavra, os imponderaveis da vida social que foi colonizada. Na seguuda Jransformagao, a viagem e como a do xama: um movimento drastico onde, paradoxalmente, nao se sai do lugar. E, de fato, as viagens xamanisticas sao viagens verticals (para dentro ou para cima) muito mais do que horizontals, como aeontece na viagem classica dos herois homericos.1 E nao e por outra razao que todos aqueles que realizam tais viagens para dentro e para cima sao xamas, curadores, profetas, santos e loucos; ou seja, os_que_de__ algum rnog^se^dispuseram a chegar no fundo do pogo^de _sua_propria^caltura. Como conseqiienciapifsegun'd'a1 transformagao conduz igualmenteia um encontro com o outro e ao estranhamento. As duas transformacoes estao, pois, intimamente relacionadas e aE=bas sujeitas a uma serie de residues, nuuca sendo realmente perfeitas. De fato, o exotico nunca node Mas, deixamlo paradoxospara os mais bem preparados, essas transformagoes indicam, num caso, um ponto de chegada (de fato, quando o etnologo consegue se familiarizar com uma cultura diferente da sua, ele adquire competencia nesta cultura) e, no ouEstou usando as nof6es de reificaeao e de legitimacao como Berger Voz«i I???? n° SeU A Constr"Gao Social da Realidade (Petropolis: 01 m
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Rivier
e de Oxford quern me sugeriu esta ideia da viagem
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Iro, o ponto de partida, ja que o unico modo de estudar um ritua) brasileiro e o de tomar_tal-rito como exotico. Isso significa que a' apreensao no primeiro processo e realizada primordialmente por uma via intelectual (a transformagao do exotico em familiar e realizada fundamentalmente por meio de apreensoes cognitivas), ao passo que, no segundo caso, e necessario um desligameuto emp.cional, ja que a familiaridade do costume nao foi obtida via intelecto mas via cOTr£ao~~soTualizMora-e;-"al5SU^ veio do estomago_para £ c^faeca7~EnT~a^u^s-os^casosr-porern7~a~media5ao e realizada por um corpo de principios guias (as ehamadas teorias antropologicas) e conduzida num labirinto de conflitos dramaticos que servem como pano de fundo para as anedotas antropologicas e para acentuar o toque romantico da nossa disciplina. Deste modo, se o meu insight esta correto, e no processo de transformagao mesmo que devemos cuidar de buscar a definigao cada vez mais precisa dos anthropological blues. Seria, entao, possivel iniciar a demarcagao da area basica do anthropological blues ccano_a^uejfl^o^ele^ento-q^sej^siaua'na pratica etnologica, mas que nao estava sendo espera3oKComo um blues, cuja nielo^a^g^nTia^forc^^la-Tep^tigao-"d"as"^uas frases de modo a cada vez mais se tornar perceptivel. Da mesma maneira que a tristeza e a saudade (tambem blues) se insinuam no processo do trabalho de campo, causando surpresa ao etnologo. fi quando ele se pergunta, como fez Claude Levi-Strauss, "que viemos fazer aqui? Com que esperanga? Com que fim?" e, a partir desse momento, pode ouvir claramente as intromiss5es de um rotineiro estudo de Chopin, ficar por ele obsecado e se abrir a terrivel "descoberta jje jjue a^ viagem^apenas despertaKa_sua_n£opria subjetividade^ "Por um singular paradoxo, dizXevi-Strauss, em Iugar-de-meabrrr a um novo universo, minha vida aventurosa antes me restitula_o antigoT enquanto aquelejjue eu pretendera_se_ dissolyia entre_os^meus^edos. Quantomais os ho^ens-e'as paisagens a cuja conquista eu partira perdiam, ao possui-los, a significacao que eu deles esperava, mais essas imagens decepcionantes ainda que presentes eram substituidas por outras, postas em reserva por meu passado e as quais eu nao dera nenhum valor quando ainda pertenciam a realidade que me rodeava." (Tristes Tropicos, Sao Paulo: Anhembi, 1956, 402 ss.). Seria possjvel_^zer que^o^elemento que se insinua no trabalho de campoc^ o ^^timento^ea emocao. Estes seriam, para parafrasear Levi-Strauss, osTfo~Sp^eSTiao"T;onvictados da situagao etnografica. E tudo indica que tal intrusao da subjetividade e da carga afetiva que vem com ela, dentro da rotina intelectualizada da pesquisa antropologica, e um dado sistematico da situagao. Sua manifestagao assu*
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me varias forinas, indo da aaedota infame contada pelo falecido Evans-Pritchard, quando disse que estudando os Nuer pode-se facilmente adquirir sintomas de "Nuerosis"0, ate as reagoes mais viscerais, como aquelas de Levi-Strauss, Chagnon e Maybury-Lewisfi quando se referem a solidao, a falta de privacidade e a sujeira dos fndios. Tais relates parecem sugerir, dentre os muitos temas que elaboram, a fantastica surpresa do antropologo diante de um verdadeiro assalto pelas emogoes. Assim e que Chagnon descreve sua perplexidade diante da sujeira dos Yanomano e, por isso mesmo, do terrivel sentimento de penetragao num mundo caotico e sem sentido de que foi acometido nos seus primeiros tempos de trabalho de campo. E Maybury-Lewis guarda para o ultimo paragrafo do seu livro a surpresa de se saber de algum modo envolvido e capaz de envolver seu informante. Assim, e no ultimo instante do seu relato que ficamos sabendo que Apowen — ao se despedir do antropologo — tinha lagrimas nos olhos. £ como se na escola graduada tivessem nos ensinado tudo: espere um sistema matrimonial prescritivo, um sistema politico segmentado, um sistema dualists, etc., e jamais nos tivessem prevenido que a situagao etnografica nao e realizada num vazio e que tanto la, quanto aqui, se pode ouvir os anthropological blues! Mas junto a esses momentos cruciais (a chegada e o ultimo dia), ha — dentre as imimeras situagoes destacaveis — um outro instante que ao menos para tnim se configurou como critico: o momento da descoberta etnografica. Quando o etnologo consegue descobrir o funcionamento de uma instituigao, compreende finalmente a operagao de uma regra antes obscura. No caso da minha pesquisa, no dia em que descobri como operava a regra da amizade formalizada entre os Apinaye, escrevi no meu diario em 18 de setembro de 1970: "Entao ali estava o segredo de uma relagao social muito importante (a relagao entre amigos formais), dada por acaso, enqnanto descobria outras coisas. Ele mostrava de modo iniludivel a fragilidade do meu trabalho e da minha capacidade de exercer o meu oficio cor5
Cf. Evans-Pritchard, The Nuer, Oxford: at the Clarendon Press,. 1940: 13. * Para Levi-Strauss, veja o ja citado Tristes Tropicos; para Chagnon e Maybury-Lewis confira, respectivamente, Yanomano: The Fierce People, Nova York: Holt, Rinehart e Winston, 1968, e The Savage and The Innocent, Boston: Beacon Press, 1965.
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A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA retamente. Por outro lado, ela revelava a contingencia do oficio de etnologo, pois os dados, por assim dizer, caem do ceu como piagos de chuva. Cabe ao etnologo nao so apara-los, como conduzi-los^em ejtxurrada gara^ Q^oceano _jjas__ Jeorias—eerrentes^—I>e modo muito nitido verifiquei que uma cultura e um informante sao como cartolas de magico: tira-se alguma coisa (uma regra) que faz sentido num dia; no outro, so conseguimos iitas coloridas de baiso valor. , . Do mesmo modo que estava preocupado, pois liavia mandado dois artigos errados para publicagao e tinha que corrigi-los imediataruente, fiquei tambem euforieo. Mas minim euforia teria que ser guardada para o meu diario, pois nao havia ninguem. na aldeia que comigo pudesse compartilhar de minha descoberta, Foi assim que escrevi uma carta para um amigo e visitei o encarregado do Posto no auge da euforia. Mas ele nao estava absolutamente interessado no meu trabalho. E, mesmo se estivesse, nao o entenderia. Num dia, a noite, quando ele perguntou por que, afinal, estava eu ali estudando indios, eu mesmo duvidei da minha resposta, pois procurava dar sentido pratico a uma atividade que, ao menos para mim, tem muito de artesanato, de coufusao e e, assim, totalmente desllgada de uma realidade instrumental. E foi assim que live que guardar segredo da minha descoberta. E, a noite, depois do jantar na casa do encarregado, quando retornei a minha casa, la so pude dizer do meu feito a dois meninos Apinaye que vieram para comer comigo algumas bolachas. Foi com eles e com uma lua amarela que subiu muito tarde naquela noite que eu compartilhei a minha solidao e o segredo da minha minuscula vitoria."
Esta passagem me parece instrutiva porque ela revela que, no momento mesmo que o intelecto avanga — na ocasiao da descoberta — as emog5es estao igualmente presentes, ja que e preciso compartilhar o gosto da vitoria e legitimar com os outros uma descoberta. Mas o etnologo, nesse momento esta so e, deste modo, tera que guardar para si proprio o que foi capaz de desveudar, E aqui se coloca novamente. o paradoxo da situacao etnografica: ^pgj^^e^^TJgge^^eeis^J^aciajiaiirse e, no^momento mesmo da descoberta, o etnologo eremetido para _g_seu mundo e, deste
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^ ^ ) oposto ocorre c o m muita freqiiencia: envolvido porumcHefe politico que deseja seus favores e sua opiniao numa disputa, o etnologo tem que calar e isolar-se. Emocionado pelo pedido de apoio e temeroso por sua participagao num conflito, ele se ve obrigado a chamar a razao para neutralizar os seus sentimentos e, assim, continuar de fora. Da minha experiencia, guardo com muito cuidado a lembranca de uma destas situacSes e de outra. muito mais emocionante, quando um indiozinho que era um misto de secretario, guia e filho adotivo, ofereceu-me um colar. Transcrevo novamente um longo trecho do meu diario de 1970: "Pengi entrou na minha casa com uma cabacmha presa a uma linha de tucum. Estava na minha mesa remoendo dados e coisas. Olhei para ele com o desdem dos cansados e explorados, pois que diariamente e a todo o momento minha casa se euche de indios com colares para trocas pelas minhas missangas. Cada uma dessas trocas e um pesadelo para mim. Socializado numa cultura onde a troca sempre implica uma tentative de tu:ar o melhor partido do parceiro, eu sempre tenho uma rebeldia contra o abuso das trocas propostas pelos Apinaye: um colar velho e mal feito por um punhado sempre crescente de missaugas. Mas o meu oficio tern desses logros, pois missangas nada valem para mim e, no entanto, aqui estou zelando pelas minhas pequeims bolas coloridas como se fosse um guarda de um Imiieo. Tenho chime delas, estou apegado ao seu valor — qise eu mesmo estabeleci. . . Os indios chegam, oferecem os colares, sabem que eles sao mal feitos, mas sabem que eu vou trocar. E assim fazemos as trocas. Sao c'ezenas de colares por milhares de missangas^. Ate -|ue etas acabem e a noticia corra por toda a aldeia. E, entao, ficarei livre desse incomodo papel de comerciante. Terei os colares e o trabalho cristauzado de quase todas as mulheres Apinaye. E eles terao jnissaagas para outros colares. Pois bem, a chegada de Pengy era sinal de mais uma troca. Mas ele estendeu a mao rapidamente: — Esse e para o teu ikra (filho), para ele brincar. ., E, ato continue, saiu de casa sem olhar para tras. O objeto estava nas minhas maos e a saida rapida do indiozinho nao me dava tempo para propor uma recompensa. So pude pensar no gesto como uma gentileza.
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A BUSCA DA REALIDADE OBJETWA mas ainda duvidei de tanta bondade. Pois ela nao existe nesta sociedade onde os homens sao de mesmo valor."7
Que o leitor nao deixe de observar o meu ultimo paragrafo. Duvidei de tanta bondade porque live que racionalizar imediatamente aquela dadiva, caso contrario nao estaria mais solitario. Mas sera que o etnologo esta reabnente sozinbo? Os manuals de pesquisa social quase sempre colocam o problema de modo a fazer crer que e precisamente esse o caso. Deste modo, e o pesquisador aquele que deve se orientar para o grupo estudado e tentar identificar-se com ele. Nao se coloca a contrapartida deste mesmo processor a identificagao dos natives com o sistema que o pesquisador carrega com ele, um sistema formado entre o etnologo e aqueles natives que consegue aliciar — pela simpatia, amizade, dinheiro, presentes e Deiis sabe mais como! — para que Ibe digam segredos, rompam com lealdades, fornegam-lhe lampejos novos sobre a cultura e a sociedade em estudo. Afinal, tudo e fundado na alterilidade em Antropologia: pois so existe antropologo quando ha um native transformado em informante. E so ha dados quando ha um processo de empatia correndo de lado a lado. E isso que permite ao informante contar mais um mito, elaborar com novos dados uma relagao social e discutir os motives de um lider politico de sua aldeia. Sao justamente esses nativos (transformados em mformantes e em etnologos) que salvam o pesquisador do marasmo do dia-a-dia da aldeia: do nascer e por-do-sol, do gado, da mandioca, do milbo e das fossas sanitarias. Tudo isso parece indicar que o etnologo nunca esta so, Realmente, no meio de um sistema de regras ainda exotico e que e seu objetivo tornar familiar, ele esta relacionado — e mais do que nunca ligado — a sua propria cultura. E quando o familiar comeca a se desenhar na sua consciencia, quando o trabalho terroina, o antropologo retorna com aqueles pedagos de imagens e de pessoas que conbeceu melhor do que ninguem. Mas situadas fora do alcance imediato do seu proprio mundo, elas apenas instigam e trazem a luz uma ligagao nostalgica, aquela dos anthropological blues.
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Ill Mas o que se pode deduzir dc todas essas observagoes e de todas essas impressoes que formam o processo que denominei anthropological blues? Uma dedugao possivel, entre muitas outras, e a de que, em Antropologia, e preciso recuperar esse lado extraordinario das relagoes pesquisador/nativo. Se este 6 o lado menos rotineiro e o mais dificil de ser apanhado da situagao antropologica, e certamente porque ele se constitui no aspecto mais humano da uossa rotina. £ o que realmente permite escrever a boa etuografia. Porque sem ele, como coloca Geertz, manipulando habilmente um exemplo do filosofo ingles Ryle, nao se distingue um piscar de olfaos de uma piscadela marota. E e isso, precisamente, que distingue a "descricao densa" — tipicamente antropologica — da descrigao iiiversa, totografica ou mecaniea, do viajante ou do missionario.8 Mas para distinguir o piscar mecanico e fisiologico' de uma piscadela sutil e comunicativa, e preciso sentir a marginalidade, a 'solidao e a saudade. E preciso cruzar os caminhos da empati& e da humildadev Essa deseoberta da Antropologia Social como ma'teria inte'rpretativa segue, por outro lado, uma tendencia da disciplina. Tendencia que modernamente parece marcar sua^passagem de uinai-ciencia ^atural_da-socie.d^e^_c^mo_q4ie*iam-os-eau3ir-icistas ingleses—.eamericanos, vpara uma ciencia fato neste pla_ um mecanismo dos mais importantes para deslocar nossa propria subjetivid'a:de. E o problema, como assuin^^Eouir^Dumont, ^ntre outros", ^a^parece propriamente ser o de estudar as castas da India para conheeelas integralmente, tarefa impossivel e que exigiria inuito mais do que o intelecto, mas — isso sim — permitir dialogar com' as'formas hierarquicas que convivena conosco. E a admissao — roman' tismo e anthropological blues aparte — de qug_o home^paao^se'en^e_precisa do outro coma..seu^e@a&^o e seu ~ „ _ ^^-, .
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1 Para um estudo da organizagao social desta sociedade, veja-se Roberto Da Matta, Um Mundo Dividido: A Estrutura Social dos Apinayg, Petr6oolis: Vozes, 1976.
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n , ,n-,, Geertz, The Interpretation of Cultures, Nova York; Basie Books, 1973. [A ser pubhcado brevemente por Zahar Editores.] -
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GILBERTO VELHO I — Uma das mais tradicionais premissas das ciencias sociais e a necessidade de uma distancia minima que garanta ao investigador condicoes de objetividade em seu trabalho. Afirma-se ser precise que o pesquisador veja com olhos imparciais a realidade, evitando envolvimentos que possam obscurecer ou deformar seus julgamentos e conclusoes. Uma das ^pQssiyeis decorrencias deste raciocinio jjeria a valorizagao de metodos quantitativos que seriam "ppr natureza" mais neutros e cientificos. "Sem diivida essas premissas ou dogmas nao sao partilbados por toda a comunidade academics. A nogao de que existe um enyolyimento inevitavel com o objeto de estudo e de que issq nao constitui um defeitb~~auTmperfeicao ja foi clara e precisamente enunciada.3 Nao vou deter-me, especificamente, na discussao mais geral sobre neutralidade e imparcialidade. Creio ser mais proveitoso discutir algumas experiencias pessoais que me levaram a refletir de-forma mais sistematica sobre esses problemas.
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II —^ A Antropologia, embora sem exclusividade, tradicionalmente, identifieou-se com os metodos de pesquisa ditos qualitativos. \A observacao participanteXa^ entreyista_abertak.o_CQntato_direto7~1pessoal, com_CLJiniyerso investigado ] constituem sua marea registradaT'Insiste-se na ideia de que para conhecer certas areas ou dimensoes de uma sociedade e necessario um contato, uma vivencia durante um periodo de tempo razoavelmente longo pois exis1 Agradeco os comentarfo e sugestoes de Roberto Da Matta e Eduardo Viveiros de Castro, com quern live oportunidade de discutir este trabalho. 2 Ver por exemplo o trabalho de Howard S. Becker, "De que lado Estamos", em Uma Teoria da Agao Coletiva, Zahar Editores, 1977.
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tern aspectos de uma cultura e de uma sociedade que nao sao es- V vplicita"aos7~ que nao__ aparecem a superficie e que exigem um esforgo^maior, mais detalhado e aprofimdado de observagao e empatia. No entanto, a ideia de tentar por-se no lugar do outro e de captar vivencias e experiencias particulares exige urn mergulho em profundidade diffcil de ser precisado e delimitado em termos de ^ tempo. Trata-se de problema complexo pois envolve as^questoes de ~£i distancia social e distancia psicologica. Sobre isso Ba^Jdatta ja situou com propriedade a trajetoria antropologica de transformar o "exotico em familiar e o familiar em exotico"3, Evidentemente, em algum nivel, esta se falando em distancia. 15 precise, no entanto, / refletir mais sobre o que se entende por isto. Sem diivida existe uma [ \ distancia fisica clara entre a sociedade inglesa da decada de_.trinta '-- e uma~tribo do Sudao. Ha que haver um deslocamento no espaco que requer'a utilizagao de um determinado tempo, maior em prin- > cipio do que ir •, de Londres a Oxford ou de Cartum ao Cairo. £ possivel que um ou outro individuo na tribo fale ingles^ mas a grande maioria comunica-se exclusivamente atraves dbs dialetos locals, o que evidentemente representa, em principio, uma descontinuidade maior em Jermos de comunicacao do que entre um scholar, ingles , e urn operand seu conterraneo, apesar de Bernard Shaw. Trata-se, no entanto, de um tipo de comunicagao, a verbal, q^^nao esgota todo o potencial simboUco Humano. Pode-se imaginar q^ie o ingles desenvolva um interesse e cultive uma empatia por chefes tribais, atribuindo a estes, real ou fantasiosamente, problemas semelhantes aos seus na area da manipulacao do conhecimento e no exercicio de certas prerrogativas, podendo estabelecer pontos de contato e de aproxima9ao, em determinados niveis, maiores do que os existentes entre o mesmo scholar e seus fellow-country men de origem proletaria. _-v ^ Simmel-' ao analisar a nobreza europeia mostra o seu carater cosmopolita e internacional, passando sobre as fronteiras dos EstadosT^enfatizando seus lagos comuns de grupo de status marcando vigorosamente a distancia em rela^ao aos conterraneos camponeses, proletarios ou mesmo burgueses4. Sercf diivida o patrimonio ou a cultura comum de uma nobreza europeia sao muito mais obvios do que experiencias particulares de chefes tribais africanos e de um scholar ingles que possam apresentar algumas semelhancas. Nura a
Em "O Of/cio do Etn61ogo ou como Ter 'Anthropological Blues'" — Publicacoes do Programa de Pos-Graduacao em Antropologia Social do Museu Nacional, 1974, e inclm'do nesta coletanea. 4 Em "The Nobility" em On Individuality and Social Forms, The University of Chicago Press, 1971.
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caso esta-se falando em uma categoria social e no outro em~~interacao entre individuos que nao chegamos a perceber ou definir como uma categoria. Mas ja surge com nitidez a questao da relacao entre distancia social e psicologica. 0 fato de dois individuos pertencerem a mesma sociedade nao signified' que estejam mais proximos do que se fossem de sociedades diferentes, porem aproximados por prefereneia, gostos, idiossincrasias. Ate que ppnto pode-se. nesses casos, distingmr o^jocio-cultural do psicologico? No mundo academico on intelectual em geral esta experiencia e bem conhecida. Quantas vezes em encontros, seminaries, conferencias, etc. de carater internacional nao nos encontramos interagindo a vontade, de maneira facil e descontraida, com colegas vindos de sociedades e culturas as mais dispares? Lembro-me bem de uma vez, chegando a uma universidade americana na hora do almoco, ter oportunidade de sentar a mesma mesa com colegas americanos, um trances, um argentine e nm holandes. Quase todos estavamos nos conhecendo. No entanto a conversacao correu facil, nao so quanto ao torn, com pequenas ironias e piadas implicitas, meias palavras, refereneias, etc. Tinhamos lido Alexandre Dumas e Walter Scott na adolescencia e gostavamos de Beetboven e Rosselini. Comentou-se o filme do autor italiano, que seria exibido na universidade durante a semana e discutiu-se a 7.a Sinfonia, programada para aquela noite. Esnobismo intelectual? Cultura ornamental cultivada pela intelectualidade academica? 13 possivel, mas constituem-se em temas de conyersa assim como discutir um jogo de futebol ou a ultima'atuagao de Rivelino ou Paulo Cesar com o chofer de taxi ou com o porteiro do edificio. Que tipo de conversa e mais real, verdadeira? 0 fato , e que se esta discutindo o problema de experiencias mais _ou^meno3 ' comuns, partilhaveis que permitem um nivel de interagao especffico. Falar-se a mesma lingua nao> so^ nao^exclui, que exista_m grandes : diferengas no vocabulario mas que significados e _ interpretagoes diferentes podem ser dados a palavras, categorias ou expressoes aparentemente identicas. Voltamos a Bernard Shaw e a Pigmaliao. Por outro lado, toda a tradigao marxista valorize a experiencia comum de classe e acentua, em certas interpretagoes, o carater extra e ^upranacional da luta politica, desenfatiza os lacos comuns, patrimonio culttiral de que poderiam participar classes socials distintas, para enfatizar, por exemplo, a experiencia basica comum de exploragao a que estaria submetido o proletariado. Expressoes ou termos como burguesia internacional, unidacte internacional proletdria tendem» a sublinhar a importancia de experiencias e Jnteresses sociologiCQg^...hlsMricgs. comuns ^m detrimento ^as nog5es de identidade e cultura_nacional. A ynidade,jQO caso, nao seria dada pela lingua,
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por tradigoes^nacionais de carater mais geral mas por experieucias 'e"vivencias de classe, definidas em lermos sociol6gicos,^econ6micos e historicos, que originam inclusive a nogao de cgfoigw.^xfejiZgww V que pode ultrapassar as fronteiras dos Estados Nationals. Sem du"- t vida a nocao de Estado National e a valorizagao de um patrimonio comum dentro de suas fronteiras em oposicao a patrimonies de outros Estados esta ligada a uma conjuntura socio-hislorica precisa. Normalmenle o aparecimentodo Est^dp_jtjoderiao_£_associado ao desenvolvimento da burguesia, ao fortalecimento do nacionafismo^. Enquanto movimento intelectual surge o Romantismo, preocupado em pesquisar (ou ate criar)^aiZ|es, fundamentos, essentials de um povo, nacionalidade. £ conheciHa a manipulacao de ideologias nacionalistas, de oposigao simbolica e material ao que vem de fora, como estranho, intruso, fora de contexto, aUenado. Pode parecer, estranho que um antropologo esteja chamando atengao ^ara o "artificialismo" de certas separagpe^^^lhnitej_ejQtee-sociedades-.e_culrurag/,Mas creio que, contejnporaneamente, cabe justamente aos antropologos relativizar "essas_nogoes, nao negarido^as ou invaliHando-as iUeologcamente mas apontando a^ sua_djmgnsaa _de algo ' ' * -jOTOJuatfa_cultural e historicamenle. NacTse lrata_de ser_ fa'dii inferhacionalisla,~mas sim ^"chamar atengao para a complex! categoria distancia e disso "extrair consequencias para" o '~~~ ~~~--—~ --"Assim, volto ao problema de Da Malta, para sugerir certas complicagoes. 0 que sempre vemos e encontramos pode ser familiar mas nao e necessariamente conhecido e p que nap_j;em.og e encotttramos pode ser exotico mas, ate certo pomo^confeecifjo. No entanto estamos sempre pressupondo familiaridad.es j exotismos como^fontes de conhecimento ou desconhecimentg,_respectivameiite. Da'^janela 3e mea"apartamento vejo na rua um grupo de nordestinos, trabalhadores de construgao civil enquanto a alguns metros adiante conversam alguns ^surfistas. Na padaria _ha ..uma~f ila_jde_ empregadas Hbmesficas, tres senhoras de classe media conversam na porta do predio. em_ f rente ; dois militares^atravessam a rua. Nao ha diivida de que todos estes individuos e grupos fazem parte da paisagem, do cenario da rua, de modo geral estou habituado-com a sua presenca, 'ha uma familiaridade. ijlas, por outro lado. o_meu conhecimento a respeito de suas vidas, habitos, crencas, valores e altamente^HifeTenciado. Nao so o meu grau de familiaritlade5, nos termos de Da Malta, esta louge de ser homogeneo. como o de conhecimento e muito desigual. No enlanto, todos nao so fazem parte de minha sociedade. mas sao meus contemporaneos e vizinhos. Encontramo-nos na rua, falo com alguns, cumprimento outros, ha ca que
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so reconhego e, evidentemente, ha desconhecidos tambem. Trata-se de situagaQ^diferente de uma sociedade de pequena escala, com divisao social do trabalho menos complexa, com maior concentragao ou menor mimero de papeis, etc. Ja discuti, em outra ocasiao, o problema do anonimato relativo na grande metropole, chamando atencao para a existencia de areas e dominios ate certo ponto autonoraos que permitem um jogo de papeis e de construcao de identi^ ,-dade bastante rico e complexo5. O fato e que dentro da grande me-1 , tropole, seja Nova York, Paris ou Rio de Janeiro, ha descontinuidades vigorosas entre o "mundo" do pesquisador e outros mundos, fazendo com que ele, mesmo sendo nova-iorquiuo, parisiense ou carioca, possateryexperiencia de_e§tranheza, nao reconhecimento ou .ate choquejcultural comparaveis a de viagens a sociedades e regioes^ t> "exoticas". Na opiniao de Da Mattac isso-Baa-aCQntec^jcamji jHaioria das p^essMs^dentro-da^ociedade_^ompIexajia medida em que a realidade e asjiategorias sociais a sujL_vplta estaoniera^gi^^aisTCTr' hierarquia-organizaTTnapeia e, portanto, cada categoria social tern o" seu lugar atra'ves de estereotipos como, por exemplo: o trabalhador nordestino, "paraiba^, e ignorante, infantil, subnutrido; o surfista e maconheiro, aUenado, etc. Eu acrescentaria que a dimensao do poder e da dominacao e fundamental para a construgao dessa hierarquia e desse mapa. A etiqueta, a maneira, de dirigir-se as pessoas, as expectativas de respostas, a nocao de adequagao etc,, relacionamse a distribuicao social de poder que e essenciahnente desigual em uma sociedade de classes. Assim, em principio, dispomos de um mapa que nos familiariza com os jienarios e situagoes_sficiais-de-jiosso cotidiano, dando nome, lugar e posigao aos individuos. Isto, no entanto, nao significa que conhecemos o ponto de vista e a visao de t-mundo dos diferentes atores em uma situagao social nem as regras que estao por detras dessas interagoes, dando continuidade ao sistema. Logo, sendo o pesquisador membro da sociedade, coloca-se, inevitavelmente, a questao de seu lugar e de suas possibilidades de relativiza-Io ou transcende-lo e poder "por-se no lugar do outro". E preciso chamar atengao para o fato de. que mesmo~^'as~1i5cie"dades mais hierarquizadas ha mementos, situagoes ou papeis sociais que permitem a critica, a relativizacao ou ate o rompimento com a hierarquia. Na sociedade complexa contemporanea existem tenden5
Com L.A. Machado da Silva "A Organizagao Social do Meio Urbano" — inedito.
67 Comunicaeao Pessoal. Ver o trabalho classico de Louis Dumont Homo Hierarchicus, Gallimard, 1966, onde o autor mostra que mesmo na India, modelo de sociedade hierarquica, ha margem para a saida ou estranhamento da hierarquia.
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cias, areas e dominios onde se evidencia a procura de contestar e redefinir hierarquias^e a distribuicao de poder. Ao contrario de socie"dSdeslradicionais mais estaveis^ojujntegradas^^sta longe de haver~um~cbnsenso em tomo dos lugares e pbsigoes'ocupados e de seu valor relativo. Existe o dissenso em varios niveis, a possibilidade do conflito e permanente e a realidade esta sempre sendo negociada entre atores que apresentam interesses divergentes. Embora existam os mecanismos de acomodacao ou de apaziguamento, sua eficacia e muito variavel e, ate certo ponto, imprevisivel. Ha diferentes tipos de desvio e contestacao que poem em cheque a escala de valores. dominante. A ciencia social surge e se desenvolve nesta conjuntura. tendo todauma_diniensao incoiJoclasta^voltada^para o exame crftico^e-dessjacralizador da^goeiedade,/ Os cientistas sociais, antropologos, sociologos, cienfistas politicos, etc. estao constantemente entrando em areas antes inviolaveis, levantando duvidas, revendo premissas, questionando. £ claro que isto varia em fungao de n possibilidades — origem social, tipo de formagao, orientagao teorica, posicao ideologica entre outras. Mas mesmo em se tratando de individuos e correntes mais ligados ou identificados com tendencias conservadoras, ou ate reacionarias, o proprio trabalho de investigagao e reflexao sobre a sociedade e a cultura possibilitam uma dimen-/ sao nova da investigaqao cieptifica, de_consequencias radicals — o/ qiieMionamento e_-exanie sistematico de seu proprio ambiente. Trata-se, afinal de contas, de uma tentativa de identificar mecanismos^ebli^cieutes e~"incbnscientes "que sustentam e dao contiHuidade a determinadas relagoes e situacoes. Assim volta-se a um ponto critico. Nao so o grau de faniiliaridade_^aria, nao e igual a conhecimeuto, mas pode constituir-se em impedimenta se nao for__r3ativizado e objeto de reflexao sistematica. Posso estar acostumado, como ja disse, com uma certa paisagem social onde a disposigao dos atores me e familiar, a hierarquia e a distribuicao de poder permitemme fixar, grosso modo, os individuos em categorias mais amplas. No^ entanto, isto nao^significa que eu compreenda^a. Joglca de suas relagoes. CTmeu conhecimento pode estar seriamente comprometido pelasrotina, habitos, estereotipos. Logo, posso ter um mapa mas nao compreendo necessariamente os principios e mecanismos que oorganizam. 0 processo de descoberta e analise ^do_que e familiar pode, sem duvida, envolver dificuldades diferentes do queem rela530 ao_jjue^e^ex6tico.yEm principio dispomos de mapas mais complexes e cristalizados' para a nossa vida cotidiana do que em relacaoa grupos ou sociedades distantes ou afastadosylsso nao significa quer mesmo ao nos defrontarmos, como individuos e pesquisadores, com
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A BUSCA
£)REALlDADE OBJETIVA
grupos e situacoes aparentemente_mais-ex6ticos ou distantesfnao estejamos sempre^.classiiic^ndo,,e^rotuJan^_.^e_^ordoLCOin principles basicos atraves dos quais fomos e somos sociaIizados._E provavel que exista maior numero de duvidas'e'Hesitagoes como as de um turista em um pais desconhecido mas os mecanismos classificadores estao sempre operando. Dentro ou fora de nossa isociedade pesoui" i it nos —i—-**•—, aadores ocidentais estamos sempre, por exemplo, trabaihandoe_jios I referindo a categoria individuo como unidade 15aiica_de mapeamento. No entanto, atraves da obra de Louis Dumont, sabemos que existem sociedades em que essa categoria nao e dominante8. Mesmo dentro da sociedade brasileira ha grupos e areas que apresentam fortes diferengas e descontinuidades em relacao a nogao dominante de individuo.9 Levando mais longe o exame das categorias familiar e exotica, isem querer erilrar em discussoes de natureza filosofica, nao ha como deixar de mencionar os impasses sugeridos pelo^^existenciaU^ -010L em relacaojag_ conhecimento-.do^outro. Nao vejo isto como um impedimento ao trabalho cientifico mas como uma lembranca de Immildade e controle de onipotencia tao comum em nosso meio._0 conhecimento de situ"Sfoes~T»u:-~indiviSuos~e constniido a partir de um sistema de intera§5es cultural e historicamente definido. Embora aceite a ideia de que os repertories humanos sao limitados, siias -combinacoes sao suficieutemente variadas para criar surpresas e abrir abismos, por mais familiares que individuos e situacoes possam parecer. Neste sentido um certo eeticismo pode ser sauday^l. Earece-me que Clifford Goertz ao enf atizar a natureza de (interpret fyagao'\ do trabalho antropologico chama atengao de_que_£_^rocesso te—conhecimento tta vida soc^lLsejnprejJmpHca.^emmuni .grau de | subjetividade e que, portanto, tern um carater aproximativo e nao definitivo10. 0 que significa a veTha estorinha ^eT que^antropologos sofisticados escolhem sociedades sofisticadas para estudar, os mais ansiados trabalham com culturas onde a ansiedade e dominante? Isto mostra nao a feliz coincidencia ou a magica do encoutro entre pesquisador e objeto com que tenha^afmidade, mas sim o eaTater de interpretacao e a dimensao de subjetividade euvolvidos neste tipo de trabalho. A^-'reajj^jj^^familiar ou exotica) sempre e filtrada_^por—um_dgterminado^pgnTo de vista do observador, ela e 8
Op- c't-
9 Refiro-me a esta questa'o era "Relacoes entre a Antropotogia e a Psiquiatria" em Revisto. da Associa^ao de Psiquiatria e Psicologia da Infancia e da Adolescencia — Rio, V. 2, 1976 — N.° 1. 10 Geertz, Clifford — The Interpretation of Cultures, Nova York, Basic Books, 1973.
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percehida_de-.maneira diferenciada. Mais uma vez nao estou procla-'" mando a falencia do rigor cientiHco no estudo da sociedade, mas a necessidade de percebe-lo enguanto obietividade relativa, mais ou Ester'moviinen^He^elativizar as nogoes de distancia e objetividade se de um lado nos torna mais modestos quanto a construgao do nosso conhecimento em geral, por outro lado permite-uos observar o familiar e estuda-lo sem paranoias sobre a impossibilidade de resultados imparciais, neutros. Ill — Tive oportunidade de pesquisar um universe de pequena classe media s whitte-colar que me era familiar atraves do mapa hierarquico e politico de minha sociedade e de meu bairro.11 Atravss de estereotipos localizava os moradores de grandes predios de conjugados. Ao passar por um desses edificios, "sabia" que era mn ^balanca"* que havia desconforto, falta de higiene e que seus moradores eram de condigad social inferior, sujeitavam-se a condijoes de vida mais ou menos degradantes por estarem ah'enados, sugestlonaveis. Certamente tinha duvidas, questionava alguns-desses estereotipos. la conhecera pessoas que moravam em sjbalajigas^ e . que nao se ajustavam a essas pre-nocoes. De qualquer forma, se um desses predios, particularmente, tornou-se mais familiar ainda, - quando para la me mudei, o meu conhecimento de sua populacao era precario. 0 esforco de entender e registrar o discurso^do UJDIyerso, (jeu^sistemade^clajsificacao e de captar sua visao de mundo nem sempre foi bem sucedido. Percebia como a minha insergao no sistema hierarquico da sociedade brasileira levava-me constantemente a julgamentos apressados e preconceituosos, as vezes ate por querer drasticamente repelir as nocoes anteriores, caindo em arrnadilhas inversas. 0epois de ano e meio de residencia no predio, creio , que consegui perceber alguns mecanismos que sustentavam a logica das relagoes socials internas e externas e tambem captar algo do eatilo de vida e visao do mundp locals. Estou consciente de que se trata, no entanto, de um^Trate^C"^"^e que Por mais que tenha pro*curado reunir dados "verdadejros^ e "objetivos"_jsgbr£^m^dda da. ^^^JlSJSSrsc:, a ^inh^^TiKjetivi3ade-esta":!presente'"em--todo--o- tra- \ , 'balho. Isso esta claro para mim na medida em que volto constantemente a reexaminar a pesquisa e mesmo a revisar o local da invcstigagao. Por outro lado, sendo um grupo que vive na minha cidade, conhego outras pessoas, inclusive cientistas sociais que o encontram. li Ver A Utopia Vrbana — Um Estudo de Antropologia Social, Zahar Editores, 1973, 2.» ed., 1975.
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que tambem tem alguma familiaridade ou ate fizeram pesquisas em contextos semelhantes. Desta .forma a mmha interpretacao esta sendo constantemente testada, revista e confrontada. 0 mesmo nao se da com muitos estudos de sociedades exoticas e distarites. pesquisadas por apenas um investigador, em que nao houve oportunidade de~maiores discussoes ou polemieas. Assim, a interpretacao de um investigador fica sendo a versao existente sobre determiriada cultura/nao sendo exposta a certos questionamentos. Ao contrario, na sociedade brasileira ha muitas opinioes e interpretaQoes sobre Copacabana, carnaval, futebol, etc., colocando os pesquisadores no centro de acirradas polemicas. Embpra familiaridade nao seja igual a conhgciniento. cientifico> e fora de diivida que representa tambem um certp_tipo_p!e agre•~ ensao da realidade, fazendo com que as opinioes, vivencias, percepf 5oeT~de~peSs6as'~sem formagao academica ou sem pretensoes cientificas possam dar valiosas contribuicpes para o conhecimento da vida social, de uma epoca, de um grupo. Alem disso, ha individuos ou grupos que talvez por um movimento de estranhamento, como certos artistas, captam e descrevem significativamente aspectos de uma sociedade de maneira mais rica e reveladora do que trabalhos mais orientados (real ou pretensamente) de acordo com os padroes eientificos. Os exemplos na literatura sao obvios como Balzac, Proust, Thomas Mann e, no Brasil, Machado de Assis, Graciliano Ramos,,1 Oswald de Andrade, etc, Tambem no teatro, cinema, musica, artes ', plasticas poderiam ser citados exemplos. Isto sem falar em generos ' meuos "nobres" como o jornalismo em suas varias manifestagoes, a historia em quadrinhos e a literatura de cordel entre outros. Ou seja, numa sociedade_j;orn^lexa^-conteniporanea como a brasileira, o antropologo apresenta sua interpretagao, que, por mais que possa ter uma certa respeitabilidade academica, e mais uma versaocriie^j^oncorrera con^ outras —— ar tisticas ^ -,poiit-ic as ^ -^ enL,te J.ZDOS de acei^5ao_perante-um_puBlico^relatiya^ejote^^tewgeneo., Ha outras pessoas, profissionais de_Ciencias^jjejiflisE.o.u_nao, observaiido e^ o_Jamiliar — a nossa sociedade__em seus multiplos aspectos, com esquemas e^ preocupagoes diferentes. Se o interesse por_grupos tribais, por exemplp,_e relativamente restrito,to-mesmo nao~se pode dizer sobre umbanda, escola de-samba._uso de toxicos, homossexualismo e outros temas -que tem sido pesquisados por an—...___ j^j,..,, .,,„ _^w_«._ esta proximp.i ^^suajpropria socisujiQe, j o antropologo ^exppe:se, com maipr ou menpr^intensidadej a um con- I fronl^wcjom_outro_si:!especialistas, com leigos e ate, em_certos^casos, I com representantes dos universe que foram investigadores, que^po- i
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dem discordar das interpretagoes do investigador. Vivi essa experi•encia em minha pesquisa sobre uso de toxicos em camadas medias -altas,12 quando pelo menos duas pessoas que eu tinha entrevistado nao concordaram com algumas das minhas conclusoes, apresentando criticas que me levaram a rever pontos importantes. Embora isso possa acontecer no estudo de outras sociedades, e menos provavel por, opiniSes daquejes a quern estudou. Par_ace-meque,jiesse nivel, o estudo do ifamiliar^t f erece vantagens em termos_de DosjsjSil^^te5-4e rever e enriquecer os_resuItadqs_das^p^squisas:\Acredito que seja as HmitagSes •de oTigem"3o antropologo e^chegar a ver o familiar nao necessari.amente~cbmo exotica! mas~como-uma-5liotade— bem-rmafe~co'mplexa""do que aquela~representada _pelos Taaci5Dais-~e"de~classe"atraves_-dos quais fomos socializad^JO DTO> " •- • r'-'f*~~—TL_ 'J-^ ' •'-'^'-* "" - ~i -—^J -*f~<:esso de estranhar o familiar' torna-se -possivel qugnao somosjcapazes dei\ confroutar intelectuahnente, e mesmo emocionajmente, diferentesu. v.ersoes e interetacaes^exijientes^ja-jespeito-- .e— fatos;O estudo de conflitos, disputas, acusacoes, momentos de descontinuidade em geral e particularmente util, pois, ao se focalizarem situacoes de drama social, pode-se registrar os contornos de diferentes grupos, ideologias, interesses, subculturas, etc., permitindo remapeamentos da sociedade. O estudo do rompimento e rejeicao do cotidiano por parte de grupos ou individuos desviantes ajudanos~a iluminar, como casos limites, a rotina e os mecanismos de conservagao e dominacao existentes. Vale a pena insistir no carater relativo__da_iino5ao_de, familiar e exotico, especialmente ria nossa sociedade. A comunicacao de massa — jornal, revista, radio, televisao, traz fatos, noticias de regi5es e grupos espacialmente distantes mas que podem se tornar familiares pela freqiiencia e intensidade com que aparecem. Basta pensar, por exemplo, no jet-set internacional e nos artistas de Hollywood como grupos com que um gigantesco numero de individuos desenvolve uma certa familiaridade, sabendo detalhes mais ou menos verdadeiros a respeito de suas vidas, famflias, roupas, preferencias, etc. Por outro lado recebemos com maior ou menor freqiiencia noticias e imagens de lugares tradieionalmente definidos^como exoticos — India, Africa, etc.. Ha, sem duvida, ce^^ rios e grupos dentro do proprio pais ou ate dentro da propria^cidade de que muitas vezes nem ouvimos falar, que nao sao temas 15
Ver Nobres e Anjos, Um Estudo de Toxicos e Hierarquta — Tese de doutorado apregentada ao Departamento de Ciencias Sociais da USP, 1975.
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dos orgaos de comunicacao de massas, as vezes por censura, muitas vezes por simples desconhecimento. Desta forma, ha individuos. situacoes, grupos de outras sociedades e cultures que nos sao -mais familiares do que muitas facetas e aspectos de nosso proprio meio, sociedade. Evidentemente coloca-se o problema de criticar essas nocoes e imagens mais ou menos estereotipadas que nos chegain atraves desses veiculos e perceber como e quanto podemos conbecer sobre essas realidades espacialmente distantes. De qualquer forma o familiar, com todas essas necessarias re' lativizacoes e cada vez mais objeto relevante de investigagao para uma Antropologia preocupada em perceber a mudanca social _n|o ao nivel das grandes transfonnac.oes historicas mas como ~
Notas sobre o Trabalho de Campo
' anas._
TANIA SALEM O presente artigo constituiu-se, originalmente, num apendice da tese de Mestrado que apresentei ao Programa de Pos-Graduagao em Sociologia do IUPERJ1. A pesquisa versava sobre relacoes familiares — mais especmeamente, sobre a relagao entre pais e fiIbos adultos — e privilegiou familias loealizadas nos estratos medios e superiores. Meu interesse por esse tema teve suas raizes em experiencias pessoais que mautive corn alunos universitarios e outros jovens de IS a 25 anos pertencentes a essas camadas sociais. O contato com eles me fez perceber alguns tracos recerrentes em seu comportamento como, por exemplo, uma certa resisteiicia a ingressar no mercado de trabalho, a quebra do tabu da virgindade por parte das mogas, o uso de toxicos etc, . . Minba suposicao era a de que tais atitudds deveriam estar tendo reflexos no relacionamento entre pais e filhos. No entanto, eu so conbecia alguma coisa desses jovens, mas nao de seus pais. Por conseguinte, a motiva9ao inicial que me ievou a estudar famflia foi a de ver como estavam se atualizando essas relagoes no seu interior nesse momento especifico da vida familiar caracterizado pelo fato de que, dada a idade dos mogos, recaia sobre eles a expectativa de que, em breve, deveriam deixar a casa paterna para congtituirem suas proprias familias. Para atingir esse objetivo, optei por t'azer uma pesquisa qualitativa, intensiva, com entrevistas em profu^ididade com cada mem»ro da familia separadamente. Antes porem de efetuar os eneon. Ver O Velho e o Novo: Um Estudo de Papeis e Conjlitos Pamiliarea., mimeografado, Rio de Janeiro: IUPER.J, 1977.
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tros individuals, era marcado um primeiro contato com todos os potenciais informantes no qua! eu explicava minhas intengoes com o trabalho. Desenvolvo comentarios sobre essa reuniao coletiva mais abaixo. 0 universo de analise foi uniformizado com respeitg_ a alguns cdter-ios^-a.) a renda das families deveria variar entre CrS 30.000^00 e Cr$ 60.000,00; b) elas deveriam ser moradoras em bairros da Zona Sul do Rio de Janeiro; c) as familias deveriam ser completas — isto e, pai, _mae e filhos deveriam estar morando em casa; d) a famOia deveria ter, pelo menos, um filho e uma filha residentes com a idade minima de 18 auos. Esses requisites foram assim formulados pois apontavam para o universo no_qual_percebi_a_^esta._rein. ocorrendo as_mpdificagoes acima aludidas.^0^ criterio sexual foi incluido nessa listagem devulo a enfase dada pela literatura sociologica as diferengas entre papeis femininos e masculinos no niicleo familiar. Em apenas uma situagao um desses requisites foi, intencionalmente, violado: entrevistei uma familia cuja filha unica tinha deixado a casa dos pais, contra a vontade destes, para morar com um homem desquitado. Achei que este poderia ser um interessante caso para entender como a geragao mais velha lida com uma "saida nao institucioualizada". A moca participou do primeiro encontro no apartamento dos pais mas foi entrevistada em sua nova residencia. 0 estudo foi governado por uma serie de limitagoes: nao so de tempo disponivel, mas tambem por ter sido feito sem auxilio de assistentes e sem suporte material de instituigoes. Acrescentem-se as dificuldades decorrentes de se encontrarem familias que se disponnam a permitir uma "invasao" em sua inthnidade e que, ademais, se adequassem aos criterios minimos estipulados. Diante de tais circunstancias, intengSes mais ambiciosas quanto ao numero de familias a serem investigadas tiveram que ser restringidas. Os dados coletados dizem respeito a apenas oito familias. Visto que em algumas delas havia mais do que um casal de filhos com idade igual ou superior a 18 anos, o numero de entrevistas totalizou trinta e nove: alem dos dezesseis informantes da geragao mais velha, obtive o depoimento de nove filhos e catorze filhas. Os encontros individuals, feitos com gravador, tiveram duracao variavel entre uma e tres haras. A analise propriamente dita se converteu nao em um_esjudo de famfliae sim de pa.pjis_familiareg. Este me pareceu ser o procedimento mais conveniente para organizar o material e tentar generalizagoes. Todavia, com o intuito de facilitar para o leitor a identificacao dos membros componentes de uma mesma familia, seus nomes sao iniciados por uma mesma letra e, ainda para diferenciar
os filhos de seus pais, o casal teve seu nome dado no mesmo padrao — evidentemente que um no masculine e o outro no feminino. Assim, por exemplo, na familia C, o pai foi chamado de Claudio, a mae de Claudia e os filhos de Carlos, Clara, Cristina e Garment. Esse artigo tern por intencao nao so explicar como foram conseguidas as familias que constituiram o universo de analise como tambem ser um depoimento bastante-jpessoal sobre minhas impressoes acerca da relaeao^entr6 jentrevistadoe entrevistador. Nao tenho, pelo menos no momento, o proposito de teorizaf"e formalizar em cima dessas experiencias, mas tao somente o de descrever as tojj_e_prQblemas praticos que enfrentei no trabalho de campo e que me pareceram relevantes. A primeira dificuldade com que me deparei ao iniciar a pesquisa foi a de encontrar familias que, adequando-se aos requisites estabelecidos, aceitassem servir como informantes. Numa primeira etapa, amigos e familiares, que por sua vez contactavam com outros conhecidos, foram mobilizados para me auxiliar nessa tarefa. Pedia a esses intermediarios que mencionassem as familias apropriad^ que esta era uma dissertagao de mestrado cujo tema central se referia a relacao entre pais e filhos-adultos e, caso fosse consentido, eu iria as suas casas para fornecer explicates mais detalhadas sobre o trabalho. Frisava tambem que o fato de me concederem essa visita nao implicava em sua aceitagao em participar do mesmo. A resposta definitiva so seria pedida apos estarem suficientemente informados sobre os objetivos do estudo e a forma como seriam conduzidas as entrevistas. Nao havendo objegoes, eu contactava com um membro da familia por telefone e o primeiro encontro era marcado. Soube, atraves desses intermediarios, que algumas familias se negaram a aceitar essa primeira visita alegando, em geral, que o tema era muito particular para que fosse conversado com estranhos. Houve apenas um caso em que um desses intermediaries me deu o telefone de uma familia, em principio disponivel e que, todavia, nao consegui que nosso encontro se efetuasse, A mae, nas diversas vezes que telefonei, embora nao recusando diretamente, adiou tanto o contato inicial — ora alegando doenca, ora viagem de um dos membros, ora dificuldade de horario — que acabei por desistir. Com relagao as outras familias o consentimento dado aos intermediarios implicava, de modo automatico, na aceitagao em me reccber em suas casas. As tres primeiras familias foram conseguidas da seguinte maneira: uma amiga de minha mae conduziu-me a familia L e uma
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amiga de minha irma, tendo conversado com sens pais e irmaos, ofereceu-se para ser entrevistada (familia C). Minha irma e seis anos mais moga do que eu, e nesse sentido, se hem que conhecesse Cristina, nossas relagoes nao eram de inrimidade. Eu nao conhecia nenhum outro membro dessa familia. A indicagao de uma amiga pessoal levou-me, inadvertidamente, a contactar com a mae de uma outra amiga de minha irma (familia /). Eu conhecia a moga porque ela frequentava a casa de meus pais; ja tinha visto a mae e trocado algumas palavras com ela mas desconhecia os outros componentes da familia. Embora Julia tivesse manifestado, no primeiro encontro, uma certa resistencia em servir como informante, a aceitacao e uma certa pressao difusa por parte dos outros membrcs fez com que ela cedesse a sua relutancia. Durante sua entrevista ela. de modo voluntario, justificou sua atitude inicial alegando que estava atxavessando um dificil momento na sua vida familiar, visto que sua linica filha tinha saido de casa para morar com um homsm desquitado e pai de tres filhos. Embora o fato ja tivesse se consumado nove meses antes do nosso encontro, esse assunto, segundo ela, ainda nao era encarado com naturalidade e por isso procurava evitar com que se tornasse publico. Mencionou ainda que o £alo dela conhecer meus pais (o contato entre eles se devia, exclusivamente, a amizade entre as filhas) dificultava, ainda mais, ter que comentar a siluacao comigo. For outro lado, ressaltou tambem em que aspectos sua concordances em ser entrevistada Ihe havia sido proveitosa. Volto a esse ponto mais abaixo. Essas tres farnilias foram entrevistadas nos meses de novembro e dezembro de 1975. Em meados de margo reiniciaram-se as aulas na faculdade onde eu lecionava. Dado que um dos topicos do programa do curso versava sobre familia, eu lia e comentava em sala, trechos do primeiro relatorio da pesquisa que estava baseado nas tres familias acima mencionadas. Os alunos demonstraram interesse pelo trabaIho e percebi que, dada sua idade media, eles se constituiam numa importante fonte de auxilio para a obtencao de outcas familias. Foi por meio deles que tive oportunidade de marcar o primeiro encontro com as familias F e P, cujos membros me eram inteiramente desconhecidos. As entrevistas com elas foram efetuadas, respectivamente, em maio e junho de 1976. Numa dessas turmas uma aluna ofereceu sua propria familia (familia A). Ate esse momento meu contato com essa moca era praticamente nulo: em verdade eu nem sabia seu nome nao so porque o curso havia recem-iniciado como tambem porque ela nunca havia se manifestado nas aulas. De inicio fiquei um pouco indecisa
pois temia que isso pudesse comprometer, de algum modo, nosso relacionamento em sala. No entanto ela se mostrou muito segura em sua decisao e, por conseguinte, tanto o primeiro encontro bein como as entrevistas individuals com sua familia foram feitos em abril de 1976. Nao percebi qualquer interferencia prejudicial dai decorrente; pelo contrario, a aluna comegou inclusive a participat mais ativamente nas discussoes travadas em aula. Ex-alunos dessa mesma faculdade tambem foram mobilizados e uma delas tambem sugeriu que eu entrevistasse sua propria familia (familia M). Meu contato com Monica — que havia freqiientado o meu curso no semestre anterior •— era, nesse momento, maior do que com Andrea, dado que sempre fora uma aluna mais participante. Apesar disso nossa relacao nunca ultrapassou a propria faculdade. Sua familia foi entrevistada em maio de 197o. A familia R, por sua vez, foi conseguida por intermedio de um conhecido de uma amiga minha, com o qual eu nunca tivera qualquer contato. Os encontros com os componentes dessa familia se deram em abril de 1976. Assim, quatro das oito familias entrevistadas me eram inteiramente desconhecidas ao passo que nas restantes eu conhecia um dos seus memhros. No entanto, outras variaveis •— citadas mais abaixo — me pareceram ser mais relevantes para explicar diferenciac5es percebidas na relagao entre entrevistado e entrevistador do que o desconhecimento ou conhecimento previo dos informantes. Isso, pelo menos em parte, pode ser explicado pela superficialidade no relacionamento mantido com aquelas pessoas que eu conliecia antes da entrevista propriamente dita. Como ja mencionei, quando havia o consentimento por parte da famflia — via os intermediaries — para minha entrada em suas casas, o primeiro encontro era marcado por telefone. Nesse momento eu pedia que todos os potenciais entrevistados estivessem preseutes a reuniao. A excegao das familias L, A e P, em todos os outro? casas isso foi possivel. Nessa visita eu me apresentava enquanto profissional — on seja, dizia que era sociologa, professora universitaria e que estava fazendo uma tese de pos-graduagao sobre familia. Expunha, em unhas gerais, minhas intencoes com a pesquisa e explicava que as entrevistas eram individuals e gravadas com uma duragao aproximada de duas horas. Garantia um sigilo absolute com relagao as fitas: nao so suas identidades seriam protegidas ao maximo no trabalho escrito mas tambem que as fitas e informagSes dadas por cada um deles nao circulariam entre os outros componentes da falt "lia. Respondia as perguntas que porventura me fossem formula-
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das, cujo comentario £390 mais adiante. Ao final perguntava se eles queriam mais tempo para pensar — em conjunto ou individuamente ou ainda para consultar os outros membros que nao estivessem presentes — se estavam, de fato, dispostos a participar da pesquisa. Comprometia-me a telefonar num prazo de alguns dias para saber a resposta definitiva: tinha em mente que recusar (e ser reeusada) pelo telefone era uma situacao menos embaracosa do que cara a cara. Esse procedimento, no entanto, nao se mostrou necessario visto que todas as familias responderam afirmativamente ao final dessa primeira reuniao. Houve apenas um caso em que um membro concordou em servir como informante e, por fim, nao foi entrevistado. Isso ocorreu na familia A, com Andre, o filho mais velho. Ele demonstrou, em nosso contato inicial, certa relutancia em participar da pesquisa, alegando que passava muito tempo no trabalho e que, nesse sentido, nao tinha muita coisa a dizer sobre familia. Argumentei que tal fato nao era, de modo algum, comprometedor pois ja era, em si, um dado importante para o estudo. Diante disso, sua resposta final foi positiva. Contudo, senti que as vezes que chegava em sua casa para as outras entrevistas ele se esquivava muito de mim tornando dificil marcar nosso encontro. Alem do mais, sua mae e duas de suas irmas — de modo espontaneo — me desaconselharam a insistir, alegando que ele era uma pessoa extremamente fechada mesmo com os membros da familia. Gomo eu ja tinha a entrevista de um outro filho, acabei desistindo. Como em tres familias os membros presentes respondiam pelos ausentes, antes de iniciar o encontro com esses ultimos, eu reproduzia as informacoes essenciais sobre o modo de conduzir o trabalho. Pelo menos em um caso essa atitude mostrou ser relevante: quando garanti a Anita que nenhuma outra pessoa na familia teria qualguer conheeimento acerca do que me diria, ela faloti: "ah, quer dizer que eu posso dizer toda a verdade, ne?" Esse primeiro contato — alem de necessario para esclarecimentos dos possiveis informantes — me parecia importante tambem por outras razoes. Era o linico momento em que eu pretendia deparar com a familia reunida e, ademais, permitia que entrevistado e entrevistador se conhecessem antes da entrevista propriamente dita, o que ajudava a criar um clima menos tenso para ambas as partes. De um modo geral fui recebida com muita cortesia e amabilidade nas casas. Mas antes de o encontro ser efetuado e mesmo nos mementos iniciais, ele estava revestido de ansiedade de minlia parte. !E verdade que quando conhecia um dos componentes da fa-
mflia eu me sentia um pouco mais escorada, mas, mesmo assim, els nunca foi uma experiencia inteiramente relaxante. Contudo, apos alffuns minutos, a tensao tendia a se tornar .menor, embora o tempo necessario para que isso ocorresse variasse de familia para familia. Exemplifico essa situagao com dois casos extremos que se verificaram com familias que eu desconhecia totalmente. Na. familia F minha acomodagao foi rapida: gostei, de imediato, das pessoas. 0 apartamento estava em obras e quando la cheguei a casa «stava inteiramente desorganizada. Tive que esperar ^algum tempo para que todos se reunissem: a filha (Flavia) estava em seu quarto fazendo depilagao, Fabio falava ao telefone e Felipe, o filho mais velho, assinava alguns papeis. Quando eufim todos se sentaram, live grande dificuldade em explicar sobre o que versava o meu trabalho por ser, a todb momento, interrompida com -perguntas as mais variadas. 0 pai nao falava nada mas sorria de urn modo muito amigavel. No meio de toda aquela confusao fui sentindo um clima de muita descontracao e aconchego. Na familia P ocorreu o inverse. Quando entrei na sala o pai assistia televisao: cumprinientou-me de modo cerimonioso e, continuou a assistir ao programa. Enquanto esperavamos a filha mais nova, que estava em seu quarto, comunicaram-me que O 1 filho nao poderia estar presente porque estava na faculdade. O.Bamorado da filha mais velha chegou e, repentinamente, eles comegaram-"a conversar entre si sobre um assunto que impossibilitava minha1 participacao, visto que girava em torno de-pessoas que eram suas ami-gas. Essa situacao foi muito desconcertante e, naquele momento, eu mesma me perguntava sobre a minha vontade de entrevista-los, Da forma mais delicada possivel, interrompi a conversa e pedi licenga para falar da pesquisa. Quando, no .final do encoritro individual com a filha mais velha (Paloma), Ibe perguntei como se sentira antes e durante a entrevista, ela §e referiu ab fato de ter percebido e estranhado meu mal-estar na primeira visita, afirmando que, em geral, as pessoas se sentiani muito a vontade eni sua casa. Seu comentario nao foi feito de modo agressivo, mas me fez; pensar se alguma atitude minha nao teria provocado, na primeirareuniao, a resposta por parte da familia em ignorar minha presenca na sala. Sua observacao revelava tambem que, por mais-neutra que tentasse ser, meu comportamento ~ as..vezes inteiramente .in-. conscieute — era um importante indicador para que os entrevistq-: dos me percebessem. . '' Assim, desse primeiro contato derivava, para mim e para -QS informantes, um certo "clima" mais ou menos agradavel;;tnifi certamente marcava os mementos iniciais das entrevistas individuals.
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No entanto, com alguma freqiiencia, ocorreram surpresas nesses encontros: pessoas que falaram muito e que se mostraram mais seguras quando a familia estava toda reunida tiveram um comportamento mais timido nas entrevistas particulares e vice-versa. Antes de prosseguir com outras observagoes sobre os contatos com cada membro da familia gostaria de ressaltar um ponto que me pareceu de suma importancia nessa reuniao inicial e que diz respeito ao tipo de perguntas que me foram feitas pelos informantes nesse momento. A quantidade de questoes que me eram colocadas, como e obvio, variava de familia para familia. Contudo, cbamoume a atengao o fato de que poucos se interessassem pela pesquisa propriamente dita, ao passo que, de modo muito recorrente, as perguntas fonnuladas giravam em torno de minha vida particular. Infelizmente fiz anota95es pouco sistematizadas sobre o que cada um deles me colocava. Alem do mais, algumas famflias ja conheciam alguma coisa de mim e nao sei o quanto de informagao os intermedidrios deram a meu respeito para essas pessoas. Apesar dessas lacunas insisto em desenvolver esse tema porque certas linhas gerais foram percebidas. A importancia de anotacoes mais cuidadosas sobre as perguntas feitas se deve ao fato de que elas revelam _o_modo pelo qualjos entTeyistados-procuramusituar o entrevistador. no, se,u_uni"verso e, nesse sentido, eonstituem um dado fundamental para a pesquisfT Quando terminava de explicar sobre o que versava o trabalho, as vezes me via bombardeada por perguntas de ordem mais pessoal: onde eu morava, se era casada e tinha filhos e as vezes ate mesmo a profissao do meu marido (em uma das casas o pai quis saber ate mesmc-^a profissao do meu pai ) e tambem sobre minha vida profissional: em que faculdade tinha feito o meu curso, em que faculdade dava aula, etc... Em nenhum momento recusei responder a essas questoes nao so porque nao eram constrangedoras mas tambem porque perceM que, por meio delas, os informantes estavam tentando organizar a desorganizagao que minha eritrada em suas casas provocava. Assim, de certo modo, esse primeiro encontro permitia uma inversao de papeis; eu passava a ser a entrevistada e eles, os entrevistadores. Percebi que, atraves das perguntas que giravam em torno de minha vida particular, os informactes estavam buscando pontos de afinidade entre a minha pessoa e a deles. Ou seja, tentavam situar-me em seu mundo e, ao que parece, atraves desse procedimento, procuravam amenizar minha posigao de **invasora". As questoes levantadas pela geracao_jnais—aselha indieavam uma tentativa de me posicionar social e economicamente — as per-
guntas sobre onde eu morava, profissao de meu marido, etc... prpvinham, basicamente, dela. Nao tenho duvida de que o fato de saberem que eu morava num. bairro considerado de elite (Joa) se converteu em um importante "lago de cumplicidade" para os pais. Com alguma frequencia nas entrevistas eles falavam em "gente da nossa classe" e no encontro com o pai da familia 7? ele citou o nome de uma serie de famflias tradicionais do Recife, perguntando, a todo momento, se eu as conhecia. Esse trago de afinidade possivelmente interferiu nas entrevistas mas, por outro lado, me couvertia numa pessoa, a seus olhos, menos estranha, e por conseguinte deve ter facilitado minha entrada em suas casas. As jovens — mas sobretudo as maes — queriam saber do meu estado civil e se tinha filhos e, ainda que tivessem sido informadas que estes tinham quatro e tres anos, tres maes, duiante suas entrevistas individuals comentaram: "Voce e mae, voce me entende." —, A geracao rnais nova mostrou-se mais interessada na minha vida profissional: as perguntas sobre as faculdades em que eu lecio^riava, onde havia feito meu curso de graduagao e pos-graduayao fo< ram formuladas por jovens. Pouco a pouco comecei a perceber quais as caracteristicas que eu tinha que se convertiam em recursos importantes para meu papel de entrevistadora: pertencia ao mesmo estrato socio-ecouomico dos informantes, era casada e tinha filhos — ou seja, era uma pessoa com vida "regrada" e, por outro lado, era bastante jovem para que os filhos pudessem travar um contato mais aberto comigo. No entanto, como e obvio, estes recursos nao sao absolutes nem iguahnente positives — isto e, uma mesma caracteristica me tornava mais proxima de um tipo de entrevistado e, ao mesmo tempo, me afastava de outro. Explico: ainda que pertencer a mesma classe social parecesse constituir um dado relevante para os pais (homens), o fato de ser mulher e, alem do mais, ter uma idade aproximada a de suas proprias filhas, fez corn que suas entrevistas, quando comparadas as dos outros membros, estivessem revestidas de uma carater mais cerimonioso, embora de forma alguma desagradavel. E verdade que tanto em seus deppimentos como nos de suas respectivas esposas, eles se autoqualificavam e eram quaHficados como pessoas mais reservadas. Nas entrevistas com Antonia e Fernanda, por exemplo, elas me advertiram da difieuldade que eu teria que enfrentar para conseguir uma aproximagao com sens maridos. As duas informantes, extremamente religiosas, iamijem afirmaram crer que Deus havia me enviado as suas casas para provocar uma maior abertura e uma *'quebra de gelo" dos esposos. Apesar disso, nao resta duvida que minhas caracteristicas pessoais
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reforcavam o hiato na relagao. Em alguns casos senti, clararaentc, uma necessidade por parte deles em reafirmar seu poder sobre mim. Por exemplo, Luis e Julio durante o primeiro contato e tamfaem em suas entrevistas individuals dissertaram sobre filoso.fia e teorizaram sobre familia. Este ultimo informante, diante da relutancia da esposa em participar da pesquisa (como ja mencionado anteriormente), disse: "Acho que e bobagem tua. A Tania pergunta o que quiser. Agora, se eu vou ou nao dizer a verdade e prolilema dela e nao meu." Com essa afirmativa, Julio exercia uma pressao sobre a mulher para que aceitasse ser entrevistada mas, coneomitantemente, reafirmava para mim os seus proprios recursos enquanto entrevistado. Assim, os pais em suas entrevistas discorriam com muita desenvoltura e mesmo com um certo orgulho sobre sua hisloria de vida profissional (em alguns casos fui obrigada, inclusive, a inter rompe-los) mas ao entrar no item referente as relagoes familiares eles se mostravam mais reticentes. Nao deve ser menosprezado que, como eles mesmos declararam, essa esfera era mais da competencia de suas esposas e, por conseguinte, era um tema com o qual estavam menos envolvidos. Por outro lado, embora nao se recusando a responder nenbuma das questoes colocadas, sua menor fluencia frente a este assunto se explica nao so por ser ele de ordem mais pessoal como tambem se acentuava pelas minbas caracteristicas ttiquanto pesquisadora. As entrevistas com as maes assumiram um carat$r muito diferente. Na primeira reuniao elas, de um modo geral, se manifestaram pouco e algumas, direta ou indiretamente, apresentararu maior relutancia em sua decisao de servir como infownantes. Renata perguntou se eu so entrevistaria cada peesoa apenas uma vez e pareceu-me mais aliviada quando respondi que sim. Quando perguntei a Maria como tinha se sentido antes da entrevista ela confessou que apos nosso primeiio contato tinha dito para a filha: "Monica, pra que voce foi mandar a Tania aqui? Eu nao sou de falar muito — voce ja imaginou eu ser entrevistada? Nem vou dormir essa noite... Pra que voce foi inventar isso?" Surpreendentemente, nao apenas Maria mas tambem as outras maes de um modo geral falaram nao so de modo compulsivo durante os encontros como tambem expressaram muito envolvimento com a situagao. Senti que as entrevistas provocavam nelas uma especie de efeito_Je_catarse. Jiilia ressaltou que aceitar ser entrevistada teve para ela muita importancia, nao so porque pode reavaliar sua relacao com a filha que saira de casa, como tambem porque era confortador poder conversar sobre esses problemas com outras pessoas.
Claudia ,nos prirneiros minutos de sua entrevista, ge referiu — de modo espontaneo — a vida amorosa extraconjugal de seu marido, alegando que sabia que este era um tema que me interessaria. O assunto, por certo, escapava aos propositos da pesquisa mas ela, visivelmente emocionada, eontou detalhes bastante intimos sobre seu relacionamento com Claudio e os dificeis momentos que estavam atravessando. Essa informante, Julia, Luiza, Maria e tambem Renata, ao final do nosso encontro, agradeceram-me por te-las escutado e tres delas se referiram ao fato de que se sentiram como se estivessem falando com uma "amiga de muito tempo". Uma passagem da entrevista de Renata merece ser transcrita:
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"eu sou uma pessoa muito fechada ate mesmo com parentes. Eu nao gosto de me introduzir na intimidade dos outros e nao gosto que se introduzam na minba. Pra te falar a verdade eu nunca rive uma amiga com quern eu me abrisse totalmente. Eu nao gosto. Por exemplo: minha filha mais velha ontem me telefonou de JBrasiUa pra falar que esta com um guisto no ovario e que precisa ser operada ( . . . ) . 0 meu filho mais novo — de 15 anos — esta atravessando uma fase muito dificil desde a morte do irmao ( . . . ) . (Depois de discorrer longamente sobre esses assuntos, concluiu:) Essas coisas eu nao conto para amiga nenhuma miiiha. Nao conto e nao contarei. Eu comento com minhas filhas mas nao com amigas porque se nao vira um clima de disse-me-disse e eu nao gosto," 0 texto acima me parece ser bastante revelador pois aponta por que a informante se recusa a conversar com amigas assuntos que, espontaneamente, levantou em nosso encontro. Autores voltados para a Sociologia da Familia tern acentuado a "in^isSo" que o pesquisador comete ao promover entrevistas que versam sobre uma area tao intirna da vida das pessoas."2 Nao resta diivida de que isso nao e, de modo algum, uma inverdade. No entauto, as informagoes acima dadas apontam para um outro lado dessa questao, O_fato__de_o-entrevistador ser uma pessg_a_fora do circulo de_ relagoes do infarmante facilita e~Talvez mesmo estimule.,. ^deutro.de certos hmites, uma maior abertiira por X^— parte_do_entrevis^ _ '-——, . . ____— -*—' i. _ • tado. A garantia de que o pesquisador "entra mas sai' cria uma 12 Ver, por exemplo, o artigo introdutdrio de Michael Anderson em Sociology of the Family, Michael Anderson (org.), Middlesex, Penguin Modern Sociology Readings, 1971,
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situagao de menor compromisso do que aquela existente coin pessoas mais proximas — quer sejani amigas ou mesmo parentes. Assim, paradoxalmente, a pouca intimidade entre eles se converte em um recurso valioso para que seja estabelecido um contato bastante intimo. As entrevistas com os jovens reafirmam essa constatagao. De um modo geral meu contato com eles esteve revestido de um clima jnuito descontraido, mesmo quando perguntas mais delicadas estavam em pauta. Com respeito aos rapazes pude perceber que o fato de estarem sendo entrevistados por uma mulher foi suplantado por nossa relativa proximidade em termos etarios. Km apenas dois c:ncontros — com Paulinho e Jayme — senti um clima menos relaxado: eles me pareceram, comparativamente aos outros, mais tensos durante quase todo tempo. A partir da quinta famflia entrevistada resolvi introduzir uoia ultima pergunta: eu pedia que eles me informassem como tinham se sentido apos a primeira reuniao e durante o encontro Individual. Os pais (homens) foram os que deram as respostas mais neutras: acentuaram que a entrevista tinha sido muito agradavel e alguns me desejaram sucesso no trabalho. Nos outros casos fiquei mesmo surpresa com a espontaneidade dos depoimentos. Ja tendo feito comentarios sobre as maes, transcrevo trechos das entrevistas de mocas e rapazes como ilustracao: Rita: "a noite passada nem dormi direito por causa dessa entrevista. Eu fiquei muito aflita porque nao sabia o que voce ia perguntar e sempre fico angustiada de saber que estou sendo observada. Nao sei explicar mas live medo. Mas depois acabou sendo muito legal e me senti muito a vontade de falar essas eoisas todas." Rui: "Bom, eu fiquei curioso pra saber como seria a entrevista. Fui ate perguntar pro papal (papai foi o primeiro, ne?) o que voce tinha perguntado e se era muito chato. Mas ninguem quis me dizer nada. No comego da entrevista eu fiquei meio assim.. . mais preso, sabe? Mas depois ficou mais facil e fui me soltando." Fdbio: "antes da entrevista fiquei um pouco grilado, sabe? Fiquei pensando: porra, qual e a dessa mulher? Mas ai fiquei empolgado com a transa do teu trabalho. Voce acredita que a canoa nao esta furada, entende?
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E eu acho isso legal. Ou se a canoa ta furada voce pode dar o rabo pra tampar o rombo, eutende? A£ entrei numa de te ajudar. Mas e a primeira entrevista e por isso fiquei nervoso, ta sabendo? Alem do mais voce nao e minha amiga e entrou em varios assuntos — meus ideais, minha area afetiva, minha transa sexual — que sao coisas que eu so converso com amigos. E tambem a situacao agressiva que o 'senhor ai' (gravador) traz. Ai fiquei meio griladao. Ai, porra, depois eu fui me sentindo mais tranquilo, fui falando as coisas, certo? Queria mesmo falar destes sentimentos, morou? Dessas coisas que estao acontecendo e que estao sendo sufocadas, morou? S dificil falar dessas coisas com pessoas estranhas. Mas voce nao, po. Voce transa numa legal, voce sabe ouvir. Mas pessoas que nao sabem ouvir nao da, morou?" Fldvia: "Quando ouvi falar do teu trabalho eu acbei uma coisa legal e de cara topei fazer. Quando naquele primeiro dia eu te vi la na sala te achei muito nervosa e comecei a pensar na tua posigao, sabe? Meio barra de estar enfrentando aquele monte de gente naquela confusao. Eu achei que ia ficar mais preocupada com o tipo de pergunta. Mas foram raras as vezes que eu parei pra pensar na linguagem que eu estava usando e nas coisas que eu estava dizendo. Fiquei tranquila e acho que foi legal pra mim ter me sentido tranquila. Gostei." Marcos: "Antes de voce ir la em casa eu pensei que era um questionario. Quando voce foi la na quinta-feira e que eu soube como era a coisa. Fiquei tranquilo mas curioso. Tanto que perguntei pra mamae: "como foi? tudo legal?". Hoje eu comecei meio assim mas com uns cinco minutos de conversa eu me descontrai totahnente. Bacana. Espero ter te ajudado." Patricia: "Nao e muito facil falar de coisas tao intimas, ne? Eu pelo menos nao consigo falar minhas coisas sem conhecer as pessoas. Mas dependendo do jeito da gente conversar fica mais facil falar. E voce leva o papo assim muito informal, muito calma e com a voz muito controlada. E como se a gente ja se conhecesse. Voce nao forca as coisas, voce sabe levar, sabe dar um jeitLnho na hora."
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A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA Paulinho: (que nao estava presente no primeiro encontro): "Bom, cpiando me falaram da tua entrevista falei logo que topava desde que eu me mantivesse dentro da minha liberdade. 0 que eu achasse que nao devia responder, nao responderia. No comego eu estava mais em guarda pra ver o que voee ia perguntar, pra ver se voce ia ou nao atingir minha liberdade individual. Mas depois eu vi que voce nao estava procurando aquilo e tambem as perguntas nao foram tao diretamente intimas." Paloma: "Naquele primeiro dia que voce veio aqui eu senti que voce nao estava. .. nao sei. . . estava muito ausente. Parece que nao gostou. Eu estranhei porque o pessoal daqui de casa faz com que as pessoas se sintam muito a vontade. Durante a entrevista me senti bem. Respondi as perguntas sem nenhum problema." Felipe: "Com toda sinceridade, quando voce veio aqui para explicar como iam ser as entrevistas eu fiquei pensando nos temas que voce podia abordar e fiquei pensando nas coisas que eu ia te responder. Queria ter alguma coisa mais ou menos pre-estabelecida pra falar, sabe, ne? Mas depois pra te falar a verdade eu aeabei desistiado de arrumar tanto as coisas. Durante a entrevista me senti muito a vontade. Eu gosto de falar dessas coisas que estao no Hmiar da privacidade."
Como e notorio, a grande maioria dos informantes marca uma diferenga entre os momentos iniciais do encontro e seu curso posterior, acentuando um relaxamento progressive. Nao foi aleatoria a decisao de iniciar os encontros individuals falando spbre a vida professional e/ou academiea dessas pessoas. Eu supunha que, sendo este um tema mais impessoal e menos delicado, a conversa em torno dele forneceria o tempo necessario para uma acoraodagao HO nosso relacionamento. Alem do mais, na relagao com o entrevistado parece importante que o pesquisador saiba "ate onde pode ir" com cada um desses informantes mas para isso nao existem regras pre-determinadas. Em parte, a propria experiencia no trabalho de canrpo me ensinou a perceber esses limites. Com respeito aos pais (homens), por exemplo, entendi que o fato de se mostrarem menos fluentes ao se referirem a esfera domestica nao comprometia b desenrolar da pesquisa mas, pelo contrario, ja era um resultado importante da mesma. 0 caso mais extremo ocorreu com o pai da famflia A. A
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titulo de ilustragao: quando pedi a Antonio que me falasse de cada um de seus filhos, ele retrucou: "bom, aqui em casa existem os introvertidos e os extrovertidos". Citou aqueles que, a seu ver, se encaixavam dentro de cada uma dessas categorias e deu por finda sua resposta. Tenho consciencia que mesmo que meu encontro coin ele tivesse se delongado por muitas horas, todas as informacoes que ele poderia e estaria disposto a me dar nao ultrapassariam esse ruvel de superficialidade. Nesse sentido, nao so respeitei o alcance das respostas dadas por cada uma dessas pessoas mas tambem tive o cuidado de so f azer perguntas mais delicadas em areas mais sensiveis quando sentia seguranca de que meu contato com o informante estava suficientemente sedimentado. De um modo geral acredito que as entrevistas tenham sido bem conduzidas. ^ possivel que em alguns casos tenha ido aquem do que, de fato, poderia mas em apenas um deles senti, com clareza, ter ultrapassado os limites desejaveis. Isso ocorreu com a mae da f ami Ha A. Antonia, no primeiro encontro, mostrou-se muito segura, afirmando inclusive que ela, como psicologa, ja sabia ate mesmo o que eu iria perguntar. No entanto, esta foi, sem duvida, a mais tensa das trinta e nove entrevistas feitas. Um primeiro incidente desagradavel ocorreu quando eu estava trocando a fita do gravador e ela me perguntou se Andrea — com quern eu me havia encontrado no dia anterior — havia falado mal do pai. Delicadamente argumentei que preferiria nao responder, dado que isso infringia uma das regras basicas estabelecidas na reuniao coletiva. A partir dai criou-se uma situaeao de constrangimento. Por algumas vezes ela se mostrou mais agressiva: quando eu Ihe fazia uma pergunta ela afirmava ja te-la respondido. Quando Ihe perguntei se suas filhas eram virgens ela retrucou "claro que sim"Mas, depois de ter desligado o gravador e estar me preparando para ir embora, ela disse ter ouvido mal a questao e que uma de suas filhas ja tivera relagoes com um rapaz. A moga ainda nao tinha sido entrevistada e pareceu-me que Antonia teve certeza de que seria desmentida pela filha, visto que esse fato havia provocado, inclusive, uma verdaeira crise familiar. Pedi licenga para ligar novamente o gravador pois seu depoimento era importante para o trabalho, Ela concordou de um modo pouco enfatico e expos o caso de forma muito emocionada. Hoje eu nao repetiria esse pedido, pois, embora fosse algo importante a ser gravado, acredito que tenha sido uma atitude violenta e pouco habil da minha parte. Ainda que tal ocorrencia nao tenha prejudicado as entrevistas com os filhos sei que ela comprometeu, pelo menos de inicio, o encontro com o
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pai. Antonio nao esteve presente na primeira reuniao e no dia em que fui entrevista-lo ele usou sua filha Andrea (que na epoca era minha aluna) para me comunicar que nao dispunha de muito tempo e que o encontro deveria ser o mais breve possivel. Ao Hie perguntar quanto tempo ele poderia me conceder, Antonio falou em trinta a quarenta minutos. A entrevista, que transcorreu sem maiores dificuldades, foi feita em uma hora. No entanto, esse foi nao so o mais curto como tambem o mais impessoal de todos os encontros efetuados. Ate o momento procure! enfatizar, basicamente, aquilo que pude perceber dos informantes. Cafae agora ressallar, com mais detalhes, as sensa5oes e as dificuldades que vivenciei no papel dc entrevistadora. Se funcionei como elemento mobilizador para os entrevistados, quero frisar que isso foi reciproco: o trabalho de campo foi, para mim, altamente mobilizante. Embora simpatizasse diferentemente com as pessoas — por motives nem sempre claros para mim — esses encontros nunca me foram indiferentes. Compartilbava de muitas de suas duvidas e sentimentos e muitas vezes sentia uma forte identificagao com aquilo que alguns dos informantes me diziam. Nao era nada confortavel saber que tinha provocado noiles de insonia e outros tipos de tensao nessas pessoas. Com muita frequencia as entrevistas acionavam emogoes mais violentas: duas maes cboraram durante nosso encontro enquanto que outros espressaram um intense euvolvimento frente a alguns dos temas abordados. Tudo isso se refletia sobre mim e, nesse sentido, se "invadi"' essas pessoas fui, concomitantemente, "invadida" por elas. A propria natureza do tema escolhido acentua a dificuldade da isengao. Com bastante freqiiencia, depois de desligado o gravador, permanecia por mais tempo com o informante nao mais desempenbando o papel de pesquisadora mas antes como uma "igual". Por vezes, nessas ocasioes, fiz referencia inclusive a assuntos meus de ordem mais pessoal. No entanto, mesmo durante as entrevistas propriamente ditas percebi, que, em determinadas situates, perdia o contorno entre meu papel enquanto entrevistadora e enquanto pessoa. E obvio que era mais facil manter um certo distanciamento quando as pessoas e/ou itens abordados eram mais impessoais. Mas quando este nao era o caso tenho consciencia que minha eonfusao de identidades se acentuava. Assim, embora procurando ser o mais imparcial possivel, sei que nem sempre obtive sucesso: nao so os informantes pereebiam meus sentimentos atraves de espressoes faciais — nem sempre eontrolaveis — como tambem por VPzat infringi — intencional ou inadvertidamente — as regras de en-
caminhaniento das entrevistas. Cito os exemplos que me pareceram mais marcantes. Faltando uns Irinta mlnutos para encerrar a entrevista com Fernanda, numa atitude impulsiva, mas consciente, disse-lhe quey desde o primeiro encontro, sua familia me havia transmitido muita vitalidade e aconchego. Nao tenho duvida de que essa interferencia de opiniao do pesquisador e arriscada. Ainda que nesse caso nao tenha percebido nenhum desvirtuamento na condugao do encontro (a informante, embora satisfeita com o meu comentario, prosseguiu seu depoimento na mesma diretriz mantida ate eiitao) live outra experieneia em que uma atitude minha comprometfiu a entrevista — ou, pelo menos, parte dela. Quando Claudia falava do namoro de uma de suas filhas com um homem desquitado me perguntou se eu achava que isso "tinha alguma coisa de mais". Inteiramente distraida respondi que "nao" ao que ela retrueou: "pois e. Eu tambem nao". No entanto, a partir desse momento senti claramente uma mudanga de direcao do seu discurso. 15 3omo se ela tivesse percebido wde que lado eu estava". Parece ter inferido que minha visao se assemelhava a de suas proprias filhas e, em algfumas de suas respostas posteriores sobre temas correlates^ Claudia parecia estar preocupada em dar respostas que, a seu ver, eu considerava "corretas". Nao acredito que ela tenha mentido de modo deliberado, mas sim que, frente a ambigiiidades., a informante tenha procurado ressaltar o lado que. segundo sua perspectiva, se coadunava com as minhas expectativas. Ao fazer refereneia ao casamento de seu filho — marcado para alguns meses depois do nosso encontro — Maria me perguntou se eu nao achava que ele era ainda muito jovem para assumir esse compromisso. Naquele momento nao me seati a vontade para naoresponder ou para adiar minha opiniao para quando a entrevista estivesse terminada. Segundo a informante, minha resposta Ihe trouxe muito "alivio" e o prosseguimento do encontro nao sofreu qualquer alteragao. Em suma, sei que infringi normas jie imparcialidade nacoleta dos_,dados., Em alguns casos esse procedimento nao parece ter afetado o comportamento dos informantes enquanto que em outros revelou ser inconveniente. Nesse sentido, acredito que seja dificil impor, a priori, padroes rigidos a interagao entre entrevistado e entrevistador, visto que uma mesma atitude por parte desse ultimo pode ocasionar efeitos diversos sobre diferentes pessoas. Uma relagao mais pessoal, meuos formal e hierarquizada parece ser positiva na medida em que estabelece um clima de menor tensao facilitando uma maior abertura por parte do informante.
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Contudo, a ultrapassagem de determinados limites apresenta desvantagens, como o case de Claudia deixou patente. Nao conhego nenhuma solucao facil para deHmitar, com precisao, que limites sao esses. Estou ciente que, por vezes, nao consegui dlstinguir eatre uma maior flexibilidade na relagao com os entrevistados com uma dificuldade — talvez acentuada por caracteristicas pessoais — de estabelecer um contorno mais claro entre meu papel euquanto entrevistadora e enquanto pessoa tambem envolvida pelos temas abordados. E possivel que dai tambem tenha derivado a confusao que por vezes percebia por parte dos proprios informantes com relacao a mim: as vezes era tratada como sociologa, outras veaes como amiga, outras como filha e ate mesmo alguns informantes, explicilamente, compararam meu papel com o de uma psicanalista. Acredito que essa superposigao de papeis bem como o euvolvimento sejam caracteristicas inerentes e mesmo inevitaveis a relacao entre entrevistado e entrevistador, embora, como e obvio, elas possam evidenciar-se em maior ou menor grau, dependendo nao so do tema em pauta como tambem das idiossincrasias do proprio investigador. Portanto, parece-me—que_.o ponto centraL_nao—e__a d\s-^ cussao de eomo ^ o de expUcitar^ sempre que possjyel, o modo como___foi_epn_duzido o
jUpQsigao de alguns-autores tambem voltados para aquilo que se convencionou chamar de "anallse qualitativa" acerca da necessidade de uma maior sistematizagao ~aos~problemas concretes enfrentados pelos estudiosos durante essa etapa da pesquisa e a forma como foram respondidos.3 Creio que, por um lado, seja possivel, a partir dessa troca de experiencias, repensar a relacao entre entrevistado e entrevistador. Ademais, acredito que essa tarefa seja tambem importante pois permite ao leitor precisar em que medida e em que diregao o "clima" €stabelecido nesse relacionamento tenha afetado tanto a coleta do material quanto a analise dos dados. Esse relatorio foi escrito visando esse duplo proposito e espera ter contribuido para o cabedal de conhecimeutos — ou, pelo menos de indaga§5es — nessa area ate agora tao pouco codificada.
3 Ver, por exemplo, H.M. Trice, "The 'Outsider's' Role in Field Study" em Qualitative Methodology, William J. Filstead (org.), Chicago, Markham Publishing Co, 1970.
S.
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"Brain Drain": Pesquisa Multinacional? SIMON SCHWABTZMAN Se algum dia existiu uma pesquisa realmente multinacional, esta foi o estudo sobre o brain drain, a migracao de talentos, realizada no iuicio da decada de setenta sob o patrocinio do Institute de Treinamento e Pesquisa das Nag5es Unidas, UNITAR. 35 dificil dizer exatamente quantos paises participaram, e quantas pessoas foram entrevistadas, porque, quando uns terminavam, outros ainda comegavam a participar do projeto. Em Janeiro . de 1974, um relatorio preparado para as Najjoes Unidas1 ja incluia dados sobre estudantes de paises subdesenvolvidos nos Estados Unidos, Canada e Franga; pessoas de paises subdesenvolvidos trabalhando nos Estados Unidos e Franya; e pessoas treinadas no exterior e de volta a seus paises na India, Sri Lanka, Republica da Coreia, Grecia, Ghana, Brasil, Colombia e Argentina. No total, cerca de 3 mil pessoas ja naviam respondido um longo questionario, de mais de duas horas, cujas informagoes ocupavam o equivalente a 30 cartoes IBM por pessoa. . Ao mesmo tempo, o questionario continuaya a ser aplicado a estudantes e emigrantes de paises subdesenvolvidos na Australia, Republica Federal da Alemanha e Inglaterra; e entre pessoas formadas no exterior e que retornaram ao Ira, Paquistao, Fi'lipinas, Trinidad e Tobago, Tunisia e Uruguai. ' 0 objetivo principal do projeto era estudar o impacto do' i-studo universitario de pessoas de paises sidjdesenvolvidos em paises desenvolvidos, avaliando a tendencia desses estudantes de se.fixa1 William A. Glaser, Brain Drain and Study Abroad (Findings of a UNITAB. research project on Motivations and Effects of the Outflow-of Trained Personnel From Developing to Developed Countries). Textb PreIiminar; mimeografado, Janeiro de 1974. • -
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rem de volta a seus paises ou, ao contrario, de emigrarem. No Brasil, o projeto tomou o nome de "Projeto Retorno". Quase 600 pessoas formadas no exterior foram entrevistadas, a partir de um levantamento esaustivo de milhares de pessoas que serviram de base para a amostra.2 Alem disto, foi feita uma mostra especial de estudantes brasileiros nos Estados Unidos. Toda a iaformagao foi posta em fita magnetica, de forma acessivel para o SPSS — Statistical Package for Social Sciences, urn dos sistemas de conxputagao estatistica mais difimdidos e simples de usar. E possivel que esse tenha sido o maior estudo multinacional ja feito que utilizou a tecnica de questionario. O resultado desse esforco e paradoxal. For um lado, mostrou fatos importantes, resultados inesperados, e criterios para a dissipa930 de velhas duvidas e preconceitos. Por outro, a utilizacao efetiva e a repercussao dos resultados alcancados foram bastante reduzidas, trazendo a diivida de se todo este esforgo nao foi era vao. Afinal, a tecnica de "survey" serve, na realidade, para alguma coisa? Tem sentido colocar toda esta informagao em computadores, ou teria sido um erro? E a pesquisa multinacional, que significa para os paises participantes pelo lado mais pofore? E o que fazer, afinal de contas, com os resultados da pesquisa? Todas estas perguntas podem ser discutidas a partir da experiencia do projeto "brain drain", e e possivel que isto nos ajude a entender um pouco e aprender algo sobre o lado interne, a "cozinha" da pesquisa social, 35 o gue este texto pretende.
Os Resultados j£ importante comecar pelos resultados, porque eles, mais do <jue qualquer outra coisa, podem dizer do verdadeiro sucesso ou fracasso do projeto. 0 resultado mais geral da pesquisa e que estudantes de palses subdesenvolvidos em paises desenvolvidos, via de regra, voltavam as suas origens. Eles pensam em vollar para seus paises, fixar raizes, criar neles os seus filhos. No entanto, isso varia conforme o pais de origem. Em uma escala que vai de + 2 (pretende voltar a seu pais) a —2 (pretende ficar no estrangeiro), estudantes a Simon Schwartzman, Projeto Retorno — Avaliafao do Impacto do Trefnamento, no Exterior, no Pessoal Qualificado — relatorio final (Rio, Escola Brasileira de Administrafao Publica da Fundagao Getulio Vargas e Institute Brasileiro de Relagoes Internacionais, margo de 1972). A equipe do projeto era consthiuda do autor, Magda Prates Coelho, Elisa Maria Pereira Reis e Renato Raul Boschi.
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de paises subdesenvolvidos na Franca e Estados Unidos variam amplamente, por grupo nacional. Os que mais certamente, voltarao sao os da Africa (Ghaua, Senegal. Costa do Marfim, Camaroes: media, rp 1,60). Os que mais pretendem imigrar sao do Oriente Medio e Norte da Africa (media, -j-0,10). Por paises, o Egito e o que menos recebera seus estudantes de volta (—0,56), seguido da Argentina (— 0,17). Na America Latina, o Brasil e o pais que mais atrai seus estudantes de volta (+1,31), seguido da Venezuela (+1,12). Entre os que ja emigraram, os brasileiros ainda pendem para voltar (ip 0,05), enquanto os argentinos e filipinos certamente nao pensam assim (—0,54 e —0,80). Como explicar essas variacoes? Existem alguns fatores que tem a ver com a adaptagao ao pais em que as pessoas vao estudar;. outros dependem das condicoes no pais de origem. A pesquisa permitiu distinguir esses fatores, e avaliar o peso relative de cada um deles, para os diferentes grupos nacionais. Em primeiro lugar, os paises diferem na capacidade lie t-eus cidadaos se ajustarem a paiscs estrangeiros. Lagos com o pais de origem. parecem ser particularmente importantes para os da Africa Negra e Paquistao, que sao os que mais se queixam de isolamento e saudades no exterior. Diferengas de padroes educativos e dificuldades de lingua sao particularmente sentidos por brasileiros, tailandeses, venezuelauos, coreanos e iranianos. Discriminagao e uma presenca importaute para estudantes negros e asiaticos nos Estados Unidos e na Franga. Em segundo lugar, paises formados por grupos sociais heterogeneos tem mais brain drain, ja que a emigracao tende a ser alta em grupos minoritarios. Minorias culturais e lingiiisticas — francofonos na Africa e Oriente Medio, alemaes na America Latina, gregos e armenios do Oriente Medio, miuorias ocidentalizadas na Asia; minorias religiosas — cristaos e judeus em paises arabes; protestantes e judeus em paises catolicos; minorias raciais -— brancos em paises negros. Em geral, sao minorias de classe media ou alta que encontram dificuldades em serem aceitas pela sociedade mais ampla. Essas diferengas nacionais se refletem, tambem, no sentido que tem para uma pessoa ir estudar no exterior. A grande maioria dos brasileiros que saem para estudar tem bolsas de estudo, e ainda mantem seu vinculo empregaticio no Brasil. POT isso, talvez, poucos trabalhem no exterior depois de seus estudos •— somente 5% dos que responderam a amostra de retorno. Enquanto isso,36% dos indianos permanecem trabalbando no exterior depois de
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seus estudos, o mesmo ocorrendo com 20% dos gregos. Perguntados sobre a importancia da experiencia do trabalho pratico no exterior para sua formagao profissional, 46% dos argentinos e 33% dos indianoB consideram esta a motivagao principal de terem ido para fora, em contraste com somente 17% dos brasileiros. 0 brain drain depende da receptividade que os estudantes e imigrantes potenciais encontram nos paises de destino. Os Estados Unidos, em comparagao com o Canada e a Franga, surgem como pais que mais apresenta dificuldades relativas a barreiras lingiiisticas e educacionais; na Franga, por outro lado, e onde os estudantes sentem mais a solidao, a saudade de casa, e a discriminacao. Dos tres, o Canada e o pais mais receptive ao estudante estrangeiro. Estudantes na Franga tern pianos mais definidos para voltar a seua paises (63%) do que os nos Estados Unidos (49%) ou Canada (41%). Mulheres, mais do que homens, aceitam a perspectiva de emigrar atraves da oportunidade de estudar no exterior. A pesquisa revela, ainda, diferenga em relagao a perspectivas de emigragao em fungao das diversas carreiras profissionais. Especialistas em agriculture, administracao, filosofia e religiao tendem, mais que os outros, a voltar. Em compensacao, pessoas em arquitetura, educagao, saiide, economia domestica e linguas tendem mais a emigrar. Essas sao as condigoes mais gerais. Mas a pesquisa tambem indaga quais sao os fatores que, na percepgao das pessoas, tendem a leva-las ao exterior ou, ao contrario, mante-las em seu pais. De uma maneira geral, sao as necessidades profissionais (contatos, bibliotecas, equipamentos, colegas qualificados, assistentes) que puxam as pessoas para fora; e sao os fatores psicologicos e familiares que as mantem em seu pais (isolamento no exterior, discriminacao, por um lado; e patriotismo, lagos familiares, amigos, filhos, por outro). Expectativa de maior renda e melhores empregos no exterior tambem impulsionam no sentido de emigragao, mas com menos intensidade, como veremos mais adiante. Em compensagao, facilidades de habilitagao tendem a atrair o estudante de volta. Alguus destes fatores variam intensamente por pais; para os brasileiros, a situagao do mercado de trabalho e vista como fator poderoso de retengao da pessoa, no pais, contra a tendencia internacional mais geral. E claro, contudo, que isso varia no tempo, e uma pesquisa como essa, essencialmente sincronica, pode no maximo tratar de caracterizar o momento em que foi feita. No entanto, o projeto parece indicar que fatores de mais longo prazo tern maior impacto do que variagoes conjunturais de mercado de trabalho ou de crise politica.
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A pesquisa serviu para desfazer um dos mitos mais frequentes na literatura sobre brain drain, que e o de que as diferengas salariais sao o que mais explica a emigragao de talentos. Pica evidente, pelo estudo, que estudantes e profissionais treinados em diferentes paises diferem amplamente em sua percepcao sobre seus possiveis salaries em seu pais ou no exterior. Brasileiros, gregos e colombianos que voltaram a seus paises acreditam que ganhariam menos se emigrassem; os da India, Coreia, Sri Lanka e Argentina esperariam ganhar de duas a 3 vezes mais no estrangeiro do que em seus paises. Em geral, estudantes estrangeiros nos Estados Unidos e Canada esperariam ganhar bem mais se pudessem ficar nos paises de estudo, o mesmo nao se dando em relacao aos que estudam na Franga. Foi possivel calcular uma equagao de regressao que relacionasse o diferencial percebido de renda com os pianos de emigragao, avaliados por uma escala de 5 pontos (de "pensa retornar e ficar definitivamente em seu pais", a "pensa ficar definitivamente no exterior'*). Para os estudantes nos Estados Unidos, ela e a seguinte: Y = 1,730 + 0,082 X, Onde X e o diferencial de renda, e Y a propensao a emigrar. O baixo valor do coeficiente B, de 0,082, e suficiente para indicar o pequeno efeito isolado da renda sobre a propensao a emigrar. Com efeito, seria necessario aumentar sete vezes a renda esperada para aumentar a propensao a emigrar de 1,812 a 2,304. Os valores desse coeficiente B variam de pais a pais, e de grupo a grupo de entrevistadores, Ele e maximo para os emigrados para a Franga (0,307), e nunimo para os que retornaram ao Brasil (0,044). De uma maneira geral, a correlagao entre a percep530 de um diferencial de renda e a propensao para emigrar e extremamente baixa (R2 variando entre 0,028 e 0,200). Seria possivel continuar, ainda longamente, apresentando resultados da pesquisa. Sobre a importancia dos lagos com o pais de origem — bolsas, vinculos empregaticios, contatos por carta e publicagoes; relagSes de amizade, vinculos matrimoniais. Sobre os atrativos no exterior: beneficios educacionais, academicos e de emprego. Sobre as diferengas por especialidade. Sobre os fatores de idade, religiao, sexo. . . Mas vale dizer aJgo mais sobre os brasileiros que estudaram no exterior, e que estavam de volta ao Brasil em 1971, quando as entrevistas foram feitas, Eram filhos de gente educada (36% tinham pais de nivel universitario), de pais que trabalhavam no go-
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verno (26%) ou por conta propria (46%), e em sua maioria homens (80%). Dentre os mais jovens destes brasileiros havia relativamente mais especialistas em administracao e ciencias sociais' que entre os mais velhos, onde o peso relativo das areas biologicas era maior. Eles eram residentes predominantemente no Rio (30%), Sao Paulo (25%), alguns em Minas Gerais (13,4%), e os restantes dos demais Estados. Na vida, desde o nascimento ate o momento da pesquisa, eles vinbam se concentrando no Rio e Sao Paulo. Por exemplo, somente 20% haviam nascido no Rio, e 20% em Sao Paulo. Todos os demais estados perderam gente, com excegao do Ceara. . . De volta ao Brasil, esses profissionais se dedicavam preferivelmente a pesquisa e ensino (42,5 e 15,6%), mas muitos tambem a outras atividades (42%). Isso varia, evidentemente, por area: os de biologia, agricultura, e ciencias exatas tendiam mais a ficar na pesquisa, os de linguas, medicina e educagao, no ensino, e os de administragao de empresa, engenharia especializada e engenharia civil, em outras atividades. Trata-se, de qualquer forma, de um grupo em franca mobilidade social: mais do que seus pais, eles possuem carros, fazem viagens de ferias anualmente, e se individam, na aquisigao de bens. Nossos profissionais treinados no exterior estudaram principalmente nos Estados Unidos (59%), Franca (14%) e Alemanha (7,6%). Praticamente todos foram ao exterior com bolsas —87,5%. Destas, predominaram as bolsas da USAID (23,1%), que atendia particularmente as areas de administragao, agricultura, educagao e ciencias sociais; as do governo e instituigoes da Franga, que atendiam as areas de ciencias exatas, ciencias sociais, linguas e outras; as de outras instituicoes norte-americanas exceto USAID e Fulbright que, com 13,4% do total, cobriam predominantemente as areas de ciencias sociais e biologia. A participa530 das instituigoes brasileiras nesta distribuigao de bolsas era relativamente menor: o CNPq contribuia com somente 5,6% do total, fortemente concentrado nas ciencias exatas (56,2%), engenharias especializadas e biologia; a CAPES, com 7,6%, tinha uma distribuigao mais equilibrada, beneficiando preferentemente a medicina (20%); e outras instituicoes brasileiras contribuiam com mais 7% do total, de forma dispersa. Alem das bolsas, nossos profissionais iam com seus empregos garantidos (70%), e mantendo seus salarios no Brasil (57,2%). , . Entretanto, somente 18% tinham uma obrigacao especifica de voltar para seus empregos de origem, sendo os demais presos, tao somente, a uma obrigagao moral de voltar a seu pais de origem (62%).
Mas por que, afinal, essas pessoas iam estudar no exterior? Porque tinham bolsas, queriam estudar mais.. . Tinham dificuldades com a lingua, poderiam sentir saudades, mas a viagem valia a pena.. . Deixemos de lado a descrigao da vida no exterior, oude predominam os problemas de lingua e adaptagao ao sistema educacional estrangeiro. Voltemos ao Brasil. Se bem sairam, melhor voltaram. Noventa por cento dos entrevistados tinham emprego permanente, 68% consideravam seu trahalho adequado para o treinamento que tlveram, 45% se consideravam satisfeitos ou muito satisfeitos com o trabalho, e somente 8,4% insatisfeitos. A insatisfagao era maior entre bs medicos, os administradores e os de ciencias sociais, mas nao chegava a 20% de nehhum deles. Entre os administradores estavam tambem os mais satisfeitos, seguidos depois pelos engenheiros e biologos. Nao e que nao existissem problemas. A maioria dog profissionais treinados no exterior se queixava de que "as posicoes de importancia estao ocupadas por pessoas que nao estao famUiarizadas com os desenvolvimentos mais recentes de minha profissao"; queixavamse da burocracia e dos regulamentos governamentais;' e os medicos e biologos eram particularmente preocupados com a falta de trabalho interessante, falta de oportunidades profissionais em sua especializagao, e com a ideia de que o Brasil desperdiga recursos que seriam uteis para seu trahalho. Apesar disso, eles tendiam a concordar que o trabalho no Brasil era mais autonomo, dava mais oportunidade de lideranga e participagao em decisoes, e maior oportunidade de ser socialmente util. Comparado com o Brasil, o exterior oferecia maiores opgoes no mercado de trahalho, menos burocracia, melhor remuneracao e abundancia de assistentes. Mas isto nao parecia ser suficiente para levar a pessoa a, de fato, emigrar. A principal conclusao desse estudo e que o brain drain, no Brasil, pelo menos naquela epoca, nao existia, e possivelmente nao existe. E uma conclusao paradoxal, porque todos podemos citar cientistas brasileiros que vivem no exterior; mas sao estatisticamente poucos, ainda que possam ser muito importantes. E o clima politico? Somente 8,6% dos entrevistados deram alguma importancia a Uberdade politics como influenciando sua ida ao exterior. Os cientistas sociais sao naturalmente mais sensiveis a isto, mas nao demasiado. 0 tempo amortece, aparentemente, o peso das frustragoesCom o correr dos anos, problemas como a falta de colegas com quern discutir as coisas, a falta de assistentes hem treinados, as dificuldades de biblioteca, etc., vao parecendo menos graves. As
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dificuldades de Kngua e de adaptacao ao sistema educacional no exterior, por outra parte, vao parecendo cada vez mais formidaveiu. Nosso profissional formado no exterior cada vez se instala mais, se adapta mais, e mais se afasta da experiencia de juventude que foi seu estudo no exterior. Dos que terminaram seus estudos no exterior ate 1965, 81% gostariam de permanecer definitivamente no Brasil, e 89% esperam faze-lo. Existem alguns, portanto, que o farao a contragosto. Para os formados depois de 65, os numeros eram 80 e 83,5%, respectivamente. As dificuldades com a lingua estrangeira, os problemas de adaptagao ao sistema educacional no exterior sao barreiras que se eoinhinam com o vinculo empregaticio, os salaries de bom nivel, os cargos de responsabilidade e os vinculos familiares para prenderem o brasileiro a seu pais, mesmo quando as condicoes que Ihe permitem realizar um trabalho tecnico e cientifico de qualidade se deterioram. fi possivel pensar que, houvesse maior mobilidade internacional, nossos tecnicos e eientistas teriam talvez melhores condicoes para impor novos padroes de trabalho, quando nao seja pela ameaga real de emigrarem. Em sintese, a pesquisa mostra que o Brasil tern muito menos .brain drain do que se supunha. Nao seria melhor, considerando o dito acima, que tivesse um pouco mais?. . . A Metodologia Sera que a metodologia indicada, de tipo quantitative, foi reo.1mente a mais indicada para chegarmos ao resultado que se obteve? As grandes diferengas de lingua e cultura nao significaram barreiras intransponiveis para a comparagao efetiva dos resultados entre os diversos paises? Perguntar as pessoas sobre suas historias, pessoais, preferencias e atitudes e, reahnente, a melhor maneira de cntendermos um assunto desta natureza? 0 breve sumario dos principals resultados da pesquisa, apresentado acima. mostra que se trata de uma metodologia potente e capaz de chegar a um nivel de detalhe e comprovacao de proposi£oes que outras metodologias dificibnente conseguiriam. Existiu, no entanto, um custo para isso. Para estabelecer a comparabilidade «ntre as diversas amostras foi neoessario realizar um trabalho de ^ompatibilizac.ao cujas dificuldades eram dificeis de antever. PoucosTimaginam, por exemplo, a dificuldade em estabelecer um codigo numerico para todos os paises do mundo (Sao quantos? 200? 180? Valem as colonias? E os que mudaram de nome?. . . ). Depois, eram necessaries codigos de linguas, religioes, relagoes de pa-
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rentesco, titulagao academica, areas de conhecimento. . . A analise do efeito da renda e dos diferenciais de renda sobre a tendencia a emigragao exigiu, naturahnente, uma compatibilizagao de valores em moedas nacionais e dolares, e compensando pelos diferentes mementos em que os questioaarios foram aplicados. A analise de toda esta informagao exigiria, naturahnente, um computador de grande porte. A opgao pelo sistema estatistico SPSS foi feita partiudo da ideia de que este sistema e de uso extremamente simples.__P usuario simplesmente escreve, em um cartao, as variaveis que quer utilizar, e a analise que pretende, e o computador executa o resto. Por exemplo, se ele quiser fazer uma analise factorial das atitudes expressas nas variaveis 31 a 50, ele escreve. simplesmente, FACTOR
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e algumas especificac,5es e opgoes estatisticas mais. 0 computador faz o resto. Colocar toda a informagao do sistema SPSS nao foi, tampouco, tarefa das mais simples. Primeiro, toda a informagao deveria ser transposta em variaveis e codigos numerieos (dai os codigos de paises, profissoes, titulagao. . . ). Depois, havia todo um trabalho de controle da qualidade das informagoes — valores numerieos nao previstos nos codigos, respostas inconsistentes entre varias perguntas, perguntas sem respostas. . . Antes disso, naturahnente, havia a questao do intense trafico de informagoes computarizadas, entre paises e sistemas de computagao diferentes. A Coordenagao internacional da pesquisa era feita no Bureau of Applied Social Research, da Universidade Columbia, por William A. Glaser, responsavel geral pelo projeto. Columbia trabalhava com um computador IBM de grande porte, que nao conseguiu, por muito tempo, ler a fita produzida pelo IBM 7044 da PUC do Rio de Janeiro com os dados da equipe brasileira {mais tarde outra fita foi produzida pelo IBM 370 da PUC). Esse problema foi geral, e havia ainda difereugas em espessura de cartoes, paises que adotavam codigos com perfuracoes multiplas em suas codif icacoes nacionais.. . 0 fato e que este trabalho foi feito, gragas, essenciahnente, a dedicagao minuciosa e tenaz do coordenador geral do projeto. Uma vez codificados e postos no computador, os dados ainda nao estavam prontos para serem analisados. Eles deveriam ser recombinados, formando indices, escalas, eoeficientes.. . Um sistema denominado Utility Coder foi utilizado em Columbia para as transformacoes
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mais complexas, e os recursos computacionais do SPSS para a& transformacoes mais simples. Em meados de 1973, ja havia suficiente preparacao do material para que tentassemos realizar um seminario de analise no Rio de Janeiro. Esse seminario foi feito com o apoio do Social Science Research Council dos Estados Unidos (Foreign Area Fellowhip Program), sob a coordenacao de William A. Glaser, responsavel geral pelo projeto, e Simon Schwartzman, diretor do projeto no Brasil. A ideia era trazer alguus estudantes norte-americanos e ou^ tros brasileiros, para, durante dois meses, trabalharem com os dados no computador da Univesidade Catolica do Rio de Janeiro, aprendeudo a analisar dados com um sistema SPSS, e se aprofundando' nos aspectos substantives do problema. Alem dos coordenadores e estudantes, o projeto contou com a participagao de responsaveis pelo trabalho de campo na Grecia e na Argentina, que puderam trabalhar com seus materials. Todos os dados disponiveis do projeto internacipnal foram trazidos para o Rio em fita magnetica, de tal maneira que estudos comparados pudessem ser feitos. Os resultados desse seminario sao mistos. Antes de mais nada, houve um problema com o computador. Durante boa parte do tempo a maquina da PUG parou, e os cartoes e formularios tinham que ser enviados para processamento no computador do IBGE. Isto trouxe problemas de compatibilidade de maquinas, e fez com que o tempo de espera entre a entrega de um programa e sua devoltic.ao pelo computador (indicando, na maioria dos casos, um erro formal qualquer) levasse 24 horas. . . Alem deste problema tecnico, a experiencia mostrou que nao e facil ensinar a alguem que nunca viu um computador nera tem familiaridade com a analise estatistica apreuder a usa-lo em poucas semanas, mesmo pela utilizagao de um sistema tao simples como o SPSS. As pessoas responsaveis pelos projetos puderam, evidentemente, fazer suas analises (toda a analise dos resultados da Argentina, por exemplo, foi feita no Rio), mas alguns dos participantes nao conseguiram ir alem de um ou dois processamentos dos dados, sem jamais terem chegado a entender o sentido real do que estavam fazendo, apesar de terem sido cuidadosamente selecionados. As dificuldades tecnicas, e a fobia ao computador por parte de algumas pessoas, nao contain entretanto toda a historia. Havia um profalema mais profundo, que e o da compatibilidade entre as perguntas que as pessoas tinham na cabega e o tipo de respostas que os dados poderiam proporcionar. Isso nao tem muito a ver com a metodologia, e sim com a teoria.
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A Teoria Um dos participantes do Seminario do Rio de Janeiro, por exemplo, norte-amerieano e radical, trazia uma ideia difusa sobre dependencia. Aparentemente, ele gostaria de provar que o Brasil, e outros paises subdesenvolvidos eram dependentes dos Estados Uni-dos. Ora, essa teoria, por um lado, e evidentemente verdadeira; o proprio fato de haverem tantos estudantes de paises subdesenvolvidos nos Estados Unidos ja o prova. Mas, por outro lado, ela nao permite gerar hipoteses especificas sobre diferencas entre Brasil e Argentina, ou entre engenhelros e fisicos ou entre mulheres e homens, na area do brain drain. Ele terminou, conseqiientemente, sendo a pessoa mais frustrada de toda a experiencia do seminario. O problema do brain drain e essencialmente social e politico, e o proprio projeto, patrocinado pelas Nacoes Unidas, tinha um fim pratico. Nascido com estas origens, ele nunca chegou a ser visto dentro de um quadro de interesse teorico mais bem articulado. Por parte da coordenaeao geral, o que havia era uma metodologia explicitada, a chamada reason analysis, que justificava o estudo aprofundado do sistema de motivacoes de decisoes individuals, de forma agregada. No seminario do Rio de Janeiro foram testadas, com algum sucesso, uma serie de ideias a respeito da aplicabilidade do modelo de Albert Hirshman (em Exit, Voice and Loyalty) para o entendimento dos problemas e conseqiiencias relativos ao brain drain. A expectativa, por parte da coordenagao geral do projeto, era de que seria possivel trabalhar sobre os aspectos teoricos mais profundos do tema depois de terminados os primeiros relatorios para as Nagoes Unidas. A expectativa, por parte da equipe brasileira, era de que a pesquisa permitiria uma serie de estudos sociologicos mais aprofundados, depois de terminado o relatorio geral nacional. A expectativa, no seminario do Rio de Janeiro, era de que os participantes, diante dos dados, iriam incorporando naturalmente os elementos conceituais necessaries para o melhor entendimento do que tinham diante de seus olhos. Nenhuma dessas expectativas, no entanto, mostrou-se totabnente verdadeira. As razoes dessa frustragao de expectativas sao varias, inas a questao da falta de uma problematizagao teorica do projeto me pareee das mais importantes. £ dificil entender isto, pelo proprio fato de esta teoria nao ter chegado a existir. Mas e possivel que um exemplo ajude a clarificar a ideia. Imaginemos um estudo sobre o relacionamento entre a atividade cientifica c a universidade. 0 propdsito do estudo seria iden-
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tificar em que circunstancias a ciencia se da dentro da universidade, em que circunstancias ela nao se da, e que efeitos tern isto sobre o desenvolvimento cientifico do p*«s> por ^^ lado, e sobre o deseuvolvimento da universidade, por outro. Um estudo deste tipo exige uma discussao teorica profunda de uma serie de coisas. Ele exige um conceito explicito de ciencia, um conceito de universidade, proposigoes sobre o relacionamento entre cieucia e tecnologia, e um entefldimento aprofundado sobre o papel da universidade no sistema educacional, profissional e tecnologico de um pais. fi esta discussao teorica, esta problematizacap. que eu chamo. no caso, de "teoria". Na medida em que exista um grupo de pessoas motivadas por esses problemas, com uma ideia clara de sua importancia, e concordando pelo menos a respeito dos pontos em que discordam, entao sera possivel; para eles, examinar um conjunto significative de informagoes socials, sob a luz de sua relativa importancia para a elucidagao das questoes teoricas em discussao. E na medida em que exista esta problematizagao que sera possivel avaliar, tambem, quanta informagao necessitamos, e de que tipo. Uma pesquisa de tipo survey — e, com maior razao, uma pesquisa de tipo multinacional como esta — pode ser aperfeigoada e expandida quase infinitamente. Existem sempre recodifieagoes a fazer, escalas a validar, informagoes a controlar por outras, amostras a ponderar com maior preeisao. A preeisao, no entanto, deve depender estritamente da teoria. Para o estudante interessado em provar a dependencia do Brasil, todo o survey era, na realidade, superfluo, informagao demais, excesso de preeisao. Para a agenda internacional interessada em verificar o fenomeno global de estudos do exterior, as percentagens apresentadas acima poderiam ser o suficiente. Para o sociologo interessado na estrutufa das atitudes diante das experiencias trarisculturais, os dados do survey seriam possivelmente insuficientes. E possivel afirmar que o projeto brain drain foi uma vitima de urn dos mitos das ciencias sociais da decada de 60: o de que, havendo dados de boa qualidade e acessiveis para o analista, sua utilizacao otima decorreria naturalmente. Esta ideia presidiu ao chamado "movimento dos bancos de dados", que levou a organizagao de grandes bancos de informagoes de pesquisas sociologicas, armazenadas em computadores e acessiveis, em diferentes graiis, aos estudiosos, 0 que se pensava era que, assim, os dados poderiam ser utilizados por muitos estudiosos, as possibilidades de analise secundaria aumentariam, e os cientistas sociais poderiam, com o tempo, ir perdendo o habito de trabalhar somente com infofma-
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goes que eles proprios colhessem. Na pratica, o que se verificou e que dificilmente dados colbidos sob um angulo especifico eram analisados por pessoas com outra formagao e interesse. A utilizagao de bancos de dados ficou restrita as informagoes de uso social corrente — dados politicos e eleitorais, dados basicos de tipo socio-economico, etc. — e o custo crescente da organizagao destes sistemas de informagao fez com que a moda dos bancos de dados passasse. Esse fato ocorreu ao mesmo tempo em que as ciencias sociais dos Estados Unidos, que baviam desenvolvido a metodologia quantitativa do survey, comegaram a se interessar cada vez mais por processos historieos mais abrangentes, perdendo com isso o interesse pela teoria social de nivel mais interpessoal, para a qual as metodologias deste tipo baviam sido, basicamente, desenvolvidas. Com isto, este tipo de informagao passou a ser somente um dos tipos de dados utilizados pelo analista, dentro de um arsenal que incluia a informagao historica, os dados macroeconomicos, as manifestagoes culturais, e os eventos politicos. E curioso como esta transformagao da ciencia social norte-americana coincidiu com uma progressiva abertura das ciencias sociais francesas para os metodos quantitativos, abertura que termina com o convite feito a Paul Lazarfeld, professor de Columbia e um dos metodologos mais importantes da linha quantitativa, a ensinar em Paris, ja nos ultimos anos de sua vida. A presenga de Lazarsfeld na Sorbo'nne simboliza, aparentemente, o fim do equivoco que cohtrapunnba as ciencias historicas as ciencias quantitativas, como metodologias incompativeis e intimamente vinculadas a opgoes ideologicas antagonicas. O Contexto Institutional A falta de uma problematica teorica ligada ao projeto brain drain esta indissoluvelmente ligada ao contexto institucional em que o projeto foi realizado. Ao contrario de alguns projetos anteriores, este estudo tratou de ser, desde o principio, realmente multinacional, e nao um projeto de tipo "imperialista", em que o pesquisador do Norte utilizava a mao-de-obra e os dados gerados no Sul como a industria dos paises desenvolvidos utiliza a materia-prima dos paises subdesenvolvidos. Varias caracteristicas do projeto atestam esse fato. 0 financiamento do projeto era feito por cada pais individualmeute. Someute a coordenagao internacional, feita na Universidade Columbia, tiuba recursos diretos das Nagoes Unidas. As fontes de financiamento variaram de pais para pais. No Brasil, o
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projeto foi feito com recursos da Subsecretaria de Cooperacao Tecnica e Intercambio Internacional do entao Ministerio do Planejamento (SUBIN). Essa Secretaria operava, na epoca, com recursos de origem internacional, mas que eram administrados pelo •governo brasiJeiro — eram, no caso, cruzeiros provenientes do "acordo do trigo" entre Brasil e Estados Unidos. A pesquisa foi realizada pelo Institute Brasileiro de Relac.5es Interuacionais, entidade de direito privado, em cooperaeao com a Escola Brasileira de Administragao Publica da Fundagao Getulio Vargas, sob a responsabilidade tecnica e academica do autor. Este sistema de financiamento local fazia com que a coordenacao internacional do projeto nao tivesse maior ingerencia sobre os projetos nacionais. 0 questionario foi desenvolvido em consulta com varies paises, e ja estava pronto quaudo o projeto brasileiro se inicxou. Apesar disto, uma serie de questoes adicionais foram introduzidas no estudo hrasileiro. No Brasil nao houve nenbum tipo de interferencia governamental ou de qualquer outra fonte sobre o projeto, que contou com a colaboragao sempre interessada dos entrevistados. Cada ceutro nacional tinha a jjberdade de analisar seus proprios materiais, e publicar o que Ihes parecesse mais conveniente. Havia um entendimento de que a UNITAR teria precedencia no recebimento dos resultados globais, e que depois os grupos nacionais estariam livres para realizarem os estudos comparados que quisessem. Esta autonomia foi utilizada de formas diferentes pelos diferentes participantes. A equipe brasileira produziu o primeiro rela•torio nacional do projeto, e uma serie de outros documentos parciais, todos publicados pelo Institute Brasileiro de Relagoes Internacionais. Uma das razoes pelas quais o Brasil foi um dos unices paises a utilizar os dados em um estudo nacional foi a de que reconber dados e sempre muito mais facil do que analisa-los. No caso brasileiro, ja tinhamos colocado os dados em cartoes IBM e feito a analise nacional com a utilizagao do computador da Fundacao Getulio Vargas (um IBM 1130) antes de envia-los para a inclusao no arquivo geral na Universidade Columbia. A maioria dos outros paises, no entanto, nao contava com os recursos financeiros, computacionais e tecnicos de que dispiinbamos, e enviavam seus qiiestionarios para serem codificados em Nova York. A coordenagao desde Nova York, a utilizacao de computadores, a aplicagao de questionarios a estudantes e emigrantes dos paises subdesenvolvidos, tudo isso nao deixou de levantar a suspeita de que se tratava, de fato, de mais uma pesquisa de tipo "imperialista".
A historia das vicissitudes politicas deste projeto deveria ainda ser contada por seu coordenador. O fato, no entanto, e que na Alemanha, no Canada e em alguns outros paises foi dificil ou impossivel desfazer essa imagem. Curiosamente, os proprios entrevistados raramente levantavam algum problema, mas os estudantes alemaes, por exemplo, impediram por muito tempo que os questionarios fossem analisados, com medo de que eles servissem para a identificacao de estudantes, emigrados, com fins poHticos. Foi tambem muito diffeil ou impossivel obter dos governos dos paises desenvolvidos listas de emigrantes qualificados dos paises subdesenvolvidos, talvez porque se temessem represalias individuals, talvez porqiie nao fosse do interesse desses paises revelar, de fato, quantos cerebros haviam drenado. A principal dificuldade ocorreu, finabnente, quando a coordena9ao geral do projeto em Nova York fracassou em seus intentos de conseguir recursos adicionais para a coutinuagao da analise dos dados, depois de entregue o relatorio geral do projeto a UNITAR. E possivel, tao somente, especular a respeito das razoes deste fracasso. Uma razao simples seria que, com as dificuldades de obter listas de emigrantes para os paises desenvolvidos, o projeto ficou com sua amostragem mais importante comprometida. Em termos mais gerais, a dificuldade em obter recursos ocorreu em um momento de reducao geral da dispdnibilidade de dinbeiro para a pesquisa social, e um sentimento crescente de que a metodologia de tipo survey era ultrapassada. Outra possivel razao se prende ao fato de que o projeto tinha uma feigao indefinida, entre pesquisa basica e pesquisa aplicada, e isto o prejudicava dos dois lados. Isto se liga muito diretamente a questao da "teoria", discutida anteriormente.
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Fesquisa Pura ou Pesquisa Aplicada? Distinguir entre "pesquisa pura", ou "basica", e "pesquisa aplicada " e tarefa impossivel ou quase, e nao o intentariamos aqui. Basta dizer que um dos criterios de distingao e a motiva9ao de quern faz a pesquisa, e das instituicoes que a financiam. Nao tenho informagoes precisas sobre os bastidores que levaram as Nagoes Unidas, atraves da UNITAR, a solicitar este tipo de projeto. O fato e que existiam documentos da Assembleia Geral indicando a importancia do problema, e a UNITAR cbamou a si a tarefa de estuda-lo. As NagSes Unidas, como sabemos, sao um organismo que procura ser pratico, mas cujos poderes executives sao muito restritos, em assuntos que interessam aos t-stados menfaros. Por isso, elas temdem a produzir documentos e anaHses que
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sejam tao "cientificos" (no sentido de neutros e bem fundamentados empirieamente ) quanto possivel, e na esperanca de que seus resultados possam ser utilizados pelos diferentes paises e agendas interessadas. (Este conceito de "cientifico" nao coincide, evidentemente, com a concepgao que coloca a relevancia teorica e conceitual como criterio basico de cientificidade). 0 Bureau of Applied Social Research, da Universidade Columbia, nao e propriameote parte do programa mais academico de eiencias socials da Universidade. Os pesquisadores do Bureau tendem a set pesso-aa dedicadas exclusivamente a pesquisa, com uma remunerafao derivada exclusivamente, ou quase, dos contratos de pesquisa ou financiamentos que conseguem obter. Seria leviano passar julgamento na qualidade do trabalho do BASR e do Departamenfo de Sociologia de Columbia por este simples dado. Professores e pesquisadores de Columbia representam uma das iradicoes mais importantes da sociologia norte-americana do apos guerra, bastando citar para isto os nomes de Robert K. Merton, Paul F. Lazerfeld, de Herbert Hyman, entre muitos outros. Algumas das linhas mais classicas da sociologia moderna, como os estudos de comunicagao de massa, de difusao de inovacoes, e de cornportamento poKtico-eleitoral, foram iniciados e desenvolvidos por este grupo. No entanto, o fato e que a dependencia de recursos de pesquisa por contrato pode ter levado, eomo neste caso, a conducao de um projeto cuja motivacao principal nao era teoria social, mas o interesse de um cliente. No lado brasileiro, o Instituto Brasileiro de Relaeoes Internacionais e uma instituicao extremamente reduzida, cuja atividade principal tern sido a publicacao da Revista Brasileira de Relagoes Internacionais. Nunca foi interesse de sua direcao transforma-la em centre de pesquisa permanente, e o patrocinio que proporcionou ao "Projeto Retorno" se explica por fatores circunstanciais que deixaram de existir tao logo o projeto terminou. A motivaeao principal era nao tanto o conteudo do projeto, mas realizar adequadamente uma tarefa a que se havia proposto e para a qual havia conseguido recursos governamentais. A Escola Brasileira de Administrate Publica da Fundacao Getulio Vargas atravessava, na epoca, um periodo em que se acreditava ser possivel constituir, nela, um centro importante de pesquisa em eiencias socials. Tinha havido anteriormente um esforc.o significative de capacitar a Escola para a utllizacao de metodologias de pesquisa por computador, adaptando-se para isso programas adequados para o sistema 1130 que a Fundacao Getulio Vargas utilizava. Ainda que o conteudo do projeto nao tivesse uma relacao
mais direta com a area de administracao (principalmente na medida era que esta era entendida como administracao de meios, c nao de fins). acrecUtava-se que o projeto pudcsse contribuir para Eormar um grupo tecnicamente competente e motivado para a pesquisa no interior da Escola. 0 fato, no entanto, e que isto nao se deu. As tentativas de criar junto a EBAP um micleo de pesquisa fracassaram, e com isto a utilizagao posterior de experiencia e dos dados do projeto para consolidar este nucleo ficaram, conseqiicntemente, comprometidas. Faltavam, assim, tanto do lado da coordenacao internacional quanto do lado brasileiro, condigoes para fazer desse um projeto de pesquisa "pura". Nao seria essa, enfim, a grande oportunidade de sair da torre de marfim, e fazer uma pesquisa realmente aplicada, voltada nao para o academico em seu mundo esoterico, mas para o mundo real? Foi o que foi feito, de uma forma ou de outra. No entanto, os resultados parecem indicar que os cientistas sociais deveriam ter menos complexes por seu academicismo, . . As razoes pelas quais agendas governamentais nacionais c internacionais financiam projetos de estudo e pesquisa sao miiltiplas, e muitas vezes inescrutaveis. 0 que e certo e que o interesse em utilizar os resultados obtidos nao e uma das razoes mais freqiientes. Apesar de todas essas dificuldades e frustragoes, o projeto e hoje o que de mais importante e serio existe sobre o tema do brain drain, e isto justifica, sem duvida, sua existencia, Mas caberia perguntar, com a perspective que o tempo e a experiencia vivida nos da, se nao teria sido possivel cbegar aos mesmos resultados por outras metodologias, com outro tipo de estrategia instituciona!, e com um impacto social e academico mais bem definido. Talvez nao. E possivel que o tema, pela sua propria origem, nao pudesse ter tido um enquadre institucioiial, uma metodologia e um destino diferentes dos que teve, Estas sao. no entanto, especulagSes. Elas ajudam, de qualquer forma, a entender as variaveis que entram na escolha de um projeto de pesquisa, em seu desenvolvimento, e na utiliza9ao de seus resultados, Elas permitem cntender como e importante a "teoria", e como esta ligada a uma defmieao institucional do projeto, quern o financia e o publico a que se dirige. EJas permitem avaliar o alcance das diversas metodologias possiveis. Elas permitem entender os beneficios e as dificuldades inereutes a pesquisa multinacional. Para quern se interessa pela pesquisa como tema em si, ou como forma de atividade propria, sao questoes fundamentals.
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Nao tenho conhecimento da utilizagao que a -UNITAR, por sua parte, ou a SUBIN, por outra, fizeram dos relatorios que Ihes forazn enviados. No caso brasileiro, tivemos o cuidado de enviar cdpias dos relatorios nacionais e internacionais as instituig5es brasileiras que proporcionam bolsas de estudo, CAPES e CNPq. Com o passar dos anos, mudam os responsaveis por essas agencias e todos, em geral, tern que resolver problemas urgentes, de um dia-adia que impede o lazer necessario para o estudo da literatura pectinente e o estabelecimento de politicas mais sutis e a longo prazo. Nunca, decorridos cinco anos do relatorio, foi ele explicitamente utilizado ou sequer referido pelos responsaveis pela politica brasileira de formagao profissional no exterior.8 0 desinteresse das agencias governamentais em relagao ao projeto teve uma contrapartida importante, que foi a total liberdade de pesquisa que existiu. Nos dois ou tres paises em que houve interesse mais ativo de autoridades educacionais ou do service de imigracoes ele teve, em geral, uma infuencia negativa sobre os trabalhos: foram colocadas restricoes ao acesso aos emigrantes para entrevistas, ao uso do questionario para estudos comparados, tentou-se, enfim, definir normas burocraticas e administrativas sobre a pesquisa cuja unica conseqiiencia foi perturbar o andamento dos trabalhos. Uma vez terminados os relatorios e secas as fontes de financiamextto, a pesquisa perdeu prioridade em relacao a outros projetos dos diversos participantes. Teria sido possivel escrever um livro em linguagem acessivel para o piiblico mais amplo sobre os resultados da pesquisa. Faltou talvez tempo, talvez motivacao, talvez descortinio. Teria sido eertamente necessario escrever um artigo mais teorico sobre o assunto, que atraisse para ele o interesse da comunidade academica. Faltaram muitas coisas para isto, entre as quais a propria inspiragao original, que era distinta. Cumpridas suas obrigagoes contratuais, o Institute Brasileiro de Relagoes Internacionais e a Escola Brasileira de Administragao Publica nao se preocuparam em distribuir os exemplares do relatorio do projeto de forma mais ampla — mas duvido que isso tivesse alterado _o guadro de forma significativa.
3 A nao-utilizacao de resultados de pesquisa na formulaeao de politicas nao e, evidentemente, peculiar a este caso. Veja, a respeito, a pesquisa de Alexandra Barros e Argelina Figueiredo sobre a cria$5o dos programas PIS e FGTS. relatada neste volume.
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Conclusoes Hoje restam poucas memorias do projeto que, apenas cinco anos atras, era o maior estudo comparado ja realizado por metodo de survey, e referido a um tema de grande interesse social, o brain drain. No entanto, nao resta duvida de que foi um projeto bem feito, tecnicamente bem conduzido, e que chegou a resultados relevantes. .. A principal falna do projeto, e de tantos outros como ele, foi nao ter um grupo de referencia bem definido ao qual se dirigisse. Nao era um projeto academico, porque Ihe faltava uma problematica teorica anterior a um contexto academico adequado no qual se desenvolvesse. Nao era um projeto aplicado, porque Ibe faltava um cliente que estivesse realmente pendente de seus resultados para decidir os rumos de sua agao. Nao era um projeto jornalistico, ou literario, que tivesse como objetivo sua circulagao entre o grande piiblico. A inexistencia de um destinatario, ou grupo de referencia especifico, fpi falvez responsavel pelo peso que os aspectos tecnicos e metodologicos assumiram no projeto. A ideia de colocar toda a informagao em. um sistema de computagao tipo SPSS e aparentemente ideal, mas tern um custo que talvez nao tivesse sido antecipado, principalmente porque nao ha limites em relagao ao quanto e possivel investir na melhora de dados deste tipo. Por outrb lado, a inexistencia de um contexto academico bem d^firiido para o projeto fez com que .sua utilizagao posterior por outras pessoas em uriiversidades e centres de pesquisa nao se realizasse.
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Metodo e Improvisagao, ou como Conseguir uma Entrevista Naquele Setor Que Vai dos Fundos da Igreja Matriz ate o Corrego e Dali as Margens da Rio — Bahia AMAURY DE SOUZA Ha cerca de dez anos, Havens (1964:88) sugeria que o montante de problemas eneontrado na realizacao de pesquisas por amostras (ou surveys) na America Latina era, em larga medida, fungao do grau de "treinamento para a ineompetencia" recebido pelo cientista social.1 Havens queria que esta expressao designasse a^ aplicacjJo rigida e meeanica de metodos de survey em paises caracterizados pela virtual inexistencia de informagoes contextuais basicas (de cunho historico, eensitario e etnologico) e da infra-estrutura de apoio (material e humana) requeridas por estes metodos. A sele930 probabilistica, lembrava ele, demanda, no mfnimo, informaeces confiaveis sobre, primeiro, o mimero total de pessoas em uma dada unidade de amostragem; e, segurido, os locais onde as pessoas incluidas na amostra possam ser entre vistadas.JE aqui, por mais simples que estes requisites possam parecer, comega o calvario do pesquisador.t A docmnentagao sobre as subdivisoes eensitarias e pobre e imprecisa, ou quase inutil,)caso se trate de areas rurais; I A expressao "pesquisa por amostra" parece ser a melhor tradugao de termos tais como enquete par sondage, encuesta ou sample survey. A expressao diz respetto & investtgagao das caracteristicas de uma populaeau atraves da observagao daquelas caracteristicas em uma amostra dos eiem«nto3 daquela populacao. O metodo de observacjio em surveys de populacoes humanas e quase sempre a entrevista, baseada em um questionario, de uma amostra de elementos. Para quebrar a monotonfa do texto, usarei indistintamente as expressoes "pesquisa por amostra" e survey.
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gracas ao alto crescimento populacioaal e a desatualizacao das enumeracoes eensitarias, areas rurais ou urbauas podem ser povoadas e crescer incognitas durante os periodos intercensos;(_os mapas, quando existem em escalas que permitam a identificagSo das uuidades que se quer selecionar, raramente se encontram atualizados. O argumento de Havens e simples.(Os metodos de pesquisa por amostras demaudam um montante e uma variedade de informacoes contextuais sobre as comunidades que se quer estudar que dificibnente existem em paises latino-americanos.| Frente a esses obstaculos, restam ainda algumas escolbas ao pesquisador. Desistir de realizar a pesquisa e a alternativa mais simples — e, nao raro, mais realista — com que ele se depara. Mas e quase sempre possivel optar por uma certa flexibilidade, invencao no trabalbo de campo, e pelo recurso a metodos complementares de pesquisa.2 [_0 pesquisador, pode, em uma palavra, improvisar^ X. L O problema e como improvisar sem perder o controle sobre as diversas fontes de erro na pesquisa por amostrasj? Como veremos mais adiante, esse controle e particularmente importante no surveY. Visto deste angulo, o dilema entre metodo e improvisagao nao e tauto uma prerrogativa do pesquisador latino-americano, mas sim o reflexo da necessidade mais geral de^conciliar, por um lado, as aspiragoss de precisao e de acuracia de uma pesquisa e, por outro, os custos de sua implementagao.5 Onde exista abundancia de informac5es contextuais e solida infra-estrutura de pesquisa, menores serao os custos da rigorosa implementagao dos metodos de selecao e de entrevista de amostras. Onde o pesquisador tenha que ser o seu prdprio agente censitario, geografo, estatistico e cartografo, os custos de realizacao de uma pesquisa minimamente decente serao certamente proibitivos. As situacoes reais de pesquisa, a bem da verdade, encontramse quase sempre a meio-caminho entre esses dois extremos. Com algum esforgo, e sempre possivel reunir o minimo necessario de informacoes para a realizacao de uma pesquisa, ainda que isto ve: aiha a requerer outra pesquisa entre as varias instituicoes coletoras de dados. Havens (1964:89), escreveiido sobre as suas experiendas de trabalho de campo na Colombia, relata que o censo, pela sua desatualizagao, provou-se inutil para a selecao de domicilios ru2
Os metcdos antropologicos de observacao direta e de observacSo participante sao particularmente relevantes para a pesquisa por amostra. Boa? discussoes desta coraplementaridade entre os metodos encontram-se era Bennett e Thaiss (1967) e Sieber (1973).
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rats, ao passo que o Servigo Nacional de Erradicacao de Malaria. dispunha de excelente enumeragao dos domicilios em sua jurisdigao. Alem disso, o pesquisador pode modificar o seu desenho amosr tral visando adapta-lo as condigoes locals de trabalho. Improvisagao, no sentido positivo do termo, requer do pesquisador a capacidade_de reduzir, drastieamente se necessario for, a escala de suas. ambicoes.jUma pesquisa bem feita em um unico bairro, por exemplo, e sempre mais desejavel do que uma pesquisa de qualidade duvidosa sobre a populagao de toda uma cidadeT) CExiste, certamente, um limite para a improvisagao, pois a metologia da pesquisa por amostras suporta apenas um , tanto de adaptagao sem perda de sua integridade.^Esto e, existe um limite,. passado o qual simplesmente nao vale <mais a pena fazer um surveyNao faze-lo ou recorrer a metodos alternatives de investigagao e sempre preferivel ao esbanjamento de recursos escassos e a analise de resultados obtidos por pesquisas inteiramente improvisadas, eufemisticamente conhecidas entre nos pelo nome de "pesquisas exploratorias". O survey e um instrumento de investigagao particularmente sensivel e, conseqiientemente, e um instrumento cuja aplicagao tern altos custos. A improvisagao, por essas razoes, nao pode significar o recurso a tecnicas "simplificadoras" do trabalho de campo ou o uso irrefletido de informacoes toscasAMesmo porque pouco ou nada se salva de um survey feito aos tapas: de que valem achados "interessantes" ou "indicatives", se a amostra e tendenciosa, se as questoes foram mal formuladas, se os entrevistadores preencheram os questionarios sentados na praca? Na minna opiniao, a solucao para os problemas encontrados pelo pesquisador, aqui ou em qualquer outra parte, nao reside na aparente seguranga de formas rudimentares de investigagao, mas sim na utilizagao criteriosa e realista do acervo de teorias, metodos e tecnicas de survey acumulado no mundo inteiro nestes liltimos cento e cinqiienta anos. Este e um breve depoimento sobre uma pesquisa por amostra realizada na Regiao Sudeste do Brasil entre 1972 e 1973.3 Fiel ao seu titulo, este texto relata os nossos sucessos e fracassos ao tentar a aplicagao criteriosa de metodos de survey sob condigoes algo desfavoraveis de trabalho. Armados das melhores intengoes e ted3 Essa pesquisa, dirigida pelo autor e pelos professores Philip E. Converse e Peter J. McDonough, foi realizada pelo Institute Universitario de .Pesquisas do Rio de Janeiro e pelo Institute for Social Research da Universidade de Michigan. O projeto de pesquisa foi batizado "Representacao e Desenvolvimento no Brasil". Agradeco seus comentSrios, bem coma os de Carlos Hasembalg, a versao primitiva deste texto.
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rias e, no agregado dos diretores do projeto, de uma certa experiencia com surveys, saimos a campo dispostos a conciliar nao maia que o minimo estritamente necessario para que a pesquisa fosse levada a cabo em tempo litfl. Na pratica, infelizmente, a teoria e outra. Imprevistos aconteceram, o certo e seguro falhou, o ritmo do trabalho exigia decisoes rapidas — e se improvisou, e muito. A improvisagao resultou satisfatoria em varias instancias; provou-se um desastre, em outras; em outras mais, produziu resultados pifios e o inevitavel arrependimento tardio de nao se ter refletido com mais vagar e com mais acerto. Tivemos, enbtetanto, o bom senso de documentar, com a minucia que nos foi possivel, todas as fases do trabalho de campo. Esse material constitui a substancia desta, cronica de nossos erros e acertos. Fontes de Erros em Pesquisa por Amostras O entendimento ingeuuo e superficial da natureza da investigagao empirica nao e privilegio daqueles que Havens considera terem sido "treinados para a incompetencia". Ao contrario, varios fatores — entre os quais se podem destacar a inexistencia de cursos especificos em metodologia de pesquisa em muitos centros de ensino ou a sua diluigao em uma dieta, em geral tao balofa quanto inocua, de preceitos epistemologicos para as ciencias soeiais; uma forte tendencia, onde esses cursos existem, a abrevia-los emfavor do ensino de "receitas para a culinaria da pesquisa", descuidando-se de uma formagao mais disciplinada e mais completa; a enfase despropositada na importancia da critica da produgao do conhecimento em detrimento da producao do conhecimento propriamente dita; e a crenca transmontana na superioridade inata de determinados inetodos de conhecimento sobre outros, nao importa qual o problema substantive que se quer explicar — tudo isso COBSpira para perpetuar entre nos uma visao simploria do problema. O cientista social revela, por um lado e em geral, profunda inocencia em tudo o que diz respeito aos erros de inferencia e de mensuragao inerentes ao conhecimento que ele proprio produz, consome e transmite; e, por outro lado, uma teimosa credulidade em mimeros, particularmente se estes sao mimeros extraidos de um censo ou de um registro historico. Erros de mensuragao e de inferencia, nao obstante, sao cdmponeutes intrinsecos e irredutiveis do conhecimento produzido pela ciencia empirica, seja qual for o seu objeto de estudo. "]S fundamental observar", insiste Oskar Morgenstern (1963: 7) em seu classico e pouco lido estudo sobre a natureza do erro na pesquisa
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economica, "que pelo menos todas as fontes de erros que ocorrem nas ciencias naturals tambem ocorrem nas ciencias socials: ou.dito de outra forma, que os problemas estatisticos das ciencias sociais nao podem, seguramente, ser menos series do que aqueles das ciencias naturais" (os grifos sao de Morgentern). Como veremos a seguir, os problemas estatisticos das ciencias sociais podem ser inclusive mais serios do que aqueles com os quais se confrontam as ciencias naturais. 0 objetivo da pesquisa por amostras, vale lembrar, e fazer inferencias sobre uma determinada populagao com base na mensuragao das caracteristicas dos elementos selecionados para cornpor a amostra.4 0 survey envolve, portanto, tres processes interdependentes: a amostragem, ou o processo de selegao de uma parte da populagao que se quer estudar; a mensuragao, ou o processo de obtengao de informagoes sobre os elementos de uma amostra; e a estimagao, ou o processo de fazer interferencias sobre a populagao da qual a amostra foi selecionada.5 Os processos de amostragem e de estimagao constituent o que se convencionou designar por desenko ou piano amostral. Falar de estimativa e falar do calculo por aproximagao de algum valor; e falar de aproximagoes e falar de erros. Assim, na pesquisa por amostras, e imperative que o pesquisador possa especificar de antemao a magnitude dos erros que ele esteja disposto a tolerar em suas estimativas, bem como utilizer urn desenho amostral que efetivamente confine os erros aos limites de tolerancia
previamente tracados. 0 calculo e o coutrole de erros desta nature za so sao possiveis atraves da amostragem probabilistica. A selegao probabilistica da amostra pode ser sucintamente descrita como segue: (a) atribui-se a cada elemento da populagao uma probnljiUdade conhecida de ser incluido na amostra, probalidade esta independente da probabilidade de selegao de qualquer outro elemento; (6) a amostra e extraida por meio de algum metodo de selegao cleatorio que seja congruente com as probabilidades de selegao atribuidas aos elementos da populagao; e (c) estas proi>abilidades de selegao sao parte integrante do calculo das amostras probabilisticamente selecionadas. Inferencias faaseadas em amostras nao-probabilisticas (tais como amostras por quotas ou meramente casuais) podem ate mesmo ser precisas; mas o serao por acidente, por nao se dispor de uma base teorica para o calculo do erro de suas estimativas. 0 objetivo da pesquisa por amostras pode ser expresso de forma mais rigorosa. O que se quer e obter um valor da amostra (ou uma estatistica) que sirva como estimativa do mesmo valor na populagao. Precisemos o significado destes termos. 0 resultado final do processo de mensuragao e um valor, qual seja: uma expressao numerica que resuma a informagao sobre alguma caracteristica dos elementos de uma amostra ou de uma populagao. Um valor da populagao e o valor obtido pela mensuragao de uma caracteristica entre todos os elementos daquela populagao. A media e o exemplo basico de um valor da populacao; outros exemplos significativos sao proporgoes, a mediana e o proprio total de elementos na populagao. Cabe notar, entretanto, que o valor obtido por um eenso completo da populagao, por consistir em uma unica mensuragao em cada elemento, e sempre passivel de erro, de tal forma que sucessivas mensuragoes da mesma caracteristica na mesma populagao certamente resultariam em diferentes valores. 0 valor observaT do na populagao, por esta razao, deve ser distinguido do valor verdadeiro (ou parametro) da populagao, um valor que se supoe ser livre de erros. Estes erros de observagao ou mensuragao, responsaveis pela diferenga entre o valor verdadeiro e o valor obsrvado. sao denominados aqui erros extra-amostragem para contrasta-Ios com os erros gerados quando o processo de mensuragao abarca apenas uma parte da populagao. 0 valor da amostra e uma estimativa derivada da mensuragao em cada elemento incluido na amostra. Tal como o valor da populafiao, esse valor esta sujeito a erros de mensuragao. Mas, ainda que
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Por que usar amostras. pode-se perguntar, para o estudo de alguma caracterfstica que seja do nosso interesse? Uma resposta absolutamente trivial & que e muito mais barato (em termos do 'dispendio de tempo, energia e dinheiro) coletar informacoes sobre uma amostra do que sobre toda a populacao. Outra razao, possivelmente menos trivial, e que a observa$ao ou mensuracao destas caracteristicas quase sempre pode ser feita de raaneira mais acurada em uma amostra do que em uma populagao. Como veremos mais adiante, os erros sistematicos de observacao ou vieses, cujo controle e muito mais difi'cil em censos do que em surveys, geralmente causam prejuizcs muito mais serios do que os erros das estimativas _
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nao estivesse, o fato e que uma estimativa nao pode ser tao acurada quanto o valor derivado de um censo completo da populagao. Q proprio processo de selegao dos elementos da amostra esta sujeito a flutuacoes aleatorias, as quais influenciam indiretamente o valor da estimativa. E mera sorte, diga-se de passagem, que uma estima* tiva coincida perfeitamente com o valor da populacao. A estimativa derivada de uma unica amostra e apenas um dentre todos os valeres que poderiam ser obtidos em diferentes amostras daquela mesma populacao. Digamos que a media de alguma variavel seja o valor desejadu. A media amostral (leia-se a estimativa da medial da populagao ofatida em uma amostra) depende, literalmente, de qual amostra, dentre todas as possiveis amostras de igual tamanho, venha a ser selecionada pelo pesquisador. A variabilidade das estimativas exige o concurso de algum modelo teorico que permita ao pesquisador avaliar a precisao da estimativa que ele obtem em um survey. Tal modelo deve espeeificar, para cada tipo de desenho amostral, quais os valores possiveis da media e qual e a probabilidade de ocorrencia de cada um deles: Imaginemos a selegao, dentre a mesma populagao e segundo o mesmo desenho amostral, de um niimerb infinitamente grande de amostras independentes de igual tamanho. Calculemos a media de cada amostra e registremos a frequencia relativa com que cada um desses possiveis valores ocorre. A distfibuigao de todos esses valores ira tornar-se mais estavel a medida que o niimero registrado de medias amostrais aumentar, aproximando-se gradativamente da forma da distribuigao amostral teorica. Isso ocorrera, em outrag palavras, na medida em que as freqiiencias relatives das diferentes' medias se forem aproximando de suas verdadeiras probabilidades de ocorrencia. Teoricamente, a media dessa distribuigao amostral (isto e: a media de todas as possiveis medias amostrais) deve ser igual ou estar bem proxima da .media da populagao. A variabilidade das estimativas ao redor desta media e medida pelo desvio padrao da distribuigao amostral. Esta medida, conhecida pelo nome de erre gadrao da media amostral, permite ao pesquisador calcular o quanto (e com qual probabilidade de ocorrencia) a estimativa derivada de uma amostra diverge do valor que seria obtido por um censo completo daquela populacao. 0 erro padrao e, portanto, a medida do erro de amostragem. Os valores obtidos em uma pesquisa por amostra estao, consequentemente, sempre sujeitos tanto a erros de amostragem quanto a erros extra-amostragem. Os primeiros ocorrem porque apenas parte de uma populagao e eleita para a mensuragao de uma ou
mais caracteristicas de interesse. Os ultimos ocorrem porque os metodos de observacao e de mensuragao sao imperfeitos. Os erros extra-amostragem podem ser classificados em dois grandes tipos. Erros varidveis sao aqueles que, ao longo de todas as suas ocorrencias, tendem a se anular mutuamente. Cre-se, inclusive, mas sempre de forma um tanto vaga, que estes erros tendem a se distribuir aleatoriamente. Um exemplo do erro extraamostral variavel e o registro descuidado de alguma observagao. Digamos que o questionario demande a observagao e registro do sexo do entrevistado. 0 entrevistador observa (acuradamente, e de se crer) tratar-se, no caso, de uma pessoa do sexo feminino; mas, por pressa ou cansago, ele registra esta observagao na entrada destinada ao sexo masculino. Outro entrevistador comete o erro inverse; e embora estes erros persistam (em geral, incognitos) ao nivel de cada elemento observado, eles se anulam ao nivel do vaior agregado da amostra. 0 vies, ao contrario, e o erro sistematico, o erro que nao se cancela e que afeta o valor observado em uma unica diregao. Um vies curioso na declaracao de idade foi detectado por Ansley J. Coale (1955) em sua investigagao sobre a validade dos relatos sobre outros membros da familia obtidos pelo censo demografico dos Estados Unidos em 1950: os entrevistados abaixo de 40 anos de idade tendem a preferir idades que terminem com os ultimos cinco digitos, de tal forma que os resultados censitarios superestimam os valores dos grupos entre 25-29 e 35-39 anos de idade, ao passo que subestimam aqueles dos grupos entre 20-24 e 30-34 anos de idade. Esse tipo de erro sistematico resulta em estimativas tendenciosas de valores da amostra ou da populacao.6 E usual considerar todos estes erros: de amostragem e extraamostrais, variaveis ou nao, componentes do erro total da amostra. 0 erro total e definido como a raiz quadrada da soma dos quadrados dos erros extra-amostrais e de amostragem. Isto e: (Erro to6
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Podemos dizer que a maiorla dos erros variaveis e constituida de erros de amostragem, ao passo que a maioria dos erros sistematicos ou vieses e de erros de enumerafao", observagao, processamento, etc. EXistem, digase de passagem, erros sistematicos de amostragem: por exemplo, elemeiitos listados duas ou mais vezes em um registro do qual se quer selecionar uma amostra aleatoria simples. O vies, conforms Cochran (1963: 292 ss.>, pode ser definicio como segue. Consideremos um valor obtido pelo censo completo de uma populacao. Esse valor, jS o sabemos, esta sujeito a erros <3e mensuracao. Tal como a distribuicao teorica de medias amostrais, imaginemos a distribuicao de medias obtidas por repetidas observacoes da mesma populate. A media desta distribuicao e o "valor esperado da populacao". O vies e a diferenca entre o valor esperado e o valor verdadeiro da populacao.
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tal )2 = (Erro padrao)~ -{- (Erros extra-amostrais )2. A relagao entre erros pode ser tambem visualizada como um triangulo retangulo, cujos catetos sao o erro padrao e os erros extra-amostrais, e cuja hipotenusa e o erro total.7 0 erro de estimacao e usualmente parte da sintaxe das afirmac,6es de resultados empiricos. Faz-se, em geral, a afirmagao probabilistica de que o valor x da populagao encontra-se em um intervalo de confianca delimitado pelo valor x1 da amostra e o erro padrao. Isto e, afirma-se que x encontra-se no intervalo entre x1 — k (erro padrao de ar*) e *' + fc (erro padrao de #'); e que esta afirmagao tern uma probabilidade P de estar correta. Esta probabilidade aumenta rapjdamente na medida em que o valor de k e, con^ seqiientemente, a extensao do intervalo de confianga, aumentam. Se k = 1. a probabilidade P de que a afirmacao esteja correta e de, aproximadamente, 0,68; se k = 2, P sobe para cerca de 0,95; se k = 3, P atinge 0,997; finalmente, para k = 4, P e igual a 0,99994. Infelizmente, quanto mais amplo o intervalo de confian53, menos litil ele e. Dizer, por exemplo, que a proporgab de brasileiros a favor da legalizagao do aborto esta entre 0 e 100% e inegavelmente uma afirmagao verdadeira, mas iniitil. "O objetivo do pesquisador", resume Kish (1963: 183), "e estreitar o intervalo de confianga sem reduzir a probabilidade de fazer afirmacoes verdadeiras." Na pratica, o pesquisador estabelece um nivel de probabilidade (e convengao fixar P em 0,95) e usa o valor k para calcular o intervalo de confianga. Isso significa que, para um nivel fixo de probabilidade, a extensao do intervalo de confianga depende do valor do erro padrao da estimativa. Reduzir o erro padrao dos resultados de uma amostra (estreitar o intervalo de confianga das estimativas) significa, portanto, auinentar a precisao da pesquisa. Ora, em qualquer desenho amostral, a maneira de reduzir o erro padrao e aumentar o mimero de elementos da amostra. A razao e simples: quanto maior for a amostra, maior sera a probabilidade de que a media amostral esteja proxima da media da populagao. No limite, se a amostra for tao grande quanto a populagao. o valor da amostra sera igual ao valor da populagao, e o erro padrao sera igual a zero. Um resultado precise nao e necessariamente um resultado acurado. Precisao denota a magnitude da diferenga entre a estimativa e o valor observado da populagao. Ambos estes valores, co-
mo sabemos, estao sujeitos a erros de mensuragao. Acurdcia, pot sua vez, denota a magnitude da diferenga entre o valor observado e o valor verdadeiro. Para dize-lo de outra forma: o conceito de precisao inclui apenas o erro de amostragem. mas o conceito de acuracia inclui tanto o erro de amostragem quanto os erros extraamostrais, variaveis ou viesados. Uma pesquisa acurada e, ao mesmo tempo, precise e nao tendenciosa. E facil visualizar agora o dilema com que se defronta o pesquisador. O erro de amostragem e, em geral, posto sob controle pelo aumentd do tamanbo absoluto da amostra. Mas o desenbo da pesquisa como um todo focaliza nao apenas o erro de amostragem, mas o erro total. 0 vies e o componente principal dos erros extra amostragem e, por exercer uma influencia sistematica, e um tipo de erro insensivel ao numero de elementos na amostra. Se as pessoas tendem a mentir sobre a sua propria idade, elas o farao, da mesma forma e com as mesmas consequencias, em amostras v>equenas ou giandes' ou no censo complete da populagao. Na verdade, se nos reportarmos a equagao do erro total, e visivel que a importancia relativa do vies dentro do erro total da pesquisa aumenta em fungao direta do tamanbo absoluto da amostra. Em contraste com o erro de amostragem, a unica forma de controlar o vies e pelo aperfeicoamento dos metodos de realizagao do survey, da sele§ao da amostra ate o processamento de dados. Difereutes procedimentos sao requeridos para o controle de diferentes tipos de erro. Mais ainda: as fontes de erro distribuemse por todos os estagios da realizagao da pesquisa. O Quadro 1 aiostra uma classificagao das principals fontes de erros, variaveis ou tendenciosas, em pesquisas por amostras.8 0 retangulo em linhas
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7 Kish (1965: 510) define esta equacSo como: (Erro total)2 = (Erros variaveis)2 ~\- (Vieses)2. Neste caso, a equagao apresentada no texto representa apenas um caso especial, isto e": os erros variaveis sao unicamente erros de amostragem.
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Morgentern (op. tit.) enumera nada menos do que nove fontes de erros, como segue; (a) o erro na definicao do problema da pesquisa; (6) o erro de amostragem; (e) o erro do instrumcnto de observacao, o questionario, no caso; (
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interrompidas delimita as fontes de erros que serao mais cuidadosamente analisadas no restante deste texto. E desnecessario repetir a distingao entre os erros de amosrragem e os erros extra-amostrais. Pouca atengao sera dada aos primeiros, mesmo porque sao objeto de extensas discussoes em qualquer livro sobre amostrageni. Os erros extra-amostrais, inclusive por nao estarem formalizados em tuna teoria estatistica, eludem com maior facilidade o entendimento do pesquisador. Os erros de nao-observacao resultam do fato de que segtnentos da populacao sao excluidos do processo de observagao. Exclusao, e importante sublinhar, tern aqui um significado bem preciso. Ao definir a populagao que sera objeto de pesquisa por amostra, quase sempre excluimos, deliberada e expHcitamente, vastos segmentos da populagao mais abrangente. Uma pesquisa sobre os padroes de lazer da juventude exclui, por definigao, todos os velhos, Falamos aqui, ao eontrario, da exclusao de elementos que pertencem a populacao definida pelo pesquisador. A exclusao de tais elementos pode ocorrer ou porque eles (ou as unidades amostrais as quais eles pertencem) nao foram adequadamente inclufdos na cobertura da amostra, ou porque nenbuma resposta sobre as suas caracteristicas pode ser obtida. Mais adiante, discutiremos com detalbes os problemas de nao-cobertura e de nao-resposta em surveys. E fundamental enfatizar, entretanto, que esta exclusao de elementos e uma das principals fontes de vies na pesquisa por amostras, pela simples razao de que os elementos excluidos pertencem despronorcionadamente a determinados grupos socio-demograficos da populagao. Os erros de observagao resultam da coleta e do registro incorretos das observances feitas em uma amostra. Fodemos separar 03 erros originarios da coleta de dados, ou do trabalho de campo, daqueles que resultam do processamento dos dados. Comecemos pelos erros de coleta de dados, tambem conbecidos como erros de resposta. Os erros de selecao tern origem nas decisoes do enumerador ou do entrevistador sobre quern sera, no final das contas, entrevistado. Suponhamos que se queira realizar uma entrevista com um dos adultos residentes, em carater permanente, em cada um dos domicilios selecionados. Uma empregada domestica deve ser considerada residente permanente do domicflio? E o primo que veio do interior passar uma semana na capital e esta de cama ba onze meses? Ate mesmo os residentes efetivos do domicflio podem ter dificuldades em qualificar os demais residentes. Mas a substituigao de enderegos e, de longe, a causa mais importante dos erros de selecao. O entrevistador sempre encontra domicilios onde
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os residentes estao ausentes durante a maior parte do dia. For quo nao, pode-se perguntar, substitui-los por domicilios adjacentes? Afinal de contas, familias de padrao de vida similar tendem a habitar as mesmas areas, de tal forma que os vizinhos que se encontram em casa devem ser substitutes adequados para os residentes ausentes. Acontece que, por mais homogenea que seja a area residencial, as pessoas que trabalham fora tendem a ser significativamente diferentes das pessoas que ficam em casa durante todo o dia. A substituigao, por exemplo, provavelmente incluiria na amostra um niimero desproporcional de donas de casa; o pesqnisador, inocente de reificagoes, podera tratar todas essas observances sob o nome generieo de "mulheres" e, assim, generalizar para a populacao feminina como um todo valores amostrais enviesados em favor de um segmento. Os erros de entrevista ou de resposta tern multiplas brigens.* Uma de suas fontes e o proprio questionario. A formulacao de uma pergunta pode induzir uma resposta enviesada: por exemplo, uma pergunta fechada pode oferecer um niimero insuficiente ou incomplete de alternativas de resposta. A questao: "Por que o Sr. resolveu alugar a casa onde mora?", seguida das alternativas: (a) "O aluguel e baixo"; (b) "A casa e confortavel", e (c) "A vizinhanca e boa", pode gerar uma resposta tendenciosa justamente por nao ter espeeifieado alternativas provaveis do tipo: "A casa fica perto do meu trabalho." Pela forma da questao, o entrevistado se re forgado a escolher uma alternativa que nao expressa a sua real motivagao.10 Uma segunda fonte de erros e o entrevistador. A relacao social da entrevista e sempre paradoxal, exigindo, por um lado, que o entrevistador se mantenha suficientemente distante do entrevistado para nao perder a sua objetividade; e, por outro lado, que ele se aproxime suficientemente do entrevistado para gauhar a sua confianga. Diferengas em atributos visiveis (tais como sexo, educagao ou raga) podem inibir o entrevistado, levando-o a recusar-se a responder certas questoes; o entrevistador pode comunicar as suas proprias atitudes ao entrevistado ou, o que e muito-
mais freqiiente, reinterpretar uma resposta ambigua em termos de suas proprias crengas. A omissao de perguntas para apressar o termino da entrevista ou a fraude pura e simples de todo um questionario sao outras maneiras, infelizmente nao tao raras, pelas quais o entrevistador pode deformar os resultados da investigagao. A lerceira fonte de erros e o proprio entrevistado. Alguns erros de resposta sao deliberados, tal como ocorre com a declaragao da renda de entrevistados de alto nivel soeio-economico; outros erros sao devidos a lapses de memoria ou incompreensao do objeto da pergunta; outros ainda decorrem do fato de que respostas relativas a fatos da vida corrente do entrevistado teudem a ser mais estaveis do que respostas sobre a sua vida pregressa ou respostas que impliquem avaliag5es ou julgamentos. A forma mais conhecida de vies induzido pelo entrevistado e o chamado "conjunto aquiescente de respostas". Esta e a tendencia, freqiiente entre entrevistados de nivel educacional mais baixo, a responder afirmativamente a um conjunto de perguntas, independentemente de seus conteudos. 0 caso classico do conjunto aquiescente de respostas e a mensuragao de escalas de autoritarismo em populagoes pobres e pouco educadas; nesta e outras baterias de questoes projetivas, o entrevistado tende a concordat com tudo que Ihe e perguntado: a bem da verdade, menos por reais predisposigSes autoritarias do que por acreditar ser este o comportamento sociaunente desejavel durante uma entrevista. Os erros de processamento, finalmente, somam-se aos demais erros ja nos estagios finals e mais mecanicos da pesquisa. A codificagao, ou a versao das informagoes textuais do questionario para codigos numericos, esta sujeita a erros de diversas origens: descuido ou cansago do codificador; anotag5es incompletas ou ilegiveis do entrevistador; codigos ambfguos ou vagos, etc. 0 erro de codificagao e particularmente acentuado, observam. Crittenden e Hill (1971), quando os codigos exigem, ao mesmo tempo, a busca e a avaUacao da importancia relativa de informagoes contidag em respostas a perguntas abertas. Os codigos numericos sao, em seguida, expostos a outra fonte de erros: a sua transladacao para perfuragoes em cartoes ou gravacao em fita magnetica. Um caso antologico de erro de perfuragao e o "caso dos indios e vitivos adolescentes", detectado por Coale e Stephan (1962) no Censo Demografico de 1950 nos Estados Unidos. Os resultados do censo mostram um numero desproporcional de indios e de viiivos entre 10 e 14 anos de idade gragas a um erro mecanico: o deslocamento da perfuracao para uma coluna a direita em varies milhares de cartoes. Nao termina ai a odisseia do pesquisador. O processo de com-
9 Existe uma vasta literatura sobre os erros de entrevista ou de resposta. Vale a pena consultar os trabalhos de Canell e Kahn (1968) e, printipalmente, de Sudman e Bradburn (1974). 10 Litwak (1956), entretanto, arguments (com razao, a meu ver) que nao e possivel classificar uma questao como sendo enviesada ou nao com base apenas nas intengoes do pesquisador. Utilizando o modelo te6rico da analise de estrutura latente, Litwak sugere que o vies pode ser gerado pela especificacao inadequada da dimensao que se quer mensurar, ou pela concep?ao erronea da forma da distribuicao das respostas ao longo desta dimensao.
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putagao esta igualmente sujeito a erros mecanicos; ou ate mesmo a erros tendenciosos, dependendo, por exemplo, de como e quaudo uma sub-retina determine o truneamento e o arredondamento das fragoes decimals de series numericas. Esta digressao sobre a natureza e as conseqiiencias do erro na pesquisa empirica indica um novo angulo para a avaliacao do intercambio entre metodo e improvisagao. "Como selecionar uma amostra probabilistica?", pergunta Kish (1963: 184). "Sempre que algum dentre varios elementos da populagao e incluido na amostra", responde ele, "a sua selegao deve ser realizada por meio de algum procedimento mecanico que assegure as probabilidades de selegao atribuidas a todos os elementos em questao. Precisamos, portanto, de alguma operagao fisica, algum procedimento pratioo que seja congruente com o modelo probabilistico subjacente a nossa teoria estatistica". Este e, precisamente, o amago do problema. O que faz uma amostra probabilistica e a escolha de elementos segundo probabilidades conhecidas de selegao; essas probabilidades sao assegurados pelo uso criterioso de procedimentos mecanicos de selegao (por exemplo, a tabela de numeros aleatorios ou rotinas de enumeragao de domicilios). Em suma: os procedimentos mecanicos de selegao de elementos sao uma tradugao operacional de um modelo probabilistico, de tal forma que omissSes ou mudangas indevidas nos procedimeutos afetam diretamente a integridade do modelo. O restante deste texto analisa duas fontes de erros na pesquisa por amostra: a nao-cobertura e a nao-resposta de elementos que, por definicao, pertencem. a populagao em causa. 0 estudo destas fontes de erros exemplifica bem os limites da improvisagao em surveys. Dada a relative pobreza de recursos e de informacoes contextual, o pesquisador pode escolber certos atalhos para o trabalho de campo que, na realidade, aumentam a probabilidade de ocorrencia desses erros. Na pratica, a nao-cobertura e nao-resposta de determinados elementos importa em atribuir-lbes uma probabilidade zero de selegao, excluindo-os efetivamente do calculo dos valores amostrais. Acontece que a nao-cobertura e a nao-resposta penalizam desproporcionalmente determinados grupos da populagao. A exclusao destes elementos da amostra e uma causa segura de estimativas tendenciosas. 0 Desenho Amostral e o Problema da Nao-Cobertura O problema da cobertura em surveys e melhor avaliado no contextp ^geral da implementacao de um projeto de pesquisa. Era 0 nosso proposito selecionar uma amostra probabilistica da popu-
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lagao de residentes adultos da regiao sudeste brasileiro. Essa regiao, coextensiva as regioes censitarias numeros V a IX, inclui o Espirito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, o desde entao extinto Estado da Guanabara, Sao Paulo, Parana, Santa Catarina e Bio Grande do Sul. JEsta populagao, por definigao, inclui todos os residentes permanentes, de 18 ou mais anos de idade, das areas urbanas e rurais daquela regiao. £ importante notar que a populagao definida exclui todos os residentes com menos de 18 anos de idade; os encarcerados; qs alienados mentais e os enfermos internados em clinicas, hospitals e bospicios; os residentes em instalagoes militares, e a chamada populagao flutuante de residentes temporaries da regiao, tais como turistas, marinheiros em viagem, etc.11 Decidimos selecionar, em estagios miiltiplos, uma amostra de base geografica, ou por probabilidade de areas. A amostragem por areas tira partido do fato de que cada elemento de uma popula§ao bumana pode ser identificado com um e apenas um domicilio; e que cada domicilio, por sua vez, tem uma localizagao geografica precisa. A selegao de amostras por areas e geralmente realizada em varios estagios: (1) a populagao e dividida em aglomerados de elementos, as cbamadas unidades primdrias de amostragem (ou U.P.A.S), seguindo-se usuahnente os limites tragados para unidades administrativas ou censitarias; (2) uma amostra probabilistica das U.P.A.S e selecionada para representar o conjunto inicial de aglomerados; (3) subamostras de domicilios sao selecionadas em cada U.P.A. e, finalmente, (4) Tim ou mais elementos (as pessoas que se quer entrevistar) sao selecionados em cada um dos domicilios eleitos. A amostragem por areas oferece diversas vantagens. Primeiro, nao se necessita coletar um grande volume de informagoes contextuais basicas para toda a populagao, mas tao-somente para as U.P.A.S inicialmente selecionadas. Este primeiro estagio de selegao requer apenas uma lista exaustiva das U.P.A.S e alguma medida de seus respectivos tamanhos — em geral, o tamanbo da populagao residente e/ou o numero de domicilios. A enumeragao de todos os domicilios ou, se o desenho amostral o exigir, de todos os elementos residentes, e requerida apenas para as U.P.A.S incluidas na amostra. 0 que significa que, em comparagao com outros pianos amostrais, a amostragem por areas e, em geral, mais conveniente e menos dispendiosa. Uma segunda vantagem da amostragem por areas e a utilizagao de diferentes metodos de selegao em 11
Evidentemente, estao tambem exclm'dos da populate definida pelo survey todos aqueles elementos que, a rigor, nao estao associados a qualquer domicilio especifico: mendigos, andarilhos, criminosos em fuga, etc.
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A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA
A VERSAO QUANTITATIVA
diferentes estagios do processo de amostragem. Metodos de amostragem por aglomerados ou por estratos da populagao, a selecao probabilistica e a selegao sistematica, sao todos eles utilizados para maximizar a precisao e reduzir os custos da amostragem por areas. Este tipo de amostra, a bem da verdade, tambem tern as suas desvantagens. 0 principal problema da amostragem por areas tern origem no uso de metodos de selegao por aglomerados, qual seja: a probabilidade mais alta de erros de amostragem. Sabemos que quanto maior a amostra, menor o erro padrao. Esta afirmagao e verdadeira, entretanto, somente quando cada elemento da populagao e selecionado iudependentemente da selecao de qualquer outro elemento, tal como ocorre na amostragem aleatoria simples. Na amostragem por aglomerados, por definigao, os elementos sao selecionados nao individuabnente, mas em grupos. Neste caso, o incremento do erro padrao, em comparacao ao erro que seria obtido em uma amostra aleatoria simples da mesma populacao, dependera do quao homogeneos, com respeito a uma ou mais caracteristicas de interesse, sejam os elementos de cada aglomerado tanto em relagao a si mesmos, quanto em relagao aos elementos componentes dos demais aglomerados.12 No nosso caso, a selegao da amostra foi efetuada em cinco estagios. Nao se inclui neste numero a escolba dos Estados que representariam a regiao. Seis Estados, cuja populacao conjunta representava, em 1970, mais de 90% da populagao total do Sudeste brasileiro e cerca da metade da populagao nacional, foram intencionalmente escolhidos: Espirito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Guanabara, Sao Paulo e Rio Grande do Sul. Uma serie de dificuldades levou-nos a definir Minas Gerais e o Espirito Santo como um unico modulo estadual de amostragem. Eleitos os Estados, o primeiro estagio da amostragem consistiu na selegao de uma amostra de municipios, as nossas unidades primaries de amostragem. Todos os municipios foram inicialmente estratificados em
fungao de duas caracteristicas: o tamanho da populacao municipal em 1970 e a proporgao daquela populagao classificada como urbana. Seleeionou-se em seguida uma amostra de 24 U.P.A.S, com probabilidades de selegao proporcionais ao tamanho de suas populagoes, dentre os diferentes estratos formados. Vale notar que todas as capitais de Estado foram defimdas como UiP.A.s auto-representativas e incluidas com certeza na amostra. 0 Quadro I lista a populagao adulta em 1970 dos seis Estados e 24 municipios selecionados. O segundo estagio consistiu na selegao de um numero relativamente grande de setores censitarios nas areas urbanas ou rurais dos municfpios selecionados. 0 setor censitario e a unidade de enumeragao do Censo, um aglomerado com numero bastante variavel de habitantes e de domicilios: nas areas urbanas, o setor tipico conta com cerca de 1.400 babitantes em aproximadamente 300 domicilios, caindo nas areas rurais e suburbanas incluidas na amostra para cerca de 900 habitantes em 200 domicilios. Uma lista complete de setores, com o tamanho respective de suas populagoes, foi obtida para cada U.P.A., selecionando-se dai, com probabilidades proporcionais ao numero de habitantes, 98 setores urbanos e 16 setores rurais e suburbanos. Toda a documeutagao disponivel sobre os setores selecionados foi obtida, inclusive copias dos mapas originalmente preparados pelos agentes censitarios para a enumeracao de domicilios em 1970. Estes setores, entretanto, incluiam um territorio e uma populagao demasiado grandes, dado o nosso orgamento, para serem totalmente cobertos na enumeracao de seus domicilios. A solugao foi criar um terceiro estagio de selegao de subsetores. Nas areas urbanas, nao encontramos grandes dificuldades na delimitacao e selegao de subsetores. Os mapas de setores urbanoa permitiam a identificagao de quarteiroes, ou seja, dos subsetores "naturals" de uma cidade. Nao tinhamos, e verdade, como saber de antemao o numero de domicilios em cada quarteirao. Voltamos a improvisar: determinamos o numero de enderegos a serem visitados em urn dado setor e, em seguida, selecionamos uma amostra aleatoria simples de quarteiroes, equacionando o numero de tentativas de selegao ao numero (gerahnente pequeno) de entrevistas a serem realizadas naquele setor. Nas areas rurais, este procedimento estava, obviamente, fora de questao. Dada a pessima qualidade dos mapas de setores rurais, alguns deles nao mais que rabiscos indicatives de estradas e domicilios, fomos obrigados a buscar as informagoes basicas que necessitavamos para a seleSao da amostra em outro lugar. Com a indispensavel e eficiente colaboragao do sistema brasileiro de extensao rural, redesenhamos
12 A amostra nacional de domicilios do Survey Research Center da Universidade de Michigan £ um. exemplo de amostra em estagios multiples por probabilidade de areas. Esta amostra tern a vantagem de ser multlfuncional, podendo ser utilizada para a selecao de subamostras ou para a selecao de diferentes agregados de populacao, Seu uso para a selecao de condados, cidades e vilas e exemplificado no trabalho de Hess, Souza e Juster (1977). A Fundacao IBGE mantem permanentemente atualizada uma excelente amostra em estagios multiples por probabilidade de areas: a Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciles ou PNAD. Os detalhes desta amostra encontram-se em Barbosa e Lindquist (1970). Warwick e Nininger (1975: 111-125), com base na experiencia de criacao de uma amostra nacional no Peru, descrevem com excepcional clareza as etapas de implementacao da amostragem por areas.
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A VEESAO QUANTTTATIVA
A BUSCA DA REALIDADE OBJETTVA QUADRO I
A AMOSTRA DA REGIAO CENTRO-SUL: POPULACAO ADULTA EM 1970 NOS ESTADOS E MUNICfPIOS SELECIONADOS1 Estados e Municipios Selecionados Populagao Adulta em 1970 z Guanabara Guanabara Rio de Janeiro Nova Iguacu * Niteroi Campos Minos Gerais - Espirito Santo s Belo Horizonte Juiz de Fora Governador Valadares Vitoria Caratinga Paraisopolis § Poco Fundo § Ouro Branco Sao Paulo Sao Paulo Santos * Jundiai Sao Caetano do Sul SSo Jose dos Campos Maua Rio Claro Avare Rio Grande do Sul Porto Alegre | Gravatai Erechim § Humaita Total Estados selecionados Regiao Centro-Sul Brasil 1
2
3
2.691.404 2.691.404 2.487.330 344.624 185.663 146.187 6.432.257
10.068.407
619.438 123.6^5 69.575 65.510 46.765 6.190 5.777 2.885 3.395.998 212.581 92.666 89.286 71.502 47.903 43.628 19.207
3.592.345 515.851 26.180 24.077 4.625 25.271.740 27.587.134 47.469.837
O municipio e a unidade primaria de amostragem. Na maioria dos municipios, apenas domicflios urbartos foram selecionados. Dentre os restantes, a selecao incluiu tanto domicflios urbanos quanto rurais (*) ou limitou-se apenas aos domicflios rurais (§). Os dados sobre populagao adulta foram extraidos do Censo Demografico de 1970 (Fundacao IBGE, 1973). Em virtude das diferentes classificacoes usadas nas publicacoes do Censo, os dados sobre os Estados referem-se a populacao com 18 anos de idade ou mais, ao passo que os dados ao ni'vel de municipios incluem apenas a populacao com 20 anos de idade ou acima. Para efeitos de selecao da amostra, Minas Gerais e Espirito Santo foram definidos como constituindo um unico Estado,
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os mapas e listamos, tao acuradamente quanto possivel, os domicflios rurais. Os setores foram entao divididos em subareas ao longo das estradas existentes, de tal forma que a selegao de domicflios pudesse ser efetuada segundo uma rotina simples: diriginda por essas estradas, o entrevistador selecionaria a enesima fazenda, ora a sua direita, ora a esquerda, enumerando em seguida todas as suas unidades domiciliares. 0 quarto estagio consistiu na selegao dos domicflios. Um domicflio foi definido como uma construgao permanentemente habitada por uma ou mais pessoas, fosse esta construcao um apartamento, quarto de pensao, barraco de fundos ou alojamento ocupado pelo vigia de uma fabrica. Nas cidades, eleitos os quarteirSes,. sorteou-se a esquina de onde deveria partir o entrevistador, caminhando sempre no sentido dos ponteiros do relogio. Munido de uma folha de percurso, ele deveria localizar e enumerar todos o& domicflios do quarteirao, selecionando sistematicamente o enesima domicflio para a entrevista. Nas areas rurais, o entrevistador apenas enumerava e escolhia sistematicamente uma unidade domici3iar na fazenda selecionada. Finalmente, gelecionou-se o morador a ser entrevistado. Utilizamos aqui, com sucesso, o metodo de selecao probabilistica de residentes desenvolvido por Kish (1949). O entrevistador enumerava os residentes, anotando o primeiro nome, a relacao com ochefe da fanulia, o sexo e a idade de todas as pessoas adultas do domicflio, inclusive empregadas domesticas. Essa enumeragao seguia sempre uma certa ordem: primeiro os homens, depois as muIheres, as pessoas sempre ordenadas das mais velhas as mais jovens. A selecao agora era facil, pois uma tabela, determinando a pessoa a ser selecionada em funcao do numero de pessoas adultas no domicflio, havia sido prevjamentc carimbada em cada questionano. A cobertura de uma populacao refere-se a enumeracao completa e acurada de todos os sens elementos. A identificacao e localizagao de todos os elementos elegiveis para inclusao na amostra e a garantia de que eles recebam probabilidades de selecao diferentes de zero — uma condicao essencial para a implementacao de um modelo probabilistico de amostragem. A nao-cobertura, por implicacao, diz respeito a exclusao acidental de unidades amostrais elegiveis ou mesmo conjuntos inteiros de tais unidades, sejam elas domicflios ou pessoas, dos quadros amostrais de enumeracao e mapeamento.15 IS Podemos igualmente falar em supercobertura quando elementos inelegfveis sao inclui'dos na amostra.
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A BUSCA DA REALIDADE OBJETTVA
A VERSAO QUANTITATTVA
Ja observamos que a nao-cobertura e uma fonte de vies por incidir desproporoionalniente sobre determinados grupos da populagao. Nao tenho a mao informagoes sobre o montante estimado de nao-cobertura no censo demografico brasileiro. Mas uma breve avaliacao desse problema nos censos norte-americanos de 1950 e 1960 serve como indicagao de sua seriedade. A taxa global de naocobertura em 1950 foi estimada em 3,6% da populaeao total, caindo para 3,1% em 1960 — isto e, arnbos os censos deixaran; de contar cerca de 6 milhSes de americanos. Da mesma forma, cerca de 2,5% ou mais de um milhao de domicilios, localizados principalmente em areas rurais e cortigos urbanos, iludiram a enumeragao censitaria. Mais importante, contudo, sao os diferenciais entre subgrupos da populagao. Em 1950, o survey pos-enumeracao do Bureau do Censo estimou a taxa de nao-cobertura da populagao branca em 2,6%, enquanto na populagao nao-branca, negra e hispano-ainericana, o sen valor era de 11,5%. O aperfeicoamento dos metodos de enumeraeao em 1960 trouxe a nao-cobertura da populagao branca para 2,2% e a da populacao nao-branca para 9,5%. Ainda assim, encontramos em 1960 diferenciais desta ordem: as taxas de nao-cobertura de homens entre 25 e 29 anos de idade foram, respectivamente, 4,3% para os brancos e 19,7% para a populacao nao-branca. Os exemplos poderiam ser multiplicados, mas a conclusao seria a mesma: a nao-cobertura penaliza sobretudo as populates jovens e pobres, bem como as areas rurais e corticos urbanos. Dada a qualidade do censo norte-americano, e de se crer que o problema da nao-cobertura, especiahnente no campo e nas favelas, seja um pouco mais grave no censo brasileiro. No caso de nossa pesquisa, nao tenho como estimar o montante de nao-cobertura por nao dispor de enumeragoes completes para comparacao. Nao obstante, vale a pena registrar a suspexta de nao-cobertura nesta amostra e alertar o leitor para algumas de suas provaveis causas. A nao-cobertura, relembro, diz respeito ou a domieilios, ou a residentes, ou a ambos. A perda de domicilios, em principio elegiveis para inclusao na amostra, e mais relevante para esta discussao. Uma das causas importantes da omissao destas unidades encontra-se precisamente na definicao inadequada ou incompleta do que seja um domicflio.14 Os domicilios de dificil acesso ou loca-
lizados em lugares e construcoes insuspeitos (barracos de fundos ou quartos de vigias, por exemplo) tern, naturalmente, maiores chances de serem omitidos na enumeracao. Por esta razao, e ao contrario do que fizemos em nossa pesquisa, e prudente separar por completo a tarefa de enumeraeao da tarefa de entrevista, submetendo as unidades domiciliares a uma dupla contagem por diferentes pessoas. Fizemos, e claro, a veriflcagao das folhas de percurso e seleeoes de domicflios em uma subamostra de cerca de 10% do total de enderecos, encontrando um numero insignificante de domicilios nao-cobertos ou de erros de selegao. Mas a verificagao por subamostras de forma alguma substitui uma enumeraeao previa e completa de cada setor. Os erros de enumeragao, como seria de se esperar, ocorrem com muito maior frequencia em certos aglomerados de domicilios. A nao-cobertura nas areas rurais deve ter sido razoavel. Ali, faltam ao pesquisador mapas e informagoes mais precisas e, ademais, o campo brasileiro e povoado por um numero indeterminado de posseiros, residhido incognitos nos recantos menos acessiveis das areas rurais. 0 mesmo deve ser verdade nas favelas e nos corticos urbanos. Nunca e demais sublinhar o fato de que a documentacao imprecisa ou incompleta sofare os aglomerados de domicilios e uma das principals causas da nao-cobertura. Ja nem falo de mapas ou descrigoes inadequadas. Falemos dos limites de um setor censitario. A definigao clara e precisa da fronteira entre dois setores evita que os domicilios ai localizados sejam, por descuido ou indecisao do enumerador, sistematicamente excluidos da amostra. O titulo deste texto inspura-se, a proposito, na descrigao dos limites de um setor urbano no interior de Minas Gerais. A descrigao do IBGE reza: "Este setor tern como pontos de imcio e final os fundos da igreja. A linha de limites segue pelos seguintes pontos de referencia: a margem da Rio-Bahia ate um pequeno filete de agua, e por este ate o corrego maior; por este corrego ate a ultima casa da rua principal, ja saindo novamente na Rio-Bahia, pela qual segue ate os fundos da igreja matriz." Como distinguir o filete e o corrego na epoca das aguas? Onde fica exatamente a ultima casa da rua principal? A propria igreja pertence ao setor ou nao? A nossa dificuldade em responder estas perguntas sugere o dilema do enumerador, sempre pressionado a tomar decisoes no
^ Por definicao, o domicilio inabitado ou vazio e inelegi'vel para a selecao, mas deve ser inclui'do na enumerac.ao, Em nossa pesquisa, estimamos.
que cerca de 1,5% dos domicilios cobertos estivesse vazio. Vale observar que a proporgao de domicilios vazios e mais ou menos invariante com o tamanho da U.P.A., sendo quase inexistente nas areas rurais.
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A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA A VERSAO QUANTITATIVA
local, decisoes estas que podem, com excessiva facilidade, redundar em uma selegao tendenciosa de elementos amostrais. 0 Trabalho de Campo e o Problema da Nao-Resposta A amostra mais cuidadosamente selecionada, coberta de maneira t£o completa quanto possfvel, apenas produzira resultados precisos case as pessoas efetivamente entrevistadas sejam representatitvas da populagao. Dado que poucas pesquisas conseguem entrevistar todos os elementos inclufdos na amostra, a possibilidade de que a nao-resposta enviese os resultados deve ser uma preocupacao constante do pesquisador. Um certo montante de nao-respostas, devido a doenca ou viagem, e quase sempre inevitavel, como tambem o sao as recusas on a iucapacidade em responder a certas questoes.15 O problema serio da nao-resposta, entretanto, encontra-se na impossibilidade de se conseguir qualquer informagao sobre determinados elementos da populacao. Caso estes elementos fossem, para todos os efeitos praticos, similares aos respondentes, as conseqiiencias da nao-resposta seriam triviais. Acontece que, geralmente, e a exemplo da naocobertura, eles nao o sao. E ai esta a fonte de vies da nao-resposta. O montante e as razoes de nao-respostas, ao contrario da naocobertura, podem ser diretamente estimados pelo pesquisador. Conforme a sugestao de Kish (1965: 532-535), classificamos as fontes de nao-respostas em quatro grupos. A recusa explicita da entrevista pode ocorrer em dois momentos: a recusa no contato inicial (RCI) ou a recusa pela pessoa selecionada (RPS). A distribuicao e jmportante: a RCI e geralmente anunciada, em nome de todo o domicilio, pelo chefe da familia ou pelo residente que primeiro recebe o entrevistador. Ao contrario da RPS, a RSI pode refletir ou nao a receptividade dos demais residentes a entrevista. Em adicao, o entrevistador necessariamente completa a enumeragao de todos-os residentes antes de receber a RPS, obtendo assim importantes informacoes sobre os correlates 15
fi costumeiro distinguir-se entre a recusa em responder uma questSo e a nao-resposta por falta de informacao ou de opiniao ("nao sabe"). A natureza, a incidencia e os correlates de nao-respostas a certas questoes sao discutidos por Coombs e Coombs (1976) e por Converse (1976). Evidentemente, sempre existe a possibilidade de que uma certa proporfSo das respostas do tipo "nSo sabe" consista, na verdade, em recusas em responder as questoes. Com base nos dados do nosso projeto, Cohen (1976) elaborou um modelo estrutural para estimar os efeitos da situacao de entrevista sobre estas nao-respostas, bem como as relacoes entre recusas explicitas e recusas camufladas como "nao sabe".
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socio-demograficos desse tipo de nao-resposta. A ausencia de um ou de todos os residentes por periodos de tempo incompativeis com o cronograma da pesquisa denota o segundo grupo de nao-respostas. Novamente, dtstinguimos aqui a ausencia de todos os residentes de um domicilio habitado, ou "ninguem em casa" (NEC), da situacao em que apeuas a pessoa selecionada esta ausente (PSA), fi importante sublinhar o fato de que qualquer tipo de ausencia e definido em funcao do mimero maximo de tentativas de entrevistas •determinado pelo pesquisador. O terceiro grupo reune outras razoes de nao-resposta: primeiro, a pessoa selecionada e receptiva, mas encontra-se incapacitada para a entrevista (PSI) por doenca. invalidez, senilidade ou intoxicagao; ou, segundo, a pessoa selecionada e receptiva, mas e impedida por familiares de responder a entrevista, um tipo de nao-resposta particularmente freqiiente entre mulheres. Finalmente, a nao-resposta pode ser devida a perda da entrevista como um todo. Tres razoes basicas determinam esta perda. A perda literal do questionario pelo entrevistador ou pela administra£ao da pesquisa e a primeira delas, um evento mais freqiiente do que seria desejavel. Em segundo lugar, podemos toda uma entrevista por estar incompleta ou pobremente realizada. Finalmente, ha que se eliminar da amostra todos os questionarios fraudados pelo entrevistador. A fraude de entrevistas e o flagelo dos censos e das pesquisas por amostras, e so pode ser eliminado pelo controle rigoroso do trabalho de campo. Esta quarta categoria de nao-respostas, felizmente, nao aparece os resultados finals de nossa pesquisa, conforme resumidos no Quadro 2. Esse quadro mostra os resultados finals na pesquisa pelo mimero de tentativas de realizacao de entrevistas. Os entrevistadores deveriam fazer um minimo de tres tentativas antes de desistir de realizar uma entrevista, classificando o domicilio ou um residente em um dos grupos de nao-resposta. Na pratica, tentou-se obter uma entrevista ate um maximo de sete visitas a uns poucos domicflios promissores, mas particularmente reealcitrantes. Como mostra o quadro, o numero medio de tentativas para se obter uma entrevista foi de 1,5 visitas ao domicilio. A primeira coluna do Quadro 2 mostra simplesmente as proporgoes do total de enderecos finalizados em uma ou mais tentativas, isto e, as proporsoes de enderegos que resultaram em uma entrevista ou em uma nao-resposta. Por exemplo, 58% de todos os enderecos foram finalizados na primeira tentativa. A segunda coluna mostra a proporcao de entrevistas realizadas pelo numero de
87%
1,5
1,6
100% (26)
58% 19 23 —
RC1
5,5%
Recusa
2,7
100% (57)
21% 19 32 28
RPS
2,1
100% (29)
38% 24 28 10
NEC
5,5%
Ausencia
2,7
100% (54)
28% 11 39 22
PSA
2%
1,9
100% (20)
60% 10 15 15
Outra PSI
fi f f i ' n S
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& S-
Resultados finais:
,'
100% (1.314)
61% 26 7 5
Entrevistas realizadas
s. ffw
As categorias de nSo-respostas slio as seguintes: Recusa: (RCI) Recusa no contato inicial; (RPS> Recusa pela pessoa selecionada, A usencia: (NEC) Ninguem em casa; (PSA) Pessoa selecionada ausente. Outra Razao: (PSI) Pessoa selecionada incapacitada para a entrevista por doenca, invalidez, senibilidaue e intoxicacao (K= 14) ou impedida por familiares (N = 6).
tentativas
Media de
100% (1.527)
58% 24 13 5
1 2 3 4 ou mais
Total:
Total de enderegos
Niimero de tentativas
Nao-respostas 1
RESULTADOS FINAIS POR NttMERO DE TENTATIVAS DE REALIZAGAO DE ENTREVISTAS
QUADRO 2
m
A VERSAO QUANTITATIVA
A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA tejam em casa e mais alta, como tamfoem o e a probabilidade de true elas nao abram a porta para conversar com urn bomem). Outros procedimentos podem certamente ser utilizados para reduzir o montante de nao-resposta em uma pesquisa. £ necessario, entretanto, que o pesquisador tenha uma ideia clara da rentabiKdade marginal de se investir em uma enesima visita a uma nao-respondente. Neste sentido, calculei para a nossa pesquisa uma taxa de sucesso para cada tentativa adicional de se conseguir uma entrevista, taxa esta operacionalmente definida como o mimero de entrevistas multiplicado pelo numero de tentativas para obte-ias. A Figure 2 apresenta os resultados. Figura 2 TAXA DE SUCESSO POR NUMERO DE TENTATIVAS 100
90 80 70 3 60 <s o =>
in
a •a
50
tn
3 40
30 20 10
Uma
Duas
Tres
Numero de tentativas Nota: As taxas de sucesso sao os percenluais de visitas que resultaram na realizagao de entrevistas.
Quatro ou mais
113
Os resultados falam por si mesmos. Em suma: <juanto maior o numero de tentativas, menor a probabilidade de se conseguir uma entrevista. A razao e simples: o segmento da populagao mais receptivo a entrevista concede ser entrevistado na primeira visita aos seus domicflios. Mais de 90% das primeiras visitas, entendido o termo com o numero de tentativas vezes o numero de entrevistas, resultaram em respostas ao questionario. Dai para a frente, o entrevistador encontra maior resistencia e ja comeca a perseguir os residentes mais indecisos ou refratarios a entrevista. A taxa de sucesso dcclina rapidamente e, alem de tres tentativas, o entrevistador defronta-se, por assim dizer, com a turma da pesada, os nao-respondentes mais empedernidos e bostis a pesquisa. Tentar entrevistar esse grupo, fazendo tantas visitas qiiantas necessarias para obter uma resposta, pode impor custos monetarios e uma perda de tempo inaceitaveis ao projeto de pesquisa. A decisao do pesquisador e grandemente facilitada caso ele conhega as caracteristicas tipicas do segmento da populacao mais receptivo a ser entrevistado. Imaginemos que cada elemento da populacao tenha certa probabilidade de responder a entrevista. A primeira visita ao domicflio, como vimos, atinge um numero desproporcionado de elementos com alta probabilidade de resposta. Cada visita adicional, ao contrario, tende a contatar os elementos com baixa probabilidade de resposta ate o limite daquele grupo residual com probabilidades de resposta proximas a zero. Conhecendo algumas das caracteristicas socio-demograficas dos elementos com alta ou baixa probabilidades de resposta, o pesquisador pode estimar de antemao o numero de tentativas requerido para a realizacao da entrevista. Os resusltados estao no Quadro 3. O local de residencia, tirbano ou rural, e o nivel educacional do entrevistado sao os melhores preditores de sua receptividade a entrevista, entendido o termo como o numero medio de tentativas necessario para obter a sua resposta. 0 efeito do local de residencia e, na realidade, menor do que os dados deixam entrever, no sentido de que a populagao urbana, particularmente a populacao das areas metropolitanas, e, em media, melhor educada do que a populacao rural. 0 leitor fica tambem alertado para a possibUidade de que diferengas educacionais expliquem parte do efeito atribuido ao sexo do entrevistado. De qualquer forma, e interessante notar quais sao os elementos mais receptivos a entrevista: (a) as mulheres, requerendo em media 1,5 tentativas; (b) os respondentes analfabetos ou de nivel educacional mais baixo, com 1,3 tentativas, e (c) os residentes de areas rurais ou pequenas cidades, com 1,1 e 1,4 tentativas, respecti-
93
Rural
7
33% 24 33 27
19% 22 28 30 39 28
—
17% 13 11 6
4% 9 12 15 10 19
11% 12 9
,
—
5% 7 2 —
10
4
1% 2 3 4
2% 3 4
100
100 100 100 100
100% 100 100 100 100 100
1,1
(261)
1,6
1,7 1,4
1,8
1,3 1,4 1,6 1,7 1,7 2,0
1,6 1,6 1,5
(413) (160) (313) (167)
(311) (253) (345) (196) (130) ( 79)
100% (463) 100 (300) 100 (551)
1,7 1,5
0,34
0,22
0,03
0,11
ETA
A estatistica eta, definida como a razao entre a soma dos quadrados dos desvios entre categorias do preditor e a soma total dos quadrados dos desvios, permite avaliar a relaeao entre cada preditor e a variSvel dependente. Elevada ao quadrado, eta 2 pode ser interpretada como a proporgao da variancia na variavel dependente explicavel por urn dado preditor.
45% 56 54 67
76% 67 57 51 47 43
Urbana 500.000 habts. ou + 200.000 — 499.999 50.000 — 199.999 Men os de 50.000 habts.
Tamanho da Popula$ao das U.P.A.s
Analfabetn Primario incomplete Primario completo Ginasial Colegial Universitario
28% 26 24
(572) (742)
59% 59 63
100% 100
Idade 18 a 29 anos 30 a 39 anos 40 anos ou mais
3% 3
54% 66
Sexo Homem Mulher 14%
1,5
100% (1.314) 3%
10%
26%
61%
Todos os entrevistados 29% 24
Media
Total
Quatro ou mais
Tres
Duas
Uma
Caracteristicas socio-demogrdficas
Niitnero de tentativas
NOMERO DE TENTATIVAS REQTJERIDO PARA A REALIZACAO DA ENTREVISTA PELAS CARACTERiSTICAS SOCIO-DEMOGRAFlCAS DOS ENTREVISTADOS
QUADRO 3
36% 50 55 61%
jdade 18 a 29 anos 30 a 39 anos 40 anos ou niais Status socio'economico 5 Alto
58 2% 43%
70
32% 32 52 34
55% 52 41 30
46
35% 48 29
61% 50 26-
—
8
—
13% 16 7
4% 6 25
19
3%
5% 17
11%
41% 61% 23
Incapacidade
A usencia 3
Nao respostus
( 12)
( 27) ( 10)
100% ( 28)
100
100 100
100% ( 63) 100 ( 19)
100% ( 28) 100 ( 54) 100 ( 23)
100% ( 36) 100 ( 34.) 100 ( 58)
100% ( 74) 100 ( 57)
100% (131)
Total
Este quadro inclui apenas aquelas pessoas que j£ haviam sido selecionadas para a entrevista. As categorias Recusa no Contato Inicial e Ninguem em Casa foram exclufdas desta analise. A pessoa selecionada recusou-se a ser entrevistada. A pessoa selecionada nao foi encontrada em casa apds urn mfnimo de tres tentativas. A pessoa selecionada 'estava incapacitada para a entrevista por doenca, invalidez, intoxicacao ou senilidade, ou por ter sido impedida por familiares. 0 status sdcio-econdmico do domicflio foi estimado pelo entfevistador.
Rural Proporfao que manifestou medo ou suspeita da entrevista
Vrbana 500.000 hauls, ou + 200.000 — 499.999 50.000 — 199.999 Menos de 50.000 habts.
Tamanho da populofao das U.P.A.s
Baixo
39% 60
Sexo Homem Mulher
46
48%
Recusa 2
Todos os entrevistados
Caracteristicas socio-demogr6ficas
CARACTER1STICAS S6CIO-DEMOGRAFICAS DAS PESSOAS QUE NAO FORAM ENTREVISTADAS POR TIPO DE NAO-RESPOSTA1
QUADEO 4
118
A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA
A VER$AO QUANTITATIVA
vamente. Utilizando o mesmo criterio, os elementos mentis receptivos a entrevista sao: (a) os homens, com 1,7 tentativas por entrevista; (b) os respondentes com mais escolaridade parlicularmente os de nivel universitario, com 2,0 tentativas em media, e (c) os habitantes das grandes cidades, com 1,8 tentativas. Por si mesma, a idade do entrevistado nao parece afetar a sua receptividade a entrevista. Se uma escoiha tivesse que ser feita entre estes preditores, eu escolheria, em priineiro lugar, o nivel educacional e, em segundo lugar, o sexo do elemento selecionado para a entrevista. Isto e, com base nestes atributos, o entrevistador' pode estimar, em media, quantas visitas serao necessarias para obter a resposta e organizar um cronograma compativel com estas expectativas. E claro que o pesquisador tambem gostaria de ter a mao informag5es sobre as caracteristicas tipicas dos nao-respondentes, organizadas por tipo de nao-resposta. Algumas dessas caracteristicas podem ser enccntradas no Quadro 4. Antes, entretanto, e necessario dizer uma ou duas palavras sobre esses resultados. Observe-se, por exemplo, que as categofias de nao-resposta incluem apenas os casos em que foi possivel ao enlrevistador observer e registrar as caracteristicas da pessoa selecionada para a entrevista. As categorias "recusa no contato inicial" e "ninguem em casa" estao excluidas deste quadro,. embora tenhamos informa9oes sobre esses elementos, informae.oes essas derivadas de estimativas do entrevistador ou de relates de vizinhos. O problema e que este tipo de informacao, especialmente se fornecida por vizinhos, tende a ser tendenciosa. Mantive na tabela • apenas duas estimativas feitas pelo entrevistador: o status socio-economico do domicilio e a manifestacao de medo ou suspeita pelo nao-respondente. Estes resultados sao bastante interessantes. Podemos analisalos por categoria de nao-resposta. Os elementos com alta probabilidade de recusar a entrevista sao os seguintes: (a) mulheres; (o) pessoas com 40 anos de idade ou mais, (c) familias ou residentes de status socio-economico mais alto, e- (d) habitantes de grandes cidades. Cerca de 43% daqueles que se recusaram a ser entrevistados manifestaram medo ou suspeita quanta ao entrevistador ou a entrevista, ou' ambos. A nao-resposta por ausencia prolongada e tipica de (a) homens; (b) pessoas mais jovens; (c) familias ou residentes de status socio-economico medio e (d) habitantes de cidades menores, especialmente as ci,dades-dormitorio nas cercanias das areas metropolitanas. E reconfortante observar que apenas 2% destes nao-respondentes manifestaram medo ou suspeita da entrevista.
Finalmente, as pessoas incapacitadas para a entrevista sao, em geral, (a) mulheres; (6) pessoas com 40 anos ou mais idade; (c) residentes de status socio-economico baixo; (d) habitantes de cidades maiores. Nenhum destes elementos manifestou medo OH suspeita da entrevista. Estes resultados, diga-se de passagem, sao inteiramente congruentes aqueles registrados por Kish (1965: 537-538). Os homens, os jovens, as pessoas de status socio-economico mais baixo e os habitantes de pequenas cidades e areas rurais sao os elementos mais dificeis de serem encontradas em casa. Comparando estes aos resultados do Quadro 3, vemos que a ausencia do domicilio e a principal razao do maior numero de tentativas requerido para a entrevista destes elementos. As mulheres, os velhos, as pessoas de status socio-economico mais alto e os habitantes de cidades maiores sao os elementos mais propensos a se recusarem a ser entrevistados. A comparagao com o Quadro 9 e, mais uma vez, instrutiva. Enetendemos agora em que consiste a maior receptividade das mulheres a entrevista: ou bem elas se deixam entrevistar no prhneiro contato com o entrevistador, ou a recusa e quase certa. A qualidade do contato inicial parece ser particularmente importante para este grupo da popula^ao, e o pesquisador pode adotar certas rotinas de apresentacao da pesquisa que minimizem o medo ou a suspeita que esses elementos revelam frente a um entrevistador. Quanto aos incapacitados, os resultados sao dramaticamente claros. Sao, na sua maioria, mulheres, pessoas senis ou invalidas, gente mais velha e, sobretudo, gente pobre e pouco educada. O pesquisador dificilmente eucontrara procedimentos para o contato e entrevista que reduzam a proporcao de nao-respondentes nesse grupo. A entrevista desses elementos e, para todos os efeitos praticos, impossivel.
119
Bibliagrafia BARBOSA, Carlos Marcos e Merlon V. Lindquist 1970 — Programa National de Pesquisas por Amostras Domiciliares, Documento apresentado ao Segundo Simposio sobre Pesquisas por Amostras de Domici'lios na America Latina, reunido no Rio de Janeiro. BENNETT, John W. e Gustav Thaiss 1967 — "Survey Research and Sociocultural Anthropology", em Charles Y. Glock (org.), Survey Research in the Social Sciences, Nova York: Russell Sage Foundation, 271-313.
A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA
A VERSSO QUANTITATTVA
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121
C.
A Associacao das Tecnicas
6
Observacao Participante e "Survey": urna Experiencia de Conjugacao NEUMA AGUIAR Neste trabalho, procurarei organizar algumas~"* questoes que surgiram em uma experiencia na conjugaggp de metodos de_jobservagao•_ participante_ e surv&yi emjnna pesquisa que realize! no Nordeste. A pesquisa foi elaborada com™uinTlititude de constante experimentagao e acredito que o resultado foi o emprego pouco ortodoxo destas—duaS-.-tecnicas. A presente exposigao e uma tentativa de aintetizar as d£Eiculdades e facilidades que encontrei no uso articulado dos dois metodoTros^iToblemas que ocasiona e os que resolve, em termos de_generalizac.ao dos resultados. Varias questoes tem surgido sobre as vantagens e desvantagens do uso da observacao participante e do survey.2 Dados oriundos da observa9ao participante tem sido considerados como pouco representatives em comparagao aos obtidos atraves do metodo de \survey, quando a referenda usada na avaliacao da representatividade e a tecnica de amostragem estatistica.2 Descreverei, neste trabalho os recursos que desenvolvi para atingir aquilo que considero um^ myel adequado de generalizagao. Existe uma posigao bastante divulgada em Sociologia de que os dados de observagao participante sao profundps, na medida em que atingem niveis de compreensap dos fatos socials nao alcancados pe1 Sam D. Sieber, "The Integration of Fieldwork and Survey Methods", American Journal of Sociology, 78, 6, 1973, pp. 1335-1359. 2 Urn exame desta questao e realizado por Arthur J. Vidich and Gilbert Shapiro em "A Comparison of Participant Observation and Survey Data", American Sociological Review, 20, 1955, pp. 2833.
126
A BUSCA DA REALJDADE OBJETIVA
A AssociAgAO DAS TECNICAS
127 "v\ o>
los survey^ Os dados obtidos pelos usuarios da ultima tecnica, aponta-a'iiteratura, sao^durgs, isto e, atingem urn. niyeL.de ^ensu-? ragap que^ a observacao participante nao consegue atingir.4 Nao obstante o grau de exatidao almejadj), aponta-se tambem para o fato de que a^exatidjojotima nap corresponda a_que se alcanga dada a baixa explicacjoHa varianeia Ijue e/^siixel'rpb"tel:--atraves" des_ta_ultipia^-tecmca.*i Antropologos tern sido os usuarios por excelencia, embora nao exclusivos, do metodo de observagao participante. Sobre o baixo nivel _de^ generalizagact^Qbtido, por este recurso metodologico^re^ porto-me a urn de seus modernos porta-vozes, Cj.aude Levi-Strauss^ responsavel pela insergao da Antropologia em um novd^tipcTde ^lialogo academico ettquanto busca graus de generalizagao mais amplos para a sua ciencia.7 0 autor discute este problema ao apontar as dificuldades com as quais se depara aAntrogplogia pelo crescente desaparecimento das comunidades "primitivas", procurando demonstrar que as sociedades tribais constituem grupos socials tao importantes quanto as sociedades_complexas,8 Estas ultimas, de posse da tecnolqgia, se arvoram em uma arrogancia que impossibility a^pefcepgSo" de que a complexidade das sociedades ^jrimitLYas"_nao_esta na .tecnologia que empregam, mas na prganizagao _spcial, que permite evidenciar as variedades de solucoes encbntradas pelos grupos humanos no estabelecimento do convivio social. Para constituir um dominio espe3 Howard Becker e Blanche Geer, "Participant Observation and Interviewing: a Comparison" em Qualitative Methodology, William J. Filstead (org.), Chicago: Markham Publishing Co., 1971, pp. 133-142. 4 Veja, a titulo de exemplo: Donald P. Warwick e Charles A. Lininger, The Sample Survey: Theory and Pratice, Nova York: McGraw-Hill Book Co., 1975, p. 10. 5 Howard Becker e Blanche Geer, op. cit., pp. 139-140. 6 Robert L. Hamblin, "Mathematical Experimentation and Sociological Theory: a Critical Analysis", Sociometry, 34, 4, 1971, p. 425. 7 Claude Le"vi-Strauss, Structural Anthropology, Garden City, Nova York: Doubleday, 1967, pp. 14-17. 8 Idem.
'
4*--
cifico de conhecimento dentro das ciencias sociais a^ Antropologia Social deveria afastar-se da tendencia, ate ha pouco dominante, de descrever as sociedades que "toma como oMfitOs^omo-exoUcas, folc!6ricas ou "simplesmente casosjunicos, ey^ando^gem^li^ar os seus achados.0 Isso seria possivel atraves "da" constituisao de uma teoria geral das sociedades humanas onde seus elementos invariantes e suas variagoes pudessem ser pensados. A maneira dejjeneralizar atraves do^uso de etnografiag, propoe o autor, consis'te em saber se desprender dos dados, elaborando questo^s__que_permitam artic^laT~u^""conJunto maior^de^itu^oes^dp^jjue as descritas pelo trab'allio'de campo.10 OU)rocessolde generalizaclS1, sustenta,-e_^ajprinulacao sintetica do prob'lema estudado atraves de um (metodo^de ^reduca^ Lembrando o conceito de fato social total que Marcej M'aus's estabeleceu como um passo adiante ao dado por Durkheim, cTautbr propoe^ique j) Jrabalho de campo deve ser acompanbado por um trabaUib" analitico que estab^lega conceitos, articule e acentue caracteristicas fundamentais da^ sociedade ejjue possibilite.-us^ ji especificidade da construgao como um recurso teorico.1 \tFato social^ J^tal^e um~cbnceito cunbadb no decbrrer' da analise eieiitiEicar^e que poe emeyidencia determinadas carac^eri^ticas^Muciais^^da sociedade que se estuda.1?. Embora se referindo a aspectos parciais da so'cledadeVa nogatf de™totaiidade e acionaoa, possibilitando a^gombjna5ao_de_representac6es^sociais cp^mjaspectosrnOTfc^gwo^^p^rmij tindo tambem* a comparagao entre diversas situagoes historicasesociais, quando^as caracteristicas conmns ente^ep^cas^jeAi«)fflexi^^sao exiBidasJ3Tatos^ciais constituem um sistema composto de partes, entre as quais se descobrem afmidades, equivalencies, conexoes e solio'ariedades, nos diz Mauss.14 E^p^ando^LaJE_ainda o conceito, Levi-Strauss aponta para a operagao semelhante que pode^'ser realiza~da"farito^pelos usuarios do meto~do~etnografico, quanto pelos que fazem uso ~do"meto"do^estatisticb, citahdo como exemplo do ultimo uma analise sobre as modalidades de suicidip.15 A. estatistica' S Idem, p. 284. 10 Idem, p. 278. * 11 idem, p. 275. 12 Claude Levi-Strauss, "Introduction a L'Oeuvre de M. Mauss" em Marcel Mauss, Sociologie el Anthropologie, Paris: Presses Universitaires de France, 1968, pp. XXVIII. 13 Claude Levi-Strauss, Structural Anthropology* p. 278. 14 Marcel Mauss, "Essai Sur le Don", em Sociologie et Anthropologie, op. cit., p. 274. 15 Claude Levi-Strauss, Structural Anthropology, p. 277, O estudo classico sobre o suicidio proveniente desta escola e o de fimile Durkheim, Le Suicide, Paris: Presses Universitaires de France, 1973, l.a ed.: 1897.
128
\f
A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA
A AssociAgXo DAS TECNICAS
aj>arece entao comgum recurso descritivor A dimensao analitica no emprego de dados estatisticos e posta em evidencia atraves da utilizagao de um recurso sintetizadqr^da mesma natureza que o empregado com .dados ™etnograficos, quando o cientista social procura transcenderjt dimensao, empirica-dqs^ mesmos, em busca de um nivePinais prof undo de entendimento. '• A construcao do fato social tern como finalidade a articujagap de^elementqs dispares; alguns sao facilmeute identificaveis com a .realidade empirica, outros, situados ao nivel das'representacoes, sao mais abstratos. 0 esforco sintetizador pode nao ser bem sucedido, podendo transmitir impressao oposta a que se tinha em mente, quaudo o esforco explicativo nao ultrapassa o da confusao. Obscurautismo aparece no lugar de clareza e inconsistencia no lugar de conhecimento sistematico. Ha pelo menos um critico constante das obras ^de_Leyi=Strauss que tern questionado a base das ricas construgoes teoricas que o autor elabora. demonstrando a existencia de articulacoes arquitetadas sob base muito tenue.is In^ujcap^e imaginac.ao fazem parte de todo bom trabalho nas Cleacias Sociais; a~(lificuldade surge quando o que e irredutivel a um metodo aparece enganosamente como uma formula de criatividade quando a tecnica esta ao dispor da ora9ao. _^ Um modo de dar conta das djficuldades que psdem aparccer ; no trabalho de generaHzacao, tem a ver com a tentative de superar o nivel da experiencia, ampliando as possibilidades de contato direto com os sujeitos da pesquisa pela escolha de categories releyantes, selecionadas atraves do processo de observacao participante. Estas categorias podem ser empregadas de modo amplo e sistematico com a utilizacap do questionario. O recurso pode aumentar a variabilidade dos dados pel'mitindo situar o fenomeno, em observagao, dentro de um contexto mais amplo. O problema do privilegiamento do nivel local produzido pelo processo de observagao participante foi inadvertidamente tocado por Alvin Gouldner, em critica enderecada a Howard Becker.11 Esta critica poderia ter sido estendida a muitos sociologos, inclusive Erving Goffman, mestre da etnografia soeiologica.38 0 au£or,-,com-um forte sentido de iden-
tificagao com os internados em um bospital psiquiatrico do sistema publico, limita sua analise de poder ao mvel da interacao entre rnernbros do estate e pacientes, perdendo de Vista a esfera mais ampla.19 Gouldner refere-se ao enfoque local como representando uma alianca do pesquisador com as esferas federals burocraticas do poder.20 A interpretagao sobre as preferencias politicas liberals de observadores participantes, todavia, nao constituent, a meu ver, razao suficiente para entender a escolha do metodo, pois a mesma avaliagao e estendida por outros aos usuarios de survey, principalmente pela origem da utilizayao da tecnica, proveniente^ de ^iesquisas de opiniao pubHcaedeanaUse ^e mercado.21 Acredito todavia que uma importante perspectiva foi sugerida por Gouldner sobre a interagao simbolica, pois o metodo de observagao eleito pelos seguidores desta orientacao pode levar a perda de perspectiva do nivel mais amplo que o da experiencia imediata. A critica de Gouldner, todavia, leva-me a meditar sobre meus' valores pessoais atraves da proposta que elabora sobre o desenvolvimento do que propoe ser uma sociglogia Jgflggiya. Esta serial uma forma de ciencia dos vieses pessoais e dos dados que escapam as teorias, eivadas de tendenciosidade, geradas pelas preferencias valorativas que temos.22 Voltarei a esta questao. Resta, agora, situar o ^problema da generalidadeja_partir da investigacao, que J^yei a cabo no Cariri, uma regiap no^Sul doCeara, composta pelos municipios de Abaiara, Araripe, Barbalha, Barro, Brejo Santo, Cariria9U, Crato, Farias Brito, Grangeiro, Jardim, Jati, Juazeiro, Mauriti, Milagres, Missao Velha, Nova Olinda, Penaforte, Porteiras, Potengi e Santana do Cariri. Tomarei como ponto^ je partida o ultimo problema aventado, isto e, a transcendencia da experiencia particular, revelando dados de minha biografia, e o que acredito haver permanecido em minim analise soeiologica da regiao, todavia associavel com a minha pessoalidade. Buscarei, em seguida, o_^ nivel da construcao teorica como forma de transcender o ^iyel_bipgrafico. Termuaarei com a interacao entre duas_Jeenicas utilizadas, procurando demonstrar, ainda, os limites das possibilidades de generalizacao atraves da estrategia escolhida.
16 David Maybury-Lewis, "Science or Bricolage?" em Claude LeviStrauss: The Anthropologist as Hero, E. Nelson Hayes e Tanya Hayes (orgs.), Cambridge, Mass.: M.I.T. Press, 1970, p. 162. '17 Alvin Gouldner, "The Sociologist as Partisan" em For Sociology, Nova York: Basic Books, pp. 27-68. ^•9 Para o uso deste termo veja Erving Goffman, Frame Analysis, Nova York: Harper Colophon Books, 1974, p. 5.
129
19 Erving Goffman, Asylums, Nova York: Doubleday Anchor, 1961. 20 Aivin Gouldner, op. cit. &1 Sam D. Sieber, op. cit., p. 1335. 22 Alvin Gouldner, The Coming Crisis of Western Sociology, Londres: Heinemann, 1972, capitulo 13.
A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA
ssr
Historia Pessoal e Elei$ao de um Problema Cientifico Desde muito jovem viajava a terra de minha mae, o^Carirj.^ local que sempre havia representado para mim a aventura e o folguedo, sem relacao alguma com o trabalho intelectual. Constituia I apenas dominio do meu afeto, regiao que eu queria bem porque sempre era~beiu recebida all pelos parentes, ainda muito chegactos, O Cariri era um lugar de passar ferias, lugar de lazer. Era o local do sitio do meu avo, cbeio de poesia, onde eu andava a cavalo quando menina e me perdia no meio dos buritis, pitombeiras, piquiseiros, macaubeiras e araticuns. Terra onde chupava siriguela e manga rosa, trepada nos pes de arvore, terra muito amada por mim. Neste lugar havia uma imensa fcira semanal a qual eu comparecia para comprar bonecos e panelintias de barro, mobilinhas, bruxas de pano, chicotes enfeitados, chapeus de couro, cacnimbos em miniatura, historia de cordel e um outro sem fim de coisas. Para mim nao havia o que nao se encontrasse naquela feira, era £^^_dji_poesia_do_J[ugar. La eu tambem adquiria rusticos produtos da industrializacao local: alfenins, rapaduras e batidas. Um belo dia, apos muitos anos, depois de formada e douto; rada em Sociologia, comecei a pensar no Cariri como urn lugar orfde era possivel realizar investigates cientificas. No comego com eerta relutancia, talvez temendo que a cieneia do Cariri fosse representar a perda do lugar maravilhoso. Limitava-me, assim, a estimular que fossem realizadas pesquisas naquela localidade, mas eu mesma apenas servia de veiculo para a curiosidade intelectual de outros. Desta maneira acompanhei o trabalho de uma pessoa muito proxima a mim sobre "Planejamento e incentives ao Desenvolvimento", onde o autor procurava aquilatar a eficacia do uso de incentives fiscais para o desenvolvimento industrial. O Cariri era um lafaoratorio de industrializagao na epoca. Nao e que o lugar nao possuisse experiencia de industrializacao, pois la havia engenhos de rapadura e beneficiadoras de algodao, atividades estas amplamente documentadas por escritores do lugar.23 Por muito significado que essas atividades produtivas representassem para a area, o fenomeno que la ocorria era cpisa nova. J) Cariri s<^ transf ormava em um experimerito. As indi^trias^recem-impiantadas^ eram modernas, iiovinhas em folha, tendo sido adquiridas no exterior ou no SuL Eram de outra ordem, dJlerentes das velhas_fa_bricas, motive de orgulho do povo, que vinha mostrar a mulher que morava~no~Rio^de Janerro o progresso chegado a regiao. ^
23
^iii ^
.^v——^J-—- ~ -* '
x
j.
Irineu Pinheiro, O 'Cariri, Fortaleza, 1950, pp. 52-59; Jose de Figueiredo Filho, Engenhos de Rapadura do Cariri, Rio de Janeiro: Ministeria da Agriculture, Service de Informacao Agrfcola, 1958.
A ASSOCIAQAO DAS TECNICAS
131
0 projeto de industrializacao da area foi imaginado pcra ter impacto, efeito_de_dempnstra5ap sobre como fazer o Nordeste se desenvolver."Visitei industrias, sempre como acompanhante, e nao como investigadora. Converse! com gerentes, conheci um~ sem numero 'de~visifantes, todos procurando observar de perto o milagre da industrializacao. Algo que talvez nos aproxime todos do lugar. O residente da area parecia pensar que transformagao Industriafe milagre, pois naquela epoca o idealizador do projeto era comparado ao Padre Cicero, pelo impacto que exerceu na regiao. Algum tempo depois voltei ao Cariri. Desta feita acompanliava a pesquisa de um amigo, com um trabalho sobre artesanato". Quando o autor do projeto perguntou-me sobre que lugares incluir neste seu estudo, respondi-lhe que certamente deveria incluir aquela area em suas observagoes. Artesanato^ para mun, era o que se vendia na feira da minha meninice. Outro lugar como aquele nao havia, com tantos objetos elaborados a mao: colher de aluminio, sino de bronze, panela de barro, corda e vassoura de sisal, medalha de ouro, tapete e chapeu de palha ou de couro, rede de algodao, candeeiro de lata, para citar alguns exemplos da arte local. Nesta segunda visita como acompanhante de pesquisa comecei a elaborar o meu~pr6prio objeto de investigagao. Deixei 09 sonKos . /"da infancisTe^da juventude e comecei a me embasbacar com o lugar X. i P£L5^^5HH^^££^-is»^ca' ^E^^P^L3 observar, juntando a expe-;riencia das duas ultimas visitas, que muitos dos produtos que a in dustna moderna elaborava eram tambem m^anufj^uradgs coin tecnica primitiva, no que eu via um paradoxo. A especialidade qua.' o lugar"possufa" para mim, em termos afetivos, come9ava a entrar em minha vida professional, quando eu pensava naquela coexistencia como um fenomeno que a literatura nao dava conta. Artesanato e industria manufaturando os mesmos tipos de objetos eram algum5_cois^_j5u^p^iiaya^s«f explicada, pois, nao era de meu conhecimento que ja houvesse si_dp_ teoricamente elaborada em SOT ciojbgia. Pajsegunda visita^ jg^_finaBdade^parjciaImente^ cientifica, permaneceu um dos objetos do trabalb^r^^es^ratificagap Asocial. Para >estuda-la, naj_jerceira7'precisei fazer o trabalho teorico_de, vinf cular a forma gaode hierarquias sociais com a estrutura de diferenVtes_moaos de producao. Destacarei este item rhais abaixo. Antes de ' detalhar esta qiuestao desejo fazer referencias as formas de relacio/ namento afetivo que mantive com o lugar nessa tercgira situacao de pesquisa, quando ja escolhera meu objeto proprio de investigagao e o encontrara junto ao que me era originario. — -'
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Esta 4£g|^!^durou seis meses,= com casa alugada em municipio vizinho ao dos meffs™parenfes.~t) trabalho se desenvolvia parale£-lamente a um projeto de analise comparada de desenvolvimento reV gional estabelecido pelo programa de Antropologia onde eu trabaIfaava, ensinando Sociologia. O^dialpgo eptre estas correntes das Ci,eneias Socials inspirava^a minha escoiha metodologica. Procure!, assim, morar no campo. Porem a regiao que elegi para estudo posflufa varies municfpiQS. 0 trabalho se desenvolveu em tres deles. Dois municipios_eram\competidores. Em um deles residia a maior parte de meus familiaresl Aehei por bem morar no municfpio rival ao dos parentetrmenorpor escoiha racional que por disponibilidade de casas para alugar, no periodo em que eu necessitava. 0 local de residencia, porem, mostrou ser muito util pois alem de ser relativamente equidistante dos lugares que eu desejava estudar, propiciava tambem o distanciamento suficiente de familiares, o que me pennitia indagar as conseqiiencias do relacionamento tao proximo com pessoas da area. Esta questao e importante porque sempre que pude acionei as relagoes de parentesco. De outras vezes, quando estudava unidades produtivas no municipio rival, as relagoes de parentesco de nada adiantavam; poderiam ate, suspeitava eu, atrapaIhar a minha insergao no lugar. Ter parentesco ali gerava um problema, pois as pessoas comeeavam a ter expeetativas de acordo com as normas de comportamento local, o que seria impossivel para Tpim preenche-las, pois cram demasiadamente restritas com relagao ao comportamento da mulher. Em varios lugares as pessoas faziam referencia a admiragao que jwiusava_uma mae^de ^amiUa^_e^tar fazendp'pesquis^s em fjbncas,^no, meio de hpmens. A [posijao "social atribuida a uma determinada pessoa, as expectativas que o seu comportamento gera nos outros, imprimem um carater ao trabalho, que poucos cientistas socials tern se preocupado em analisar. Apenas aqueles que trabalham em fntima coo peragao com a psicanalise tem se' preocupado em formular o problema.24 A teoria psicanalitica, tc^avia,_£=4n^ficj;enJEe_p_a^maveriguar a questao, poisTiHa ape'nas com o jado afetivo. Os vieses estabelecidos~~pelo pe^uisaHor~com relagao as pessoas que obser^ja^ou entrevista tem a ver com seu desenvolvimento afetivo,%iastamj:ie'm c«n^ouE:aT^feliaT^^Sa'dffl^*"de possfveis tendenciosidades, como a sua insergao na sociedade. Talvez fosse este o lugaf de reunir a I24 Eliseo Ver6n e Carlos E. Sluzki, Comunicacion y Neurosis, Buenos Aires: Editorial del Institute Di Telia, 1970, capltulo 8; Elizabeth Bott, Family and Social Network, Londres: Tavistock Publications, 1972, ver o capituto 2, escrito em colaboracao com o Dr. J.H. Robb, pp. 1-51.
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/perspectiya reflexiva proposta por Gouldner a reflexao sobre a re*i lagSo afetiva que o^pesquafador^manteni com as pessoas com que se (associa em seu trabalho. No meu caso procure! tirar partido da estranheza que eu gerava, averiguando em que condicoes mulheres trabalhavam junto aos homens, e verificando se as mulheres casadas ou maes de familia trabalhavam em companhia masculina, ou se somente as solteiras o faziam, questao que aualisei em outro lugar.25 A populaeao, todavia, nao demorou muito ate aceitar a minha divergencia do comportamento local, encontrando a explicacao no fato de que eu somente poderia ser uma professora, pois estas in-1* teragem com homens em situagoes de trabalho perfeitamente legitimas. De outras vezes consideravam que eu era uma escritora, o que Ihes possibilitava acatar o que Ihes parecia ser uma certa excentricidade no meu comportamento. "Pagueras" e perguntas diretas sobre o comportamento sexual das mulheres no Rio de Janeiro tambem foram outras formas de questioner o que fazia ali, procurando saber que papel me atribuir. As dificuldades geradas quando bem resolvidas ou problematizadas demonstraram ser proveitosas fontes de conhecimento. Quando conduzi a pesquisa no meu municipio de moradia, utilizei, de inicio, \a ajuda do vigia^da casa~que-aluguei, que tinha o trabalho de tomar conta de' iima area residencial durante a noite. Como era conversador fiquei logo sabendo do seu relacionamento familiar com trabalhadores na ceramica onde desejava fazer observagoes. Oparentesco do informante);=e_^nap o meu^neste.^casp,_|qi o elemento de aprojOPiagaQ. Tendo sido apresentada por um parente ^Strahaliiadores, precisei depois ideiitificar-me perante o proprietario a fim de justificar minha presenga em sua propriedade e solicitar permissao para a execu§ao do trabalho. 0 dono da empresa permanecia muito pouco tempo ali pois tinha varios outros negocios. Urn de seus filhos ja me havia visto em outra fabrica e o outro que o auxiliava mais de perto lembrava-se da visita que fizera ao lugar, no ano anterior, quando acompanhava meu amigo que estava interessado em artesanatos. Mais abeito que o pai, pois es£e constantemente verificava se eu nao era uma fiscal do governo, possihilitou que eu realizasse o estudo e que retornasse posteriormente com auxiliares para a aplicagao dos questionarios. Em outras situagoes, apresentei-me no local de investigate sem nenhum mediador. Isto foi o que aconteceu poinaior cajjQ.das 25 "The Impact of Industrialization on Women's Work Roles in theast Brazil" in Sex and Class in Latin America, June Nash e Safa (orgs.), Nova York: Praeger Publishers, pp. 110-128-
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casas de farinha e olarias, quando dirigi-me de jipe para o local e geraltnente solicitei permissao ao zelador da fazenda para deixar-me olhar os trabalhos e falar com as pessoas que estavam farinhando ou fazendo telhas e tijolos, o que sempre resultou em pronto acedimento. Cabe apenas relatar as situagoes onde foncei maq ^lo xneu_ parentesco, pu quando este me foi lembrado. Alguns familiares ja haviam tido casa de farinha no passado. o parentesco e proximo, conduzir investigagao sociologica apr&senta alguns problemas. Limites necessitam ser negociados. Meus familiares sVdispuseram com muito boa vontade a indicarme onde eu poderia informar-me sobre farinhadas, porem ficavam relutantes quando eu Ihes perguntava sobre a casa de farinha deles. Achavam ilegitimo e procuraram me fazer ver que nao dava certo fazer pesqmsa com eles, pois nosso vineulo era de parentesco e nao concebiam que eu pudesse relacionar-me com eles de outra forma. Apresentar-me a terceiros para que eu pudesse fazer meu trabalho era"p£5itewdas"regras'de hospitalidade que seguiam. Nao desejavam porem sef~ oBjeto 'da'pesquisa, muito embora se d^usess'enV'de inuineras^inaneiras, a auxiliar-me no trahalho, nao apenas com apresentacoes, mas ajudando em pequenas tarefas, de forma voluntaria ou por contrato, copiando dados, desenbando mapas, aplicaudo e conferindo questionarios; os da nova geracao, conseguindo colegas, igualmente jovens, que se dispusessem a entrevistar, recebendo treinamento adequado, e inumeros outros trabalhinhos. Estas outras formas de cooperagao nem sempre eram previstas pelo eodigo de parentesco do lugar, todavia foram aceitas. Meu relacionamento familiar provocou inib"ic5eX dentre as pes*" " - ""i-,. -_-,—— -T-- , - ,^=- .-,._ , _ - , ^^-:- '-" - - ' " *»—i—.^•*— '^ t i 4. soas que residiam proxmias as casas de meus parentes, e que ja haviam desmanchado mandioca em suas casas de farinha. Esse cornportamento nao foi^ generalizado, porem houve pessoas que colocaram'deTmfdcT muito claro e franco que o meu parentesco Ihes provocava dificuldades em responder as perguntas que eu Ihes formulava, muito embora ja ha mais de dois anos meus parentes houvessem fechado a casa de farinha, Procurei superar a dificuldade observando, tambem, casas de farinha mais abastadas. A^assjgtencia dejjois estudantes^de mestrado do programa onde_eu_lecionava_ajuh dou, quando em epocas subseqiientes observaram locals bem distanciados da area onde iniciei os trabalhos. Em varias fabricas a apresentacao dos parentes foi crucial. Uma delas passava por dificuldades e a situagao foi cuidadosamente escondida, o acaso tendo possibilitado que viesse a conhecer a situacao real, quando um credor da fabrica, encontrando-me em um
outro munlcipio, revelou-me a extensao do problema. 0 que dantes era justificado como circunstancial, preeisou ser reanalisado. Varias fabricas passavam por dificuldades semelhantes. Meus parentes serviam de porta-voz para a regiao solicitando-me avaliar a situacao que enfrentavam. Meu sentimento de empatia para com os pj^blenia^Jo^ajs_mantevje-se.,mui^~forte^Hur^te"t^db o trabajho de investigaeap- Ideatificava-me nao apenas com as mulheres e os homens trabalbadores, mas tambem com as vicissitudes do sistema fabril que sucumbia, as dificuldades agravadas pela epoca da seca. quando varias industrias fecharam definitivamente as suas portas.
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*• Uma das questoes teoricas que precise! enfrentar dizia res-i | y-'peito a relagao entre artesanato e industria, pois a literatura preco-fe-' ' '/^niza que uma vez seja introduzida a industria em um lugar o ar-JX>4'A I tesanato desaparece da area. 0 acliado_na_regiao propiciou a anali-\ \jse das condigoes de coexistencia entre artesanato e industria, que «***•^ desenvolvi em varios lugares.38 Quando me propus estudar este pro- /„$,*• 3~ vblema focalizei os aspectps da dlyisao_do Jrabajho e da tecnologia/ modos de DTodugap. Mantive o interesse, despertado em uma das viagens aci^ ma narradas, de jestudar a estratificagao social. Todavia, as analises predominante_s^ ate entap ^ppunHam o. -estudo«.da~ estratif-ica9ao social a estudps^de natureza estriitural^ pois consideravam que estratificagao social era .um prpduto da Sociologia Americana, portantp antagonico ap da Sociologia, Marxista e que tomava como pbjeto ejementps da superestrutura, ou entao relatives ao mercado e nao aos modos de produgao.2^ Foi_necessario um trafaalho teorico 'ngandov as rjejire^mtagoes^^pbre ocupagoes e as_articulagojT destas ocupagoes_de urn_mqdp determinado.38 ""* A coexistencia de diferentes ruodos de producao dos mesmos tipos_de -produtps^do Nordeste possibilitou a analise coniparada dos i elementos^componentes de um modo, as formas de cooperagao e : tecnologias empregadas, as relagoes com a natureza, e as modalida-^ 26 idem e tambem "Divisao do Trabalho, Tecnologia e Bstratificacao ,Social", Dados, 14, 1977, pp. 110-140. 27 Rodolfo Stavenhagen, "Estratificacao Social e Estrutura de Classes" em Estrutura de Classes e Esiratificafao Social, A.R. Bertelli, Moacir
G.S. Palmeira e Otavio G. Velho (orgs.), Rio: Zahar Editores, 1966. 28 Neuma Aguiar, "Hierarquias em Classe: Uma Introducao ao Estudo
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des de emprego da mao-de-obra de acordo com a possibilidade tecnica de controle da uatureza. As duas relagoes tecnicas de produgao, as relagoes socials de produgao, o processo de produgao, as ocupagoes em volta do processo durante o dia, durante a semana, durante o mes, durante o ano e, enfim, as avaliagoes das ocupafoes realizadas por pessoas que constituiam parte do processo produtivo, tambem foram estudadaSj// Esta elahoragao teorica permitiu-me^sistematizar a busca dos eleruentos dos modos~3e proftugao e inventars recursos para ohserva-los de acordo com o tipo de introdugao que eii~havia urilizado para analisar as unidades produtivas. As dificuldades de obter dados sobre a depreciagao de salaries e oscilagao do nivel de emprego ^nas unidades as quais live acesso atraves de parentes foram compensadas pelas facilidades que encontrei para conseguir documentos escritos, em unidades onde me inseri de modo impessoal ou atraves de parentes dos trabalhadores. Nestas ultimas, todavia, havia o temor de que eu pudesse ser alguma fiscal do governo e colocasse, portanto, a empresa em difi\culdades com agendas oficiais. Nestes casos, os depoimenlos com *relagao aos salaries e desemprego tambem foi bastante mais rico, talvez porque esta indagagao sobre o meu papel de pesquisadora tambem fizesse parte da imaginagao dos trabalbadores, que nao sabiam ao certo porque dados sobre assalariamento pudesse ser de interesse para alguem chegando na area. Nenhuma forma cleintroduS^° produz amplo..acessoJa..todos. os. jdados^ e a_naajtieira^e insergao, embora facilitando uma_via_ao c^onhecimento,^.pode yedar qutras. Mulfiplas formas de acesso. todavia, podem elucidar questoes oue *s,*"~N, ^~~^. i ^~~- *~ -" "~-^—^ £-•-~ —f—v---v--—~~^ ^—"~~~ * sao _escondi"das no decoVrer^dp_coatato pesspal^ no processo_de observagao participante. Bwgrafia e teorial foram acionadas como formas de ampliar as possibilidades~de~conhecitn.ento, a_ interagap enrevelando vazios.
em termos de informagoes, que as pesspas^flbservadas procuravam defender do meu conhecimento. A biografia colocava questoes que a teoria nao alcangava, tais como: avelhice^do processo de industriali"•zagao no lugar e a variedade e persistencia sda atividade artesanal icomo importante fator produtivo para a regiao. Todos esses compohentes permitiram_a. ^fqrmulagao_JeOTica pela_fusao da biografia com^^jepria. Posso apontar tambem que a teoria, utilizada como ponto de partida primordial ±para o levantamento de dados,,ip63e ;pbs±-f "~S^.. i. J— -"• — -•— — . -t^-^ >-^j curecer^ certos aspectos da reaudade social_que o cientista jirocura averiguar, enquanto a mesma teoria elucida) outros_aspectos que
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sem ela seriain negligenciados. Apentamos para a questao atraves, do exemplo fornecido por Erring Goffman que se introduziu inc6gnito, para os pacientes e a maioria do estafe, em um_hospual psiffuiatrico.28 Isto Ihe possibilitou uma visao constante da interagao entre os pacientes por seu status de auxiliar do~3ifetor~ile "atleHsmo.30 O papel que assumiu dificultou a observagao de outras atividades, principalmente a interagao dos pacientes com o estafe hospitalar, e entre os proprios membros deste estafe.31 Pelo modo escolhido de insergao na unidade de estudo, o autor parecia considerar que se introduzir com o status de soeiologo, elaborando investigagoes sobre o hospital seria considerado ilegitimo por algumas esferas, uma vez que a diretoria do hospital estava ciente de seu verdadeiro papel. A forma de insergao, todavia, pareceu-me acentuar as caracteristicas da instituigao, p'ois denota que o autor ja partiu do pressuposto"~da^Hao'aceitasao do status profissional real do observador participante, e que ja se via, a priori, em situagao negadora ^^ da propria identidade.32 Generalizacao ao Nivel da Coleta .de-Dados •-
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Muito embora, como especificarei abaixo, tenha proem-adoconstruir teoricamente o pi^lemiada _p_esguis_a, buscava um outro nivePde generalizacao que a construgao teorica por si so nao era capaz de dar. Refiro-me a generaliza5ap^_ao^ nivej. ^os proprios dados. fPosso exemplificar com a declaragao que obtive de um dos operafios de uma~pequena empresa sobre a importancia do trabalho de carregador para a fabrica onde era empregado. Disse que o IrabaIho mais importante era o dele, pegando no pesado, pois isto era & que fazia a fabrica andar para frente. Os trabalhos leves, dizia ele, qualquer um faz, mas ninguem, ponderava ainda, quer saljer d& pegar no pesado. 0 trabalhador descarregava caminhoes, levando nos ombros enormes sacos de 60kg, os quais depositiva no arrnazem para as maquinas, onde se iniciaYa a transformacao do rerilho em varies produtos. A avaliagao elaborada por aquele trabalhador sobre a importancia das ocupa5oe~s~rfaT fabrica colocava em questao o meu pressuposto sobre o efeito da introdugao de maquinas, quando a introdugao de uma forca externa ao homem representaria uma descontinuidade substantive com relagao ao sistema de produ29 Erving Goffman, Asylums, op. cit., p. IX. 30 idem, pp. 74-92. 31 Idem. 32 idem, p. IX.
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cao, onde a forga humana e a principal acionadora do processo produtivo. Pressiu)unha_eu que as representagoes coletivas sobre o lugar_ da forga fisica corresponderiam ao desenvolvimento das foroas produtivasr"IsTo^e", riaT unidades produtivas onde predominasse o uso do corpo como acionador do sistema de producao, eu csperava encontrar maior valoracao da forga fisica. Outrossim, esperava que esta desse lugar a uma valorizagao maior das atividades em volta das maquinas, com o deslocamento, para fora do homem, da Corja propulsionadora dos instrumentos de produgao. Ejperaya, ^onsequentemente, que o controle da atividade produtiva atraves da superyisao.jdo,- trabalho, desenvolvido paralelamente a liberagao da mao^dejpbra, propiciada pelo emprego da maquina, (tivesp> C2m? consequ&icLik o distanciamentb, em termos da dimensao~avaliativa, entre as ocupagpes de supervisao e as^facilmenj^^subjtUuiveji^ pela ausencia de espeeializagao. -—~~^ jff~A altaL valoragao da forga fisica por parte Maquele trabalhador ;^ permitiu-me questionar_a_hipotese de que este valor~ desapareceria ou seria progressivamente abandonado pelo sistema fabril. Na verdade, coinja mtroduca^p_da_mj3qmnaria, Oijisgjd.a_forga__fisica_ nua presente ^p jistema fabril, muito embora estas fungoes ^t parcamente remuneradas pelas fafaricas, em comparagao com t» ti-abalho mais especializado. O trabalhador referido fez esta apreciagao apontando para a dificuldade de obter a cooperagao dos outros trabalhadores. Sua entrevisj:a, bem como a dos putros,^demonstrpu^existiT alta_^ompetitivip^3£"entre os operarips^&. competigao se dava nao so com os que executavam fungoes de supervisao, mas com os proprios compaV -nheiros de trabalho e com as mulheres que, no dizer masculine, executavam "tarefas maneiras" ou trabalhos leves. A^Jnfprmagao fornecida pelo trabalhador poderia ser uma apreciagao particular su1Hou'!ffaivez ser e^plic~aver"pela~~fungao de vaqueiro que ate bem ^pbuco executara. Poderia, contudo, ser^urtta^ caractejrfetica^mais .goral~3a^situagacT industrial^ e nap apenas_unia_qu^s^o_especifica relajiyiua-uqiJtraKalhador. A fabrica que eu estava averiguando era muito pequena e a evidencia demonstrou que o vaqueiro nao era o unico que usava aquela interpretagao_sobre p_ valor da forga fisica. A minha tjuestrio, dada__amsergap_ da industria no meio'TuralT^era sobrea possibilidade daquela ser uma dimensao encontrada tambem em outras fabri\3^ jcasV Uma^parteira de um arruado urbano omle~^fesiHiam~alguns ^ ^llrabalhadores fabris e trabalhadores em casas de farinha disse que cobrava mais por um parto masculine- que por um feminino, pois "os homens valem mais porque tem mais forga". Acreditei que
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esta dimensao ideologica jjoderia^ser; _importante na avaliagao das ocupagoes. Esse Jato contradizia a minhajteoria e poderia ser mais extenso do que eu previra. Era importanfe, pois, usar um recurso para verjfica-lo. ~ —— ~—; Era necessario saber formular a questao de modo que ela tambem pudesse ser apurada em unidades produtivas onde predominava o uso da forga fisica como propulsionadora dos instrumenCOS fjQ
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gao dos trabalhos que empregam forga, quando homens e mulheresT trabalham juntos. Da mesma maneira de_das avaliagoes.relacxonadas coin as fungous de cpmandp visap, niesmo_jem__unidades._,produtiyas. predpminantemente _manuais. Voltarei a essas avaliagoes mais adiante. Vale referir-me, no momento, ao recurso que utilize! para a verificagao do lugar da for^c.a nas unidades produtivas. A opiniao inicial que desencadeou o questionamento da teoria havia sido enunciada em uma pequena fabrica com lOempregados. Uma das ©.utrasMiabricas escolhidas para o estudo possuia liproximadamente 400^empregados. Impjjssivel interagir com todos e entrevista-los demoradamente. '0'"survey^ foi, entao, usado para •"^ayaliar_a_.generalidade_.de_ determittaHas^KiT ~._.-7—•• -'—-— - ^ - X —-o— -— ~ -poteses formuladas no contexto^ de utiHzagao_da. .observagao partici7
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\ Especificagao Progressive*: Invertendo o Movimento de Generalizagao I \ / .*->, G*neralidade_jQao e o unicp_ objetiyo que se abneja alcangar no processp de mvestigagap. Existem outros,_nao menos negligenciaveis, cpmp_a. e^pecificagao_do objeto de inyestigagao/ A especificagao dos conceitos esta relacionada com a forma de anaHsejeleita pelo~cientista social^gue a elabora. Umaejtrategia analiuca^ e^^a__cp^.stougao QeVtipos ideaisj Atraves deste metoo-O sao escolhidas algumas dimensoes, ateen'tuaaas de tal modo que o'conjunto delas nao e empiricamente encontravel,,,das^dime_nsoes ^wtas sao extraidas variaveis que"podem ser utilizadas em questignarigs, constituindo jescalias categoricas de menisurasa.o. Categorias mais ou menos constituintes^cTarealitt^e sap^_utijizadas jeni^questionarios, /mesmo que nap_fagani^parte da experiencia imediata dos fespondentesypois compoem os tipos^e_representan^um^^iiyel _de^ 'J^sirasa6"^ubstantivol?AltpsLgraus de._dis_ tanciamento da experiencja^ empjrica^sao possibiUtados por este recurso metodologico, engendrandpmpos' como o homem^mQclerno, a _
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que ganhavam. Fui informada de que os trabalhadores com contrato de trabalho e cartejra^ assinada eram os que eles co^sideravam como percebedores de salario. Apenas trabalhadores (fixos) que tvabalhavam'"direto eram considerados como ganhando"salario^JTrabalhadores~c~6mo-eles.}trabalhavam soltos e ganhavamJaa djaria^segundo eles mesmos^Isto serviu"~pafalme_informar que as pers-untas que <& t-tt-,— , ' '" """""•*• "" " " ^-~~ -- -——•'' - - — ' 4-— • O -^1 eu^preje^d^jincluir no^meu^ questionario, buscando utilizar renda como Jndicador_de^ es^ratificagap social, nao seriam entendidas do m^p^compi_e.u..intencionava..fgrmula-las^Caso eu insistisse naquela maneira de perguntar, as respostas'seriam erroneamente interpretadas^p^r^miin, pois eu poderia talvez" concluir que os trabalhadores nao percebiam em moeda. A''Uma outTaJfonte.- comum de erros partindo de estudos sobre a estratificacao social consiste em pedir que sejam avaliadas ocupacoes desconhecidas pelas pessoas que compoem as arnqstrasi^Por exemplo, um dos estudos classicos soHre estratificagao social pede aos componentes do survey que avaliem a posicao de fisico nuclear, a pessoas sem o menor conhecimento sobre esta profissao.35 Quando perguntaram a estas o que achavam que aquela ocupagao era, deram respostas que denotavam total falta de informacao sobre o que constituia a atividade.38 Para evitar que as mesmas cUficuld^des ocorressem nesta pesquisa, apenas_as ocupagjoes que faziam parte do universo de trabalho do trabalhador e avaliador_ das^pcupacoes^ foram _incluidas_ no/ estudo.. Paraa selepagjdas que_seriam_ayaliadas, foram observadas cuidadosamente todas as atividades, perguntando^se a varias pessoas nas unidades de jnvestigacao como se referiam as ocupagoes. As vezes havia mais de uma.denominagao parajuni_trabalho, tendo sido anotadas todas elas^para serem usadasjiQjpiestionari^ Por exemplo, a ocupagao de carirnbar rotulo nas caixas de ladrilho da segao de empacotamento da Ceramica Grande era chamada de Carimbadeira por uns e de Carimbadora por outros. As duas formas foram referidas nos questionarios. ^ - - - —— Paraelaborar a lisla das ocupag ws_ que^seriam^ avaliadaspelos trabalhadoresT figTiSaa minuciosa descrigap do fltixo-pfSHutivo, tendo sido pbtidas_antecipadamente outras descrigoes dp processo realizadas pelos supervisores. De posse destas, verifiquei o fluxo anc^, tandp as discrepancias entre as descrieoes dos informantes e o processo por mina~oK§ervado, principalmente com relagao a determi-
sociedade^ industrial ou a sociedade tradicional. Analises de estratificagao social,como a realizada por Alex Inkeles situam-se no universo""das sociedades industrials.33 A""industria, pressupoe ele, tern um efeito universalista pois uniformiza o perfil da estratificagao social. Em nivel transnacional o autor abstrai o homem moderno. com valores-.extoemamente semelhantes, movido pelo pressuposto sobre fo efeito_unifprinizador do_ingresso do homem na sociedade de 3 icon^mo._As__p^icjildades de aplicagao do conceito generico_jle, hoHmem^mqderno se fazem liehtir' no" caso'Brasileifb"'5™ EspecificagBes^tofnam^ necessarias quando o uso das categorias se cristaliza e elas sao empregadas de modo^automatico mesmo que o criterio de maior ou menor pertinencia a realidade penda mais parao^lado negativo que para o positivo. lA faltade adequac.ao' ( a^^lenomenos'E^que elas se enderegani constitui o moforyde~feformulacao em prpl de outras rnais especificas /Aldemanda^Ie^especificagao"surge sempre com relagao a" ^ontextos_ hjstoricos determinadps^i literatura sbHre ~estratiiicac.ao social pode fornecer um exemplo' desta discussao pois a especificagao de tipos de industrializagao tornou-se necessaria quando observou-se que o perfiljocupacional geradq_ pelas sociedades.. industrials,. denotado._ pelos censps, era distinto.?4 Outro exemplo de especificagao pode ser oferecido a partir do meu trabalho quando pude constatar que as perguntas por mim formuladas_ nao eram universahoiente entendidaspeIiDs~trabalhadores^ eni^ industria__cio J,\ ordeste* Ubservei, a partir de uma industria situada em uma fazenda, que as formas de contratagao dp trabalho divergjUni daquelas empregadas no Sul do pa£s. As enlTevistas-.inforniais.~que_re^j.i.zei^nas unidades de investigagao levaram-me a questionar desde logo as categorias sobre .^balho do meu proprio vocabulario. Fiquei saibendo que os empregados daquela ceramica nao se referiam aos seus ganhos como salario, pois todas as vezes que Ihes indagava qual era/o sarariS,que percebiam, eles me respondiam que nao percebiam salario algum. Esta resposta levava-me a aereditar que nao recebiam dinheiro pelo trabalho que executavam. Logo pude observar que recebiam remuneracao em dinheiro. Procure!, entao, verificar como se referiam ao 33 Alex Inkeles, "Becoming Modern: Individual Change in Six Developing Countries", trabalho apresentado ao VIII Congresso Mundial de Sociologia, Toronto, CanadS, 1974, e "Industrial Man: The Relation of Status to Experience, Perception and Value", The American Journal of Sociology, 66, 1, Julho, I960, pp. 1-31. 34 Gl£ucio Scares, "A Nova Industrializacao e o Sistema Politico Brasileiro", Dados 2-3, 1967, pp. 32-50.
33 National Opinion Research Center, "Jobs and Occupations: A Popular Evaluation" em Class, Status and Power, R. Bendix e S.M. Lipset (orgs.), Glencoe, III.: The Free Press, 1953, l.a ed., pp. 411-425. S6 idem, p. 417. , , f\ A/
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A BUSCA DA REALIDADE OBJETTVA
nadas operagoes, mais fluidas que outras, pois se alteraram varias vezes durante o decorrer da pesquisa, desde o inicio das observagoes. , 1 ^ ''•' Apj5s observer o processo, escolhi uma ocupagao em^cada.jiini-1 , s ' . dade proHutiva para ser tomada como padrao. pelos^entrevjstados, que deyeriam avaliar as outras ocupagoes componentes da listagem. »( / '• 0 crjterio utilizado para que uma ocupagao fosse tomada como re\L ^-/^ferencia consistiu em sua ^siBilidade na unidade de investigacao. ,,'•" Isto e, aquela_ ocupagao de vena relacipnar^e cQrn_um_nuiriergn bas,.. tante grande de outras ocupag5es na unidade produtiva, de tal forK ,J W;l'5*-,;ina que todas as *•pessoas entrevistadas tivessem conhecimento da7 ^ *• "C. :; quele trabalho. Em certas unidades produtivas haviam ocupacoes „-V r,com menor visibilidade, pois havia setores secretos. Ja em outras, m unidade era suficientemente pequena para que todas as atividades :fossem incluidas. Em uma das unidades fabris, de menor porte, — i*' ~~' • *"- • - *\ r> i buscou-se obter^avaliagoes de duas^maiieiras. Em^jgrimeirou-lugar procurou entreyistar todas^as—pessoas. Em segundoXlugar) reaUzou-se uma ampstra para^ a aplicacao de questionarios.formais. As entrevist.as_obtidas__antes__dos_ _questionarips_forjim_suficieatemente extensas para que as perguntas elaboradas atraves do quesiionario as especificassem. Atividades_conhecidas por^tpdos foram selecionadas de jtnodo a levar em conta o vocabulario e eategorias empregados naquela localidade a respeito do trabalho e permitiram especi£icar_ajx!oriaade forma a^elaborar as perguntas do .questipnario, levando em consi, deragao o contexto de trabalho e o vocabulario dos trabalhadores em " unidades produtivas que eram objeto do estudo. Com este cuidado, ,^ evitei as idipssincrasias] comuns_ aos pressupostos universalistas dos 'f ;questionarios, que provocam granilenndic^s^de variagao e de 0^"abstengoes nas respostas, como no exemplo que dei acima sobre a posigao atribuida a ocupagSes sofisticadas como fisico nuclear. O mesmo acontece com ocupagoes tradicionais que muitas vezes geram 7;discrepancias avaliativas. Defendo o^pgntojde vista jle que a avaliagao ocupacional realizada "Hentro do contexto onde as atividades ocupacionais sao exercidas gera menor indice de discrepancies provocadas pelas diferencas entre o universe cognitive do pesquisador e que sao objeto de suas pesquisas. / I A atengatf ^cpm^o ^v^SK^mo,^ todavia, pode nos fazer parti/ ctiicLTiZai* 0.6 Taj, zoimicL uinfl siiUu.c3O 0.6 IIIOQ.O OTJ.G_ jiaO _sc^^poss& V ir _alem do contexto especificp. que deu origem^a ^uestao. No caso, procurei elaBorJr^as^questoes de modo a que elas pudessem ser realizadastajnto em unidades produtiyas onde a forga^dpjhomem pren
;
:f
F;
A AssociAgXo DAS TECNICAS
143
dominasse, quanto em unidades produtivas onde preponderasse o uso""de ^niaquinaria no processo produtivo. A estrategia permitiu particularizar diferentes formas de organizagao social na elaboragao de um mesmo produto bem como generalizar atraves das varias organizagoes socials diferentes, tomando como objeto de comparagao ocupacoes comuns a elas.
A pesquisa_ em _ ^questao versava sobre modos de organizagao T^3 sdcjal^da P££dugap_^stintgs^ mas^ cpexiste^.tes_ na_transformagao de. ^Qtoes tipgs_de_materia-prima: milho, barro e mandioca. forma de jtrganizagao social da^ produgao busquejj observar dades envolvidas na produgao, procurando connecer tambj?m^as_r.e. re^ntagpes ocupacionais elaboradas pelos proprios trabalhadores que as exerciam. Realizei um trabalho de observacao participante 'durante um perioao_je_gejs^rneses nas^empresas escolhidas, quando estudej^duas oindustrias de prqdutos__ ceramicos_ e duas industrias^de farinfia, de milho. Durante mn_mes e niej.o__contei com a^juda.'de duas assistentes_parjsse_,tr,abalho. Alem disso, recolhi dadta's^por intemiedib de erifrevistas e documentos sobre uma quinta fabrica'^ de fecula de mandioca, qu_e«bavia fechado. Nas quatro primeiras foram apiicados 192 questipnaribs. Outros 58 foram obtidos em 11 casas de farinha e 6 olarias, sendo que uma casa de farinha e uma olaria \foram intensamente obseryadas. Dados adicionais ppsteripres sobrer^as duas ultimas atividades foram obtidos com a ajuda de dois \ assistentes de pesquisa. - - - . - - --. ,_ "™" A unidade produtiva,^nesse caso a Casa de Farinha, poderia ser compreendida-a semelhanga das manufaturas descritas por Marx nas Formagoes Economicas Pre-Capitalistas. Preferi,Cjodavial fica-la como emnresa_dpmestica, pois, embora tenha UIQ d^envolvido sistema de cogperacSo, por vezes faz uso do motor. Aintrodugao da maqumaXtodavia, nao^reypluciona a. organizagao d^univ dade produtiva, muitoi^abora^a_afete. A~ mesma estruttrraTjfle i-elag^s"de trabalho e mantida, com contratos de parceria e subcontratos de trabalhos por produgao e diaria, ao lado do trabalho familiar nao remunerado ou remunerado em especie. A fprga Hsica nao e deslocada como imnressora^de-ritmo-ao processo^pr^Htrtivo, apesar—dp motgr^ reduzir o tempo de cevagem 'daT mandioca e o numero de trabalhadores no processo. Na fabric a,-que-—tomo como estudo de caso, o__nume^o^.de ocupagoe^ e muito mais_ amplp^que o deuma Casa de Farinha. Uti-
_
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,
^"^^ \*,r*ii*.,mf£:-_-~.-rV*^-
J-
--
144
A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA
ASSOCIA£AO DAS TECNICAS
lizo, aqui, algumas daquelas relacionadas com uma segao, a das preusas. A etnografia=de -todas as : ttcupagoes envolvidas-no estudo estenderia.ps^pbjetivos do trabalhp nmito alem dos_Iimites .de^um "paper^'. Remeto'oMeitor"ao liigar onde estas descrigoes foram elaboradas.87 Mostro, apenas, que enL unidades joroidutiyas onde predomina a forea^de trabalho^ manual, as ocupagoes exigentes de forga, resisTencTa fisica e Habilidade manual rateiam^mais alto que as ocupagoes que solicitam menor esforco fisiccT. "Tomo, no caso, as valoragoes ocupacionais concedidas pelos trabalhadores que executam as fungoes da segao das prensas, As ocupagoes das Casas de Farinha tambem foram avaliadas pelos que ~ali trabalham. Foi-lhes oferecida "a" ocupagao de carregar mandioca da roga para a casa de farinha como ocupagao padrao, detendo o valor de 10^ para avaliagao dos outros trabalhos que compoem a^farhiliada. "As outras ocupagoes foram entao rateadas, usando uma tecnica desenvolvida por Robert Hamblin. As medianas de todas as avaliagoes foram entab obtidas: Os resultados abaixo referem-se aos tres criterios de julgamento que foram apresentados aos avaliadores. Obtivemos rateios nao somente em Casas _de Farinha, inas taxnbem em outras "unidades produtivas. Apresento em seguida as ayaliaspes ocupacionais de 16 atividades em_ uma segao da Ceramica...Grande. Podemos cozaparar as avaliacoes elaboradas dentro de uma segao. Nesta fabrica empreeuei o procedimento de apresentar J. C* J-"T—,,,„, , M iaos -.. avaHadoreg uma lista com todas as ocupa§5es de fabrica, que demonstrou ser demasiadamente extensa. Houve necessidade de reduzi-la, para tbrnar operacional utifiza-la em um questionario. Como havia muitas ocupag5es que poderiam nao ser do conhecimento de todos pelo pouco contato possivel devido a divisao do trabalho e especializacao na Ceramica Grande, ofereci, ao lado da lista maior de ocupagSes, uma relagao reduzida. A aplicagao do^questionario envolveu um consideravel trabalho, uma vez que ^a^tecnica de_apresentagao das perguntas exigia jjue_^aj^cupasoes fossem apresentadas aos entreyistados^ em prdem aleatoriaXAlem disso, era necessario ensinar ao ayaliadpr jcomo_efetuar_ as estinaatiyas_nuniericas, atraves de um metodo de avaliacao dasjdistancias entre varios pontos dispostos ;em uma paginate" randomicainenfe) apresentados, tomariem ;aleatoria, segundo o do-se uma medida de referencia. A***ordem
145
QUADBO 1 }
MEDIANA DOS sRATEIOS' DAS ATIVIDADES NA ^.CASA DE FARINHA SEGUNDO O CONHECIMENTO QUE A OCUPAgAO REQUER, A IMPORTANCIA QUE TEM E A DIFICULDADE QUE APRESENTA *
Sexo que a desempenha
Conhecimento
Importdncia
Mulher
6,00
8,00
8,00
2. Peneirar
Mulher Homem
6,00
8,00
7,00
3. Enxugar
Mulher
6,00
9,00
7,00
4. Botar goma no sol
Mulher
8,00
7,00
7,00
5. Tirar agua na cacimba
Homem
8.00
8.00
10,00
Homem
9,00
ATIV WADE
1. RapHf
-
Dificuldade
L
3
' "The Impact of Industrialization on Women's Work Roles in Northeast Brazil", op. cit. e "Divisao do Trabalho, Tecnologia e Estratifica520 Social", op. cit. 38 Robert Hamblin, op. cit,, pp. 435-440. I V
Q.
v. f^paiinai
uiiuiui uwt
na roca
10,00
Mulher Homem
10,00
10,00
10,00
Homem
10,00
10.00
10,00
Homem
16,00
15,00
15,00
8. Cevar 9. Prensar
A i-ir-im!ii-5n fnTnnHn
9,00 "'
10,00
7. Lavar
*
j
^————' 10,00
Mulher
10. Torrar
10,00
rnmA n;iHran narn
inlr»5miaritf4
fr*i
dioca da roca para a casa de farinha, com o valor 10.
a de
CaiTesauOr OC matl-
146
f
A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA
A AssoaAgSo DAS TECNICAS
construtor do metodo diminuj^ as chances de erro, que decrescem tambem pelo ensino da forma "de avaliagao. Qutra tecnica de reducaojie^rrpss..cpnsi5te n extragao de medianas das estimativas. tJsps mais sofisticados do metodo empregam media geometricas das_ avaliacoes. Uma "das dificuldades de interpretacao dos dados consiste no ; privilegio que o metodo proporciona as representaspes do jiomem xfmediano. e nao as representacoes coletivas, referindo-me ligeiramen•J*Je a polemica desenvolvida por Durkehim com yuetelet. As estimativas das ocupagoes foram feitas tomando o trabalho de ajudante de mecanico com o valor de 10, como medida padrao basica. Foram obtidas avaliacoes com os fnesmos criterios acima referidos com relagao as ocupagSes da Casa de Farinha. Para a dificuldade das tarefas, contudo, foi apresentada uma lista ampla, que nao analisarei neste trabalho. Tpmarei aqui a jjnpoitancia das ocupagoes. Tanto com relacao a utilizacao"deste criterio, quanto com relacao ao conhecimento exigido pelas ocupagoes foi apresentada uma lista menor referente apenas as tarefas que faziam parte do ambiente da secao. O Quadro 2 esta_5comppsto-na_o_ap£nas!1pclas_ medianas das ava-f liagoesocupacionais, como tambem por doj^ julgamentos^esviantes que considerei caracteristicos de um grupo minoritario e importaute. Achei necessario inclui-los no quadro para efeito^de^comparagao^e^de interp^gtacao jos dsidoSj. Percebi "que-^asicfcupu^es co^°alta estima tem^a ver com Q^cpntrole da^fabrica. As ocupagoes. femininas eram,,em ,. niimero de tres: uma^delas teve o .tateio baixo, as outfas "diias^tiveram"o-mesino valor que o carrcto de massa e ligeiramente" acima do ajudante de limpeza. A estrategia de mensuracao que empreguei esconde ^ariacoes que sao incorporadas na_categoria.jdeMgrro. Ao lado da norma, tomei d"desvi6, isto™e, algumas das variagoes escondidas, pois um oame das avaliacoes individuals nos permite compreender melhor n iiatureza dps valores que foram consignados as atividades da secao. iiiLu_
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39
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( MEDIANA DOS RATEIOS DAS ATIVIDADES NA SECAO DE PRENSAS FIA 'CERAMICA GRANDE, SEGUNDO A IMPORTANCLA--QUE A OCUPACAO TEM, E DOIS DESVIOS TtPICOS ELICLESB.OS POlCyMAvREPRESENTANTJa DO SEXO FEMININO E' UM JDO MASCUDINO •
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^_— „ ^ Relembvemos de acordo com um trabalhador industrial, dantes vaqueiro, e depois carregador, o trabalho mais importante da fabrica era o .icle, frabalhando no pesado, pois isso era o que punha a fabrica para frente. Afirmando, ainda, que os trabalhos "maneiros" qualquer um fazia, mas que ninguem queria saber de pegar ao pesado. Dentre os 46 entrevistados da secao das prensas,\10 avaliaram o
147
QUADKO 2
AT tV WADE 1. Peneirador
Sexo que a desempenha
f
Importancia
Desvio Tipico Feminino
Homera
8,00
30,00
15,00
Mulher X^
8,00
15,00
15,00
Homem
8,00
20,00
10,00
30,00
15,00
10,00 !
25,00
12,00
Desvio Tipico Masculino
2. Classificadora de
plaquetas
3. Retificador 4. Encarregado de
limpeza "N 5 _
Ajudante de reti'fica
Hcmem
9,50 /
Homem
s
6. Carregador de massa
Homem
10,00
10,00
20,00
7. Encaixotadeira
Mulher X
10,00
-20,00
12,00
8. Pegadora de ladrilhos
Mulher
10,00
-50,00 |- & 100,00
f 9 . Prensista da prensa 5
Homem
10,00
15,00
12,00
/10. Prensista da prensa 8
Homem
10,00
30,00
20,00
Homem
10,00
40,00
20,00
Homem
12,50
35,00
20,00
Homem
12,50
30,00
15,00
Homem
13,50
30,00
12,00
departamento de producao
Homem
15,00
35,00
10,00
16. Diretor industrial
Homem
17,00
35,00
10,00
v.
ill.
Prensista da prensa 11
;12. Prensista de caixa
y
<•
13. Auxiliar de
labor atorio 14. Supervisor ou
encarregado de secao 15. Supervisor do
Emile Durkheim, Le~"SuiciaeT'op-.~cit:'l"pp. 337-344. * A ocupacao que foi apresentada como padrao de julgamento foi a de ajudante de mecanico, com o valor 10. -
148
A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA
A AssociAgXo DAS TECNICAS
trabalho de carregador como tendo importancia igual ou superior ajlo diretor^ii^Wial,r Osi ".dados, contudo levam-nos mais alem. JegesVram homens e quatro.mulheres. Observe-se que uma ocupasao feminina tambem apresenta desvio da mesma natureza. A oeupagfio de pegadora de ladrilhos registrou 18 valores (11 dados por mulheres e 7 por homens) que a ratearam igual'ou acima^a de diretor industrial. A razao variava de 1:1 ate 10:1. Isso nao se deve somente ad fato de ser essa uma ocupagao feminina,-pois uma outra ocupagao executada apenas por mulheres, a de encaixotadeira, apresentou apenas 7 avaliacoes que a ratearam igual ou superior ao diretor industrialwA exphcagao, a meu ver, deve-se ao'^ alto risco que a_ocupacao apresenta em;texixio^~Q£~acident.es. Este!' seria um outro lado do culto do corpo relative ao sexo feminine, j A neste caso. Pode-se apreciar como^as hipoteses extraidas das entrevistas quajitatiYas foram padronizadas em diferentes_unidade_s^.produtivas componentes^de diferentesjiormas.de. brganizagao _spcial da produgao. Outfa maneira de tornar possrvela geueralizagao^dos^resulta-
149
dos consiste em comparar as avaliaeoes^efetuadas ._em unidades pro-, dutivas dos mesmos produtos em modos de produgaq diferentes.-^ o"cas6 das wupacoes envolvidas na mamifatura de telhas e tijolos em uma olaria g=jima_fabrica^ situadas em uma fazenda, a seme- ^^ r"J"'-is. CO lhanga de uma"plantacao, e uma ceramica maior, uma sociedade I i * anonima com capital local e que recebia incentives fiscais do Estado. QUADEO 4
OCUPACOES CUJO GRAU DE UTILIZACAO DE TtiCNICAS VARIA DE EMPRESA PARA EMPRESA* f
Razao das Avaliagdes
J*-"-MC^^
t^.
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- - _ . ~,^— ^^.•^'-O^ii-#:^'='-^-'Jjr-'^^-=c--1^"
^ f—
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—^
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- "
'-
Ocupacoes
Olaria
Ceramica Pequena
Ceramica Grande
2
— 1
0,41
0,95
1,25
1,16
0,34
1,50
,
4
—
MEDIANAS DE AVALIAC^ES DAS OCUPAQoES ^ ^COMUNS AS TR£S EMPRESAS
1 '
8
Ocupacoes comuns as tres empresas*
Olaria
1 — Preparador de barro~™~——3,00 2 — Transportador de barro~-— ~——-—I-25 3 — Arrumador do material para secagem 7,00 4 — Pegador do material moldado 3,50 7,00 5 — Foguista 6 — Enfornador 8,50 7 — Carregador do material 3,00 para enforna 8 — Graduador do barro nas maquinas — 9 — Supervisor —
Ceramica Ceramica Peguena . Grande 27,50 26,25
10,00 12,50
15,00
10,00
9,50
15,00 12,00
32,50 20,00
20,00
20,00
12,00
25,00 30,00
10,00 15,00
Ocupasoes 8 e 9 existem apenas nas ceramicas. As avaliacoes das ocupapoes 5, 6 e 7 da Ceramica Grande foram emitidas por trabalhadores da secao de fornos reversi'veis.
—1
—
0,90
1,00
1,09
1,50
9
—1
—
Preparador de barro (1); Transportador de barro (2); Pegador do material moldado (4); Graduador do barro nas maquinas (8); Supervisor (9). Uma an^ige^^as^cupa^ei^cjomuns atraves da comparasapjentre 'Ucsiuniiiau.os produtivas revela cruet \^^-1 a^.cu|^t^iicia_jslitre_^Q^ estima das*^pcupaQ5es aumenta com a introducao de tecnologia; ((Bjjalgumas ocupagoes^jimmuem de estima com a introduc.ao de tecnologia, em outro lugar demonstfeL,que estas ocupa^oes passam a ser executadas por menores;40 CjQCj^ ocupagoes que exigem *> Neuma Aguiar, "Divisao do Trabalho, Tecnologia e EstratificacSo Social", op. tit., pp. 121.
150
A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA
A AssociAgSo DAS T^CNICAS
maior conhecjmento^tecnico aumentam.de estima; ^('ITj) f ungoes de supervisaa tambem^ aumentam^de ^estima. As cpmparagoes entre ocupagoes^foram realizadas tomando como referenda um!T~ocupagao suja que e a deLprepar^^fcang. Observe-se todavia que a complexidade deste trabalho tambem varia de uma unidade produtiva para outra. Em resume^_esjes^achadp§^ci^jKrm.aiiam. os.,- pressupostos tedricosdicitados mais acima, nao fora a especificagao possjyel, esta> belecida por" „"este trabalho, de
\
Conclusoea ,?*™^~***.
De acordo com o modp de produgao.,...articulam-se diferentes modalidades^dte estratificagao social, o que pude revelar atraves de uma estrategia comum de analise da estima das ocupagoes. Esse fato leva a questionar conclusoes obtidasjpa£tindo de surveys genericos, que nao consiHeram.^^""--VZSESK——••"• a estrutura de '*•''producao onde as ocupacoes se T. -• ---—.-•,-'-•--« ..-*,! i inserem., Aca"tanqx>so"contexlo, efetuei Bgrguntas-sobre-a-estrutura ocupacional que *ode-se, todavia, indagar sobre a particularidade dos dados aqui apresentadqs. Nao seria a coexisTencia~~dos modo^ de produgao uma anomalia que o tempo daria conta? Nao seria, por outro lado, uma situagao especifica do Cariri? Uma excepcionaUdade historica ou etnografica sem maiores consequencias em termos da estrutura mais ampla, em nivel extra-local? Tempo no Cariri e a minha prdpria memoria, e a de meus pais, e a de meus avos, e a _-=aa.
poovVLuo.^:
^
.
\
\
151
dos que vieram antes deles. A memoria nos mostra a velhice da experiencia industrial no lugar, e a igual antiguidade destas outras formas; casas de farinha, olarias, fabricas em fazendas e outro numero sem fun de atividades similares. A identifjcagao^de formas. diferentes de, organizasao^social^da produgao permite analisar as^^iculdades^geradas-pelo carater^da industrializagao. A grande indiistria capitalista (wnpSa* as distant 7 cis sociais enl^ jd^erejites_ ooipacpes, que podem ser apreciadas \ p'ela^compa^gao sistematicaCentre atividades comuns de diferentes V umdailes produtivas utiUzando tecnolpgias diversas que vao desHe j a^ exeeugaeT"manual das tarefas ate um alto grau de controlo tla \ naturez&^gela Itecnica. 0 estudo realizado de modo comparativo ^r permite, a_generalizacao. ~* 0 ^trcpproblema sobre a excencionalidade historica de uma dada regiao perm^uMe~ em aberto. (J afeto ainda coloca""aquela afea™e"n"tfe"; as impares™na^minha experiencia, ensinando-me, por exemplo, a quesUmai..a^modaUdades correntesjle estudo que fazem pouco uso de teoria, utilizando categorias muito genericas, por vezes residuals, de anaHse, em lugar"He^procurar dar "melHof" conta das modalidades de organizagao social da producao, atraves de um es^[r5p_de__espedficagao. Refiro-me agora aos estudos sobre o IrabaIho em regioes metropolitanas, onde as tarefas de construgao social da realiaa^e~aJ^labofagao de sinleses como a proposta por Mauss 'sobre o ]£jio^ 'social total tornan>se_mais_ compjicadas, porem nao menos enriquecedoras que a experiencia de pesquisa que fiz no Caririr ~"" "'""
II RECONSTRUgAO DE PROCESSOS DECIS6RIOS; A ANALISE DO PASSADO RECENTE
Da Ignorancia Especifica (ou da Estetica Sociologica) EDMUNDO CAMPOS COELHO Em 1975 participei de um estudo interdisciplinar sobre plane jamento urbano na dupla fun^ao de diretor de projeto e pesquisador.1 Antes de prosseguir neste relato, devo confessar que na epoea era absoluta minha ignorancia sobre o tema da pesquisa. Entretanto, uma conjungao de fatores, dentre os quais uma desconcertante e incomoda carencia financeira nao era dos menos importantes, levaram-me a aceitar a responsabilidade pela conducao do projeto. Menciono o fato apenas para iluminar este raconto com o esclarecimento de uma circunstancia que, generica e prosaica, raramente e admitida por essa curiosa especie constituida pelos cientistas sociais. Seja como for, do momento em que assumi ambas as fungoes o eventual sucesso do projeto passava a depender da resposta que pudesse encontrar para a seguinte questao: como colocar a ignorancia a servigo do conhecimento? E certo que a ignorancia ppde as vezes funcionar como estimulo para a busca de conbecimento, e na literatura sociologica existe ate mesmo um trabalbo que versa sobre as funcoes sociais da ignorancia. Eu o li a procura de conforto e orientacao, mas infelizmente o argumento dos autores 1 Dimensoes do Planejamento Urbano (Rio de Janeiro: Convenio MJNTER-IUPERJ, 1975). Participaram da equipe interdisciplinar Maria Aparecida Aives Hime, Elisa Mendes de Almeida, Almir Femandes e Alvaro Pessoa. C^da um deles terd sua versao propria do projeto e da experiencia de pesquisa. Nao sao obviamente responsaveis pelos conceitos, avaliacoes e opinioes aqui emitidos.
156
DA IGNORANCIA ESPECIFICA
RECONSTRUgAO DE PEOCESSOS DECISORIOS
nao se apHcava ao meu caso. De qualquer forma, a solugao eu nao a encontraria em dissertacoes teoricas, mas na pratica. Este artigo, incidentalmente, trata dessa experiencia particular e constitui um honesto esforgo de justificacao a posteriori da ignorancia. Para ser precise, nao de qualquer ignoraucia, mas daquele tipo ao qua! nos referimos ao dizer: "sou ignorante neste assunto", ainda que tal assertiva possa realmente se aplicar a uma vasta gama de assuntos. Mas utilizando uma formula corrente nos escritos sociologicos, digamos que este ponto e irrelevante para os propositos deste trabalho. Chamemos, pois, de ignorancia especifiea a tal tipo, notando, todavia, que sua dimensao mais caracteristica esta no fato de so admitir um valor. Ou seja: e ignorancia especifiea, mas absoluta. Na epoca, diga-se de passagem, eu nao teria tidel o destemor de admitir com tal candidez de espirito a posse de tao criticavel estado de carencia. O mais provavel, e tambem o mais correto segurido as normas de boa conduta profissional, teria sido que dissesse: "este assunto nao e minba especialidade"'. Com o que teria sugerido ao meu ixnaginario interlocutor a posse de conhecimento especializado e abissal, provavelmente de natureza esoterica, ao mesmo tempo resguardando a comunidade de sociologos das suspeitas de incompetencia generica. Pois a especializagao nao implica em que os sociologos nao possam penetrar no mercado das ideias gerais e usufruir dos abnejados espagos nas paginas do JB (sobretudo, Caderno Especial dos domingos), das revistas semanais (Veja e Isto ;£, em ordem variavel) e, por que nao, de horarios nobres da televisao (Jornal Nacional e Fantdstico, nesta ordem). Faco aqui uma pausa para confessar um artificio. Ao erigir a ignorancia especifiea e absoluta em legituno tema de dissertacao sociologlca, virtualmente em categoria metodologica, atribuoIhe um certo status cientifico que me permite discutir a minha propria num piano elevado. A epoca da pesquisa, entretanto, tal recurso nao me ocorrera, causando-me alguns dilemas. Ora, segundo todos os canones da boa metodologia cientifica, a ignorancia especifiea e absoluta •— na verdade, qualquer tipo de ignorancia — nao permite a escolha de qualquer metodo ou tecnica de investigacao na medida mesma em que algum conhecimento previo sobre o objeto do inquerito e condigao necessaria, ainda que nao suficiente, para a correta decisao metodologica. Traduzindo: existe uma correlagao positiva e alta entre ignorancia e ausencia de metodologia, o que era exatamente meu caso. Pode-se ver, pois, quao critica era a situagao, e o melhor a fazer era mesmo ir a campo e iniciar os trabalbos de uma forma ou outra.
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As oito horas de tuna manna de sol carioca embarcamos num jato da Cruzeiro, eu e a asslstente de pesquisas, tambem ela portadora da mais genuina ignorancia especifiea e absoluta. 0 Projeto Em 1975 o Ministerio do Interior (MINTER) contratou ao Institute Universitario de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) um estudo sobre o planejamento urbano de Curitiba. Aparentemente, este era um caso unico de planejamento bem sucedido a julgar pelos depoimentos de especialistas que a imprensa carioca diariamente veiculava. Curitiba transformara-se de subito no paradigma da "cidade humanizada" com seiis metros de area verde per capita, ruas de pedestres, equipamentos de recreagao e lazer, transito disciplinado e sistema de transporte de massa a fluir por vias urbanas hierarquizadas, projetos culturais e -o mais que seja. Tamfcem os "intelectuais ecologicos" nao se furtavam as comparacoes entre o paraiso curitibano e o inferno carioca, fazendo prever seu exodo em massa, o que teria provavelmente ocorrido nao fosse pela impossibilidade de transplanter para o Parana pelo menos o caos da Zona Sul do Rio de Janeiro. Para a equipe de pesquisa a tarefa era a de formular uma explicagao convincente para tal sucesso. Que fatores fizeram de Curitiba tun caso bem sucedido de planejamento urbano? E como esta experiencia poderia ser aproveitada, pelo menos de modo indicative, para a elaboragao e implementacao de pianos em outras localidades urbanas? Ve-se por ai que o projeto era, rigorosamente, um estudo de caso. Nao era, por outro lado, "academico". Foi-Ihe dada uma conotagao pratica no sentido de que o produto final deveria supostamente center orientacoes para politicas de planejamento. Nao havia o proposito de testar hipoteses teoricas, nem se imaginava que dok estudo se extraisse uma teoria sobre planejamento urbano, Nao admira, pois, que o projeto nao tivesse despertado o minimo interesse entre os professores do IUPERJ, e tivesse consideravel repulsa entre os estudantes por sua "impureza" — em varies sentidos — e pragmatismo. A semelhanga de outras agendas piiblicas que financiam ou contratam pesquisa, o MINTER solicitou a apresentacao de uma proposta que detalhasse o projeto. Este documento foi elaborado numa linguagem tao abstrata que serviria tanto para o caso Curitiba" quanto para o de Bom Jesus do Galho. Dissertava, em altos voos teoricos, sobre o "sistema" urbano e os "subsistemas
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juridico, administrativo, tecnico e politico. Referencias ligeiras a utilizagao de entrevistas e a analise de documentos constitulam sua parte "metodologica". Em suma, era um bom documento. E ao aprova-lo os tecuocratas do MINTER subscreveram, sem o saber, a premissa boje plenamente confirmada de que a qualidade d(= uma pesquisa nada tern a ver com, por exemplo, a metodologia proposta, mas com a metodologia elaborada ao longo da execugao de um projeto. A Conexao Burocrdtica O prazo para a entrega do relatorio final foi fixado em doze meses a contar da publicagao do convenio no Diario Oficial. E as parcelas de pagamento seriam liberadas somente apos o recebimento e avaliagao tecnica de relatorios parciais trimestrais. Isto implicava em viagens a Brasilia e em desconcertantes encontros com a tecnocracia ministerial para liberacao das parcelas. Ainda tenbo vivido na memoria o cenario de um amplo gabinete e a figura de um tecnico ministerial que sentado numa poltrona defronte a minba folheava com inquietante rapidez os relatorios parciais. 0 exame mais prolongado consistia quase sempre em fechar o volume e avaliar de varies angulos a sua espessura, sopesa-lo numa das maos como se na outra estivesse um gordo cheque. Era esta a prova da balanga que, segundo parecia-me, inclinava-se sempre, na mente teenocratica, ao peso do imaginado cheque. Esta nunca era uma avaliagao definitiva, embora nunca tenha sabido por quais outros gabinetes passava o fragil produto de nossa sapiencia ou por quais outras sensiveis maos era ele sopesado. Entretanto, e para manter a linha de honesta sinceridade deste depoimento, ficou-me sempre a impressao de que a despeito de todo este ritual jamais os relatorios foram lidos por quern quer que seja no MINTER. Na verdade, continua a ser um misterio insondavel as razoes da contratacao do estudo que jamais foi divulgado sob qualquer forma. Simplesmente perdeu-se no labirinto tecnocratico. A Equipe A equipe de pesquisa foi se formando aos poucos. Primeiro, o diretor do projeto, um sociologo, e a assistente com pos-graduacao em ciencia politica; depois, um arquiteto-urbanista e um advogado com interesse em legislagao sobre usos do solo e relacoes
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entre niveis de governo; e finalmente, uma geografa com expertencia em estudos de regioes metropolitanas. Com excegao do diretor do projeto e da assistente, que pertenciam aos quadros do ItJPERJ, os demais iriam se encontrar pela primeira vez no decorrer do projeto. Embora as razoes, na epoca, tivessem sido outras, o fato de que a incorporagao de todos os pesquisadores nao tenha se dado de uma so vez facilitou o trabalho de coordenagao. Apenas quando um determinado aspecto da questao tornava-se relevante ou recorrente decidia-se pela incorporacao do pesquisador competente para aborda-lo; sua assimilagao ao grupo tornava-se mais facil, se nao por outras razoes pelo fato de que encontrava uma situacao mais estruturada em termos de informacoes ja coletadas. Era-lhe geralmente solieitado respostas a questSes formuladas com base BO conhecimento ja adquirido, para o que colocava-se a sua disposicao os recursos necessarios e toda a "memoria" da equipe. Este procedimento nao planejado resultaria, sem que qualquer de nos o desejasse conscientemente, em que as linnas basicas da pesquisa, a orientagao geral do inquerito e as enfases fossem definidas e bierarquizadas segundo a ordem de incorporagao dos pesquisadores ao projeto. Sucessivamente, ao se incorporar a equipe, cada um deles ja encontrava terreno mapeado, questoes formuladas e outras ja respondidas, decisoes tomadas; enfim, etapas ja vencidas que nao comportavam reformulagSes profundas sob pena de atrasos irremediaveis nos cronogramas. Os relatorios parciais tambem serviram como um importante elemento de coordenagao. Este tipo de documento e normalmente considerado pelas equipes de pesquisa como um estorvo imposto pelo cliente para efeitos de acompanhamento e avaliagao. Sua elaboragao consome tempo precioso e o conteudo e, pela propria natureza do documento, pouco sistematizado e articulado ja que as informacoes sao ainda incompletas, algumas ate mesmo incorretas nas etapas iniciais do inquerito. Em sintese, relatorios parciais nao constituent base adequada para avaliagao dos estagios da atividade de pesquisa, muito menos para prognosticos sobre resultados finais. Podem ser, todavia, um instrumento eficiente para coordenagao interna das equipes. No estudo do "caso de Curitiba" a elaboragao dos relatorios parciais era uma atividade particularmente absorvente dada a diversidade de enfoques disciplinares. Para que o documento nao resultasse numa colcha de retalhos mal alinhavada, numa mera soma de contribuigoes individuals, era necessario um esforgo consfderavel de integragao de perspectives. A redagao desses documen*
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tos, tanto quanto a do relatorio final, ficou a cargo do diretor do projeto. For ai ja se alcancava certa homogeneidade de linguagem, o que exigiu nao raras vezes discussoes preliminares com cada especialista. Estabelecer os elos entre as contribui9oes individuals com o proposito de dar unidade a cada documento requeria um trabalho continue de "tradugao" de perspectivas, de interpretagao de intencoes e significados, um dialogo permanente ao qual nao faltou ate mesmo certo esforgo de persuasao. Mas elaborado o relatorio parcial, tinhamos um ponto de referencia objetivo para orientar a reflexao critica e as fases seguintes do projeto. Surpreendentemente, cada relatorio parcial integrava-se facilmente com os anteriores de tal forma que o perfil do relatorio final ia se desenhando progressivamente. Ainda que a epoca o fato nao despertasse minba atengac, parece-me hoje que houve uma excessiva ceniralizagao no cargo do diretor. Creio que foi algo inevitavel, sobretudo porque os pesquisadoresj com excecao do diretor e a assistente, nao eram membros do IITPERJ, exerciam atividades profissionais em organiza$oes diferentes e nao podiam nem mesmo comparecer diariamente a sede da pesquisa. Nao foram freqiientes as reunioes de toda a equipe. O procedimento normal, que surgiu espontaneamente, consistia em reunioes do diretor com cada pesquisador, oportunidade em que eram debatidas tanto a contribuic.ao individual, sob a forma de minutas de trabalbo, quanto aspectos gerais do projeto e orientagoes a seguir no trabalbo subsequente de cada um. Ocasionahnente, outros debates paralelos eram realizados entre a assistente e os pesquisadores. Na verdade, aquela se tornara um elemento central da equipe pelo conhecimento detalhado de todos os aspectos do projeto e contribuic,oes sempre pertinentes a anaUse dos dados e informacoes. A avaliacao retrospectiva da forma pela qual a equipe se estruturou e operou sugere algumas observacoes adicionais, ainda que formuladas de uma perspective muito pessoal. Por cxemplo, se a centralizacao a que nos referimos foi em ampla medida inevitavel, nem por isso deixou de refletir a inexperiencia da equipe em varies aspectos. Por exemplo, ficou explicito em diversas ocasioes que os pesquisadores "delegavam" ao diretor uma margem excessiva de arbitrio na conducao do projeto sob a alegagao de que nenhum deles tivera qualquer experiencia previa em pesquisa. Por verdadeiro que fosse o argumento, resultou na pratica em reducao excessiva do grau de participagao e envolvimento dos pesquisadores, sobretudo ua parte relativa a integracao e unificagao das contribuicoes individuals. Reunioes mais frequentes da equipe
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teriam promovido uma participagao mais efetiva dos especialistas no processo de "tradugao" de enfoques, um esforgo mais deliberado de apreensao das varias dimensoes analiticas do caso em estudo. Em sintese, teria sido evitada ou reduzida a predominant da "visao de tunel", excessivamente especializada, das contribuigoes individuals. Tal como se fez, era inevitavel a enfase nas dimensoes sociologica e politica do "caso de Curitiba", menos por forca de uma orientagao propositadamente imposta pelo diretor do que por sua inabilidade e inexperiencia na condugao de um projeto interdisciplinar. A incorporagao simultanea de todos os pesquisadores na equipe teria provavehnente contribuido para a integracao mais harmoniosa dos diferentes enfoques especializados. Os custos desta alternativa teriam sido, todavia, muito altos dado que a primeira etapa da pesquisa deveria ser, por necessidade, exploratoria, de mapeamento de questoes, de prospecgao in loco de possibilidades. Do orgamento constavam recursos para determinado numero de viagens a Curitiba, mas a alocagao das cotas entre os pesquisadores implicava em certas decisoes estrategicas. Se reunissemos a equipe de uma so vez ou nos piinhamos todos a viajar, com breves intervalos entre um pesquisador e outro, com o que regressariamos com diferentes fatias de informacoes superficiais e desconexas, ou destacariamos um de nos para um levantamento preliminar intensive e aprofundado, com o que o restaute da equipe ficaria ociosa. No primeiro caso, corriamos o risco de esgotar rapidamente nossas cotas de viagem na fase meramente exploratoria e com resultados de valor questiouavel; no segundo, pagariamos salarios virtualmente por nada. Em ambos os casos, os custos de manutencao de toda a equipe seriam altos e nao prometiam retorno satisfatorio. Tudo isto talvez nao constituisse problema serio nao fosse pelo fato de que nao tinhamos como prever, mesmo aproximadamente, a durayao da fase exploratoria por absoluta carencia de conheeimento sobre o "caso de Curitiba". Desta forma, nao havia como promover reunioes preliminares para definir o que explorar no trabalho de campo nesta fase inicial, e distribuir tarefas. Simplesmente nao tinhamos nada para debater e discutir. Decidi, assim, constituir uma expedigao exploratoria a Curitiba da qual participavam eu e a assistente. E verfamos depois o que fazer. 0 Trabalhs Inicial de Campo Quando desembarcamos no aeroporto de Curitiba tomamos naturalmente a linica decisao que nos ocorreu: a de procurar acomo-
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dagoes num hotel. Decisao tao prosaica em terra estranha deu-nos, entretanto, uma reconfortante sensagao de competencia e tratamos de implementa-la com a maior gravidade. Haviamos, no Rio, tentado obter atraves da representagao dp Estado do Parana qualquer material sobre o planejamento urbano He Curitiba. Tudo que conseguimos foram publicagoes graficamente perfeitas, mas absolutamente inuteis como fonte de informagoes tecnicas. No SERFHAU sabiam menos do que nos, o que era surpreendente dada a natureza deste orgao. Tentamos outras agencias que a logica e o bom senso — e, depois, o desespero — indicaram como provaveis informantes: BNH, IBAM, IBGE, etc. Uma importante experiencia de planejamento urbano, amplamente divulgada na imprensa diaria, estava em plena execugao e ninguem, nenhum orgao publlco com atuagao ou responsabilidade direta ou indireta na area sabia coisa alguma a respeito. Ja no hotel, decidimos- seguir a via mais simples e obvia de investigagao. Simplesmente transferir aos agentes locais encarregados do planejamento da cidade a questao que o MINTER nos propusera como tema da pesquisa. Teriamos, desta forma, um ponto de partida concrete, pelo menos uma versao sobre a qual pudessemos iniciar o trabalbo. Comegariamos por entrevistar algumas personalidades oficiais cujos nomes estavam em destaque na imprensa carioca. Aquela seria certamente uma versao oficial dos fatos. E segundo principio de fe vigente entre sociologos, o que e oficial sera, para dizer o minimo, menos fidedigno do que informagoes ou versoes provenientes de outras fontes. Esta "dimensao conspiratoria" na metodologia supoe a premissa de que, ate prova em contrario, os individuos, sobretudo os que ocupam posigoes de poder e autoridade, estao predispostos a mentira, ao cinismo, ao servigo de interesses escusos e a distorgao premeditada dos fatos, tudo isso em contraste com o idealismo, a pureza de sentimentos e o amor a verdade que caracterizam os sociologos. Desta forma, um atestado inequivoco de competencia metodologica consistiria em descobrir numa entrevista a dimensao "oculta" dos fatos que seria quase sempre de natureza conspiratoria: inverdades, sofismas, ansias de poder, transagoes ~' ambiguas e outras miseries, Tal procedimento nada tem a ver com a utilizagao da duvida sistematica como principio metodologico ou com o emprego legitimo de tecnicas para afericao de validade de informagoes. Seja como for, nao tinhamos outra alternativa a nao ser a de tomar como provisoria a versao oficial sobre os fatores do sucesso do planejamento urbano de Curitiba. Alem dessa questao, e para
,.„„ expor nossa total ignorancia sobre os fatos, incluimos uma outra que certamente superou nossas modestas expectativas: o que os entrevistados pensavam sobre o Piano Agache? Por esta nenhum deles esperava! E somente quem estivesse muito bem informado poderia mencionar um Piano formulado na decada de quarenta! Tomamos conhecimento deste Piano Agache — mas de nenhum dos seus detalhes tecnicos — de maneira inteiramente fortuita. Lendo sobre a pesquisa num dos jornais do Rio, procurounos um cavalheiro que tomando-nos por consultores de planejamento viera sondar as possibilidades de utilizarmos os servigos* de sua firma que participara na formulagao do Piano Agache. Esclarecido sobre o equivoco, deixou-nos algumas folocopias de desenhos tecnicos. Mas ao mencionarmos o Piano Agache aos entrevistados forneciamos, sem o saber, um marco que os estimulava automaticamente a historiar, com maior ou menor precisao e riqueza de detalhes, o processo de planejamento urbano de Curitiba. Porque o Piano Agache fora o primeiro esforgo planejado de ordenamento fisico da expansao da cidade. Tudo o que viera posteriormente fora conseqiiencia da insatisfagao com aquele Piano, num esforgo permanente de dotar a cidade de um conjuuto de diretrizes mais amplas e eficazes para sua expansao. Descobrimos assim que eiitraramos em campo no final de uma das ultimas etapas de um processo que ja era velho de mais de 30 anos! Com toda certeza, nao estavam enderegadas a este esforgo de mais longa duragao as loas dos tecnicos em planejamento e dos "intelectuais ecologicos". Quanto mais nao seja porque neste periodo os insucessos, as frustragSes, os erros e indecisoes foram iniimeros ao longo das administragoes municipais nele compreendidas. Para a elite bem pensante o "planejamento urbano de Curitiba" era, ao contrario, produto de uma administragao apenas, quase da lideranga de um individuo apenas, um conjunto de decis5es tecnicas e administrativas plenas de racionalidade, Uneares no seu encadeamento e alimentadas por uma rara preocupacao com o bem publico, com a qualidade da vida urbana, etc., etc. Nesta percepgao ideaHzada e segmentada do planejamento confundia-se uma de suas etapas com todo o processo, transformava-se esta fase no paradigma do processo e nao ocorria a ninguem inquirir sobre o proprio processo. Tambem os entrevistados nao identificavam o processo mais longo com o "planejamento urbano de Curitiba". No discurso de todos o planejamento fora aquilo que se fizera durante a ultima
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administragao municipal, Tudo o que Ihe era anterior compreendia o periodo das forgas negativas, fossem estas a incompetencia, as egoisticas ambigoes pessoais, os interesses turvos e, sobretudo, a politica miiida e irresponsavel a interferir com a "racionalidade tecnica" dos planejadores. Estas primeiras percepcoes foram colhidas em entrevistas gravadas com o pessoal mais graduado das agencias municipals direta ou indiretamente ligadas ao planejamento. Posteriormente, ao analisar as t ranscrigoes pudemos verificar que, no conjunto, continham uma verdadeira teoria do plauejamento, surpreendentemente bem articulada e consistente. Nesta primeira excursao a Curitiba coletamos tambem. um vasto mimero de documentos: organogramas da administracao municipal em varios perfodos, leis de uso do solo, relatorios de administrates, mapas de natureza diversa, seqiiencias cronologicas de dados sobre as finangas do rnunicipio, copias de alas das reunioes da agenda do Piano, etc. 0 acesso a esta documentagao foi extremamente facilitado pela receptividade de todos • as nossas solicitacoes, o mesmo sucedendo com relagao as entrevistas. Mas apesar desta genuina disposicao em informar e depor, receio que as circunstancias teriam sido outras fosse o nosso projeto um estudo de planejamento fracassado. Pantos de Ancoragem Durou uma semana essa primeira incursao ao campo, De volta ao Rio, iriamos digerir a volumosa documentagao e um bom numero de gravagoes. Esperavamos obter o suficiente para elaborar questoes mais precisas, entrevistas futuras mais estruturadas e, simultaneameute, reduzir o grau de nossa ignorancia especifica. Mas ja estavarnos convencidos da necessidade de reconstruir tao detalhadamente quanto possivel todo o processo que viera se desenrolando desde a elaboragao' do Piano Agache. Haviamos encontrado indicagoes inequivocas de que tal reconstrueao era essencial, entre elas as circunstancias da criagao do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba e da formulac.ao do Piano Diretor, que evoluira de um Piano Prelimmar datado de alguns anos atras. For outro lado, alguns dos personagens associados a estes e outros empreendimentos haviam deixado a cena e julgavamos necessario colher seu depoimento. Mas a razao fundamental para a enfase na reconstrugao do processo, por contraste com um enfoque nos seus "produtos", so nos ocorreu na medida em que examinavamos o material coletado, sobretudo quando comecamos a sistematizar a "teoria do planejamento'* contida naa
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entrevistas. Ocorreu-nos, simultaneamente, a importancia da dimensao polftica do planejamento. 0 argumento que entao elaboramos pode ser reconstruido da forma seguinte: . Parece correto afirmar que o planejaraento bem sucedido supoe no minimo duas condigoes: 1) solugoes tecnicas adequadas- isto e, nao se constroi TUTI viaduto onde estudos indicam uma passagem de nivel como alternativa mais correta; 2) as solugoes propostas devem ser tecnica, financeira e economicamente viaveis, Estas condigoes nao surgem todas a um so tempo, mas cada gual pode requerer um periodo proprio de maturagao. Nem ha porque supor que naja uma ordem necessaria na seqiiencia em que tais condigoes se dao. Por exemplo, alguns pioblemas encontram solugao tecnica em prazo mais curto que outros e pode suceder que existam recursos financeiros para a implementagao de algumas solugoes e nao outras. Em sintese, a ideia •— inteiramente nova para nos — era a de que o planejamento e um conjunto de decisoes e acoes tomadas e implementadas ao longo do tempo, cada qual ao tempo de maturagao das condicoes que as tornam possiveis e sem um ordenamento necessario da seqiiencia, embora possa suceder que uma decisao ou agao na cadeia constitua condigao para outras ao longo do tempo. 0 que torna esta seqiiencia de decisoes e agoes algo mais que um conjunto desordenado e aleatorio e a existencia de um sistema de diretrizes, de vetores mais gerais que incorporam a preferencia de certos agentes por um estado future mais desejavel e de perfil mais ou menos claramente definido. Que num determinado tempo, de dificil previsao, a soma das solugoes anteriormente implementadas resulte na configuragao de uma fisionomia urbana inedita e qualitativamente superior e algo necessario, embora a nova qualidade de vida urbana seja mais "vivida" do que percebida pela populagao no seu quotidiano. Normalmente, o aspecto "visivel" do planejamento esta constituido pela implementagao de solugoes monumentais, espetaculares ou suficientemente radicals para alterarem momentaneamente o ritmo da atividade da aglomeragao urbana. — Ainda com relagao as duas condigoes anteriormente mencionadas, nao havia porque supor fosse privilegio de Curitiba a operagao de algum processo inedito de chegar a solugSes tecnicas mais adequadas para problemas de crescimento urbano, ou que a competencia dos seus tecnicos para descobrir tais solugoes fosse maior do que, por exemplo, a dos tecnicos paulistas para solucionar os problemas da Grande Sao Paulo; e nem havia igualmente razoes para supor que os problemas da Grande Sao Paulo ou do Grande Rio persistissem pela inviabilidade tecnica, financeira ou
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economica das solugoes propostas. Se a escala da problematica urbana nestes dois grandes centres e amplamente superior a de Curitiba, tambem o e a escala dos recursos tecnicos e financeiros disponiveis, mantendo-se a proporcionalidade. Em principio, pois, e em termos de disponibilidade de recursos tecnicos e financeiros Rio e Sao Paulo deveriam ser capazes de alcangar sucesso identico ao de Curitiba em seu planejamento. Que nao o sejam — ou nao tenham sido — apenas sugere que o conhecimento de quais sejam as solugoes adequadas e a posse de recursos diferenciados e em volume suficiente nao garantem que aquelas solug5es sejam implementadas. Na verdade, a experiencia brasileira demonstra a saciedade que a disponibilidade de recursos nao tern impedido o arquivamento de pianos urbanisticos tecnicamente corretos e viaveis, ao mesmo tempo em que se permite a deformagao da fisionomia urbana das cidades e o agravamento dos problemas decorrentes de seu crescimento desordenado. Uma hipotese razoavel era, portanto, a de que a dimensao relevante na explicacao do sucesso ou fracasso de experiencias de plauejamento seria de natureza essencialmente politico em seus aspectos mais genericos. A escolha de um estado future desejavel dentre os varios possiveis e a selecao das solugoes a serem implementadas nos diversos tempos constituiriam decisoes orientadas nao exclusivamente por criterios de racionalidade tecnica ou economica, mas essencialmente condicionadas por fatores politicos.
ta, o que permitia observar oscilagoes das receitas e despesas das principals agencias municipals, sobretudo as direta ou indiretamente vinculadas ao planejamento urbano, a composigao variavel de ambas e, de forma geral, o estado da saude financeira do municipio. A ignorancia permanecia, entretanto, intacta quanta a dimeusao politica do processo. Quais haviam sido seus personagens principais? Que posigoes ocupavam e em que estrutura? Que recursos controlavam e em que montante? Que atitudes adotaram ou que curso de agao implementaram? Em alianga com quern? Em oposigao a quern ou a que? De sua atuagao que consequencias resultaram? Que interesses articulavam? Em sintese, tinhamos uma multidao de questoes, nenhuma resposta e tampouco indicagoes de como obte-las atraves de outra exploragao in loco. Foi quando decidimos incorporar a equipe o arquiteto-urbanista. A circunstancia mais notavel com relagao a sua participagao e contribuigao a pesquisa consistiu em que ele ocupara cargo tecnico de alta respousabilidade na equipe de planejamento de Curitiba durante uma etapa decisiva do processo. E a expectativa inicial fora a de que na qualidade de especialista em urbanismo com conhecimento do caso ele contribuisse com um estudo dos aspectos tecnicos do planejamento. 0 que realmente veio a suceder. 0 que nao bavia sido cogitado fora a sua participate tambem na qualidade de informante para os demais componentes da equipe, capaz de fornecer por seu depoimento material tao genuino e relevante quanto qualquer outro personagem ja entrevistado ou a ser entrevistado. Poderiamos obter por esta forma uma outra versao dos fatos, provavelmente mais objetiva devido ao distanciamento que o informante ja alcangara em relagao aos aeontecimentos. De qualquer forma, uma versao tambem sujeita a verificac5es posteriores. Frequentemente, entretanto, ocorreu que atraves deste colega utilizassemos, de maneira indireta e obviamente nao muito ortodoxa, o metodo da observagae participante: afinal, ele acompanhara os fatos no exato momento em que sucediam, convivera com os principals agentes do planejamento, recoIhera seu discurso e codificara sua retorica no proprio momento da emissao, tivera acesso a reunioes de conselhos e diretorias. Enfim, estivera no centro dos acontecimentos. E seria em varias oportunidades no decorrer da pesquisa os nossos olbos e ouvidos com relacao a fatos que nao presenciaramos e desconheciamos integralmente. Por escrito e verbalmente obtivemos deste novo membro da equipe uma versao reconsteuida, tao pormenorizada quanto possi-
A Reconstrugao do Processo Era evidente a desproporgao entre o volume de informagoes de que dispiinbamos e o que deveriamos ter para sermos capazes de reconstruir tao precisamente quanta possivel a historia do planejamento curitibano. A cronologia dos marcos tecnicos e fisicos — estudos, pianos, diretrizes, leis especificas e obras — do planejamento era menos problematica, e apenas com os documentos coletados na primeira expedigao exploratoria ja era possivel encaixar algumas pegas e formular ideias com grau variavel de precisao, a respeito do que deveriam ser as ausentes. A seqiiencia de cronogramas da estruturas admiuistrativa do municipio permitiam igualmente acompanhar as transformagoes havidas ao longo do tempo: a eliminagao de alguns orgaos ou departamentos e a criagao de outros, a sua localizacao em niveis distintos da hierarquia ou ate mesmo mudangas no nome de outros sugeriam iuferencias, ainda que provisorias, a respeito do processo administrative subjacente. Da mesma forma, os relatorios financeiros das diversas administracSes formavam utaa seqiieucia temporal comple-
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vel, da historia do planejamento urbano de Curitiba. Tanto quaiito me recordo, esta reconstituigao tomou corpo em etapas, parte apos parte, cada qua! elaborada em torno de urn fato ou topico especifico. Por exemplo, a questao de como foi criado o IPPUG resultava numa reelaboragao parcial da historia, o que normalmente revelava novos fatos ou descobria personagens ineditos. Como era de se esperar, os juizos de valor eram parte relevante do relato e forneceram indicagoes preciosas sobre o carater e motivagoes dos personagens, sobre o sentido e conseqiiencias de suas decisoes e acoes. Podiamos, entretanto, questionar estes juizos com a sem-cerimonia que a situagao permitia, rever o depoimento quantas vezes julgassemos necessarias, solicitar esclarecimentos adicionais ou levantar suspeigao quanto as avaliagoes e julgamentos sem incorrermos nas dificuldades e riscos que limitam o desempenho do entrevlstador e entrevistado em contextos onde a relagao entre ambos e a de uma interacao entre outsider e insider, entre estraahos que se defrontam numa situagao interativa rigorosamente negociada. Em nosso caso, eramos todos integrantes de uma mesma equipe, com a diferenga de que assumiamos, temporariamente e por periodos curtos e descontinuos, os papeis de entrevistador e de informante com a consciencia de estarmos usando a "representagao" como recurso metodologico. Seja como for, obtivemos desta forma um volume de informacoes factuais que dificilmente poderia ter sido acumulado com o mero trabalho de campo, Passavamos a dispor priucipalmente de uma listagem exaustiva de personagens satisfatoriamente caracterizados quanto a sua formagao profissional, trajetoria ocupacional, vinculos de amizade ou lealdades politicas. Em duas outras visitas a Curitiba pudemos entrevistar a maioria deles e colher as versoes pessoais de sua propria participagao e sobre a dos demais, esclarecer pontos obscures pela comparacao de depoimeutos ou simplesmente solicitar informaeoes novas. Em contraste com as entrevistas gravadas na expedigao pioneira, estas outras ajustavam-se a um formato mais estruturado. O conhecimento adquirido permitiu-nos elaborar um protocolo mais definido e um grau maior de objefividade e especificidade na formulagao das questoes. Ainda assim, permitimos aos entrevistados uma margem de liberdade suficiente para encaminhar questoes que julgassem relevantes segundo criterios individuals. Tres ou quatro pessoas voltaram a ser entrevistadas uma segunda vez. Todo este trabalho foi sendo executado numa ordem nada linear e de entremeio com outras tarefas. As questoes relatives ao conflito dos niveis de governo •— municipal, estadual e federal —
comegaram a despoiitar e o quarto membro da equipe foi incorporado para estuda-las; e no rastro delas vieram as relatives a institucionalizagao da regiao metropolitans, o que determinou a inclusao do ultimo elemento da equipe. Com estes acrescimos, novas informagoes fluiram e varias questoes ainda obscuras foram obtendo resposta. Quanto a reconstituigao do processo compreendido dentro do periodo que identificaramos como o da "historia" do planejamento urbano de Curitiba, parece-me hoje que avangamos simultaneamente de pontos diferentes e em pianos paralelos, mas superpostos. Escolhendo eventos significativos —- uma eleigao ou deliberagao importante, a criagao de uma agencia ou um episodio de confrontagao entre atores centrals — desenvolviamos simultaneamente varios temas, "para frente" e "para tras", na medida em que as informagoes fluiam. Era como montar um quebra-cabegas a partir de varios pontos, progredindo mais em alguns que em outros, ate que todos convergissem para formar um padrao ou "desenho". O desenvolvimento destes temas avangava principahnente em discussoes informais da equipe e as conclusoes nem sempre eram colocadas no papel. Na verdade, tenho duvidas a respeito de se sabiamos estar, nestas ocasioes, elaborando um trabalho de reconstituigao. Talvez seja mais exato dizer que teciamos aos poucos a estrutura bdsica de uma versao da historia, carente ainda de detalhes e repleta de espagos temporais vazios. As discuss5es dentro da equipe eram sobretudo um mecanismo pelo qual cada um comparava sua versao prelimiuar com a dos demais, encontrando pontos de convergencia ou de divergencia, fazendo retificacoes, experimentando sequencias alternativas de eventos. Mas obtinhamos sempre um substancial residuo de percepgoes concordantes, de interpretagoes identicas que iam se somando. A imagem analogica que me ocorre e a de um escritor que elabora as linhas basicas de um enredo dramatico: os personagens carecem ainda de fisionomia distinta, de um perfil psicologico definido, os detalhes da acao e os enredos secundarios e paralelos permanecem embrionarios ou como meras possibilidades. Da mesma forma como o desenvolvimento de um enredo se estrutura em capitulos ou atos — pelo menos no tipo classico ou academico de narrativa — definimos tambem nossa "unidade dramatica". No caso, uma unidade de tempo significativa e relativamente curta; ou seja, cada uma das tres administracoes municipals compreendidas no periodo a ser reconstituido. Estou certo
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cortes temporals. Grande parte deles — relatorios financeiros, atas de reunioes de conselhos, organogramas, leis e codigos municipals — ajustava-se obviamente a essa perlodizagao. Ademais, descobrimos que manipulavamos de forma mais agil o consideravel volume de dados e informag5es quando trabalhavamos unidade por unidade, cada qual bem delimitada no tempo, sobretudo porque Kdavamos de cada vez com um numero consideravelmente menor de informagoes e dados. E dentro de cada unidade — ou administragao — ficava mais facil estabelecer as relagoes entre eventos particulares nas dimensoes financeira, tecnica, administrativa e politica. A reconstituigao de cada periodo de gestao politico-administrativa resultava num perfil ou padrao caracteristico. E verificavamos que cada novo dado ou informagao ajustava-se a este padrao, adquiria sentido dentro do conjunto, expandia-o e por isso mesmo confirmava-o. Finalmente, ao juntarmos em sua ordem cronologica as tres unidades reconstituidas emergiu o padrao mais amplo do processo estudado. Percebia-se claramente que cada unidade constituia uma fase ou etapa do processo. A primeira, de institucionalizacao do planejamento, foi a fase da decisao de planejar, da construgao de suporte politico para a empresa, do estabelecimento de compromissos irreversiveis com o planejamento e da montagem dos instrumentos e estrategias requeridos; a segunda, de transicao, e a fase dos confHtos e processes de acomodagao decorrentes da introdugao das "inovagoes" de planejamento no sistema social; finalmente, a terceira e a fase da implementagao, quando a fisionomia urbana comega a ser efetivamente modificada. Distinguimos ainda uma fase de condigoes previas (de 1943 a 1963), sobretudo de ordem tecnica e cultural. Nao a reconstituimos, mas deixamo-la caracterizada por seus aspectos mais determinantes com respeito so planejamento. Esta fase constituiria, digamos, a pre-historia do planejamento urbano em Curitiba. No conjunto, haviamos conseguido montar uma versao coerente e consistente do "caso de Curitiba". Como ocorre normalmente em pesquisas de tipo quaHtativo, o criterio central para julgar a validade da versao era o sentimento de que o conjunto "fazia sentido". Cada fase adquiria significado quando apreciada no contexto global da reconstitulgao, e fatos ou acontecimentos particulares podiam ser explicados em termos de sua articulagao com outros fatos dentro de uma ou mais fases. For exemplo, o isolamento a que fora forgado o IPPUC na fase de transient), quando por fatores politicos o Departamento de Obras passou a ocupar a posigao de lideranga na condugao do planejamento, explica em
grande parte o "sucesso" da fase de implementagao, periodo em que Curitiba ganhou projegao nacional. Esta marginalizasao da agencia do Piano permitiu a sua equipe deseuvolver uma intensa atividade de elaboragao de estudos tecnicos, projetos e programas, o que permitiu a administragao seguinte, afinada com o corpo de profissionais do IPPUC, passar imediatamente a implementagao. Outro fato que a versao reconstituida ressaltava era o surpreendente grau de autonomia financeira de Curitiba com relagao a entidades federals ligadas ao planejamento urbano, o que possibilitou as sucessivas administragoes municipals escapar aos complica^ dos procedimentos metodologicos e exigencias normativas impostos como condigao de financiamento. Isto permitiu ao planejador curitibano uma consideravel flexibilidade de agao e a plena utilizagao de seu profundo e genuino conbecimento da cidade, em nenhum momento constrangido pelos requisites de uma metodologia abstrata. Varias conexoes deste tipo vieram a compor boa parte do Relatorio Final, que terminava com algumas recomendagoes de politica. Mas o que emergiu de mais importante do processo de reconstituigao e analise do "caso de Curitiba" foi a compreensao de que o planejamento tern uma dimensao politica meludivel que condiciona os aspectos tecnicos.
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O Planejamento como Politica Os teoricos do planejamento sao viciados na pratica de um raciocinio extremamente simplista que consiste em catalogar fatores favoraveis de um lado, e de outro os desfavoraveis. Estas simplifieagoes levam quase sempre a analises distorcidas por instancias da chamada "falacia funcionalista": se determinada experiencia de planejamento obtem sucesso e porque atuaram os fatores positives; em caso contrario, os negatives. 0 receituario dos planejadores urbanos e abundante nestas taxonomias, com o que se perde a perspective de que o necessario e a especificagao da1 dinamica da interagao entre fatores favoraveis e desfavoraveis da qual resultam processes reals de planejamento, bem ou mal sucedidos. Note-se ainda a tendencia em arrolar os fatores politicos na categoria dos condicionamentos negatives. E neste particular o *rcaso de Curitiba" e ilustrativo. 0 que deu notoriedade a experiencia curitibana foram as solugoes tecnicas aplicadas ao problema da expansao urbana, ainda que constituissem o aspecto menos original do experimento. No entanto, o que ha de notavel no "caso de Curitiba" e que tais solugoes puderam ser implementadas en-
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quanta propostas tecnicas igualmente corretas tern abortado em outros centres urbanos. Nao e a tecnica do planejamento o aspecto mais relevante do processo, mas a politica do planejamento. 0 fato de que a dimensao politico-institucional nao tenha despertado o mesmo interesse — se e que despertou algum — devese, provavelmente, a nogao tao cara a mentalidade tecnicista de <jue a politica constitui elemento de "irracionalidade" nao sendo, pois, susceptive! de ser listada entre os fatores responsaveis pelo planejamento bem sucedido. Dai se inferiu ou que nao houve politica no planejamento curitibano, ou que bouve a "boa politica", raciocinio que exemplifica bem a "falacia funcionalista". Ore, a politica nao e sempre, e nem necessariamente, incompativel com o planejamento. Pelo contrario, ela representa um necessario mecanismo de correcao pelo qual se assegura que a "racionalidade" do piano nao exceda o nivel de racionalidade possivel dentro de um dado contexto social. Nestes termos, a politica e quase sempre um fator de acrescimo nas probabilidades de sucesso do piano ao forgar o planejador a abandonar a atmosfera rarefeita nas solucSes abstratas, da racionalidade sem referente empirico. E na mesma proporcao em que o planejamento se viabiliza por tomar em consideragao os condicionamentos politicos, ele introduz taxa consideravel de racionalidade no sistema politico. De principio, qualquer piano que aspire viabilizar-se tera de ser, necessariamente, o resultado de um compromisso politico. Um piano e uma proposta normative e, portanto, unia policy. Ele acolhe certos problemas e negligencia outros, propoe determinadas alternativas e nao outras, especifica certos instrumentos e nao outros. E essas preferencias tern pouco a ver com a aplicagao de criterios tecnicos de decisao. Antes, elas tern a ver com a politics, isto e, com o sistema de forcas politicas que prevalece em dado momento num contexto social particular. Neste cenario, a tecnica apenas serve a politics na formulagao e implementagao da policy. E tanto e assim que, fosse outra a composicao de forgas, tambem a esta nao faltaria o suporte tecnico para justificagao da policy resultante. Ao recrutar seus tecnicos, os governantes, a qualquer nivel, nao escolhem os melhores entre os melbores, mas os melhores entre seus correligionarios. Mas o compromisso que da suporte a policy — ao piano — e sempre, ou quase sempre instavel. Dai que o piano realmente implementado raramente seja identico ao proposto. As alterag5es introduzidas podem ser extensas e profundas ao ponto de desfigurar o piano original, tal como pode suceder ate mesmo que se "arquive" o piano original quando Ihe falta suporte politico. E esta insta-
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bilidade, ao contrario do que se pensa, nao termina com o inicio da fase de implementagao. Pelo contrario. Devido ao seu carater generico e mais ou menos abstrato, e mais facil formar um grau satisfatorio de consenso em torno do piano exatamente na fase de formulagao inicial. Na etapa de implementacao, todavia, as isteneoes do piano sao operacionalizadas em termos de alocacao de recursos financeiros, de poder e influencia: posigoes tecnicas e administrativas com capacidade de comando devem ser distribuidas, recursos orgamentarios serao alocados, relagoes de comando e subordinacao haverao de ser estabelecidas. Em sintese, alguns ganharao mais que outros, e a barganha politica podera alterar substancialmente a defmigao do que esta ou nao implementado. Dito de outra forma, a integridade maior ou menor do piano — a extensao das alteragoes introduzidas — dependera de quanto suporte a "coaUsao do piano" conseguira mobilizar. Reavaliando a Ignorancia A referencia anterior a dimensao politico-institucional do planejamento e pertinente tambem num outro sentido, Estou persuadido de que fosse eu um especialista e ela me teria escapado irremediavelmente, assim como a perspectiva "historica" que nos levou a reconstituigao do "caso de Curitiba", ambas de importancia crucial no entendimento do processo de planejamento. Este ponto tern a ver com a mengao a ignorancia especifica e absoluta nas primeiras paginas deste artigo. Realmente, eu nada conhecia sobre o planejamento urbano em Curitiba. E quanto ao planejamento na acepgao generica do termo? Bern, qualquer sociologo sabe alguma coisa sobre processes decisorios, exercicio de poder, relagoes interorganizacionais, processos de influenciamento, comportamento burocratico ou recursos de legitimagao de autoridade. Mais exatamente: qualquer sociologo conhece teorias ou fragmentos de teorias sobre estas coisas. TJns saberao mais sobre algumas delas do que sobre outras, mas o importante e que dispoem de uma bagagem conceitual que se refere a estes fatos ou processes num nivel de abstragao relativamente alto, assim como de um elenco de proposigSes genericas — geoeralizacoes empiricas — que estabelecem as conexoes destes fatos ou processo com outros, ou entre componentes de nm mesmo fato ou processo. E assim, por exemplo, que a categoria "processo decisorio" e um instrumento analitico que o sociologo aplica na compreensao de coisas aparentemente tao dispares como a elaboragao de um orcamento e processes de expansao de uma empresa, o planejamento de uma cidade e uma eleigao presidencial. Em suma, o
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que desejo dizer e que, qualquer que seja o fato particular em estudo, o processo de entende-lo consiste sempre numa operacao de "traduzir" o conhecimento imediato para a linguagem da disciplina. Em outros termos, esta "tradugao" consiste em aplicar conceitos, por defiuigao genericos e abstratos, a eventos particulars, e em subsumir as conexoes internas e externas destes eventos nas generalizagoes empiricas. Se este argumento e correto, o que se requer do sociologo e, em primeiro lugar, urn conhecimento tao solido quanto possivel da sua disciplina: a bagagem conceitual, as construgoes teoricas, os modelos analiticos e o residue de conhecimento acumulado atraves de investigacoes empiricas." Quanto mais solido e vasto este conhecimento, maior sua capacidade de "traduzir" — isto e, de analisar e explicar — uma gama mais vasta de fatos ou processes particulares. Parece claro, por outro lado, que dispondo deste tipo de fonnacao o corpo teorico da disciplina ja fornece ao pesquisador, desde o inicio da investigaeao, um contexto de interpretacao do objeto em estudo. Ou seja, desde o primeiro contato com o objeto de estudo o pesquisador ja traz articulado um conjunto de categorias analiticas que constituem uma primeira e provisoria "tradugao" para a linguagem da sociologia. De certa forma, o pesquisador ja conhece alguma coisa sobre aquele objeto antes mesmo de dar inicio a investigacao. Por exemplo, chamassemos ou nao de "planejamento" o que sucedia em Curitiba — e a designacao do processo e ate certo ponto irrelevante — o fato e que se tratava, entre outras coisas, de iudividuos tomando decisoes, de organizagoes interagmdo num contexto conflitivo ou cooperative segundo as circuiistaneias, de atores que influenciavam e eram influenciados, de agencias burocraticas disputando recursos escassos dentro da administragao municipal. E com relagao a estas coisas e suas conexoes a sociologia conta com um acervo respeitavel de formulacoes teoricas e de conhecimento empirico. Neste sentido, "planejamento" nao era um processo que desconhecessemos inteiramente, ou sobre o qual nao tivessemos concepcoes articuladas, ainda que provisorias. Em suma, para nos a questao resumia-se em "espeeificar" um processo social particular — o "planejamento" — a partir de um conhecimento generico sobre processos sociais em geral. Creio que esta e a operacao basica de que se utiliza a maioria dos sociologos generalistas, e neste sentido a "ignorancia especifica" e a regra, nao a excegao. Nem constitui um tipo de deficiencia. Pelo contrario, e se tomarmos como modelo os grandes mestres da sociologia classica e contemporanea, e possivel afirmar que uma solida formacao na disciplina produzira quase sempre um generalista.
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Este e, por assim dizer, o individuo especializado em s nao neste ou naquele assunto particular. Ele e, por definigao um "ignorante especifico". 0 especialista e, inversamente, 0 socioloeo que perdeu pe em sua disciplina e reduziu o alcance de sua visao analitica dos processos sociais. Creio mesmo que a especializagacde conhecimento — em temas, topicos ou areas — produzira quase sempre um tecnico ou algo muito proximo disto. fi ilustrativo desta afirmacao o fato de que na area da teoria organizacional, por varias raz5es tao vulneravel a tendencia a especializacao e ao tecnicismo, as contribuigSes mais fecundas e duradouras tenham sido produzidas por sociologos generalistas que, por exemplo, atraves de Weber mantem solidos vinculos com a tradigao teorica da sociologia. Os que romperam o vinculo se espeeializaram e nao raras vezes se estabeleceram na area da consultoria tecnica. Sao eles os "conhecedores especificos" e "ignorantes genericos". Uma Satisfagao a Metodocracia Finalmente, haveria ainda algo a dizer quanto a metodologia empregada no "projeto Curitiba". Pensando bem, nao tivemos nenhuma preocupacao com nenhuma questao metodologica ou de tecnica durante o decorrer da pesquisa. Procedemos como qualquer individuo ou grupo que tern um problema a mao e que trata de soluciona-lo da melhor forma possivel tendo em vista as condigoes e recursos disponiveis. Isto quer dizer que por comparagao com as prescrigSes dos manuals de metodologia somos culpados de urn mimero de heresias metodologicas suficiente para despertar os furores dos puristas e a cassagao de nossos direitos professionals pela metodocracia. Nas entrevistas, por exemplo, simplesmente ligavamos o gravador — se o entrevistado nao solicitasse o contrario — e faziamos nossas perguntas da forma mais natural possivel. Tanto quanto me recordo, todos entendiam perfeitamente o objetivo e o conteiido de cada questao; quanto a nos, nao tinhamos dificuldade alguma em entender as respostas. Se sentiamos ,que algo nao ficara bem claro pelo conteudo da resposta obtida, simplesmente tentavamos ser mais claros na repeticao da pergunta. Muitas vezes o proprio entrevistado solicitava esclarecimentos. Enfim, o comportamento de ambas as partes era o de pessoas em bom estado de saiide mental, medianamente inteligentes e educadas, com dominio satisfatorio do portugues corrente e interessadas em estabelecer e mauler um clirna de adequada cordialidade. Nao nos esforcamos ern_ser espertos demais, nem os entrevistados em serem cinicos em demasia. Nestas circunstancias, eu nao saberia o que
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fazer com a parafernalia de principles e normas de tecnicas de entrevista que foram criadas para extrair informagoes que nao interessam ao pesquisador e que o entrevistado resiste em fornecer (ou que forneceria se fosse solicitado a faze-lo de forma direta e natural). Nem nos preocupamos em estabelecer rcgras ou principles de validacao das informagoes. Entretanto, estou convencido de que todas foram checadas de alguma forma que nos pareceu satisiatoria. Infereneias foram exaustivamente examinadas em debate dentro da equipe de pesquisa, hipoteses de causalidade nao eram aceitas sem passar pelo crivo da critica de cada pesquisador, e interpretagoes de fatos ou processes particulars eram submetidas a prova do confronto ilas divergencias. Mas tudo isso de forma natural, sem os constrangimentos de uma "consciencia metodologica" a pesar nas decisoes. Enfim, praticamos a metodologia possivel, sem o compromisso de obedecer" a qualquer das metodologias codificadas pelos manuais. O processo todo foi algo desordenado e ilogico, pelo menos se julgado pelos criterios da "logica reconstruida", para utilizar o conceito de Kaplan. Mas creio que e exatamente a esta desordem e falta de logica aparentes o que ele chama de "16gica-em-uso". E e esta que deveria ser o objeto da avaliagao do metodologo como critico dos procedimentos de pesquisa. Entretanto, como transmitir-lhe esta "16gica-em-uso"? A tarefa e relativamente facil quando se trata da pesquisa de tipo quantitative, cujos procedimentos ja se encontram satisfatoriamente codificados e sistematizados. A transcrigao de uma escala, a descrigao do processo de construgao de um indicador, a comparagao entre a verbalizacao das hipoteses a serem verificadas e as equagoes de regressao correspondentes, tudo isto constitui a materia sobre a qual se debruga a critica metodologica. Ela se torna possivel porque a reconstituigao da "16gica-em-uso" na pesquisa quantitativa e mais facil e fidedigna. Trata-se de uma "16gica-emuso" razoavelmente sistematizada. Na pesquisa qualitativa a questao nao e tao simples. Um exemplo dessa dificuldade sao as paginas anteriores deste artigo. Relendo-as percebo a enorme distancia que vai do relato da experiencia a propria experiencia, e nao ha nada que eu possa fazer para remediar o fato de que no passo de uma a outra esvaiu-se da memoria a "16gica-em-uso"; ou melhor, dela sobraram apenas os aspectos mais estruturados, fragao minima do fluxo de intuigoes, sentimentos, percepgoes e ideias que constitui o modulo central da "16gica-em-uso". E ainda (jue em varies pontos eu in-
sista no carater algo desordenado do processo da pesquisa, ficou-me tambem a impressao de que nao e exatamente isto o que transmito na reconstituicao da experiencia. Finalmente, receio que algum leitor pergunte pelos erros e desacertos que fazem parte da experiencia de investigacao. Reahnente, o relato esta limpo deles, mas a razao para isso provavelmente esta em que erros e acertos nao tern seu momento proprio no fluxo da pesquisa qualitatitva. A percepgao do erro e os mecanismos de corregao confundem-se num tempo comum, e neste sentido o produto final parece ser o resultado apenas dos acertos. Em sintese, se existe uma esfera de atividade em que a sociologia aproxima-se mais da arte que da ciencia, esta e a area da pesquisa qualitativa. Ai e certo que se encontra a dimensao estetica da disciplina, algo que os sociologos da vertente etnometodologica e do interacionismo simbolico conhecem a sociedade. O importante e dizer, contudo, que esse fato nao desmerece nem a arte, nem a sociologia. Muito pelo contrario.
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8 Voce Quer Ir a Paris? Ou de como Passei a Entender de Dissemina^ao de Resultados de Pesquisas de Ciencias Socials entre Policy-Makers" * ALEXANDRE DE S. C. BARROS Este artigo descreve uma pesquisa ou, se preferir o leitor, conta a historia de uma pesquisa que envolveu um ano e um mes de negociacoes previas a sua realizagao e apeuas nove meses de realizagao, alem de tornar os autores entendidos em algo em que eles nunca haviam tido interesse antes. No piano institutional, estavam envolvidas na negociacao e na realizacao da pesquisa quatro entidades: uma no Rio de Janeiro, duas em Nova York e uma em Paris. Como se nao bastasse isso, havia um coordenador internacional (parte do tempo em Paris e parte do tempo em Nova York) e um pesquisador no Brasil. * Sou particularmente grato a Maria Liicia de Oliveira, minha mulher, por me haver desestimulado a intitular este artigo como acabei de intitula-lo. Paralelamente, sou tambem particularmente grato a Howard S. Becker por me haver estimulado a intitula-lo como o intitule!. Alem disso, discuti diversos pontos deste artigo com essas duas pessoas e muito lucrei com tais discussoes; no entanto, a responsabilidade por seu conteudo e totalmente minha. A Maria Lucia sou tambem grato por revisoes do manuscrito. Este artigo, num certo sentido, se constitui numa continuacao natural do argumento que iniciei em meu outro artigo, "Gulliver em Lilliput ou a Imagem que os Cientistas Sociais Tern de si Mesmos", publicado como Introdufao a um volume intitulado Organizofao e Politico da Pesquisa Social (Rio de Janeiro: Fundacao Getulio Vargas, 1975),
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ambos com ideias bem divergentes a respeito de diversos pontos do projeto. Uma vez iniciada, a pesquisa envolveu uma equipe de tres pessoas que entrevistaram 45 membros das elites politica e burocratica brasileira. Os resultados do projeto foram escritos num relatorio mimeografado em que sao descritos com razoavel dose de exatidao os processos de tomada de decisao que levaram o governo brasileiro a eriar o Fundo de Garantia do Tempo de Servigo (FGTS) e o Programa de Integragao Social (PIS), decis5es estas tomadas, respectivamente, durante a administracao Gastello Bianco e durante a administragao Garrastazu Medici. 0 relatorio apresenta tambem conclusoes a respeito de como circulam informacoes oriundas de pesquisas de Ciencias Sociais entre atores poL'ticos e burocraticos no Brasil.1 Parece muito, mas na realidade nao e, como o leitor vera lendo a historia. O titulo do artigo e pouco ortodoxo, como tambem o e o artigo. Quando Edson Nunes me convidou para colaborar com um artigo para este volume, eu decidi que nao escreveria um artigo convencional de metodologia ou de tecnica de pesquisa. O titulo provisorio do volume que ele me fomeceu, O Cotidiano da Pesquisa, me dizia que o artigo nao deveria ser algo que duplicasse livros de metodologia ou de tecnicas de pesquisa, pois estes existem em abundancia e ensinam metodologia muito melhor do que eu poderia faze-lo, ja que nao sou metodologo. Desta forma, escrevi o artigo o mais "cotidiano" possivel, na tentativa de dar ao leitor uma ideia de algumas das coisas nao mencionadas nos manuals de pesquisa que a realizacao deste projeto implicou. Adicionalmente a isto, o artigo reflete uma preocupa^ao minha desde os tempos de estudante de graduacao, quando me foram ensinadas poucas coisas uteis a respeito de pesquisa, e o pouco que me foi ensinado se provou de utilidade duvidosa na vida profissional. Da maneira como metodologia me foi ensinada, sai da faculdade, por um lado, com a impressao de que fazer uma pesquisa era uma tarefa quase impossivel, dadas as complicacoes metodologicas, os custos Bnanceiros e as complicacoes estatisticas; por outro, acreditava que a pesquisa era fundamentalmente um processo individual de elaboragao do pesquisador, em que as coisas mais importantes advinham da capacidade mental (fantasiosa ou nao) 1
Alexandre de S. C. Barros e Argelina M. C. Figueiredo, "The Creation of Two Social Programs: The FGTS and the PIS — A Brazilian Case Study on the Dissemination and Use of Research for Governmental Policy-Making", Rio de Janeiro, 1975 (mimeografado).
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do pesquisador, e o mundo a ser pesquisado era irrelevante no sentido de que ele se comportaria de acordo com as minhas expectatlvas. As frustragoes dos primeiros anos de carreira foram grandes, e tomou tempo aprender porque o mundo nao se comportava como os livros diziam que ele devia. Neste sentido, a tonica deste artigo e transmitir a nogao de que a vida real do pesquisador envolve uma serie de complicacies das quais os livros nao falam e que podem ser muito desestimulantes. For essas razoes, achei que devia apresentar ao leitor um trabalho que fosse tao realista quanto possivel, no sentido de transmitir a imagem mais fiel possivel dos problemas nao metodologicos envolvidos na realizagao de um projeto de pesquisa, problemas estes que podem "devorar" um projeto tornando-o mais um na lista de projetos de pesquisa em Cieneias Sociais que nunca sao terminados. A heterodoxia do artigo, a comecar pelo seu titulo, pode dar a impressao de que ele e um artigo sobretudo — ou apenas — destinado a "dizer que o rei esta nu". Num. certo sentido, ele (o rei) esta nu, e ha muito tempo, mas isso nao torna a vida academica menos atraente nem menos excitante. Robert M. Hutchins disse uma vez que"depois de uma longa e penosa experiencia, ele havia chegado a conclusao de que professores eram um pouco piores do que o comum das pessoas e que cientistas eram muito piores do que professores. De urn certo ponto de vista, o que disse Hutchins e verdade; no entanto isto nao torna a vida academica desinteressante de ser vivida, desde que se esteja consciente de suas idiossincrasias, e e para algumas delas que o presente artigo pretende chamar atengao. A maior parte dos livros de metodologia se parece aos livros de culinaria que sao utilizados por aspirantes a mestre-cuca. Se se segue a receita a risca, maxim izam-se os problemas de coordenagao de tempos e movimentos; se nao se a segue, ha o risco de que as "pitadas" de fennento ou de qualquer outro ingrediente sejam excessivas ou insuficientes. Resolvidos todos estes problemas — coisa dificil para os aspirantes — as coisas acabam falhando porque entra uma corrente de vento no forno e o bolo fica "solado", assunto e'ste da mais fundamental importancia do qual o livro nao se ocupou. Como os livros de culinaria, os manuais de pesquisa, por um lado, ensinam todos os ingredientes metodologicos e tecnicos sem os quais o pesquisador tern a impressao ou de que sua pesquisa nunca saira, ou de que, se sair, nao sera valida. Por outro, eles raramente informam a respeito dos outros problemas que sao tao
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perigosos quanto os enguicos jnetodologicos, mas a respeito dos quais os pesquisadores nunca sao avisados de antemao. Um dos primeiros pontos que raramente e mencionado pelo&" manuais de pesquisa e que as pesquisas que eles recomendam em geral custam dinheiro, e muito dinheiro. Alem disto, nunca fica claro nestes manuais quern vai pagar pela pesquisa, e quais os problemas que dai podem decorrer. Uma das primeiras coisas, portan-i to, a respeito das quais e importante estar consciente e de que, na niaior parte dos casos, projetos de pesquisa tern, de uma forma oil de outra, que ajustar-se aos fundos disponiveis para a sua realizagao. Caso a pesquisa seja "aplicada", ha de haver alguem interest dc em saber o que o cientista social tern capacidade de informar; caso seja "pura", ha que haver algum "mecenas institucional" (o Estado, fundagoes, universidade, ou o que seja) que se interesse e confie no cientista social para dar a ele o meio de troca com o qual podera comprar os servigos de que necessita para a realizacao da pesquisa. _ Em consequencia do primeiro ponto e que, como diz o ditado ingles, "quern paga a orquestra tern sempre o desejo de escolher a musica". Sem diivida, a instituicao que paga os custos da pesquisa — especialmente no caso de pesquisa aplicada — quer ter algum controle sobre os tipos de resultado que deseja, e nao ha nada de anormal disto, mas e importante que o cientista social esteja consciente do fato. O problema surge quando quern paga a pesquisa quer exercer controle sobre o conteudo dos resultados, coisa que ocorre especialmente no caso de pesquisas orientadas para policy-making, quando os policy-makers muitas vezes contratam pesr quisas para justificar "cientificamente" decisoes que eles ja toma* ram. Estes dois pontos trazem a baila um aspecto importante a respeito de pescpiisa de Cieneias Sociais ainda pouco difundido no Brasil, qual seja o de que a pesquisa e uma atividade professional, coisa que quer dizer, neste contexto, que quern paga nao tern o direito de controlar nem o metodo de execugao, nem tampouco os resultados. Em outras palavras, e uma situagao semelhante a que se encontra entre cliente e medico, na qual o ultimo e pago para prescrever o tratamento que Ibe parece mais adequado e ao primeiro cabe pagar, tratar-se e tentar ficar curado, coisa que nao quer dizer que o cliente tenha controle sobre o que faz o medico profissionalmente. Esta uatureza ambigua da relagao, entretanto, nao exclui que o medico mantenha o cliente tao informado quanto possivel a respeito dos tratamentos que esta realizando. O mesmo vale para o processo de financiamento de pesquisa.
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Como Comegou a Historia — Voce quer ir a Paris? — Foi esta a pergunta que me fez Simon Schwartzman em algum momento na segunda metade de 1973, quando trabalhavamos ambos na Fundagao Geulio Vargas. — Bern, claro, mas de que se trata? Que e que eu tenho que fazer? — Recebi um convite para ir a uma conferencia e nao posso. Creio que voce gostaria de ir, e o tema tern algum interesse para voee. Em principio, voce tern que escrever um paper sobre disseminagao de informacoes de Ciencias Sociais entre policy-makers. Vou dar a voce a documentagao que recebi e depois voce resolve. Para encurtar a historia, fiz uma excelente viagem a Europa e dois anos depois havia virado uma pessoa que entendia deste exdruxulo assunto: "disseminacao de pesquisa". De la para ca ja participei de outra reuniao internacional sobre o assunto, ja escrevi — junto com Argelina Cheibub Figueiredo — um artigo, e ja recebi cartas dos lugares mais inesperados a respeito do tema. Achei que contar esta historia de como congou meu envolvimento com o tema era importante, mas o assunto "deu panos para manga" em casa, Minha mulher, que tambein e cientista social, me alertou que esta historia significaria me expor e que talvez viesse a me "queimar" como oportunista. Confesso que hesitei. Discutimos o assunto e depois eu converse! com Howard Becker, que me encorajou fortemente a contar a historia, pois, afinal de contas, muitas das coisas que acontecem nas Ciencias Sociais (e nas naosociais tambem, diga-se de passagem) ocorrem desta maneira, e muitas pesquisas comegam de maneira semelhante.2 Retomando a historia, Simon me passou os documentos que ele havia recebido a respeito da reuniao. Li-os e verifiquei que nela se iria tratar de como as informacoes produzidas por cientistas sociais chegavam as maos de policy-makers governamentais. Como eu tinha interesse pessoal em saber um pouco mais a respeito de como se dava o processo de tomada de decisao no governo brasiloiro, me pareceu possivel acoplar os dois assuntos num so projeto. 2
Sobre as motivacces que levam cientistas sociais a escolherem uma especialidade ou a fazer uma determJnada pesquisa, e muito ilustrativo ler o irreverente "Dialogo com Howard S. Becker", no qual ele conta como veio a fazer sua tese de mestrado sobre musicos profissionais, como se tornou um cientista social especializado em ocupacoes e profissoes e como passou a estudar escolas de medicina, O diSlogo estd publicado em Howard S. Becker, Uma Teoria da Agao Coletiva (Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977), pp. 13-36.
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Preparei um paper propoucto um estudo dos processos que haviam levado as tomadas de decisao que criaram o FGTS e o PIS Minha escolha recaiu nestas duas decisoes em particular nao porque eu tivesse especial interesse nelas, mas por se tratarem de decisoes de grande magnitude, que, segundo eu presumia, teriam sido suficientemente complexas para constituir uma boa "amostra" do processo decisorio. 0 paper propunha tambem a investigacao de como havia ocorrido o processo de feitura e circulagao das pesquisas de Ciencias Sociais que teriam sido feitas anteriormente a tomada de decisao. Durante a reuniao apareceu o primeiro problema nao antecipado, e que permaneceu na pesquisa ate que ela terminou. Minha perspectiva era de que a producao e a cireulacao de informacoes de Ciencias Sociais entre atores politicos era um processo essencialmente definido por "vdridveis de ordem politica> ou seja, as pesquisas que circulavam entre politicos e burocratas £aziam-no, ou deixavam de faze-lo, nao pela sua qualidade academica intrinseca, mas sim porque havia caracteristicas politicas das pesquisas, de seus resultados ou dos pesquisadores nelas envolvidos que faziam com que algumas pesquisas circulassem com mais intensidade ou facilidade e outras circulassem com menos. A perspectiva dos patrocinadores da reuniao (ou ao menos de parte deles) era de que o processo de circulacao de pesquisas era um processo essencialmente dependente das caracteristicas extrinsecas da pesquisa (forma, tamanho, etc.), bem como dos canals "comunicacionais" que fossem utilizados para dissemina-la, ou seja, se se tentava faze-la chegar aos policy-makers atraves de correio, pessoalmente, durante reunioes cientificas, etc. Este primeiro problema que se colocou nunca e tratado nos livros de metodologia. Utilizando com alguma flexibilidade a linguagem de Thomas Kuhn, havia uma diferenca de "paradigmas" entre quern iria financiar a pesquisa e quern iria realiza-la. O meu "paradigma" era politico, enquanto o da organizacao era "comunicacional".3 Apesar desta diferenga, ficou decidido que a organizagao patrocinadora da reuniao (que nao dispunha de fundos proprios) se encarregaria de atuar como intermediaria no sentido de conseguir o dinheiro necessario para a reaUzaQao do projeto. Voltei ao Brasil e esperei mais ou menos ansiosamente que algo fosse resolvido dii3
Estou Utilizando mais ou menos livremente o conceito de paradigmas cientificos discutido por Thomas Kuhn em seu livro The Structure of Scientific Revolutions (Chicago: University of Chicago Press, 1970).
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rante uns tres meses. Pouco a pouco, como nada acontecia, o assunto foi esfriandq, as cartas rareavam e o dinheiro nao aparecia. A reuniao de Paris foi em novembro de 1973. Entre o Natal e o Ano Novo de 1974 recebi um telegrama de New York que dizia mais ou menos o seguinte: Money Available Stop Start Research Immediately Stop. Desta forma, somente um ano e um mes depois da reuniao foi que os fundos para a realizagao da pesquisa ficaram disponiveis. Meti maos a obra e comecei a cuidar de contratar pessoal para iniciar o projeto. Havia, no entanto, uma preocupacao: eu iria comegar o projeto em Janeiro de 1975 e em setembro do mesmo ano estava de viagem marcada para os Estados Unidos para terminar minha tese de doutorado, e isto era inadiavel. Assim, o projeto tinha que estar terminado antes da viagem, coisa que nao me dava mais do que nove meses para terminar tudo. 0 problema era de organizagao do tempo: dividir as tarefas de modo a ter tempo de fazer tudo durante este perfodo e estar com o relatorio pronto antes de primeiro de setembro, se fosse possivel. Foi. Em meados de Janeiro chegou ao Brasil o coordenador internacional do projeto, que nao sabia qual era a moeda brasileira e imaginava que Copacabana fosse uma especie de "Promenade des Anglais" a moda do que existia na Riviera Francesa, cbeia de iates ancorados em frente da costa, com muitos turistas. Nao sei o que mais ele aehava do Brasil, mas a julgar por esta amostra, creio que sua imagem do pais devia ser bastante erronea. Assim mesmo, ele insistia comigo que as variaveis que definiam a disseminacao de pesquisa no Brasil eram de ordem "comunicacional". Assim sendo, voltou, durante sua estada, o problema de nossa diferenca de "paradigmas". Ele continuava a considerar (nao importa o que eu tentasse dizer) os aspectos extrlnsecos da pesquisa combinados com os canais formais utilizados para sua disseminacao, enquanto eu continuava a dar importancia primordial as variaveis politicas. Alem disto, outro problema surgido nesta ocasiao e, num certo sentido, relacionado com o problema dos "paradigmas" era que eu estava preocupado com a disseminagao e com a utilizacao (ou nao) dos resultados de pesquisa, enquanto para ele o problemas cessava no momento em que a pesquisa fosse "lida". As discussoes que nos permitiram chegar a uma posigao de conciliagao foram longas e penosas, mas finalmente conseguimos, e saiu o roteiro de entrevistas a ser utilizado, o qual incorporava questoes relativas aos dois "paradigmas". De quebra, houve ainda o problema de que eu considerava o estudo a ser feito como urn estudo exploratorio, ao passo que ele de-
sejava um survey. De minha perspective, na medida em que as decisoes do FGTS e do PIS haviam sido selecionadas como representativas do processo, eu entendia que nao fazia sentido "eleger uma amostra". Era mais sensato entrevistar o universo dos atores envolvidos nas duas decisoes, coisa que era fisica e financeiramente possivel. Isto, no entanto, levantava um problema de carater metodologico: na medida em que a participagao dos diversos atores havia sido diferente tanto em intensidade quanta em qualidadc, nem todos poderiam responder a todas as perguntas que seriam feitas. Esta, portanto, foi outra opgao que foi necessario fazer, ou seja: se, num estudo exploratorio, era mais importante chegar a algumas percentagens corretas a respeito de poucas coisas, ou, alternativamente, se seria preferivel ter uma gama ampla, de respostas, ainda que menos precisas. Um livro de metodologia recomendaria, sem diivida, a primeira alternativa; entretanto, minha escolha foi pela segunda, ja que, dado o baixo grau de conhecimento a respeito do processo de tomada de decisSes politicas no Brasil, naquele momento pareceu-me mais importante e mais sensato ter uma visao geral que pudesse, de uma forma ou de outra, vir a orientar outros pesquisadores, em vez de buscar um alto grau de de exatidao sobre quase nada. A escolha da forma como os dados serao coletados, portanto, nao depende somente do desejo do pesquisador, mas da quantidade de fundos disponiveis, do "estado da arte" num dado momento, e do que considera mais importante saber. No caso especifico do projeto em questao, minha escolha foi primordialmente motivada pelo que eu considerava mais relevante saber; no entanto, os altos custos de um survey, combinados com o pouco tempo disponivel para sua realizacao, tambem contaram. 0 outro problema de magnitude maior a ser discutido naquela ocasiao, este de natureza eminentemente pratica, tinha a ver com a organizagao financeira do projeto. A serem seguidos os canais "convencionais", seria assinado um convenio entre a Fundagao Getiilio Vargas e a entidade que administraria o projeto em nome da entidade que o financiaria, intermediado pela entidade que coordenava o projeto no piano internacional. Sugiro que o leitor releia pausadamente a ultima sentenca e tente visualizar a quantidade de negociagoes burocraticas, cartas, etc, que seriam envolvidas caso o procedimento "convencional" fosse adotado. Sendo mais otimista, a solucao do problema tomaria dois meses; sendo mais pessimista, quatro a seis, e o projeto tinha que estar pronto em nove. A escolha feita foi por nao assinar um convenio, mas por contratar o pessoal necessario diretamente atraves da instituicao administradora do convenio em Nova York. Se, por um lado, esta escolha permitiu
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que o projeto fosse iniciado em tempo util, por outro, os pagamentos de pessoal, ao longo de todo o projeto, sairam atrasados (mas foram todos feitos), ja que o processamento das autorizagoes de pagamento era uma questao complicadissima envolvendo assinaturas de varias pessoas e mais o correio. Nao e em todas as ocasioes que esta simplificagao da administragao financeira pode ser feita; no entanto, quando e possivel, esta e uma escolha melhor, na medida em que minimizam-se negocia$oes burocraticas, embora nem sempre se minimizem os tramites.
Em termos dos tipos de entrevistados envolvidos, nosso universo incluia, entre outros, dois ex-ministros de Estado (recem-nomeados embaixadores e de partida para seus postos no exterior a prazo curto), um ministro de Estado em exercicio da fungao, urn ministro do Supremo Tribunal Federal, diversos senadores e deputados, e um grande numero de tecno-burocratas e representantes de grupos de interesse. Um dos fatos importantes era que a maior parte dos individuos a serem entrevistados ja nao ocupava mais os cargos no exercicio dos quais haviam tornado as decisoes, Como se tratava de membros da elite, nao era dificil localiza-los, 0 problema maior era conseguir o acesso para a entrevista, ou seja, conseguir que eles nos recebessem e concordassem em nos conceder as entrevistas. Para isto, especialmente no caso dos atores mais importantes, foi fundamental que nos utilizassemos de "fiadores", isto e, de outros membros da elite que conseguissem marcar as entrevistas atraves do afiangamento de que eramos pesquisadores legitimos e nao pessoas que iriam simplesmente tomar o tempo deles com perguntas idiotas. 0 sistema de "fiadores'* foi muito eficiente e considero-o altamente recomendavel para quem tenha que eutrevistar membros da elite. Outra coisa importante foi a utiUzagao dos proprios entrevistados com quem nos encontramos em primeiro lugar como "fiadores" para outros entrevistadores com quem eles tiubam relag5es politicas, pessoais, ou de negocios. Apesar dos "fiadores", nao conseguimos entrevistar o ministro de Estado em exercicio, nem o ministro do Supremo Tribunal Federal. 0 primeiro, por se encontrar fora do pais na ocasiao em que conseguimos o acesso, e o segundo por se haver excusado. Terminado o projeto, tenho certeza de que, se houvessemos entrevistado estes dois atores, a importancia de suas respostas teria sido apenas marginal, mas isto foi uma coisa que so viemos a salier quando o projeto estava quase pronto. De qualquer maneira, di-ixamos claro no relatorio que nao haviamos podido entrevistar alguns atores importantes cujas respostas poderiam ter sido importantes. Outro ponto a respeito das entrevistas tern a ver com o fato de que existe da parte dos pesquisadores um preconceito a respeito de atores politicos de elite que estejam ocupando, ou hajam oeupado, posigoes importantes em tempo recente. Em principle, tende-se a crer que tais atores serao 4tfechados" em termos de dar informa§oes. Nossa experiencia foi contraria, ou seja, os atores mais importantes tenderam a ser, em media, mais francos e mais informativos do que os menos importantes. Ignore se esta afirmacao se aplica tambem a atores politicos que estejam ocupando posicoes importantes
A Realizagao da Pesquisa Tendo ja tratado todos esses assuntos, nenhum deles abrangido pelos textos convencionais de tecnicas de pesquisa, chegou a bora de comegar a pesquisa propriamente dita. Como ja foi dito, o objetivo era duplo, resultante da combinacao dos dois "paradigmas". Havia duas etapas fundamentals de coleta de dados, uma de carater documental e outra envolvendo entrevistas com os atores participantes do processo de tomada de decisao. A parte documental foi a mais simples, pois bastou consultar jornais em arquivos, tarefa que foi bastaute facilitada pelo fato de que um dos membros da equipe era casado com uma pessoa que trabalhava no departameuto de pesquisa de um dos principals jornais cariocas: os jornais estavam la, o acesso era facil, e um dos membros da equipe ainda podia trabalbar perto de sua mulher. 0 objetivo desta fase era levantar informagoes basicas a respeito de quem havia participado da decisao (e de quern, havia resistido a ela) de modo a que se tivesse uma ideia initial a respeito do umverso de pessoas^ a serem entrevistadas. Fago questao de frisar uma ideia initial, pois posteriormente apareceriam outros atores importantes nas decisoes cujos nomes nunca apareceram no jornalt e de cuja participagao so viemos a saber por outros entrevistados. Em outras palavras, os jornais nos deram a sala de visita da decisao, enquanto os outros entrevistados nos deram a "copa-e-cozinha". Dada esta situagao, a proporgao que faziamos entrevistas nosso uniyerso aumentava com o surgimento de novos atores de cuja participagao uao sabiamos auteriormente. Terminamos realizando 45 entrevistas. 0 ordenamento da realizagao das entrevistas na fase inicial foi orientado no sentido de "mapear" a decisao de cirua para baixo, isto e, partimos dos atores publicamente identificados com as decisoes (que eram politicamente tambem os mais importantes) e fomos "descendo" para os esca!5es mais baixos da tomada de decisao.
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no momenta da entrevista, especialmente se a entrevista se relaciona com algo que estes atores hajam feilo durante sua gestao naquela posicao. De qualquer maneira, a licao que ficou de nossa experiencia foi de que so se vem a saber quao franco um entrevistado vai ser quando se o entrevista. Portanto, presumir que atores tais ou quais nao virao a dar informacoes pode, por um lado, deisar de lado informacoes importantes e, por outro, expor o pesquisador a situacoes embaragosas quando seu trabalho for tornado pubHco: se houver inexatid5es, sempre pode um destes atores aparecer para corrigi-las e alegar — com propriedade, diga-se de passagem — que suas respostas nao estao consignadas pelo simples fato de que ninguem Ihe foi perguntar sobre o assunto. A respeito da tecriica de entrevistar elites, ha um ponto para o qual Dexter chama atengao e que foi confirmado por nos.4 Ele alerta o'pesquisador que vai entrevistar atores politicos de elite para o fato de que estes tipos de pessoas, em geral, nao compartilham das mesmas premissas dos pesquisadores, ou seja, nos, cientistas sociais, teridemos a considerar a atividade politica como sendo muito mals sistematizada do que ela na realidade e, quando vivida por um politico ou tecno-burocrata. Para estes, a atividade politica e o dia-a-dia e nao uma serie de preceitos, teorias e categorias analiticas. No caso' brasileiro, a maior parte destas pessoas desconbece o que a respeito delas escrevem cientistas" sbeiais em seus livros e artigos. Elas tendein a estar muito mais preocupadas com o que a respeito delas escreve a imprensa. Desta forma, as premissas do cientista social, ainda que possam ser corretas, nao sao parte do universo de preocupagoes da maioria dos membros da elite politica. Se o cientista social insiste em centrar a entrevista (pu, simplesmente, iniciar a entrevista) "empurrando" suas premissas, ele corre o risco de aparecer aos olhos do entrevistado quer comb um pernostico, quer como um ingenuo, coisas que sem diivida prejudicam a tarefa. Cientes disto, optamos por iniciar as entrevistas pedindo aos entrevistadores que nos contassem a bistoria das decisoes segundo haviam sido vividas por eles. Esta estrategia se provou produtiva. Os entrevistadores ficavam muito mais a vontade, contavam historias e ilustravam seue pontos com outros casos comparaveis, fato que ajudava o pesquisador a entender a ambience do processo politico. Somente depois disto — o que contribuiu muito para "quebrar o gelo" das entrevistas — e que entravamos em perguntas detalhadas. 4
Lewis Anthony Dexter, Elite and Specialized Interviewing (Evanston: Northwestern University Press, 1970), especialmente pp. 5-7.
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Nossa primeira pergunta era: "Estamos investigando o processo de tomada de decisao que deu origem ao FGTS (ou PIS) e sabemos que o senhor participou de tal ou qual maneira." Esta pergunta, alem de dar liberdade ao entrevistado para que conte sua historia, tem tambem um outro elemento importante: o pesquisador informa nela ao entrevistado que sabe que ele participou e como o fez. A importancia da colocagao do problema desta maneira reside no fato de que, se, por um lado, os atores politicos gostam de falar de suas experiencias, eles nao gostam de falar a pessoas que estejam absplutamente "cruas" no assunto, pois se sentem perdendo tempo.6 As respostas recebidas a primeira pergunta (que, afinal de contas, era a que dava o "torn" e o "ritmo" do restante da entrevista) variaram em duragao, mas foram, de maneira geral, mais amplas e mais extensas do que se houvessemos comegado por uma pergunta (ou bateria de perguntas) que desse ao entrevistado a impressao de que o estavamos "interrogando". Se, por um lado, esta forma de iniciar a entrevista nos dava informacoes mais abrangentes, por outro existe o risco de que o entrevistador, caso nao tenha "tarimba" de entrevista, venha a tornar-se repetitive perguntando ao entrevistado coisas que ele ja respondeu. A adoeao desta estrategia, portanto, demanda a utilizagaoi de criterios por parte do entrevistador no sentido de "passar por cima" das perguntas que ja hajam sido respondidas. No que diz respeito a "trabalhar" com as entrevistas na fase de elaboragao do_relatorio, a ado§ao desta estrategia tem vantagens e desvantagens. Do lado das desvantagens, existem duas especialmente serias. Primeiro, torna-se mais complicado "pescar" informagoes nas notas tomadas durante as entrevistas, sobretudo se fo5
Creio que existe, da parte de consideravel parcela da elite politica brasileira uma atitude "colonial" a respeito de pesquisadores de Ciencias Sociais que faz coin" que estas pessoas concedam entrevistas com muito mais facilidade e deem - muito mais acesso a pesquisadores estrangeiros. sobretudo aqueles - oriundqs de papeis mais "desenvolvidos". Se por um lado isto e v^rdade, por, outro ha uma parcela de culpa da parte de alguns dos pesquisadores brasileiros que tendem a ir para as entrevistas "muito crus", isto e," sem saber nada a respeito quer do tema quer do entrevistado, coisa qiie cria, por vezes, situacoes desagradaveis e embaracosas, quando nao ofensivas, para com o entrevistado, Isto, sem falar na sensacao que tem o entrevistado de elite de estar perdendo tempo. Em uma ocasiao um jovem cientista social foi entrevistar o Senador Ernani do Amaral Peixoto, ex-lider do Partido Social Democraticof ator polftico atuante no primeiro piano do cenario politico brasileiro desde a decada de trinta e genro de Getulio Vargas, e perguntou-lhe se tinha algum parente que houvesse estado envolvido em politica!
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rem inuitas. na medida em que informacoes a respeito de teruas semelhantes aparecem em lugares diferentes nas varias entrevistas. Esta desvantagem e maximizada no caso de projetos onde quantificacao e primordial, mas este nao era o caso do nosso projeto. Segundo, surge o problema de que muitas perguntas nao terao sido feitas, coisa que deixa multos "brancos" aparentes na entrevista. A escolha ou nao desta estrategia depende dos objetivos do projeto. Do lado das vantagens, aparecem muito mais dados "de contexto" que auxiliam o pesquisador a entender o conjunto do processo d« tomada de decisoes, coisa que nao e o caso quando se segue urn roteiro rigido de pesquisa. A adocao desta estrategia apresenta um outro problema, que tem a ver com o acesso que outros entrevistadores virao a ter aqueles mesmos entrevistados em futuras pesquisas. £ bastante comum em entrevistas pouco estruturadas com elite que os entrevistados facam comentarios ou deem informacoes e explicitamente mencionem que o estao fazendo em confianga, deixando claro que aquelas informagoes estao sendo dadas apenas para facilitar o entendimento do entrevistador, e nao para serem divulgadas. No caso da ocorrencia desta situacao, cabe ao pestruisador respeitar a confidencialidade da fonte, em primeiro lugar, por problemas eticos e, em segundo, porque sua violagao pode vir fechar o acesso aquele ator para outros cientistas socials. Trata-se, portanto, nao so de um problema etico, como tambem de um problema de preservar o interesse da "classe". Um ponto importante e que, no caso de ocorrencia destas situagoes, nada impede que o pesquisador tente encontrar a mesma informaeao em outra fonte publica, ou mesmo em outra entrevista durante a qua! nao seja solicitada confidencialidade. No caso de o pesquisador conseguir a informagao de uma destas duas outras fontes, cessa sua obrigagao de confidencialidade o respeito do fato com a primeira fonte que pediu confidencialidade. Outro ponto importante a respeito de pesquisas relacionadas com o processo de policy-making se refere a necessidade de entrevistar os atores poKticos "derrotados" no contexto de uma dada tomada de decisao, ou seja, aqueles atores que foram impedidos de participar da decisao embora quisessem te-lo feito, os que foram eliminados no meio do processo, e os que tiveram suas sugestoes nao aceitas. Em muitos casos, as entrevistas destes personagens apresentarao um alto grau de amargura que, se, por um lado, pode diminuir a confiabilidade, por outro pode fornecer informa£oes relevantes que nao hajam sido mencionadas pelos "vitoriosos". O confronto das entrevistas dos "vitoriosos" com os "derrotados" possivelmente dara ao pesquisador uma visao mais completa e mais equilibrada do processo.
Finalmente, no que diz respeito ao problema de acesso para entrevistas, nos utilizamos a estrategia de mandar uma carta antes da entrevista, solicitandc-a, e outra depois da entrevista, agradecendo-a. Os dois tipos de cartas tem funcoes diferentes. No caso da carta solicitando a entrevista, especialmente nos casos em que nao se esta usando um "fiador", a maior parte dos entrevistados nunca respondeu. E, inclusive, muito possivel, e ate mesmo muito provavel, que a maior parte deles nunca tenha sequer visto as cartas, pois elas nunca passaram da mesa de suas secretarias. Entretanto, o simples fato de que a carta haja sido mandada e que se possa menciona-la quando se telefona para marcar a entrevista ajuda muito, pois se o entrevistado viu a carta ja sabera do que se trata. Se nao viu, dificilmente negara te-la recebido, pois isto dara a impressao de que ele nao cuida de sua correspondencia. Quanto a carta agradecendo a entrevista, ela se coloca no piano da preservacao doa "interesses de classe". Na medida em que o entrevistador e polido, aumenta a possibilidade de que, quando aquele ator seja contactado por outro cientista social para uma entrevista, ele tenda a estar mais predisposto a dar outra entrevista, devido a experiencia anterior positiva. Uma carta de agradecimento de entrevista, portanto, e uma cortesia que custa pouco e beneficia a todos. Ainda a respeito deste ponto, alguns entrevistados pedem que o entrevistador Ihes mande uma copia da entrevista para efeitos de "conferir se esta tudo correto". No caso de ocorrer isto, e obrigagao do cientista social fornecer a copia pelas mesmas razoes eticas e de preservagao do "interesse de classe" mencionadas auteriormente.
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Depois dos Dados A maioria dos livros de metodologia igualmente nunca diz o que vem depois dos dados no que se refere a parte nao metodologica do processo, ou seja, a elaboragao do relatorio, livro ou artlgo. Howard Becker diz que um trabalho de Ciencias Socials so esta pronto quando esta publicado.6 Neste ponto, a cultura academica brasileira esta sofrendo modificacoes, felizmente. Ha alguns anos, me disse perceptivamente Amaury de Souza que, no Brasil, as pessoas tendiam a publicar alguma coisa quando tinham cinqiienta anos de idade para confirmar um prestigio construido na base nao se sabe de que. Hoje em dia a situac.ao esta mudando: as pessoas ja sabem que o prestigio se constroi mesmo e publicando, sendo criti6
Howard S. Becker, "Dialogo...", citado, p. 17.
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cado, e aperfeigoando e, portanto, e fundamental escrever e publicar de alguma forma os resultados da pesquisa. Creio que, em algum momento, todos nos tivemos a fantasia de que iriamos escrever "o livro da vida", e acabamos nao o fazen do nunca. Em materia de livros, as coisas sao como taloes de jogo do bicho: so vale o que esta escrito. Alem disso, como dizia o meu saudoso amigo Joao Ribeiro dos Santos, so se aprende a escrever escrevendo. Nao adianta montar o relatorio na cabega e nunca passa-lo para o papel. Livros na cabeija das pessoas existem muitos, mas so se pode ler os que estao escritos. Esta e a parte de que vou me ocupar nesta segao do artigo. No caso do relatorio do projeto que aqui esta sendo discutido, fiz uma coisa aparentemente simples, mas que tern seus aspectos penosos: escrevi. Achava que o relatorio era perfeito. Depois, recebi criticas mais criticas, fiquei chateado, mas, afinal, passou. 0 que ficou claro foi que o primeiro relatorio e o mais difieil, o segundo e mais facil, o terceiro, mais ainda, e assim por diante. Alem disto, depois a gente cria calo para as criticas, nao no sentido de nao aceita-las, mas no sentido de cousidera-las normais, "cavacos do oficio", por assim dizer. No que diz respeito ao relatorio, uma vez que a gente se convenga de que ele nao vai ser perfeito, ha duas outras coisas que ajudam. Primeiro, ter uma data para entregaj e, segundo, escreve-lo no periodo mais curto de tempo possivel. E importante lembrar que o fato de que se demore mais tempo para escrever uma obra nao a fara necessariamente nem mais perfeita nem melhor, e acaba sendo mera desculpa para nao escrever. Alem disso, a existencia de uma data para entregar um relatorio ou urn original obriga a gente a se envolver com a parte mais penosa e menos excitante do processo de pesquisa, no meu entender. No caso do relatorio deste projeto, ele foi escrito em mais ou menos dois meses. Dele foram tiradas 100 copias mimeografadas e ate hoje ainda nao foi publicado sob forma de livro, embora ja tenha resultado num artigo substantive,7 bem como no preseute artigo. Nao sei se ainda escreverei um livro a respeito do tema, coisa que depende de rever o relatorio original, mas, passado esse tempo todo, o espago que o assunto ocupa na cabeca vai diminuindo, e a gente acaba nao fazendo. Assim sendo, quanto mais rapido se ter-
minar tudo, inclusive a publicagao, mais provavel e que o processo ocorra e menos custoso psicologicamente. Terminada a versao mimeografada, havia um problema serio: afinal de contas, um dos temas de nosso projeto era como se disseminavam informagoes de Ciencias Sociais entre policy-makers, e uos haviamos descoberto bastante coisas a respeito do assunto. Era hora de por em pratica o que haviamos descoberto, na medida em que disseminar a pesquisa era um processo diretamente relacionado com seu conteudo substantivo. Nos haviamos descoberto tanto meios quanto canals politicos e "comunicacionais" (e aqui dou a mao a palmatoria — mas so pela metade — ao coordenador internacional do projeto) o/ue contribuiam para a melhor disseminagao dos resultados da pesquisa. Nao se chegou, por razoes economicas e de ordem pratica, a implementar todas as conclusoes da pesquisa em termos de disseminagao, mas ainda assim fizemos o que foi possivel. Distribuimos entre muitos de nossos entrevistados copias do relatorio, entregues pessoalmente ou atraves de "fiadores" ou intermediarios que, por sua posi§ao politicamente estrategica, ajudavam a melhor disseminar os resultados (esta havia sido uma das principals conclusoes do relatorio). Nao tivemos qualquer especie de feedback a respeito da pesquisa da parte de policy-makers. Entretanto, isso de ha muito deixou de me assustar, pois uma das coisas que tambem descobrimos e que, contrariamente aos academicos, que se manifestam sobre resultados de pesquisa, os policymakers tendem a ficar calados, confirmando a observacao de Wanderley Guilherme dos Santos de que o Brasil e um pais onde nao se tern feedback.
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Alexandre de S. C. Barros e Axgelina M. C. Figueiredo, "Dissemination and Use of Social Sciences Research Among and By Policy-Makers: Findings of a Brazilian Case Study", Interciencia, volume 2, ntimero 2, 1977.
Decisoes Criticas
Nao-Antecipadas
Dentre as impressoes erradas que os livros de tecnicas de pesquisa dao esta a de que, se o pesquisador estiver certo, a pesquisa nao pode dar errado. 0 maximo de concessao que os livros fazem se refere as hipoteses do pesquisador. Segundo os textos, se as hipoteses eram boas, a pesquisa vira a confirma*las; caso contrario elas serao desconfirmadas. Afora isto, raramente os livros se preocupam em dar ao leitor uma visao das dezenas de coisas que podem dar errado na pesquisa, coisas estas de carater nao-metodologico, nao-tecnico e nao-epistemologico. Desta maneira, nunca os livros mencionam casos de entrevistados que foram para o exterior, de verbas que acabam antes do fim da pesquisa, de datilografas que cortam o dedo, de computadores que quebram, de filhos que jogam todos os cartoes IBM pela janela, e coisas do genero, todas
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elas passiveis de acontecer. Neste sentido, e importante ter em mente que nao basta fazer belos projetos, mas e importante fazer pesquisas, ainda que nao tao belas, para nao se correr o risco de incorporar a frustragao dos planejadores que fazem maguificos pianos (uma bela arte em si) mas que nunca se concretizam nem tampouco sao implementados. Estar atento para o fato de que pesquisas sao sujeitas a acidentes, e estar preparado para eles, evita que, quando eles ocorram, as energias da equipe passem a ser todas mobilizadas no sentido de tentar resolve-los, coisa que, em geral, tende a autofagicamente destruir um projeto. Vou resumir nesta segao alguns dos temas ja mencionados anteriormente e langar alguns outros novos a fim de dar uma ideia compacta da quantidade de potenciais "acidentes" que podem se tornar cumulativos, arruinando a pesquisa. A solugao destes problemas pode, em muitas ocasioes, implicar na adogao de heterodoxias_metodol6gicas que, se, por um lado, nao produzem as pesquisas tao perfeitas que o pesquisador desejou, por outro fazem com que alguma pesquisa seja feita e que algo se agregue ao conhecimento. Em suma, trata-se de um problema de se se deixa tudo perder, ou se se tenta salvar os dedos, ainda que seja inevitavel que se vao os aneis. No caso do projeto em discussao os problemas foram os seguintes: 1. O problema dos "paradigmas" — No fundo, ele significou apenas que o pesquisador queria fazer uma eoisa e o financiador queria outra. Se o cientista social cede as pressoes do financiador e abdica de fazer aquilo em que esta interessado, o resultado tende a ser desastroso, na medida em que termina por envolver-se em algo que nao Ihe interessa e que passara a ser tratado apenas burocraticamente, no pior sentido do termo. Por outro lado, se o pesquisador nao cede de maneira nenhuma, acaba por nao fazer a pesquisa, quase sempre por falta de meios materials. De maneira geral, e possivel conciliar os interesses de ambos a fim de que o cientista social tenha o financiamento para coletar os dados correlates que Ihe sao indispensaveis, bem como aqueles que sao indispensaveis ao financiador. Desta forma, o pesquisador pode responder as perguntas do financiador e ter os dados para posteriormente trabalha-los como melhor Ihe interessar, do ponto de vista academico e intelectual. 2. 0 profalema da propriedade dos dados apos o termino da pesquisa — dependendo do financiador, este pode vir a ser um problema importante. De maneira geral, financiadores "academieos" nao se important muito com isto; entretanto, financiadores de
pesquisas do tipo "aplicado" tendem a ser mais "egoistas" em relagao aos dados. Da perspectiva do pesquisador, qualquer uma das duas solugoes — que os dados pertengam a ele, ou que pertengam ao financiador — e aeeitavel. No entanto, e importante que estc ponto fique claro desde o inicio do projeto de modo a evitar malentendidos posteriores, pois e extremamente frustrante para um pesquisador ter que coletar uma montanha de dados, usar uma parcela deles num relatorio e nao poder utilizar-se do resto para seu trahalho academico. 3. 0 produto da pesquisa — Esta e outra area importante a ser acordada entre financiador e pesquisador desde o inicio do trabalho, ou seja, o que se espera que a pesquisa venha a produzir como resultado final. Um relatorio verbal? Um sumario? Um Iongo relatorio de tipo "academico"? Uma serie de sugestoes de politicas? Um livro? Um relatorio confidencial? Alguns artigos? Qualquer pesquisa pode produzir um desses outputs, ou uma combinagao deles. A importancia deste ponto reside no fato de que se o assunto de qual ( o resultado final da pesquisa ficar acertado desde o inicio evitam-se problemas posteriores. 4. 0 problema de quando comegar o projeto em fungao das disponibilidades financeiras — Em muitas ocasioes, existe a tentagao de comegar um projeto antes de que as verbas estejam efetivamente liberadas. Esta tentagao pode vir tanto do pesquisador, que esta ansioso para comegar a investigar um assunto de seu interesse, quanta do lado do financiador, que deseja que um assunto "saia da estaca zero" para justificar sua posigao perante seu empregador; ou o que seja. Se a tentagao for do lado do pesquisador, e o que ele pretender fazer nao envolver nada mais do que seu trabalho individual, nada impede que se adote esta alternativa, embora eu nao a ache uma boa ideia, pois contribui para a perpetuagao da imagem da pesquisa de Ciencias Sociais como uma atividade amadorislica. Entretanto, se o trabalho a ser envolvido for de terceiros, acho que o pesquisador nao deve, de forma alguma, iniciar o trabalho em fungao de verbas hipoteticas ou prometidas. Isto por duas razoes: uma, a razao profissional mencionada anteriormente, e outra, pelo fato de que em muitas ocasioes as verbas acabam por nao se materializarem e termina o pesquisador com uma equipe que ele nao pode pagar ou com servigos contratados para o pagamento dos quais nao ha numerario. 5 . 0 tamanho da equipe — Apesar de os livros dizerem que a pesquisa vai correr como a receita, ja vimos que isto nao e verdade. Desta forma, e unportante que o pesquisador tenha uma certa flexibihdade na equipe — flexihilidade esta que deve refletir-se na
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proposta orcamentaria — no sentido de deixar claro ao financiador que, segundo suas estimativas, a pesquisa deve custar xis cruzeiros e envolver ipsilon mimero de pessoas, mas que e possivel que haja aumentos ou diminuicpes em funcao do "comportamento do mundo". Assim e bom, do lado orgamentario, ter um item "inesperados" ou "contingencias" e, do lado da composicao da equipe, nao contratar gente demais no inicio. Em outras palavras, a melhor alternativa e escalonar a contratacao da equipe e ver como vao funcionando as coisas. Se o pessoal for suficieute, ainda que em numero inferior ao da proposta orcamentaria, tanto melhor; se nao for, ai entao contrate-se mais pessoal. Ainda neste ponto, se for uma pesquisa que envolva diversas etapas, e interessante contratar pessoas para etapas especificas pois, a proporgao que a pesquisa progride, e possivel contratar alguns dos membros da equipe que se saem melhor para continuar numa etapa posterior. 6. Relacionamento institucional — A maior parte das pesquisa-s envolve pelo menos dois atores institucionais, um financiador e um "executor" — "administrador". Se o numero de instituigoes envolvidas puder ser mantido neste nivel, tanto melhor, pois minimizam-se negociagoes burocraticas e pequenos problemas que se multiplicam a proporgao que se somam entidades participantes, - aumentando os custos financeiros e nao financeiros de administracao. Se isto nao for possivel, envolvam-se tantos atores quantos forem indispensdveis mas, neste caso, e importante estar preparado para o aumento de contactos ao longo da realizagao da pesquisa, com o conseqiiente aumento de potenciais mal-entendidos. 7. Quando acaba o envolvimento do pesquisador com o projeto? — Esta e uma pergunta muito mais importante do que parece a primeira vista. For um lado, ela esta relacionada com as motivacoes iniciais da realizacao da pesquisa. Se vivessemos num mundo de informaeao perfeita e gratuita, este nao seria um problema, pois sempre se poderia acoplar o financiador certo com o pesquisador adequado. Entretanto, como ja foi visto, as coisas nao sao assim. Existem negociagoes e concessSes de parte a parte de modo a conseguir uma area de eoincidencia entre os interesses do financiador e os do pesquisador. Este fato gera uma consequencia: o pesquisador, em muitas oeasioes, acaba, por seu envolvimento com um determinado projeto, virando um especialista numa area na qual ele jamais iruaginou que viria a especializar-se. Sao muito mais comuns do que se pensa os casos de cientistas socials que se tornam especialistas numa area porque uma vez se envolveram com um tema e depois cnaram, de uma forma ou de outra, uma imagem publica de "experts" da qual nao mais conseguem desligar-se. Este resultado
tende a ser inevitavel quando seu trabalho naquela area de conhecimento for publicado; a partir deste memento, seus contatos com a area deverao aumentar. Muito possivelmente, ele sera consultado por indivfduos e instituigSes a respeito do tema, outros organismos oferecerao a ele financiamentos para continuar estudos naquela area, etc. Da perspective do pesquisador, seu interesse pode cessar ou nao, mas de qualquer maneira ele sera reconhecido publicamente como alguem que "enteude do assuuto" e se tornara, num certo sentido, prisioneiro dos trabalhos que realizou.
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Post-Scriptum Relenilo o trabalho antes de encerra-lo, noto que nem todos os pontos em que toquei derivaram diretamente da experiencia com o projeto de disseminagao, mas naturalmente incorporei, por assim dizer, a proporgao que o trabalho ia sendo escrito, experiencias de outros projetos de pesqiiisa de que participei, alem daquele cuja historia prometi contar. Nao acho que isso seja mau. Dado o objetivo do artigo, ao contrario, acho que e ate bom. Incorporei tantas experiencias quantas me ocorreram a respeito do "cotidiano da pesquisa", e acho que isso sera positive para o leitor. Finalnaente, noto tambem que, em alguns pontos do artigo, fujo da promessa inicial de contar uma historia e assumo um torn de "dar conselhos", coisa que nao foi inicialmente planejada. Mas saiu assim, e tambem nisso nada vejo de errado: tome o leitor os "conselhos" como tais, seguindo-os ou nao, dependendo de sua disposigao. No entanto, mais uma vez refirmo que tanto a historia (ou conjunto de historias, se se preferir) quanto os "conselhos" sao todos resultado de experiencias praticas — e uteis •— muitas delas dificilmente encontraveis em livros. Hyde Park, Chicago, abril de 1977
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Coroneis e Burocratas no Brasil Imperial: Cronica Analitica de uma Sintese Historica FERNANDO URICOECHEA "Buth a method has the remarkable trait of being nothing in the abstract; it is precisely in the application or execution that it is a method." KIEHKEGAARD, Concluding Unscientific Postscript.
Esta fora de duvida que a reflexao critica sobre a metodologia da investigacao empirica e, em particular, sobre as continuidades e descontinuidades entre canones metodologicos e comportamento pratico de pesquisa constitui urn. bom indicio do grau de maturidade alcancado por uma disciplina academica. De fato, uma reflexao de tal natureza evidentemente implica a fertil premissa de que a empresa cientifica nao se exaure ou nao esta totalmente contida na aplieagao formal de principios metodologicos e, em conseqiiencia, tambem na importante proposigao de que a empresa cientifica e ela mesma tao historica quanto os objetos aos quais ela se aplica. Em outras palavras, que a apropriagao do objeto de pesquisa por parte do sujeito tern a sua propria historia, seus eurekas e serenctipities. Existe ademais outra implicagao que e de particular relevancia dentro do contexto atual, a saber, a consciencia de que o processo de criagao cientifica tambem compartilha de uma dimensao estetica: existe na obra da ciencia como na obra de arte urn ingrediente de subjetividade, de iniciativa individual, de interpretagao original que nao estao contidas a priori nas formulas e nos procedi-
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mentos de metodo. Fora de dtivida esta tambem que a necessidade de refletir criticamente sobre as tensoes e descontinuidades entre metodo formal e investigagao empirica deve-se em parte ao formalismo e mitificacao do metodo pelos quais o treinamento academico e tao responsavel. 0 divorcio ordinarip entre teoria e pratica, divorcio dolorosamente experimentado pelo estudante, tern levado a uma concepcao do metodo como um conjunto de formulas cuja aplicagao mecanica abracadabriza os achados. Quica uma boa maneira de ilustrar o alcance da responsabilidade do academismo pela representacao enganosa de uma continuidade entre canones metodologicos e sua aplicagao empirica ?eria apresentando as reacoes intelectuais de academicos e nao academicos ante esse topico. Parece haver pouca duvida de que a problematizacao dessa questao e um indicador da surpresa com que o sujeito reage ao ficar ciente da presenga dessa descontinuidade. O contraste entre um cientista social academico contemporaneo como Amraham Kaplan, por um lado, e Karl Marx, um cientista social nao-academico, pelo outro, ressaltara a diferenca no tipo de reacao. Tres geragoes antes de Kaplan, Marx ja havia distinguido no Prefacio a segunda edigao de 0 Capital o que os sociologos contemporaneos usualmente atribuem ao autor de The Conduct of Inquiry, isto e, a distingao entre a logica de investigagao (logica-empregada) e a logica do relatorio final (logica reconstruida). Nas palavras de Marx: Naturahnente, o metodo de apresentagao tern que diferir na sua forma do metodo de pesquisa. Este ultimo tern que se apropriar em detalhe do material, analisar as suas diferentes formas de desenvolvimento, tragar as suas conexoes internas. Si5 depois de esse trabalho estar complete e que o movimento real pode ser descrito adequadamente. Quando isso e feito com exito, quando a vida do objeto (subjec-matter) se reflete idealmente como num espelbo, entao parece como se tivessemos diante de nos uma mera construgao a priori.2 1 A importancia metodologica da dimensao estetica foi apontada por Kant. Segundo ele, o jui'zo estetico — com o seu princfpio da finalidade formal da natureza — prepara o caminho para que o entendimento possa aplicar o conceito de finalidade a nossa representacao do mundo. Vejase a sua Critique of Judgment (Nova York: Hafner Press, 1951). 2 Karl Marx, Capital: A Critique of Political Economy (Nova York; The Modern Library, 1906), trad, de Samuel Moore e Edward Aveltng, Prefacio a segunda edigao, pp. 24-25. Grifos meus.
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O que para Marx e um datum, uma distingao evidente daquilo que e parte constitutiva da rotina da investigagao, torna-se para Kaplan, num topico problematico, um "topico relative a forca normativa da logica com relagao a ciencia."3 0 carater problematico que Klapan atribui a tal topico fica bem manifesto na observacao seguinte: Grande parte da questao gira em torno de se a ciencia e vista como um corpo de proposicoes ou como um empreendimeuto que as gera; como produto ou como processo. Uma exposicao das normas que tem a ver com o produto final {the finished report] de uma investigagao bem que poderia esperar-se que deferisse de outro preocupado com a conduta da propria investigagao.4 Em contraste com a visao de Marx, para quern a tensao entre as duas logicas e dialetica e organica, nao simplesmente analitica e conceitual, para Kaplan a tensao e, dada a natureza probabilistica de sua ocorrencia, apenas problematica. E esta tensao radical, iniludivel e dialetica entre pratica de investigagao e canones metodologicos que esta ganhando terreno e substitumdo a postura "ilustrada" de academicos sofisticados como Kaplan (postura superior, naturalmente, a dos realistas metodologicos ainda sem consciencia da tensao em primeiro lugar). No entanto, a distincao entre logica-empregada e 16gica-reconstruida e, a rigor, incompleta quando a distingao e considerada a partir do proprio princfpio dialetico de classificagao que a gera. Existe, com efeito, uma distincao que e igualmente instrutiva para a compreensao da praxis da pesquisa: a distingao entre a logicaempregada e o que eu gostaria de chamar a logica-antecipada. O papel desta ultima e ocupar-se do desenho da pesquisa, da estrategia metodologica a ser empregada e das teses a serem elaboradas ou das hipoteses a serem verificadas. E possivel desta forma capturar tres momentos em toda pesquisa: a logica-antecipada, a logica-empregada e a logiea-reconstruida, esta ultima sendo a srntesc das duas anteriores. 3
Abraham Kaplan, The Conduct of Inquiry: Methodology for Behavioral Science (Sao Francisco: Chandler Publishing Co., 1964), p. 6. 4 Op. cit., p. 7. Grifos meus.
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HLSTORICA
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0 presente trabalho e apenaS uma exposigao dessas tensoes ocorxidas numa pesquisa referente a organizagao patrimonial do estado burocratico brasileiro durante ° seculo IX.° II
Para os propositos expositivos deste trabalho, e possivel capturar tres momentos nos quais foram mais protuberantes as descontinuidades, isto e, as discrepancies entre a "logica-empregada" e a logica reconstruida: primeiro, as versoes do problema; segundo, a definigao da metodologia; e, terceiro, a selegao de estrategias e fontes. Muito embora o trabalho de pesquisa para a monografia mencionada acima tivesse sido desenvolvido entre o ultimo trimestre de 1974 e o ultimo trimestre de 1976, houve versoes previas do problema que tiveram algurna influencia na definigao da area de pesquisa. A apresentagao mais geral e ambiciosa do problema foi formulada como projeto de pesquisa para um semiriario de pos-graduagao dirigido por Arthur L. Stinebcombe no Departamento de Sociologia da Universidade da California em Berkeley. O problema que era de maior interesse nessa epoca consistia na compreensao e identificagao das forgas que historicamente levaram o aparelho administrativo de diversos estados politicos a tornar-se burocratico. Essa questao emergiu de uma insatisfagao pessoal com o tratamento sociologico caracteristico da epoca com respeito as burocracias publicas. A maioria desses estudos consistia em monografias que analisam as organizagoes burocraticas "a partir de dentro". Pouca coisa se diz sobre a rede de relagoes mantidas entre a organizagao e a sociedade maior e muito menos ainda sobre a genese dessas estruturas administrativas.0 Uma primeira abordagem do problema foi feita mais em termos do grau de poder politico concentrado nas maos das burocracias puhlicas do que em termos so do processo de burocratizagao propriamente. 0 objetivo consistia em estudar as condigoes historicas que aproximaram alguns sistemas politicos a uma especie de 5 The Patrimonial Foundations of the Brazilian Bureaucratic State: Landlords, Prince and Militias in the xixth Century (Berkeley: University of California, Tese de Doutorado, 1976), versao em portugues sera proximamente publicada pela Bditora Difel. 6 Boas excepoes sao Philip Selznick, TVA. and the Grass Roots: A Study in the Sociology of Formal Organization (Nova York: Harper Torchbooks, 1966) e Reinhard Bendix, Work and Authority in Industry: Ideologies oj Management in the Course of Industrialization (Nova York & Evanston: Harper Torchbuoks, 1963).
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despotismo burocratico, ao passo que outros optaram por versoes mais brandas de poder que os aproximavam da nogao de burocracia de bem-estar social. 0 objetivo era, pois, um exame das fontes historicas do autoritarismo burocratico. Minha orientagao teorica geral pressupunha que as sociedades polfticas viram burokrdticas, isto e, que o aparelho burocratico torna-se mais proeminente na formulagao de politicas, nos casos onde o processo de centralizagao do poder ocorre em contextos 1) nos quais nao ha uma tradigao estabelecida de participagao popular na decisao das questoes politicas mais miportantes, de forma que tal praxis possa ter servido como um alicerce para uma oposigao organizada contra as tendencies centralizantes das agencias administrativas; e 2) nos quais o processo de centralizagao administrativa procedeu sem nenhuma oposicao por parte das classes proprietarias e privilegiadas. Essa primeira versao surgiu da con^iccao de que os fundamentos das formas contemporaneas de "despotismo burocratico" dentro de uma comunidade politica podem ser atribuidos historicamente ao estilo de formagao estatal, quer dizer ao periodo inicial de gestagao da burocracia publica nos circulos mais centricos do aparelho de estado. fi entao, de fato, quando aparecem os arranjos organizacionais e institucionais caracteristicos, isto e, a forma peculiar e o estilo de administragao que dao uma configuragao precisa a estrutura e a organizagao politica. E entao, por exemplo, que se estabelecem as formas peculiares de acomodagao, articulagao e integragao de diferentes interesses sociais vis a ms o aparelho administrativo do estado. O modo como o aparelho burocratico "processa", por assim dizer, esses interesses diversos vern a definir e a constituir as regras do jogo entre "burocracia" e "sociedade". Essas regras vao desde a definigao de areas de arbitrio burocratico ate a justificagao eventual da forga e da coergao, da conciliagao, cooptagao, corrupgao, patronato, etc. Historicamente, todas essas praticas se estabeleceram e foram graduahnente definidas atraves da longa batalha do poder burocratico contra todo tipo de grupos e associa§6es. Institucionahnente, elas viraram as novas regras do jogo politico — na medida em que as praticas de governo por parte das elites burocraticas diferiam das praticas patrimoniais e feudais que constituiam o painel de fundo dessa evolugao politica. Gradualmente essas regras foram se institucionalizando (quer na forma estereotipada de um direito administrativo que regulava as relagpes entre o estado e a sociedade civil, quer na forma de uma "tradigao e de convengoes piiblicas mais ou menos aceitas) em grau tal que eventualmente contribuiram para definir um estilo politico nacio-
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nal", uma cultura politica "nacional", etc.7 Enfira, a prioridade emergeute quer de uma orientagao politica quer de uma orientagao administrativa da burocracia constituia o precipitado de toda essa luta. Em resumo, a forma do relacionamento entre a sociedade e seu aparelho administrative depends fundamentalmente do modo como as diversas forgas e interesses sociais conseguem que seus valores, direitos e prerrogativas sejam veiculados e reconhecidos pela burocracia; e, em segundo lugar, a faurocracia desenvolve um corpo estabelecido de praticas e um tipo de orientagao como resultado final desse proprio relacionamento. A versao original do projeto objetivava ilustrar esse esquema de interpretagao mediante uma comparagao historica na qual se contrastassem o estilo de formagao estatal das burocracias autoritarias com o das burocarcias nao autoritarias. Esperava-se per a descoberto, mediante o exame do processo de formagao estatal da Prussia, Franga, Inglaterra, Estados Unidos e Colombia, padroes Slgnificativos de desenvolvimento politico aos quais poder-se-ia imputar as diferengas no comportamento burocratico. Confiava-se que mediante o descobrimento do tipo de contexto estrutural a partir d« qual iniciou-se a diferenciacao dos orgaos centrals de governo contribuiria para determinar a orientacao politica ou administrativa do funcionalismo burocratico; isto e, que as variagoes no processo historico de centralizagao eram importantes para explicar as variacoes no carater da praxis burocratica. Para poder validar tal interpretagao era precise, de acordo com o ponto de partida teorico original, demonstrar empiricamente que a Colombia, os Estados Unidos e a Inglaterra tinham desenvolvido formas concretas de oposicjao "aristocratica" ou "senhorial" organizada junto com uma oposigao local organizada com respeito ao processo de centralizagao administrativa e que estas comunidades politicas diferiam tipicamente nesta dimensao da experiencia tida pela Franga e pela Prussia. A versao teorica anterior constituiu a logica-antecipada por tras da minha monografia sobre o desenvolvimento do estado burocratico brasileiro durante o seculo XIX. Muito embora eu tivesse elaborado algwmas racionalizacoes para justificar como sendo empiricamente viavel como tese de doutoramento uma pesquisa fundada essencialmente em fontes secundarias, houve outras consideragoes praticas — entre elas minha vinda ao Brasil para ensinar e
trabalhar no IUPERJ — que me levaram a modificar o proieto original e a definir um projeto menos abrangente.8 Igualmente importante para a reconstrugao monografica final foi a logica-antecipada entre o periodo de minha chegada ao Brasil no primeiro trimestre de 1973 e meados de 1974. Antes que eu pudesse me embarcar em qualquer processo concrete de investigacao empirica no Brasil, era preciso que a versao teorica ganhasse primeiro certo grau de especificidade historica no que diz respeito a historia social e institucional e ao desenvolvimento politico brasileiro. A aquisigao desse complexo basico de informagao deu-se simultaneamente junto com a leitura da literatura basica e especializada sobre a questao da formagao estatal no Brasil. l£ desnecessario enfatizar, naturalmente, que, execao feita aqueles textos mais introdutorios e simplificados, a informacao sobre os processes Historicos basicos se configurava e se condicionava pela postura assumida pelo autor respective vis a vis a questao da formacao estatal brasileira. No fundo, isto e, a informagao sobre o movimento historico durante o passado brasileiro, em grande medida, transformou-se num conhecimento sobre as diferentes escolas de interpretacao das relagoes estabelecidas entre o estado e a sociedade civil. Os antecedentes literarios da logica-empregada desenvolvida durante esse segundo memento encontram-se na classica controversia brasileira sobre o estado e a sociedade. A questao controversa para o processo de reconstrugao historica reside na avaliagao dos graus relatives de poder do estado e da sociedade brasileiros, o grau de centralizagao e descentralizagao, o volume de autoridade central vis a vis o volume de poder local, etc. !E a adogao de um desses dois polos do continuum que estrutura a representa§ao intelectual do desenvolvimento historico do estado brasileiro moderno.
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Alexis de Tocqueville foi um dos primeiros sociologos que ressaltaram a relevancia da interacao entre diversos tipos de arranjo politico e a cultura politica de um povo. Veja-se Democracy in America (Nova York: Schocken Books, 1961), vol. 1.
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8 Economia de tempo foi a primeira racionalizacao para o emprego exclusivo de fontes secundarias. Uma segunda foi a crenca (valida) de que a informacao mediante fontes secundarias dispensa o estabelecimento do grau de validez e do significado da informacao obtida de outra forma. Uma terceira tinha que ver com o processo de interpretagao: via de regra, o significado da informacao historica depende do contexto do qual se deriva tal informacao. Agora a elaboracao desse significado 6 levada tao a serio pelos historiadores que eles tern justificado a classificacao da pesquisa historica em a) pesquisa dedicada ao estabelecimento da validez e do significado das fontes historicas; e b) pesquisa dedicada ao desenvolvimento de relacoes sistematicas entre fenomenos historicos. A primeira, a pesquisa "que cria fatos", por assim dizer, e tradicionalmente chamada de analise historica; a segunda, a pesquisa "que cria interpretacoes" tem sido chamada de smtese historica. £ essa divisao institucional do trabalho cientffico entre os historiadores, alias, o que confere urn cardter autorizado e confidvel as fontes secundarias — carater de que nossa informacao quotidiana carece.
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Sem diivida, os dois polos tern recebido suficiente numero de adeptos. Com efeito, existe uma escola de interpretagao representada por Faoro,9 que considera que a forga institucional mais importante por tras do processo de desenvolvimento de um sistema naclonal de instituigoes foi o Estado e o seu aparelho administrative. Uma burocracia corporativa e centralizada teria sido capaz de controlar as redeas de poder e de sustar o desenvolvimento de classes locals dominantes. Nesta versao, a sociedade era fraca e o estado era forte. Para otitra escola, quiga a mais popular e com maior aceitagao, argumenta junto com Buarque de Holanda e Nestor Duarte10 que o oposto foi, na verdade, o caso real: nao so existia uma privatizagao excessiva das bases do poder e da autoridade, mas o Estado era que dependia das — 'e era controlado por — forgas agrarias da sociedade. Houve, pois, uma organizagao feudal da comunidade politica que foi possivel pela imensa quantidade de poder nas maos dos senhores de terra. Em lugar de um estado burocratico poderoso e centralizado, argumenta essa escola, o que existiu de fato foi um Estado descentralizado com caracteristicas feudais. A relevancia deste debate brasileiro para o problema formulado antes em Berkeley era obvia: o jogo politico que se estabeleceu historicamente entre o Estado brasileiro e a sociedade agraria foi um fator importante para compreender as caracteristicas posteriores da vida institucional brasileira. Era natural, entao, que eu me submergisse dentro dessa literatura com a esperanga de achar ali os dados necessaries para dar alicerces empiricos a minha propria interpretagao. O grosso dessa literatura, contudo, esta insxificientetnente documeutado no que diz respeito a sua evidencia empirica. Geralmente o trabalho de interpretagao nao tern apoio em foutes primarias mais ou menos imunes a uma leitura controversa mas se baseia em fontes secundarias que sao o produto de uma interpretagao anterior. Alem disso, as premissas da interpretagao restringem seriamente a possibilidade de reeonstruir processes historicos em termos diferentes aos termos dualistas do debate. Existe, isto e, um postulado monista por tras de muitos destes trabalbos de tal forma que, por exemplo, o a priori de um Estado forte e uma sociedade fraca e vice-versa. Por exemplo, se se postula a presumida forga de um estamento burocratico, entao a burocracia estatal e concebida
como o ator principal do drama historico; se, pelo contrario, a ^ dados revelam a existencia de um poderoso estrato de senhores de terra, entao e o Estado que e representado como um instrumento das elites agrarias. Quer administrativo quer agrario, geralmente se postula uma interpretagao monista como o esquema apropriado para revelar os padroes de desenvolvimento historico. A literatura anterior, enfim, e tambem debil desde uma perspeetiva metodologica, particularmente no seu emprego do metodo comparative. Quiga a deficiencia mais generalizada no emprego desse metodo acha-se na negligencia das mediagoes historicas concretas como instrumento de imputagao causal. Em geral nao se enfatiza suficientemente que o metodo comparative, ou melhor ainda, o canon da diferenga unica sobre o qual esta baseado o metodo, revela causagao apenas quando comparamos estados antecedentes de um caso singular; efetivamente, e so entao quando podemos observar ou detectar uma mudanga com a qual podemos associar um processo de causagao. Porem, quando o canon e empregado para a comparagao de proposicoes empiricas, em lugar de estados antecedentes, o que observamos nao e uma mudanga, uma ocorrencia, mas apenas uma diferenga na classe de causas. Estritamente falando, no segundo caso nao observamos uma ocorrencia mas conceitualizamos uma diferenga. O processo de abstragao caractelistica deste segundo tipo de aplicagao do canon simplesmente generaliza proposigoes causais que tinham sido previamente estabelecidas mediante a aplicagao do canon a casos individuals, empiricos do metodo comparative no primeiro tipo. Nao levar em conta esta diferenga metodologica obviamente estimula a nogao erronea de que as mediagSes concretas sao dispensaveis para o processo de imputagao quando elas sao, na verdade, a base da imputagao causal. Weber, como bom historiador, colocou o problema anterior de forma sucinta quando disse que "o problema da causalidade nao e uma questao de Ids [i.e.: as generalizagoes do segundo tipo] mas de relagoes causais concretas [i.e.: as imputagoes do primeiro
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0 Raymundo Faoro, Os Donos do Poder: Formagao do Patronato Politico Brasileiro (Rio de Janeiro, Porto Alegre, Sao Paulo: Editora Globo, 3958). 10 A Ordem Privada e a Organiza$ao Politica Nacional, 2.a ed. (Sao Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966).
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Um progress© evidente com relagao a versao especulativa, literaria do debate "Estado vs. sociedade" no Brasil e o representado pela versao contemporanea do debate, Qriginahnente estimulada por Simon Schwartzman no final da decada dos anos sessenta, a discussao tern sido liderada pelo que poderiamos chamar a escola mineira: o proprio Schwartzman, Jose Murilo de Carvalho e Fail In Max Weber, "'Objectivity' in Social Science and Social Policy, in Edward Shils e Henry Finch (orgs.), The Methodology of the A«i« Sciences (Nova York: The Free Press, 1949), p. 78. Grifos de Weber.
A RncoNSTRugAo HISTORICA
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bio Wanderley Reis.12 Em contraste com a versao literaria, e muito mais positiva na sua orientagao metodologica: muito mais preocupada pelo problema de evideneia empirica e muito mais conscia da indispensabilidade de um metodo empirico de analise. O que o& membros desta "escola" compartilham e .antes de tudo a consciencia da necessidade de superar os termos classicos do debate mais que qualquer outro traco. Na verdade as diferencas neste grupo sao mais pronunciadas que na geragao mais velha. A ponte com a geragao anterior foi estabelecida mais nitidamente pela interpretacao dada por Fabio Wanderley Reis. Com Oliveira Vianna, ele aceita a privatizagao do poder como inevitavel dadas a grande extensao do territorio, a pobreza nos fluxos de comunicacao e a politica rnetropolitana nessa area. Essa "feudalizagao" do poder, contudo, teria procedido junto com a criagao de uma burocracia central. Reis, portanto, nao comete o erro freqiiente de inferir daqueles traces "feudais" um Eatado correspondentemente fraco. Naturalmente, ele aceita a presenea de nucleos locais poderosos, mas a relacao entre o Estado e os grupos civis e vista mais em termos de compromisso para garantir a continuidade do processo de institucionalizagao do poder. Em lugar de um monismo agrario ou administrative, Reis interpreta a interacao entre essas duas forgas em termos de uma serie de fases do processo de formagao estatal, cada uma delas com um padrao caracteristieo de interacao. Esta versao sem duvida representa um progresso com relagao as interpretacoes monistas dos classicos". A sua contribuicao mais original acho que deve ser identificada na sua insistencia de que a natureza processual do dialogo entre o Estado e a sociedade afasta a possibilidade de caracterizar o padrao de forma monista. A primazia de qualquer das duas esferas institucionais, pelo contrario, dependeria do estdgio de desenvolvimento politico e de institucioualizacao do poder. Esse esquema supera as alternativas inexoraveis ou-ou rigidamente impHcitas na abordagem classica a la Faoro ou a la Duarte. Deste modo, consegue-se evitar uma permanencia de estruturas rara vez compativel com os processes historicos. A tese de Reis, porem, nao consegue fugir de outra modalidade de rigidez, a saber, aquela implicita na perspectiva evolucionista do desenvolvimento politico e da formacao estatal. Assim, o estagio de politica tradicional ou "pre-ideologica"
que corresponde ao estagio da sociedade fracamente integrada do Brasil Imperial distinguir-se-ia pelo fortalecimento de uma periferia social fazendo com que a presenga de um Estado central vigoroso assumisse um carater circunstancial e episodico. O que se evideneia aqui e uma permanencia de estagios historicos que e tao aprioristica como a anterior permanencia de estruturas.13 Um divorcio mais radical com o debate tradicional foi o de Jose Murilo de Carvalho em seu Elite and State-Building in Imperial Brazil, onde ele articula um elenco impressionante de evideneia empirica em apoio de seus argumentos. Com efeito, no que diz respeito ao metodo, a meticulosa e abundante evideneia apresentada no texto contrasta notoriamente com o teor predominantemente literario da geragao anterior. A obra de Carvalho, de fato, e provavelmente a discussao mais genuiuaraente indutiva e historica na presente geragao de estudiosos. Com base na evideneia acumulada, consegue ele liquidar proposicoes aceitas mas fracamente estabelecidas com respeito ao passado brasileiro, ao passo que gradual e pacientemente elabora uma interessante interpretagao empiricamente fundada dos padroes de coaliz5es entre as elites burocraticas e agrarias do pais. Carvalho afirma corretamente que e um equivoco interpretar a sociedade brasileira do seculo passado como estando sujeita ao controle do Estado ou vice-versa. Isto e, ele se define contra o monismo classico. Propoe, em troca, a existencia de um esforgo conjunto por parte do Estado e da sociedade para manter a adaptabilidade do sistema face as pressoes internas e externas de natureza disruptive. Essa, por assim dizer, empresa cooperativa entre o Estado e a sociedade torna, segundo Carvalho, sem sentido qualquer interpretagao em termos de conflitos estruturais. Em conseqiiencia, acrescenta, o mais sensato e abrir mao do debate de vez. Semelhante pedido e um poueo excessive e injustificado. Nao ha, na verdade, nenhuma incompatibilidade entre o esforgo estrittural de Carvalho por definir os elementos do sistema, os mecanismos de adaptagao e o contraponto entre os atores, por uma parte e, pela outra, a abordagem genetica por tras do esforco por definir e por a descoberto a estrutura do sistema, a forma como ele emergiu e a forma de seu desenvolvimento. ]£ importante, alem do mais, salientar que a proposisao de uma solugao empirica de um problema, de forma alguma elimma a validez da questao teorica na
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12 Veja-se Simon Schwartzman," Representacao e Cooptacao Politica no Braail", in Dados, N.° 7, 1970; e tambem Sao Paulo e o Estado National (Sao Paulo: DIFEL, 1975); Fabio Wanderley Reis, "Solidariedade, Interesses e Desenvolvimento Politico," Cadernos DSP, 1: marco, 1974; e "Brasil: 'Estado e Sociedade' em Perspectiva," Cadernos DCP, 2: dezembro, 1974; e Jose1 Murilo de Carvalho, Elite and State-Building in Imperial Brazil (Stanford; Stanford University, Tese de doutorado, 1974).
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Uma tese evolucionista classica foi a elaborada por Justiniano Josfi da Rocha, "Acao Reagao, Transacao: Duas Palavras acerca da atualidade politica do Brasil", in R. Magalhaes Junior, Tres Panflet&rios do Segundo Reinado (Sao Paulo: Cia. Editora Nacional, 1956), pp. 161-218.
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qual repousa. Em outras palavras, o fato de que o Brasil tivesse tido esse tipo de arranjo — um fenomeno contingente, historico — torna-se teoricamente significative e e tratado emprricamente em funeao precisamente das opgoes em debate. Uma vez que se estabelece uma distingao nitida entre a "solugao" empirica e a questao teorica, o pedido para deixar de lado o debate perde toda forga. Igualmente radical na sua rutura com o passado e o trabalho de Simon Schwartzman cujo valor deve ser principalmente visto no carater inovativo das suas teses. Em lugar de tentar entender o fenomeno politico atraves da divisao em "estagios" que explicariam as suas variacoes e a sua complexidade, Schwartzman propee tomar em consideragao as variagoes regionais e nao o Estadonagao como um todo indiferenciado. 0 resultado e um interessante contraste entre o sistema de representagao politica e o sistema de cooptagao que explicariam as diferengas entre o papel representado por Sao Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, etc. Nao ha duvida de que a solugao de Schwartzman e mais proxima da de Faoro, o defensor da tese do Estado forte. Com efeito, a posicao residual e periferica de Sao Paulo, o unico Estado que se coaduna com o esquema de representagao de interesses, contrasta notavelmente com o predominio do padrao de cooptagao politica nojresto do pais. Ora considerando que esse ultimo padrao e o fruto de uma vigorosa administracao central que mantem o controle do processo de participagao desde acitna, fica manifesto que Schwartzman subscreve a tese do Estado forte. Alem das observagoes criticas apresentadas paginas acima no que diz respeito a este tipo de abordagem, e tambern precise apontar que a evidencia trazida por Schwartzman nao e das mais solidas. Seria um grave erro, porem, invalidar por isso o seu trabalho. Na verdade, e nessa aparente fraqueza que, a meu ver, reside a contribuigao mais original e fecunda de Schwartzman: em lugar de testar proposigoes, o que ele visou foi proper um novo modelo de interpretagao, uma nova sintese intelectual desde uma perspectiva fresca para a compreensao significativa do desenvolvimento politico do Brasil. Ill
O fim do estagio relative a revisao da literatura discutida na segao anterior representou uma mudanga importante na logica desenhada para atacar o profalema maior da minha pesquisa. Apes ter lido as teses classicas e as contemporaneas, ahjuns pontos relatives a estrategia metodologica ficaram definidos. Em
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primeiro lugar, qualquer esforgo de minha parte que contribuisse apenas a controversia literdria •—• esforgo que em algum momento foi seriamente considerado — ficou descartado.14 Quica a maior limitagao das versoes classicas do debate e precisamente o seu ca^ rater literario, especulativo em desmedro, em termos gerais, da discussao positiva, empirica. Um segundo ponto ao qual cheguei apos a conclusao daquele estagio foi a convicgao de que qualquer contribuigao relevante para o desenvolvimento do debate teria que assumir uma formulagao positiva, isto e, a interpretagao teria que estar empiricamente alicergada. Uma terceira e final consideragao foi a nogao de que os problemas gerais deviam ser discutidos dentro do marco de referencia de um modelo teorico de interpretagao. Em outras palavras, os processes a serem examinados deveriam ser inscritos dentro de um contexto intelectual de interpretagao em fungao do qual esses processes ganhariam significagao.15 A definigao de uma estrategia que pudesse reconciliar, em forma balanceada, as questoes gerais de vasta significagao teorica, junto com um tratamento tao empirico quanto possivel foi o problema prdtico mais importante da investigagao toda. Nao so era necessario desenhar a construgao de dados que projetassem luz adequada, relevante sobre o processo de formagao estatal brasileu-a como tambem achar uma matriz de dados com escopo e extensao suficiente para gerar juizos indutivos de validez geral, isto e, nacional. Eu tinha certeza de que so depois da definigao tentativa daquela estrategia poderiam os processes historicos em questao serem discuiidos adeguadamente em fungao do contexto intelectual sugerido no paragrafo anterior. A leitura de Instituigoes Brasileiras de Oliveira Vianna me sugeriu a pista para resolver o problema pratico mencionado acima.16 Foi na leitura dessa obra que a existencia da Guarda Nacional chamou a minha atengao pela primeira vez. Contudo, para efeitos de compreensao da logica antecipada visando uma investigagao baseada no exame da Guarda Nacional, e precise pri14 o esforco contemporaneo por fazer uma revisao critica do debate mais importante na sua forma especulativa € Latifundium et Capitalism au Bresil: Lecture Critique d'un Debat, Moacyr Palmeiras (Paris: Tese de 3.o ciclo, 1971). 15 A necessidade de um marco teorico nao implica necessariamente que ele deva ser de carrier sistematico. Esse ponto e metodologicamente crucial mas nao pode ser desenvolvido aqui. 1 6 Oliveira Vianna, Instituigoes Politicas Brasileiras, vol. i. (Rio de Janeiro: Livraria Jose Olympio Editora, 1955).
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meiro delinear muito esquematieamente a versao do problema tal como ele aparecia nesse momento, para depois disso associar essa versao ao modelo de interpretagao com o qual estava entao trabalhando. O cerne da controversia entre os cientistas socials brasileiros no que diz respeito ao Estado e a sociedade e a caracterizagao politica dessas duas associagoes e, mais especificamente, saber qual das duas tornou-se a associagao fundamental para a criagao e desenvolvimento de uma comunidade politica. Qua! das duas, em outras palavras, foi responsavel pela organizagao de um sistema nacional de instituigSes e pela definigao de uma ordem piiblica. 0 burocrata? Ou o senhor-de-terras? Essa e, esquematicamente, a fonte da controversia. Um complemerito desse esquema tern sido a presurnida caracterizagao da comunidade politica como sendo em grande parte feudal ou patrimonial. Aqueles que identificam o Brasil do passado como uma organizagao patrimonial atribuem a burocracia central a responsabilidade pela criagao de um Estado moderno; inversamente, os que veem nesse Brasil principalmente uma formagao feudal destacam o papel da classe de senhores-deterra e das elites agrarias como os grupos mais importantes por tras do desenvolvimento do Estado moderno. fi como conseqiiencia dessa formulagao que a maioria das contribuigoes tentam dar uma resposta mediante o exame da organizagao agraria do Brasi] pre-industrial. A selegao da Guarda Nacional como uma organizagao cujo estudo me permitiria penetrar dentro da organizagao concreta do mundo rural do seculo XIX e, oportunamente, da organizagao politica geral do Brasil desse seculo foi, assim, evidente. A Guarda Nacional era, com efeito, considerada como uma organizagao politica de senhores-de-terra e como um instrumento de dominagao. Nada mais simples, entao, que avaliar factualmente a relevancia concreta dessa associagao, para depois tirar as inferencias logicas relevantes para o debate. Desde o inicio, porem, nao me senti a vontade com a permanente, recorrente, excessiva e incorreta associagao feita entre centralizagao e patrimonialisnio, por uma parte e, pela outra, entre deseentralizagao e feudalismo. Semelhante perspectiva constitui, por assim dizer, uma concepgao demasiadamente administrativa das formagSes socials pre-industriais e, em consequencia, uma concepgao incompleta e inadequada.17 Na realidade, a ideia gene-
ralizada no Brasil de que o patrimonialismo Integra e centraliza e incorreta. TJma das indugoes historicas mais importantes de Weber nesse respeito e no senjido de que a dinamica do estado patrimonial conduz mais a difusao e dispersao do poder do que a qualquer outra coisa. Existe, de fato, uma tensao entre patrimonialismo e centralizagao. Foi por esse motivo que ao revisar o texto de Faoro, conclui entao: "Eu me inclinaria a pensar que o problema historlco correto a ser interpretado com relagao ao Brasil e a questao: como e que o Estado brasileiro pode durante o seculo XIX centralizar a administragao de governo a despeito de seu carater patrimonial. . . "la A premissa de que a presenga de grupos locals fortes constituem um indicio de arranjos feudais e de que uma burocracia central forte e expressao de uma organizagao patrimonial e, portanto, incorreta. A marca distintiva de uma formacao feudal e, melbor, a existencia de uma consciencia corporativa entre os membros do estrato local de notaveis com um estilo definido de vida e uma honra social propria. Em consequeucia, a melhor forma de pesquisar com relagao aos fundamentos patrimoniais ou feudais do Estado brasileiro era, assim, precisando o grau de solidariedade corporativa exibida pela classe de sennores-de-terra na organizagao da Guarda Nacional. Uma pesquisa sobre a estrutura e a organizagao da Guarda Nacional poderia, entao, fornecer os meios para avaliar o carater politico dos senhores-de-terra como um grupo, in toto. Em outras palavras, apos examiuar essa organizagao miliciana eu estaria em condigoes de determinar a natureza da solidariedade social existente entre os senhores-de-terra. Ate esse momento eu tinba finalmente conseguido definir uma estrategia empiricamente aceitavel e intelectualmente satisfatoria para lidar com a questao geral do poder agrario evitando o risco de cair numa discussao especulativa do tema. Nos primeiros meses de 1974, um ano apos minha vinda ao Brasil, tinha chegado a conclusao de que uma pesquisa da associagao paraniilitar de_ senhores-de-terra poderia resultar bastante proveitosa para dar uma resposta interessante ao tipo de questoes que tinham sido levantadas, A minha informagao sobre a Guarda Nacional era entao tao escassa e superficial como correspondia a leitura de qualquer das apresentagoes standards dessa associagao nos textos de introdugao a historia. Meu conbecimento, isto e, nao passava da proposigao folclorica porem imprecisa de que o Brasil agrario esteve prenhe
17 A apresentagao introdutoria dada por Bendix da obra de Weber 6 em grande medida responsavel por essa interpretacao incorreta. Veja-se sen Weber: An 'Intellectual Portrait (Londres: Methuen, 1966).
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Estado e Sociedade no Brasil: Exame Critico de Algumas Teorias (IUPERJ, numero de maio, 1973), in6dito.
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de senhores-de-terra com o titulo de coroneis e que, como tais, gozavam de uma quantidade consideravel de poder local e, enfim, que esses coroneis constituiram o ponto de partida do coronelismo. Longe estava eu de perceber — e a historiografia contemporanea ainda ignora — que por duas geragoes o Estado Imperial confiou a Guarda Nacional fungoes administrativas de gove'rno local que fizeram dela um instrumento fundamental na organizagao e desenvolvimento do Estado brasileiro moderno; que o service miliciano angariou nao so as classes dominantes do Brasil agrario como tambem os homens livres pobres do Imperio, dando assim uma escala formidavel a organizagao da corporagao; e que, por exemplo, em contraste com o exercito profissional que regularmente mobilizava uma media de vinte mil pragas, a Guarda Nacional podia mobilizar em qualquer momento mais de duzentos mil homens livres desde as primeiras decadas de sua criagao. Algum tempo passaria para poder mudar a representagao equivocada da Guarda Nacional como um clube politico de senhores-deterra — fenomeno valido apenas para a Republica Velha e os ultimos anos do Imperio — pela imagem de uma corporagao militarizada de senhores-de-terra em franco e permanente processo de arregimentagao quotidiana das camadas de homens livres pobres para permitir a continuidade da admiuisrragao patrimonial de governo local do jovem e buroeratico porem indigente e ineficiente Estado imperial.
O processo de formalizagao da metodologia esteve em grands mcdida condicionado pelas circunstancias vinculadas ao proieto de pesquisa apresentado a um concurso organizado pela Fundagao Ford no segundo semestre de 1974. Quiga o contraste mais drastico entre o projeto metodologico tal como ele foi formalizado entao e as estrategias metodologicas posteriormente empregadas esteja no uso dado a informagao sobre a Guarda Nacional. Com efei to, o projeto estava desenhado visando a fazer uso dessa inforraagao para testar diversas proposigoes relativas a grau de centralizagao, poder territorial e organizagao corporativa. Permita-se-me explicar brevemente isso. Tendo rejeitado a premissa de qualquer principio evolucionista e, portanto, de qualquer teoria evoluciouista para dar conta dos periodos sucessivos de centralizagao e descentralizacao durante o seculo dezenove, eu propus examinar a passagem de um periodo a outro em funcao dos mutaveis arranjos de interagao entre a organizagao dominical19 dos grupos de terra e a capacidade de lideranga e de autoridade corporativas dali derivados. A proposigao geral era a de que se a Guarda Nacional tivesse sido em alguma medida instrumental para favorecer a manutengao de uma dominagao territorial vigorosa vis a vis o poder politico central, entao seria razoavel postular que naqueles periodos e naquelas provincias onde a corporagao paramilitar de notaveis locals fosse forte seria mais provavel que aparecesse uma intima associagao com periodos de descentralizagao. Eu queria entao coletar evidencia para testar a hipotese de que as variagoes nos graus relatives de autonomia provincial estavam estruturalmente vmculadas as variagSes na organizagao militar do senhoriato local. Esse programa de pesquisa estava justificado na ideia de que representava um passo a frente com relagao aos esforgos anteriores de outros estudiosos de defender interpretacoes feudais na base da simples presenga de estruturas senhoriais, por um lado, ou, por outro, interpretacoes patrimoniais com base na existencia de uma administragao de funcionarios. Enfim, eu me propunha limitar o exame as seis provincias que representavam os micleos maiores de poder territorial segundo as pistas dadas pela distribuigao da nobreza titular. Dado, por outro lado, o fato de que ordinariamente as chances historicas do feudalismo ou do patrimonialismo tern estado organicamente viuculadas a presenga ou auseucia de exercitos auto-
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"By studying any state of affairs as a whole, as the sum of its parts and something more, we are often able to understand it in a way we could not otherwise have done. This i& a commonplace, but like many commonplaces is important and often forgotten." George C. Homans, English Villagers of the Thirteenth Century. Ja foram discutidas acima as diferentes versoes do problema a ser pesquisado incluindo a sua forma final, a saber: ate que ponto foi a Guarda Nacional uma associagao genuinamente corporativa de um estamento de senhores-de-terra que contribuiu a reforgar o poder das classes agrarias durante o Imperio. No que se segue, vai ser discutido o processo de definicao da metodologia para atacar essa questao.
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19 O conceito dominical (do latim, dominus: aenhor) e deliberadamente empregado para evitar qualquer conotagao estamentalizante e empiricamente problematica na hist6ria do Brasil agrario que existe no conceito senhorid.
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equipados capazes de balancear um poder principesco de outra forma absolute e arbitrario e capazes de reforgar reivindicag5es de direitos jurisdicionais sobre territories locais, a Guarda Nacional era, coeteris paribus, um instrumento apto para avaliar empiricamente essas chances.
Uma vez de posse dos dados pertinentes para essas provincias em periodos selecionados de centralizagao e de descentralizagao, a analise comparativa permitiria avaliar as relagoes no tempo e no espago entre organizaeao dominical, estrutura das milicias e relac5es centro-periferia. Essa era, de forma sucinta, a logica antecipada da investigacao tal como ela aparecia antes do processo de execugao. O que e notavel desde a perspectiva da logica-empregada e da reconstruida e a modificacao sofrida pelo desenho original. Em contraste com__o produto final que visava a sintese e interpretagao de padroes historicos que tiveram origem e desenvolvimento dentro da administracao do Estado imperial, a enfase do desenho era mais para a analise de associagao de varidveis; ao passo que a analise da Guarda Nacional estava originalmente destinada a servir como instrumento de verificacao de algumas generalizacoes empiricas tiradas de outros contextos, ao final a relagao entre teoria e objeto se iuverte de forma que agora sao os construtos teoricos que sao empregados para dar sentido e significacao a Guarda Nacional e interpretar seu papel dentro da sociedade rustica e a estrutura administrativa do Estado. Naturalmente que nao havia nada de fortuito ou acidental no desenho original ou nas modificagSes que foi sofrendo a medida que foi sendo executado. Na verdade, um conjunto de fatores estava operando no sentido de dar ao desenho e as modificagoes um carater necessario. Minna ignorancia relativa, por exemplo, com relagao ao papel historico da Guarda Nacional dentro do desenvolvimento do Estado burocratico brasileiro era um convite para abordar essa corporagao desde uma perspectiva meramente externa. A minha ignorancia com respeito a organizagao interna da corporacao levou-me a tentar resolver originabiente de forma meramente morfologica a sua estrutura. Em ambos os casos, patenteava-se uma resistencia P'rofunda ao conhecimento vivo, monografico, concrete; e essa resistencia que ajuda a dar conta da enfase na quantificagao e associagao de variaveis como tamhem da perspectiva analitica antes que sintetica, teorica antes que historica, quantitativa antes que qualitativa, formal antes que dialetica. Uma vez que meu conhechnento da corporagao tornou-se mais rico e concrete foi possivel tratar a prohlematica geral desde perspectivas alternativas que tinham ficado latentes ate entao. Igualmente importante para entender as mudangas de enfase sao as circuustancias academicas que rodearam o desenho original. O projeto original foi escrito para ser submetido a um comite de
QUADRO 1 PERCENTAGEM DE NOBRE2A TITULAR SEGUNDO PROV1NCIA DE NASCIMENTO DURANTE O IMPERIO Rio de Janeiro Minas Gerais Bahia Sao Paulo Pernambuco Rio Grande do Sul
26,0 18,0 13,2 12,9 10,5 6,7
Para
2,1
Total
189,4%
FOKTE: Calculos feitos com base em Carlos G. Rheingantz, Titulares do Imperio (R.J.: Arquivo Nacional, 1960), passim.
Assumindo, alem do mais, que a capacidade local de mobilizagao roi liter do habitante riistieo estava condicionada pela elasticidade da oferta permitida pelo regime economico local tipico dos diferentes contextos dominicais de produgao — ac.ucar, cafe, e gado — eu planejava desenhar um perfil geral da organizaeao dominical caracteristico de cada provincia para empregar como variavel de background para explicar a forga relativa da organizaeao miliciana. For fim, no que diz respeito a propria Guarda Nacional, o proposito formal era duplo: em primeiro lugar, codificar milhares de patentes de nomeacao e promocao de oficiais de forma que o perfil oficial da estrutura militar provincial derivado dessa codificacao facilitasse inferencias relativas aos vinculos entre organizagao militar, organizaeao dominical e interagao centro-periferia. Em segundo lugar, codificar a informagao dos registros municipals de matriculas relativas aos membros locais das milicias com vistas a conseguir informagao sobre o perfil tipico de estratificacao social agraria. Existia, enfim, como fonte residual e suplementar as publicacoes ministeriais sobre a corporagao.
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cientistas socials que a Fundacao Ford tinha designado para conceder dotacoes para pesquisa. Nessas circunstancias, o projeto tinha que preencher os requisitos exigidos pelo comite com relagao ao desenho de pesquisa: a elaboragao de um marco teorico, a formulagao de hipoteses a serem testadas, e a especificagao da metodologia a ser empregada. Tudo isso esta ruuito hem quando o estudo em questao e de carater demonstrative e o proposito consiste em explicar um problema empirico mediante a sua subordina530 dentro de um esquema nomologico e dedutivo. Um bom desenho de pesquisa e, nessas circunstancias, aquele que torna operativa e plausivel a verificagao da hipotese segundo a qual o problema ou caso e uma instancia de uma generalizayao empirica anterior ou aquele que contribui mediante comparacoes analiticas a enriquecer o estoque acumulado de proposigoes empiricamente estabelecidas. 0 processo de verificacao e falsificayao de hipoteses e entao crucial. Esse processo e a derivagao pratica do fato segundo o qual, em modelos analiticos como o anterior, um caso constitui apenas uma extensao da teoria. Em outras palavras, nessa perspectiva, o processo cientifico consiste em determinar qual e o contorno, a extensao, o limite da teoria; isto e, quais sao as classes de fenomenos que podem ser sistematicamente explicados (subsumidos) pela teoria. Um bom marco teorico e, nesse caso, obviamente aquele que estabelece uma conexao sistematica, "silogistica" com as hipoteses propostas. Subjacente a esse tipo de metodologia e a prioridade da teoria e a formulaeao de leis. A unidade tematica se constroi ao redor do sistema teorico. O conhecimento progressivamente intensivo e em profundidade das milicias imperiais abriu a porta para a alternative metodologica consistente em construir a unidade tematica ao redor do proprio objeto bistorico. Subjacente a esse tipo de metodologia e a subordinagao da teoria como instrumento para a compreensao inteligente do fenomeno. Frente a .uma porgao consideravel de dados, ficou patente que a melhor forma de esclarecer a problematica era adotando uma estrategia historica, sintetica e interpretativa. Entao, em vez de explicar certos padroes de interagao em fungao das associagoes de variaveis dentro da estrutura do mundo agrario, a logica reconstruida operou da seguinte maneira: a tarefa "explicativa" consistiu muito mais num processo de sintese dos elementos significativos apanhados gradualmente durante o processo de coleta de dados, elementos esses com os quais seria possivel construir um padrao coerente e historicamente significative. A logica da pesquisa esteve, enfim, afetada por uma ultima serie de circunstancias: a selecao das fontes arquivisticas, que sera
objeto de discussao na segao final. Nao gostaria de concluir a presente secao sem antes observer, porem, que a lista de fatores que determinaram mudancas metodologicas nao e de maneira alguma exaustiva. E importante observar, nesse sentido, a influencia de um fator rara vez discutido na literatura: a pesquisa de uma questao vai sempre acompanhada de "resfduos" teoricos nao verbalizados nem explicitamente formulados que, todavia, condicionam o processo, a direcao da pesquisa quando encontram o material apropriado para seu tratamento manifesto. A ausencia de uma formulaeao literaria ou conceitual desses residues e, para todos os efeitos praticos, adjetiva. 0 importante e que o curso da pesquisa esta em principio sujeito a essa fonte de mudanga. Foi esse, por exemplo, o caso com a discussao das mudangas nos padroes normativos por tras da orientacao administrativa dos funcionarios patrimoniais e burocraticos do estado brasileiro. A questao dos fundamentos normativos da agao social, e desnecessario quica enfatizar, e um dos problemas mais importantes na discussao das bases institucionais de uma comunidade. 0 tratamento empirico dessa questao, entretanto, e infreqiientemente elaborado nos trabalhos historicos e sociologicos devido, entre outras razoes e no melhor dos casos, ao carater "elusivo", "obUquo" do material ordinariamente requerido para tal proposito. Um bom exemplo desse tipo de trabalho —• e das dificuldades inerentes a ele — e a monografia de Bendix, Work and Authority in Industry. A despeito, pois, da importancia fundamental dessa questao, originalmente nao pensei que fosse possivel elaborar uma discussao sistematica com respeito a acao administrativa do funcionario brasileiro do seculo passado. Nao e facil, com efeito, achar o tipo de testemunhos qiie permitam desvendar a orientacao subjetiva e quotidians, que tipifica um estilo (administrative neste caso) de conduta institucional. Uma vez, porem, que apareceram as primeiras indicagoes documentais de que era possivel tentar reconstruir esses padroes normativos e acompanhar seu desenvolvimento, isso transformou-se em um dos objetivos^specificos que entraram a condicionar o processo de pesquisa do material.
O periodo de coleta de dados arquivais foi de treze meses. Comegou em meados de Janeiro de 1975 e concluiu em meados de fevereiro de 1976. A maior parte do material apanhado provinha do Arquivo Nacional em Rio de Janeiro. Contudo, realizaram-se visitas a outros arquivos estaduais por perlodos que iam de duas a qua-
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tro semanas. Foram visitados os Arquivos de Porto Alegre, Salvador, Belo Horizonte e Niteroi (este ultimo por urn periodo de ties meses). Realizou-se tambem uma visita curta de urn dia ao Arquivo Municipal de Valenca, Rio de Janeiro. Uma estimativa^conservadora dos documentos examinados durante todo esse periodo e de aproximadamente cinquenta mil. A grande maioria deles sendo a correspondencia oficial entre os funcionarios patrimoniais dos diferentes comandos locals da Guarda Nacional nos munieipios e comarcas dessas provincias e as autoridades burocraticas do Estado central, principalmente o Ministerio da Justica; e a correspondencia entre esse Ministerio e os presidentes de provincia. Tambem incluida nessa correspondencia esta a gue estabeleceu entre os comandantes locals e os comandantes superiores (quer de legiSes municipais, quer municipais, quer provincials, etc.). Em suma, o fluxo da correspondencia entre comandos e entre eles e 1) o Ministerio da Justiga e 2) os presidentes de provincia; entre presidentes de provincia e o Ministro da Justiga; e entre cidadaos privados ou ex-comandantes e o Ministro da Justica. Uma segunda classe de documentos examinada foram as listas de matricula mencionadas anteriormente. 0 periodo examinado foi de 1831 a 1889, isto e, desde a criagao da Guarda Nacional ate o final do Imperio. Alguma documentac.ao anterior e pertinente relativa a formas miliclanas de comegos do seculo foi tambem examinada.20 Simultaneamente ao exame das fontes arquivisticas ocupei-me do problema relative a eonstrugao de um perfil dominical de cada provincia a partir da perspective do regime economico caracteristico de cada uma. Como foi sugerido anteriormente, a ideia por tras disso era definir as possibilidades objetivas de conscienoia estamental entre os membros do senhoriato. Com efeito, o postulado era que aqueles contextos locais de produgao com maior proporeao relativa de dependentes forneciam um minimo de condigoes para a criacao de vinculos de solidariedade entre os dependentes e o senhor-de-terras, vineulos estes que podiam entao servir como fonte de afirmagao de status dos senhores. Uma leitura "sociologica" da Fenomenologia de Hegel levou-me a pensar, todavia, que a possibilidade de criacao de tal comunidade de vinculos era apenas operativa quando a subordinac,ao do dependente constituia-se com relacao a um senhor (lord) e nao a um patrao (master).39 Em termos
concretos, isso significava que a populacao escrava dos grandes domfnios tinba que ser retirada do calculo da populagao total de dependentes (parceiros, sitiantes, tropeiros, etc.). Tal perfil resultou ser extremamente ambicioso levando em conta a insuficiencia da informaeao necessaria para a sua construcao. 0 abandono dessa pista e o abandono da codificagao das patentes — codificacao que foi rapidamente suspensa22 — restringiram a pesquisa ao emprego de foutes primarias tiradas dos arquivos. Assim, poucos meses apos ter comegado, a coleta de dados ficou restringida a 1) correspondencia entre servidores patrimoniais e funcionarios buroeraticos, e 2) codificagao das listas de matrfculas. A atengao ficou centrada nessas duas fontes pelo resto do periodo de coleta de dados. 0 periodo de analise comecou a principios de mareo de 1976. Antes de dar inicio a anaUse qualitativa da correspondencia, os dois primeiros meses foram dedicados a tabulagao e processamento eletronico das Ustas de matriculas apanbadas. O objetivo desse trabalho consistia na elaboragao de um conjunto variado de tabelas cruzando variaveis tais como provincia, regime economico, periodo, renda, e status hierarquico dentro das milicias. Dessa forma esperava eu iniciar o exame das variagSes entre organizagao rnihtar local e relagSes centro-periferia, como foi discutido na secao anterior. A despeito das energias consideraveis dedicadas a esses dados e a construcao das tabelas, a logica reconstruida tornou inteiramente dispensavel o emprego dessa informagao. Muito embora esses dados revelassem as formas caracteristicas de interacao dessas variaveis, as tabelas nao foram integradas na versao final por duas razoes aparentes: em primeiro lugar, como ja disse, o desenvolvimento interpretativo do texto podia perfeitamente abrir mao da discussao quantitativa das formas especificas de estratificagao agraria (E importante, por sua vez, apontar que esse desenvolvimento interpretative pode dispensar essa discussao em razao de modifieacoes que se operam no movimento da logica-antecipada a logica-empregada: efetivamente, a primeira assumia como valida a
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20 Aproveito esta oportunidade para agradecer a valiosa assistencia _e cooperacao prestada por Maria da Graca Salgado, sem cujo concurso nao teria sido possivel um trabalho tao vasto de levantamento. 21 G. W. F. Hegel, The Phenomenology of Mind (Londres: George Allen & Unwin, 2. ed., 1949).
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22 A codificacao foi suspensa pois nao consegui achar um registro centralizado da expedi?ao dessas patentes. As que foram acliadas, bem que numerosas, eram "avulsas", isto e, o unico criterio que as unificava era a provincia de residencia do titular da patente e nao forneciam maior informac.ao. Nao existindo um registro sistematico e exaustivo era impossiyel controlar duplicagoes na tabulacao de miles dessas patentes. Etifim, nao existia nenhuma proporgao razo^vel entre a energia e tempo dedicados a essa tarefa e a utilidade derivada dela. Aproveito a oportunidade para agradecer a Angela Maria Ramalho Vianna pela assistencia que me brindou nesse processo.
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A RECONSTRUQAO Hisr6EicA
formulagao monista da questao central segundo a qual um Estado centralizado supunha uma sociedade civil fraca ou, vice-versa, uma sociedade civil forte pressupunha um Estado fraco, ao passo que na logica-empregada questionou-se a validade dessa colocagao em favor de uma interpretagao mais dialetica das relagoes entre o Estado e a sociedade.) Em segundo lugar, a inclusao dessas tabelas teria significado a organizagao de um capitulo independente que tera, a despeito da sua relevancia intrinseca, uma relagao relativamente "externa" com o corpo geral da discussao. Considerando a extensao do manuscrito, achou-se prudente deixar essa discussao por fora. As analises qualitativas, eomecadas em maio e praticamente acabadas em setembro, foram entao elaboradas principalmente com base na correspondencia dos comandantes da corporacao entre si e com as autoridades hurocraticas. A leitura e exame dessa correspondencia tornou-se, depois de urn tempo, um processo relativamente monotono. Ainda que contenha pedidos, requerimentos, queixas, sugestoes, propostas, etc. revela um padrao esquematico que se reafirma quotidianamente uma vez desvendado. Nesse sentido, uma vez superada a etapa dos "e-isso-ai", dos "pois-e!" e dos eurekas e serendipities, a tarefa desafiante deixou de ser a reconstrugao desses padroes de relagoes que vigoravam entre o centro burocratico e a periferia patrimonial: o aspecto desafiante era poder acompanhar as mudangas desses padroes nas provincias e nos diferentes periodos historicos. Os padroes patrimoniais da experiencia miliciana com o governo local tornaram-se bem aparentes desde o comego. Assim, antes da classificagao dos dados coletados segundo um esquema de topicos teoricamente relevantes para a organizagao posterior da analise e da interpretagao, esses padroes tinham-se revelado de forma bastante nitida ao longo do periodo de coleta de dados. 0 trabalho de classificagao serviu, na verdade, para capturar as nuances mais importantes da experiencia patrimonial e seu impacto sobre a estrutura burocratica de governo e as variagoes que estas nuances assumiram ao nivel regional. Naturalmente, algumas dessas nuances tinham-se revelado durante o processo de levantamento; elas se n» nifestarani completamente, porem, durante o processo de classificagao, particularmente as variacoes no tempo e ao nivel provincial. Uma vez classificado, o material apresentava pouca "novidade" e sua fungao era, por assim dizer, mais ilustrativa que reveladora. Foi o processo de ordenacao do material historico de acordo com as categories de um esquema interpretative que permitiu um entendimento significativo da corporagao e de seu papel administrativo na organizagao do Estado.
CORONEIS E BUROCRATAS NO BfiASIL IMPERIAL
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E, enfim, particularmente sugestivo que, a despeito das expectativas originals, ^nao tenha sido a analise "extensiva" das milicias com relagao a outras instituigoes nacionais o que permitiu obter um quadro compreensivo de seu papel historico. Na verdade, o oposto foi mais correto, isto e, quanto mais mergulhava dentro da corporagao e mais "intensiva" era a informacao coletada, mais significativamente podia eu relacionar a corporagao a sociedade nacional circundante. De fato, o conhecimento detalhado da organizagao da eorporagao fez com que aspectos que de outra forma teriam provavelmente passado despercebidos pudessem entao ser devidamente situados. Formulas literarias para concluir uma carta ou um oficio, por exemplo, revelam, aos poucos, os tragos tipicos de um estilo que se torua, por sua vez, revelador de valores culturais que podiam, entao, ser detectados e acompanhados na sua metamorfose historica. Nada disso estava antecipado ou previsto como parte do processo de pesquisa; a relevancia desses aspectos pode, porem, ser apreendida no memento em que a tensao entre o projeto e o seu desenvolvimento foi vista nao como um obstaculo a ser evitado, mas como um momento virtuahnente fecundo para a reconstrugao final do objeto.
o EMPIRICA DE UM MOVIMENTO RADICAL
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a quarta, finalmente, analisara a _estrategiajle pesquisa e os probledo levantamento de campo. Origens do Tema
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10) Heconstitnigao Empirica de Politico Radical1 HELGIO TRINDADE
A principal tentacao a que se exp5e o pesquisador ao reconstituir, alguns anos apos a conclusao de seu ciclo, uma experiencia de pesquisa e a de racionalizar a logica intema do "processo de investiga530. Esse risco deve ser coriscientemente colocado sob controle quando o objetivo do texto e descrever as etapas^ de^ uma.experiencia de pesquisa produzida ao longo de cinco anos. Jf rocurando reduzir ao maximo a influencia deste fator, decidi elaborar vim texto descritivp que atendesse ao espirito de coletanea e servisse de subsidio aos que pretendem enfrentar as vicissitudes da Xpesoniisa soDre^movimentos politicos radicals no BrasilT^Este —etra*•__ . , r^Z—; —-•„ ' ""-- ~. i balho tera, pois, uma preocupagao emmentemente didatica, estruturando-se em jorno das Ias"e"s ___mais _signi'£icatiyas do prqcesso~real da pesquisa. A primeira parte versara sobre a qrigem do tema e sua delimitagao; a segunda apresentara o processo de organizagao da estrutura do trabalho e sua influencia sobre a clarificagao do objeto de estudo; a tercejra descrevera a elaboragao do corpo de hipoteses e r
l O presente ensaio refere-se a tese de doutqramento defendida pelo autor, em dezembro de 1971, na Universidade de "Paris (Pantheon-Sorbonne), sob o titulo original, L'Action Integraliste Bresilienne: un mouvement de type fascists des annees 30 e que foi, posteriormente, publicada em co-edigao, pela Difusao Europe"ia do Livro e Editora da UBGS: Integralismo: O Fascismo Brasileiro na J>ecada de 30, S. Paulo, Difel, 1974, 388 p. O autor agradece aos colegas da area de Ciencia Politica, Francisco Ferraz, Maria Isabel Noll e Mercedes Loguercio Canepa, que tiveram a gentileza de ler o texto manuscrito e ofereceram valiosaa sugestoes.
Scm fugir a uma tradicao que tem algo em comum com a geragao intelectual das primeiras decadas do seculo, descobri o Brasil dos anos 30 em Paris.2 Frequentava, no outono de 1966 o Institut d'Etudes Politiques da Universidade de Paris e interessei-me por um dos seminaries, a nivel de doutorado, do Cycle Superieur d'Etudes Politiques, intitulado "Ideologies: les annes 30", sob a diregao de Jea^ Touchard, Rene Remond e Raoul Girardet. 0 seminario tinha-'por objetivo inventariar as manifestagoes intelectuais, politieas e ideologicas na Franga da decada dos 30. Os participantes deveriam definir suas pesquisas dentro de um programa de estudos bastante flexivel e apresentar sua contribuigao sob a forma de um projeto de pesquisa ou de um documento de analise sobre o periodo. A partir da leitura de uma coletanea de textos produzidos na primeira fase do seminario (1965/1966), e sendo o unico latinoamericano do grupo, fui tentado a pensar sobre a realidade brasi-_ leira da epoca. A curiosidade intelectual despertada no contexto do Seminario, e a descoberta da ausencia quase total de estudos especificos sobre o movimento integralista, conduziram-me quase intuitivamente em diregao ao tema. Neste momento o integra'Iismo apresentava-se ao meu espirito como um enigma cheio de estereoripos ejpreconceitos. Lembrava-me vagamente, alem dos lugares comuns e das facciosas analises encontradas na maioria dos livros que, nas eleigoes presidenciais em 1955 ouvira, ainda adolescente, conduzido por meu pai, um discurso de Plinio Salgado, no Teatro Sao Pedro, em Porto Alegre. Guardara na memoria a imagem de um pequeno homem retorico, falando de olhos fechados, com um estranho sotaque caipira. Buscando maiores informac5es sobre o tema, alem das genericas informagoes dos Hvros de bistoria e da referencia de Thomas Skidmore sobre uma tese escrita por um teuto-brasileiro na Alemanha, em 1937,3 defrontei-me, em Paris, corn dois fatores favo2 Como dma Paulo Prado, em 1920, a respeito de Oswald de Andrade: 'Numa viagem a Paris, do alto de um atelier da Place-Clichy — umbigo do mundo — descobriu deslumbrado a propria terra." 3 Skidmore (Thomas) — Brasil: De Getulio a Castelo, Rio, Saga, 1969. Vide nota 39, p. 410. Refiro-me a tese de doutoramento, em Filosofia, para a Universidade de Berlim de Hunsche (Kaul-Heinrich), Der Brasilianische Iniegralismus; Geschichte und Wesen der Faschistischen Bewc-
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A REcoNSTRugAo Hisx6sicA
ravels. De um lado, havia uma estudante brasileira, aluna tambem do IEP, e que estava preparando um "memoire" sobre o Partido de Representagao Popular (PRP), que foi o movimento sucedaneo ao integralismo no Brasil do apos II Guerra. 0 estfmulo pelas' discussoes em torno do tema, especialmente sobre as origens do PRP , . ^5g[J.n^gr^]ista^grasileira ( AlET i undad a em 1932 por Plinio Salgado, comegou a produzir algumas reflexoes e gerar as primeiras hipoteses tentativas sobre o^assunto. Q/ outro fafor f avoravel foi que, na pequena biblioteca da Maison du Bresil na CiHaHe Universitaria deParis havia, por coincidencia talvez,uma colegao em 20 volumes das obras completas de PliniojjialgadoT JEnibora com reservas, por tratar-se de textos reeditados apos a extincao da AID, encontrei-me diante de um rico manancial de informacoes ideologicasrArtar^ponto a descoberta de novas fontes aumentou minhlT motivagao com relayao ao tema que, a partir de inicios de 1967, consultei o Prof. Touchard soEre a viabilidade de transformer meu estudo explorat6rio.num projeto de tese para doutoramento. A reagao inicial do professor foi de enorme curiosidade com o tema cujo conteiido era conexo ao do Seminario dos anos 30, embora sugerisse, como de Pjgge, a elaboragao de uma proposta for,mal de tese. Desde entao comegou o Processo de elaboragao da tese propriamgnte dlta . Num primeiro momento, rninha tendencia natural era abordar o tema da forma^ o mais abrangente possivel. Face a esta predisposigao totalizante com relagao ao objetp de estudo contrapunham-se diferentes alternativas ou niveis analiticos: o corte no tempq^ e no espago, a insergao do tema no contexto historico do periodo, a articulagao do conjunto de hipoteses exploratorias e esparsas, a combinagao de afa^rda^nT^alaabilticas, de tecnicas de pesquisa e estrategias de anaUse, etc. Nesta fase, a criatividade desdobra-se^, sem limites, em todas as diregoes: a cada nova leitura, a cada hipotese exploratoria, recompoe-se o universo dentro do qual se mp ve o fio condutor do processo de teorizagao da pesquisa. Aos poucos, jjorem, certos balizamentos comecam a circunscrever a criatividade em torno do objeto de estudo em fungao da viabilidade da pesquisa. Este momenta to^n^eTiniitador porque diniensiona os parametros do estudo em termos de custos e da capacidade do pesquisador em desenvolyer sozinhq^as djiferentes etapas do pYo"jetOT Qutra"s~limitacoes, porem, sao de natureza substantiva e podem afetar niais decisivamente a definigao do esquema conceitual gung Brasiliens: Stutgart, 1938, cujo exemplar consegui localizar, atraves de um service nacional bibliogrSfico alemao, na Biblioteca Municipal de Manhein.
RECONSTRugAo EMPIRICA DE UM MOVIMENTO RADICAL
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da pesquisa. Refiro-me a relagao entre questoes teoricas e a disponibilidade dejinfoTmacoes referentes ao conjunto" de~Hirecge^s_^naEticas a^jue se propoe g projeto. INo caso do estudo TIo Integralismo, o problema de exeqiiibilidade da pesquisa colocava-se em termos de fontes, considerando que se tratava de um movimento extinto ha^uag^e quarenta anos^ Portanto, a primeira comgatibilizacao a fazer nesta eiapade elaboracao do p£OJetp,_era entre os ohjetivos pretendidos e suas diversas Alternativas teoricas e metodologicas com a acessibilidade de dados cruciais capazes de permitir o teste das hipoteses. Em suma, tratava-se de um trahalho que pretendia estudar um movimento poHtico radical de extrema-direita ou fascista, cujas fontes bibliograficas poderiam ser precarias ou cujo acesso a antigos militantes prejudicado por fatores de diferente natureza. No levantamento de informacSes a respeito, comecei a convencei'-me jrue, em principio, as fontes eram provavelmente acessiveis. Localizes, aos poucos os principals textos politicos do movimento que me permitiriam estabelecer um corte longitudinal na estruturagao da ideologia integrahsta: conseguir reunir, desde os livros dos teoricos e ideologos do integralismo, passando por ensaios e artigos de dirigentes nacionais e regionais, ate a imprensa nacional e regional onde poderia encontrar manifestagoes de dirigentes e militantes locais. Como pretendia, porem, reconstituir um movimento politico cuja natureza nao decorria apenas da analise da produgao doutrinaria escrita, mas tambem das motivagoes de adesao e do universo ideologico concrete dos militantes, era importante poder entrevistar um numero significativo de ex-integralistas. Pelizmente, ua epoea, embora a maioria dos ex-dirigentes e militantes estivessem na faixa etaria dos 55 aos 70 anos, com excecao de alguns poucos personagens centrals ja falecidos,4 a qnase totalidade dos integralistas importantes ainda vivia e poderia oferecer urn depoimento sobre sua participagao no movimento. /Consideraudo, pois, estas condigoes favoraveis para a realizagao do / estudo, que, provavelmente, nao se reproduzem para outros movimentos politicos radicals do periodo, tentei com os dados disponi1 veis, ainda em Paris, estruturar o projeto inicial de tese para discutir com meu orientador. Neste ponto gostaria de acrescentar um pequeno comentario sobre a evolugao de minha atitude diante do tema durante o desenrolar doyprocesso de pesquisa. Quando iniciei a pesquisa tinha 4 Refiro-me, de modo particular, a Gustavo Barroso e a Olbiano de Mello.
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A REcoNSTRugAo HISTORICA
quase a convicgao de que estava trabalhando sobre um tema sepultado pela historia politica brasileira ao/iinal dos anos 30. Entretanto, na medida em que avangava no levantamento, buscando novas fontes e entrevistando antigos militantes, comecei a descobrir que meu objcto de estudo nao .estava tao morto. Ao contrario, como uma especie de fantasma, ele insistia em sair do bau do passado e rebicarnar-se no presente. Aos poucos a sensagao de que estudava algo que procurava difusamente reincorporar-se na cena politica brasileira parecia tao nitida que, ao concluir o trabalho, escolhi como epigrafe uma estrofe do Poema da Fortaleza de Santa Cruz de Plinio Salgado, cujo significado, diferentemente do original, tradiizia, simbolicamente, a presenga sonambiilica do "ethos" politico integralista na recente historia politica brasileira: / / "Quando os patios da velha Fortaleza, como' pratos de pedra, abrem-se ao luar um' fantasma passeia, passeia devagar..." Estruturagao do Trabalho Um dos aspectos cotidianos com que me defrontei no processo de pesquisa era a necessidade de uma clarificacao constante do objeto de estudo. Normalmente, o pesquisador ao iniciar seu trabalho, mesmo tratando-se de um tema circunscrito, consegue ter apenas uma visao imprecisa e difusa do objeto de investigagao. Os conhecimentos dTsponiveisTio comeco da pesquisa",~^"s^**pistas analiticas inspiradas na literatura e as hipoteses exploratorias geradas na reflexao sobre o tema, constituem-se, num conglomerado bruto de informagoes, sem contornos definidos e cuja delimitagao ser;T fruto do proprio processo de J pesquisa. Tal problems tornava-se mais enfatico quando o tema a ser pesquisado ainda nao fora suficientemente explorado, como era o casp do integralismQ. Nesta situagao, os primeiros esbogos de organizacao do trabalho apoiados na bibliografia ^xistente, embora viabTlizassem um estjuenia conceitual preliminar careciam de estrutura coerente e de rigor metodologico . Mesmo assim, por mais fragmentarias que sejam as informagoes de que dispoe o pesquisador sobre o seu objeto de estudo, ele deve tentar estabelecer os primeiros marcos de referencia do universo de ^pesquisa. Ao definir o que pretends pesquisar numa determinada area de conjiecinientos, ^ele^ preclsa fazer um est'orgo preliminar para definir os objetivos de sua jnvestiga-
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cao. Com esta preocupacao basica proeurei demarcar genericamente meu objeto de estudo. Uma forma preliminar de delimTtagao do tema realize! pela exclusao das questoes e abordagens que estivessem fora de meu campo analitico. Tratando-se de preparar, como no meu caso, um doutoramento em Ciencia FoHtica, inclinei-rae a selecionar os problemas e as jtbordagens analiticas cpie se integrassem a problematica teorica e metodologica da^ area, afastando, do meu centro de interesse, enfoques complementares. _, Uma_ das_ primeiras decisoes foi nao desenvolver uma analise ^ centrada na historia do _rnovi5enlq7~emB"6ra"" a reconsfituicao do movimento, inserido no processo historico do periodo, fosse indispensavel a compreensao do fenomeno em sua globalidade. Meu interesse Prhicipal era o de estudar o mtegralismo enquanto primeiro movimento politico de massa em ambito nacional. A partir desta piimebra opgao, miuhas preocupagoes direcionaram-se prioritariameute para uma analise situada ao nivel do movimento, a I fim de melhor caracterizar a sua natureza f politico-ideologica. Re- ^ jeitava implicitamente a tendeucia de aceita-lo "a priori" como um fascismo resultante de um mero mimetismo ideologico, sem raizes nacionais definidas e desvinculado da dinamica historica e estrutural da politica brasileira dos anos 30. Inicialmente, minha principal preocupagao foi a de descobrir os eventuais elos de ligacao entre a ideologia integralista e a evolucao politica^ da sociedade brasileira. A diagnose do movimento e a compreensao de sua natureza ideologica nao parecia viavel sem iuseri-lo na epoca historica em que\i\ia_joJBrasil, com seus conHicionantes iuternos e eiternos. Em fungao desta linha de interesse decorreu uma putra decisao relativa ao periodo cronologico a ser estudado. Emboia a duragao do movimento integralista "lato sensu" tenha prolongado sua existencia ate 1965, quando foram extintos os partidos politicos entao vigentes, o corte cronologico limitou a pesquisa a fase de funcionamento da Acao Integralista Brasileira (AIB) de 1932 a 1937. 0 pressuposto era que o integralismo em sua primeira yersag,^correspondia de forma mais autentica as suas origens do que na fase clandestina que se inicia com a dissolugao do movimento, apos o putsch de 1938, ou na fase de redefinieao liberal-democratica do apos II Guerra Mundial, quando se tornou um partido politico convencional (Partido de Representacao Popular), participando do jogo democratico no seio do sistema multipartidario. Essas duas fases posteriores sao, certamente, muito importantes para a compreensao global do fenomeno integralista, mas, ao meu ver, secundarias para responder a indagacao
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basica sobre a natureza do movimento de massa que fora a AIB na decada de 30. " Foi visando, pois, estudar o integralismo no periodo de 1932/ 38 que elaborei, em inicios de 1967, a primeira versao, ainda que generica, da estrutura do trabalho. Esse esquema geral, reunindo Wuinhas primeiras preocupacoes analiticas, compreendiaquatro areas de pesquisa que foram qrsanizadasde forma cronologicaTNa primeira7~pr5pu51ia-iae a pesqnisar "as origens~Ha~ideol6gla integralista", buscando caracterizar o processo de evolucao ideologica do futuro chefe do movimento, cuja passagem da literatura ao engajamento politico deveria ser explicada. Estava previsto, neste contexto, que seria indispensavel reconstituir o ainbiente de formagao intelectual de_Plinio Salgado, a partir da hipotese geral de que ele teria sido influenciado por acontecimentos internacionais (I Cuerra Mundial, fascismo italiano e revolugao bolchevista) e, por condicionantes infernos (mudangas economico-sociais, modernismo, renovagao catolica e revoltas politicas tenentistas). Num segundo momeuto, propunha-me deslindar o impacto do influxo interno e externo sobre seu itinerario intelectual, intitulando-a de "a progressiva tomada de consciencia politica (1926-32)". A estruturac,ao desta fase revela algumas hipoteses implicitas sobre o "nacionalismo intuitivo" de Salgado, ligado ao periodo do posmodernista dos movimentos Verdamarelo e da Anta, a crescente inquietagao politica no momento posterior e, finalmente, a ideologizagao decorrente do contato diretp com o fascismo italiano em viagem a Europa, em 1930..Esse periodo de 1926 a 1932 foi denominado "a progressiva tomada de conscieucia politica". A segunda parte, enfocaria especificamente a "ideologia integralista de 1932/33", inspirada nos escritos de Salgado e definida como um "nacionalismo espiritualista e autoritario". A hipotese subjacente era que a primeira versao da ideologia integralista teria uma conotagao mais nacionalista do que fascista. Esta hipotese poderia ser comprovada pela analise dos textos ideologicos dos primeiros tempos da AIB. Nesjes primeiros documentos parecia configurar-se um pensamento politico preponderantemente "nacionalespiritualista". A terceira parte, buscaria definir as principals diregoes da "evolugao da ideologia integralista" no periodo de 1933 a 1938 com a incorporagao da produgao ideologica de Miguel Reale e Gustavo Barroso. No final desta parte, propunba-se tambem a explorar as relagoes entre integralismo e catolicismo, cuja amplitude e complexidade levou-me a abandonar a ideia no oontexto _dp projeto. A quarta parte, finalmente, pretendia responder a pergunta central do trabalho: "o integralismo eum_moximento-
fascista?". Nesta direcao considerava indispensavel fazer toda uma discussao teorica, baseando-se na literatura sobre o fascismo, que estahelecesse as oUferengas e relagoes entre os conceitos de direita, extrema direita, integralismo, nacionalismo, autoritarismo e fascismo. Pretendia desenvolver uma analise apoiada no estudo teorico, desde o pensamento contra-revolucionario frances ate as experiencias fascistas europeias, buscando fixar os criterios definidores do fascismo ideologico, que convergeria para uma analise comparativa entre o discurso ideologico integralista e o fascismo europeu. Minha primeira tentativa de estruturar o trabalho tinha a seguinte configurac.ao sintetica: f
I — Origens da Ideologia Integralista: 1 — 0 ambiente da formagao intelectual de Plinio Salgado (1922/26) a — Contexto internacional b — Contexto interno
2 — A progressiva tomada de consciencia politica (1926/ 32) 0 "nacionalismo' intuitivo" 0 despertar politico
Contacto direto com a Europa (1930) A fundac.ao da AIB II — A Ideologia Integralista de 1932/33 1 — 0 Nacionalismo Espiritualista e Autoritario a b c d
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A A A O
concepgao do homem e da sociedade concepgao do Estado, Nagao, Corporativismo revolugao integralista Chefe, a milicia e os srmfaolos
III — A Evolugao da Ideologia Integralista a — O integralismo segundo Salgado b — 0 integralismo segundo Barroso c — 0 integralismo segundo Reale IV — O Integralismo e uma Ideologia Fascista? a — Do reacionarismo contra-revolucionario ao fascismo b — Caracterizagao do fascismo ideologico c — Analise comparativa entre integralismo e fascismo
A RECONSTRugAo HISTORICA
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RECONSTRUCAO EMPIRICA DE UM MOVIMENTO RADICAL 4 — A organizagao do movimento 5 — A renovagao catolica e o integralismo
Apos meu retorno ao Brasil, em fins de 1967, para iniciar 0 trabalho sistematico de coleta de inforniagoes, procure!, na medida em que descobria novas fontes historicas e doutrinarias, bem como colhia os primeiros depoimentos de antigos militantes integralistas, avaliar e problematizar meu piano de analise inicial. Uma nova estrutura do trabalho, definida em meados de 68, procurou rearticular o conjunto do projeto guardando, obviamente, os grandes tracos do piano inicial, mas precisando melhor seus objetivos. f "A diferenga entre um e outro esquema analitico residia nu)ma caracterizagao mais definida da prinieiraparte do trabalho, ou seja7 a insergao 3as~ "origens da ideologia no contexto historico brasileifo~dos"^iios"20~partin3io~lla analise Inais especificada dos fatores geradb'res J<Ja mutagao ideologica e sua influencia direta sobre o itinerario intelectual de Plinio Salgado de 1922 a 1930. Da mesma forma, na segunda parte, o surgimento da AIB deitarir, raizes na bistoria brasiieira dos anos 30, deixando de ser apenas um fenomeno exotico ao contexto nacional para transformarse numa tentativa de resposta aos desafios e contradigoes da sociedade brasileira em crise na busca de uma transformagao economico-social, A incursao que me propus realizar no terreno dos fatpres que condicionaram a evolugao do periodo entre as duas Guerras Mundiais, mostrou-se muito fertil em hipoteses e diregoes anaHticas. 0 cotejo sistematico entre a formagao intelectual de Salgado. o desenvolvimento daT ideias nacionalistas autoritarias que estao no bojo do movimento integralista e a analise dojteriodo historico nos seus aspectos economicos^sociais er~pblificos, foram fundamentais a apreensao totalizantg do.^_ejigm_e3QO_^i__s,ua_integr.acao real no jprocesso politico brasileiro. 0 novo esquema que procurava traduzir estas novas perspectivas analiticas orgaaizou-se da seguinte, forma: £-j
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III — Evolugao da Ideologia Integralista 1 2 3 4
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ascensao da direita e dos fascismos na Europa processo de fascistizagao do integralismo fascismo juridico de Miguel Reale nacional-integralismo de Gustavo Barroso
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IV — Integralismo e Fascismo 1 — Analise comparativa dos movimentos fascistas 2 — Natureza do movimento integralista Ate este nfvel de amadurecimento da problematica do integralismo, havia uma predisposicao major em valorizar a mutagao nistorica condicionadora da evolugao ideologica de Plinio Salgado ! e sua influencia sobre o advento da AIB do que em definir linhas de investigagao sobre o movimento propriamente dito. Somsnte a partir de um conhecimento mais sistematico das relacoes entre o i movimento integralista e as transformacoes da sociedade em crist \e que surgiram novas hipoteses explicativas sobre o signifieado do iintegralismo no processo politico brasilcirgj^J^s questoes centrais _referentes ao movimento enquanto orgamzagao politica e a sua_jiatureza seriam somente expIicitaHas com a decisao de realizar_ujrr"ievantamentode dados atraves de pesquisa de campo. A descoberta 35 exisHncia 3e certas iiiformagoes sobre diferentes niveis do movimento tornou pertinente a colocagao de algumas questoes fundamentals sobre a natureza do movimento. Esta foi a tarefa central da estrategia da pesquisa de campo, articulada com as analises exploratorias aateriores e a partir da elaboraeao progressiva de uma baterla de hipoteses de trabalho, que sera descrita a seguir."~|
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1 — A Decada de 20 e as Origens da Ideologia Integralista 1 — A transicao da sociedade brasileira e a mutagao ideologica 2 — 0 itinerario intelectual de Plinio Salgado de 1922 a 1930 II — O Nascimento do Integralismo 1 — 0 contexto politico brasileiro dos anos 30 2 — A ascensao das ideias autoritarias e a fundagao da AIB 3 — 0 nacionalismo espiritualista e autoritario de Plmio Salgado
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Emergencia das Hipoteses
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hipoteses de um trabalho_ de pesquisa nao emergem em conjunto num momento de inspiracao excepcional. Ao contrafio. relas_surgem. ^spontan.eamentee vao se expUcita!Taro~r[a~r5edida em .y que a absorgao cta~literatura teorica e, ate mesmo,__.enqua_ntpps Jnstru_mentos de pesquisa~~se elaboram, como uma_ especie de subproduto geradoTpela^ropria reflexao continua em Jprnq d'o tema. Neste sen^Ho7~ao~^ipresentar
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hipoteses em bloco, ordenando-as logicamente segundo se referem a analise da formagao do movimento integralista ou ao estudo da natureza do movimento, deve-se entender como uma forma jle_-re'agrupamento didatico visando uma melhor compreensao do seu conteudo e nao como uma descrigao do seu processo real de elaboragao. ~~ 0 corpo de hipoteses subjacentes a elaboragao do trabalho nasceu progressivamente de um estudo exploratorio de natureza historica e ideologica. A hipotese geral era de que o integralismo emergiu, na decada de 30, enquanto movimento-politico-ideoTogico, e logrou implantar-se em amplos segmentos da populac.ao brasileira, pela conjugagao de condigoes historicas internas favoraveis e o influxo de um modelo'die referenda externo jfascista. _. A analise desenvolvida nesta diregao sobre as condigoes historicas contextuais ao surgimento da Agao Integralista demonstrou que a ideologia elaborou-se num periodo de crise da sociedade brasileira. A mutacao da sociedade que se acentuou no apos Primeira G-uerra, engendrou novos conflitos politicos e socials que provocaram a crise social. 0 inicio da formacao de um proletariado industrial e, sobretudo, a insatisfacao das classes medias ci... ~ "^ vis e militares em ascensao, provocaram contestagoes sucessivas ao sistema politico da Primeira Republica. Os conflitos socials do apos-guerra e o ciclo de insurreigSes tenentistas introduzindo a tviolencia extra-sistematica na arena politica, constituiram-se na infra-estrutura da crise ideologica das elites intelectuais. A consciencia nacionalista, sob diversas formas, radicalizou-se, a revolugao modernista rompeu com os valores esteticos tradicionais e a renovaeao catolica mobiliza amplos setores intelectuais para a ac.ao social e politica. O marco de referencia interno que explica, pois, o surgimento da Agao Integralista e a Revolugao de 30. Desde as origens do movimento ate sua dissolugao, persistiu uma ambiguidade basica na relacao entre o integralismo e os grupos politicos emergentes no apos 30. As posigoes do integralismo alternam-se entre o cortejo, a cumplicidade e o odio cujos episodios simbolicos sao o desfile de apoio a Getiilio antes do golpe de 37, o Piano Cohen forjado no interior da AIB e o atentado ao Presidente da Republica no Palacio da Guanabara em 1938. Outra hipotese referente a formagao intelectual e a socializagao politica de Plinio Salngado postula que a evolugao ideologica do futuro chefe integralista do fim da I Guerra ate as vesperas da Revolugao de 30 se explica mais pela influencia da revo-
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lugao literaria do que por sua experiencia politica em partidos tradicionais.^ Esta hipotese procura explicar um paradoxo~observado entre os fatores que condicionaram a formacao politico-ideologica de Salgado. Sua agao ate 1930 envolvia uma contradigao basica: embora engajado num. partido politico tradicional, participava da vanguarda da revolugao estetica modernista. 0 peso de seu passado levou-o a integrar-se aos grupos oligarquicos, embora sua atividade o estimulasse a romper com os padroes vigentes na sociedade. A ultima tendencia predominou quando Salgado, apos ter participado de uma tentativa frustrada de renovagao do Partido Republicano Paulista, decidiu tentar uma nova experiencia politica. Na realidade, a consciencia politica do futuro chefe integralista desenvolveu-se no embate dessas contradigoes. Republicano, catolico e nacionalista desde sua juventude, encontrou em Sao Paulo um dos ambientes mais polarizados por essas tensoes sociopoliticas e inquietacoes ideologicas. Percebendo os limites do jogo politico tradicional, Salgado militou intensamente nos movimentos literarios pos-modernistas. Em conseqiiencia, a experiencia modernista, mais do que a politica, o instigou a novos engajamentos politicos. A validade desta hipotese foi verificada atraves da leitura de sua produgao literaria Iniciada com seu romance social "0 Estrangeiro". Observe! que o principal efeito da revolugao literaria sobre o pensamento politico de Salgado foi o de transformar sua atitude em face da politica: tornou-se um escritor engajado. Referia-me aos ensaios reunidos em 1927, sob o titulo de "Literature e Politica", onde ele esboga sua primeira interpreta§ao poUtica da sociedade brasileira. Apos a analise da trilogia de romances onde se percebe uma crescente politizagao da tematica do autor, parecia justificada a bipotese de que a metaformose ideologica de Plinio Salgado se processou sob a atmosfera intelectual da revolugao esteticaT^ua obra romanesca, escrita em pleno periodo modernista, estabeleceu a ponte entre suas ativida'des de escritor e de ideologo poh"tico. A publicagao, em 1926, do romance 0 Estrangeiro fixou o marco inicial da mutagao ideologica do futuro chefe integralista: "Meu^primeiro manifesto foi um romance". Portanto, quando tentei ponderar a importancia relativa dos diversos fatores mencionados sohre a formacao ideologica de Salgado, conclui que foi sua experiencia intelectual nos grupos pos-modernistas que o estimulou a afastar-se da politica tradicional e engajar-se progressivamente na acao ideologica. Mais do que uma concepgao literaria e estetica, o modernismo representou para Salgado um metodo de
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analise da realidade brasileira e de aprofundamento de sua atitude nacionalista. Posteriormente, Plinio Salgado viajou a Europa, as vespera^da Revolucao de 30, ondeTenT cont'ato^ com a experienciade Mussolini, cobriu a fra^ilida^erlla^democracia~liBefal. Esta fase se caracteriza pelo processo de maturagao de uma nova doutrina politica, apos o rompimento com o Partido Republicano Paulista. Os contornos definitives da ideologia em elaboracao se definiram durante sua viagem ao Oriente e a Europaj de abril a outubro de 1930. Desiludido com o partido ao guaj^pertejicia, Salgado medita sobre a politica brasileira a luz da experiencia europeia da epoca. Nesse periodo, a ideia fascista se insinuou de forma expTicita em seu espirito. No que concerne ao periodo "pre- integralista" de 1930 a 1932, minha hipotese era que a situagao politica brasileira apos a derrubada daJVelha Republica e a expansao dos fascismos na Europa suscitararn eondigoes injerjoas favoraveis a criagao " de um movi~ i mento fascista no Essa hipotese recusava a posigao simplista de explicar um movimento do porte da AIB e sua transformagao em movimenlo de massa atraves da mera imitagao de movimentos fascistas europeus. Diferentemente, postulava que a fundagao da AIB nao foi um fato isolado, mas resultou da cristalizagao das ideias radicals de direita no Brasil nos anos 30 e da integracao por Salgado de diversos movimentos precursores, como resposta aos problemas da sociedade brasileira na epoca. Com a derrubada da Republica Velha, apos 30, abriram-se novas perspectivas para a agao politica. Salgado posicionou-se ao lado das correntes antiliberais, tentando atraves do jornal A Razdo e da Legiao Revolucionaria de Sao Paulo influir nos acontecimentos. A Revolugao de 30, logo apos a tomada do poder, defrontou-se com um impasse: de um lado, a ausencia de uma definigao ideologica da parte do Governo Provisorio fez com que a luta pela convocacao da Assembleia Constituinte representasse o confUto politico maior; de outro lado, esta situagao de vazio ideologico e de busca de uma nova organiaagao politica favoreceu o desenvolvimento de ideias de extrema-direita entre uma nova geragao inquieta, cetica e antiliberal. 0 fracasso das tentativas de influir sobre o processo politico e a proliferagao de grupos intelectuais e movimentos antiUberais no pais convenceram Salgado da viabiUdade da criagao de um novo movimento ideologico com vocagao nacional capaz de beneficiar-se do contexto politico. A preparagao —— -
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mais imediata da futura AIB desenvolveu-se no seio da Sociedadt de Estudos PoKticcs (SEP) e o principal papel de Salgado foi o de reagrupar os intelectuais e as organizacoes que defendiam uma solucao autoritaria de direita. Neste sentido, retomando a hipotese geral, se a influencia fascista foi decisiva para definir o conteudo laeologico do novo movimento, foram as contradigoes politicas internas que criaram jim clima favoravel a irrupgao de movimentos e de revistas de extrema direita, fascistas ou monarquistas, que estao na origem da AIB. /" Este conjunto de hipoteses foi elaborado e verificado a partir Ho universo historico e ideologico do integralismo. Todavia, estas hipoteses nao respondiam a uma questao crucial: qual a natureza do movimento? Aparentemente certos aspectos exteriores da orga* nizagao integralista e alguns temas ideologicos pareciam identificar-se com o fascismo internacional. Mas, a pergunta que se impunha, a fim de nao assimilar acriticamente os estereotipos e os preconceitos, deveria indagar se o integralismo seria um movimento de extrema direita com aparencia fascista ou ttm__ fascismo autentico?7A busca de uma resposta a esta questao conduziu-me a devolves- uma estrategia de pesquisa de campo cujo objetivo seria desenvolver uma analise sistematica sobre a natureza do movimento. 0 estudo empfrico da natureza da AIB transformou-se num novo nucleo da pesquisa, A Estrategia da Pesquisa Nesta nova diregao de pesquisa, decidi verificar sistematicamente a ideia presente na literatura e nos depoimentos de que o integralismo seria urn movimento de tipo fascista. Uma resposta adequada a esta questao nao poderia ser obtida somente atraves de uma analise tradicional dasfHeologiaspoliticas ao nivel dos textos. Neste sentido, considerei indispensavel combinar a analise da ideologia, apoiada em documentos escritos, com o estudo das atitudes ideologicas dos dirigentes e militantes de base: entendia que a determinagao da natureza e um movimento fascista, fora do contexto europeu supunha nao somente a presenga de temas ideologicos em comum mas que o tipo de organizagao do partido, as motivagoes de adesao, as atitudes ideologicas e as bases socials fossem semelhantes ao modelo de referenda europeu dos anos 30. Minha abordagem, a partir de entao, encaminhou-se para a analise da Agao Integralista, integrando o enfoque classico do estudo das ideias politicas com o enfoque o psicossociologico.
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A definigao do desenho de _umajgesquisa^upoe nap apfcnaa a escolha dos^objefivos gerais e das tecnicas de levantamento _a serem ufUizadas, jnas o mapeamento exaustivo das fantes de dados suscetiveis de serem explorados. Enquanto encontrava-me na Franca^distante do local da pesquisa e dispondo de informacoes fragmentarias sobre o seu universo, a tentativa de definir uma eslra* tegia de pesquisa, parecia um mero exercicio intelectual. Somente a partir de uma visao mais concreta das fontes jixistentes e de^ seu acesso jifetivo, e que pude determinar definitiyamente minha^^strategia de trabalho de campo. Tal situacao correu, em meados de 1968, quando as informacoes reunidas sobre as diversas fontes de informacao e sua acessibilidade permitiram uma estruturacao definitiva do desenho da pesquisa. Neste momenta, procurei articular os couhecimentos historicos e ideologicos preexistentes com a nova problematica do levantamento do campo propriamente dito. Nesta epoca havia praticamente concluido a leitura do conjunto de obras ideologicas produzidas por teoricos e dirigentes do integralismo. Inclusive, ja havia iniciado a leitura sistematica dos periodicos do movimento, desde as revistas intelectuais e ilustradas ate a imprensa nacional, com algumas incursoes na imprensa regional e local. Esta primeira visao de conjunto do universo ideologico integralista, em seus diferentes niveis de elaboragao, colocou-me diante de uma indagagao fundamental: ate que ponto o discurso ideologico, produzido pelos intelectuais e lideres do movimento, atraves de um processo de mimetismo ideologico havia penetrado no universo politico dos dirigentes e militantes locals? Nao se poderia imaginar a possibilidade de que a ideologia tivesse, ao nivel mais elafaorado, uma configurable tributaria da produgao ideologica dominante de inspiragao fascista, mas que, analisada de outro angulo, na otica da sua percepgao pelos militantes de base, se configurasse apenas com um palido reflexo ideologico captado atraves de algumas ideias-forca e de slogans fragmentarios? Dito de outra forma, qual a viabilidade de testar a penetragao da ideologia integralista em diferentes camadas de militantes e qual o grau de homogeneidade dessa incorporagao ideologica? A tentativa de resposta a esta questao condicionou-me a introduzir no projeto inicial da pesquisa uma coleta de depoimentos junto a ex-militantes integralistas, com diferentes tipos de vivencia ideologica no seio do movimento. A descoberta de que grande parte dos dirigentes nacionais e regionais, e inclusive, de que o fundador do movimento, poderiam ser entrevistados, reforgou minha opcao de pesquisa nesta diregao. A partir desta nova diregao de pesquisa, o grau de unidade ideologica do integralismo e suas
peculidridades regionais poderiam ser tambem explorados atraves de testemunhos de militantes. Seria igualmente interessante que, aproveitando os contatos com ex-integralistas, fosse feita alguma anaUse no terreno das motivagoes de adesao, a fim de caracterizar empiricamente os condicionamentos da opgao ideologica. Finalmente, como subproduto do levantamento de informagoes individuals de tipo blografico e socio-economico, teria condigoes de coIher dados capazes de definir um perfil geral sobre origem social dos militantes, em termos de ocupagao, nivel educacional, etnia e mobilidade iutergeneracional. 0 objetivo principal desta nova parte do estudo, concernente a natureza da AIB, foi de definir e verificar um outro conjunto de hipoteses particulares inspirado no estudo comparative dos fascismos europeus, articulado com a hipotese geral de que o con"teudo fascista do integralismo resultaria da conjugagao entre um modelo de referencia externo fascista e condig5es historicas internas favoraveis. A nova bateria de hipoteses foi formalizada nos seguintes termos: o integralismo seria urn movimento fascista em funcao da composicao social de seus aderentes; das motivagoes de adesao de seus militantes; do tipo de organizagao do movimento; do conteudo explicito do discurso ideologico; das atitudes ideologicas de seus aderentes; enfim, do sentimento de solidariedade do movimento com relagao a corrente fascista internacional. Diante da relevancia da coleta das informagoes capazes de permitir o teste das hipoteses referidas, a estrategia do levantamento organizou-se basicamente em tres niveis: primeiro, buscando contato com os principals teoricos e dirigentes nacionais ou regionais distribuidos nas diversas regioes do pais e procurando realizar com eles uma entrevista longa e gravada, a partir de um roteiro informal de questoes. Este roteiro foi organizado atraves de quatro tipos basicos de informagao: 1) uma questao desencadeadora da entrevista e de carater dissertativo ("O que significou para o senhor sua adesao ao Integralismo?"); 2) questoes relativas a biografia politico-ideologica do entrevistado; 3) questoes sobre ideologia enfatizando os principals temas e tendencias ideologicas internas; 4) e, finalmente, uma bateria de questoes atitudinais referentes aos principals momentos da historia polltica brasileira desde 1930 (vide Anexo 1). 0 segundo nivel deveria ser desenvolvido a partir das informacoes e hipoteses geradas pelas entrevistas em profundidade e que se estruturaram num questionario padronizado sobre as principals dimensoes acima referidas, alem de um conjunto de questoes sobre o contexto individual dos dirigentes e militautes locals (vide Anexo 2). Finalmente, num terceiro
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nivel surgiu a ideia, inspirada num estudo desenvolvido junto a estudantes franceses sobre o nacionalismo, de incorporar a^todas as entrevistas com ex-integralistas, uma caracterizacao empirica das principals dimensoes do fascismo ideologico (vide Anexo 3). Este ultimo nivel fundamenta-se no fato de que, geralmente, as Canalises sobre o fascismo se Hmitam a analise do discurso ideologico ou da organizacao fascista. Este enfoque tradicional poderia ser suficiente para o estudo dos movimentos europeus cuja natureza ideologica era indiscutivel. No entanto, quando o objetivo era determinar a natureza de um movimento de aparencia fascista implantado num pafs periferico, parecia indispensavel integrar o estudo das atitudes ideologicas dos militantes. Desta forma, ampliei o campo analitico do trabalh-o possibilitando, atraves de analises_e&; tatistieas, determinar o tear de fascismo da ideologia vivenciada individualmente, pelos integralistas, o grau de radicalisnio ideologico dos integralistas com relagao a outros grupos de controle constituidos por nao integralistas e, finalmejite, o nivel de homogeneir dade da propagagao ideologica entre os dirigentes nacionais-regionais e os dirigentes-militantes locais. Entretanto, o estudo do integralismo, utilizando-se de levantamentos de campo junto a antigos militantes, apresentava uma dificuldade metodologica, na medida em que, nao havendo um fichario com a relagao dos aderentes do movimento, nao se podia desenhar uma amostra representative do universo de integralistas. Alem disso, havia um problema conexo: a extrema dificuldade de localizar militantes disperses que pertenceram a um movimento extinto ha mais de 30 anos. Diante desta situagao a unica forma de resolver o impasse foi recorrendo a lista de dirigentes nacionais e regionais referidas na imprensa integralista, especialmente no jornal Monitor Integralista, que continha informagoes oficiais sobre estatutos, regulahientos, rituals, resolucoes e nominatas de dirigentes. Nestas circunstancias, a escolha das pessoas a serem entrevistadas foi feita segundo um duplo criterio: determinagao das rggioes geograficas ondc a AIB era mais forte e escolha manipulada de ex-integralistas que permaneceram fieis a ideologia, a fim de que o testenmnho nao fosse deformado e as atitudes ideologicas pudessem ser avaliadas. As informagoes sobre antigos militantes de zonas urbanas ou rurais, obtidas junto a integralistas e nao-integralistas*, permitiram-me entrevistar, durante dois anos de pesquisa, uma centena de dirigentes locais e militantes de base. Esta pesquisa por questionario foi precedida de trinta entrevistas semidiretivas com antigos dirigentes nacionais e regionais do movimento e de uma serie de entrevistas de controle com
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personalidades nao integralistas que acompanharam as atiindades da AIB. A partir da localizagao destes, com quern realizava entrevistas longas, fui obtendo indicates sobre enderegos de dirigentes e militantes de base de auas regioes. Por este processo consegui informagoes precisas sobre a qnase totalidade de integralistas que responderiam, posteriormente, minha pesquisa por questionario. Portanto, se este conjunto de dados sobre os dirigentes e militantes de base da AIB nao for representative da totalidade do movimento, pretende, ao menos, ser expressive das "provincias" integralistas onde o movimento era mais forte: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Parana, Sao Paulo, Guanabara, Espirito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Babia e Ceara. Com a finalidade de verificar sistematicamente as hipoteses supra-indicadas sobre a natureza da agao integralista, foi desenvolvida uma analise compreendendo diferentes niveis. No que concerne ao estudo da origem social dos militantes, um dos criterios utilizados para determinar a natureza do integralismo foi a comparacao entre a estrutura social da AIB e a dos fascismos europeus. Ainda que as informagoes sobre a base social dos movimentos fascistas na Europa sejam bastante fragmentarias, elas revelam a preponderante adesao de certas camadas sociais, ao menos nos casos do fascismo italiano ou do nacional socialismo alemao. As informaeoes obtidas de antigos integralistas atraves de pesquisas ou de documentos oficiais da AIB pennitem a reconstituigao bastante aproximada da origem social dos dirigentes e militantes integralistas. Parece importante, porem, distinguir analiticamente a origem social dos dirigentes nacionais regionais, situados hierarquicamente na ciipula do movimento, da dos dirigentes/ militantes locais. A aglutinagao destas ultimas categories se justifica na medida em que nos pequenos e medics municipios o recrutamento dos dirigentes e dos militantes se faz, em geral, no mesmo meio social. Os dirigentes nacionais e regionais foram separados em qua* tro categorias. A primeira corresponde aos dirigentes executives nacionais: o Chefe, os membros do Conselho Nacional (mais tarde, o Conselho Supremo) e os Secretaries responsaveis pelos departamentos exeeutivos nacionais; a segunda reiine a diregao executiva ao nivel regional: os chefes arquiprovinciais e os chefes provinciais; a terceira e quarta englobam os orgaos consultivos, on seja, a Camara dos Quarenta no ambito nacional e a Camara dos Quatrocentos, composta de personalidades integralistas de todas as regioes do pais. Este conjunto de orgaos executives e consultivos,
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que formam a Corle do Sigma, constitui a camada de dirigentes no sentido amplo da Agao Integralista. As informagoes sobre os dirigentes dos orgaos de diregao executiva nacional e regional da AIB confirmam a hipotese de que seu recrutamento se faz predominantemente entre as categorias socio-profissionais representativas das classes medias urbanas em ascensao nessa epoca. Em primeiro lugar, porque na decada de 30 o grupo preponderante e formado pela media burguesia dos profissionais liberals, em grande parte radicalizada ideologicamente para a direita. Alem disto, constata-se a participagao de uma pequena proporgao de jovens oficiais das forgas armadas geralmente motivada para a acao politica pelo movimento "tenentista" e por este polarizada numa tendencia de direita e noutra de esquerda. A analise da composigao socio-profissional dos orgaos de diregao executiva nacional inostra, pois, que a quase totalidade de seus membros pertence as camadas intelectuais da classe media superior, especialmente originarias das profissoes liberals. Esta observaeao e valida tamhem ao nivel dos dirigentes executives regionais, onde se constata uma participagao nao negligenciavel de oficiais do exercito. Os dados sobre a origem social dos dirigentes e militantes locais, porem, apresenta uma composigao mais diversificada do que entre os dirigentes nacionais e regionais. As categorias sociais preponderautes no seio dos dirigentes hierarquicamente superiores tornam-se minoritarias e a media burguesia transforma-se no niicleo mais amplo dos militantes locais: os profissionais liberals se limitam a menos de um quarto do total, o mimero de oficiais das forgas armadas e reduzido e os representantes da burguesia desaparecem. Neste nivel, o grupo majoritario e a pequena burguesia formada pelos burocratas dos setores publieo e privado, que representa cerca de 40% do conjunto dos dirigentes e militantes locais, ainda que as camadas populares (trabalhadores agricolas, pperarios de industries e independentes) constituam quase um quarto da base do movimento. Esta estrutura social inverte totalmente a composicao socio-profissional verificada ao nivel da direcao nacional e regional: tres quartos dos aderentes locais sao provenientes da pequena burguesia ou das camadas populares, ao passo que a media burguesia intelectual ou militar nao ultrapassa a um quarto do total. A conjugagao destas informagoes sobre a base social da Agao Integralista permitia conclulr que, ao nivel da direcao nacional e regional, era a classe media superior (profissoes liberals e oficiais)
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que controlava o aparelho do partido. Quanto aos dirigentes e militantes locals, sua base social estava constituida de duas categorias: a maioria dos aderentes provinha da classe media inferior (pequenos proprietaries, empregados e funcionarios) com uma relativa afluencia das camadas populares, constituida por trabalhadores (a maioria em pequenas e medias industries), de agricultores ou trabalhadores rurais (em geral de zonas de pequenas propriedades) e de alguns artesaos. Esse perfil da estrutura social integralista parece aproximar-se muito dos modelos facistas europeus, especialmente do fascismo italiano e do nacional-socialismo alemao. Outro aspecto relevante na definigao da natureza do integralismo e a analise das motivacoes da adesao ao movimento no contexto dos anos 30. 0 termo "motivagao" esta sendo utilizado abusivamente, de vez que nao se trata de proceder a um estudo de motivacoes no sentido psicologico do termo, mas de explorar sistematicamente uma serie de informacoes que permitem reconstituir as principals razoes que condicionaram os militares a inscreveremse na AIB. A pergunta foi formulada da seguinte maneira: "Como explica sua adesao ao integralismo"? No corpo do questionario esta questao aberta era apenas precedida por duas outras perguntas de simples informagao que nao contaminaram as respostas. As entrevistas com os militautes foram conduzidas pessoalmente pelo autor de forma semidiretiva a fim de evitar que os motives mais sensiveis fossem conscientemente camuflados ou inconscientemente censurados. 0 problema mais delicado foi, sem diivida, determuiar a influencia dos movimentos fascistas europeus na opgao dos integralistas, sobretudo para os descendentes de imigrantes alemaes ou italianos que se preocupavam, gerahnente, em demonstrar maior vinculo afetivo ao Brasil do que qualquer lealdade ideologica. A analise foi conduzida com o objetivo de determiner a £reqiiencia relativa de cada motivo indicado, sem considerar a ordem em que as respostas foram dadas, porque nem sempre o primeiro motivo referido revelava necessariamente a razao principal de sua adesao ao movimento. 0 problema mais delicado e o da validade que se pode atribuir a "motivacoes" indicadas em 1970, sobre opgoes politicas feitas trinta anos antes. As entrevistas com antigos integralistas ainda fieis a ideologia, todavia, revelaram que, para a grande maioria, a participagao na AIB foi uma experiencia pessoal marcante e, em decorrencia, que os fatos relacionados com o integralismo perrnaneceram extremamente vivos em sua memoria. Havia , tambem o risco de que a reconstituigao intelectual e afetiva a posteriori de uma adesao politica pudesse dar margens
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a operagoes de racionalizagao, idealizacao ou de censura, A expenencia adquirida preliminarmente com trinta entrevistas de tipo semidiretivas e registradas em gravador, com antigos dirigentes nacionais ou regionais, permitiu-me tuna penetragao suficientemente ampla no universo politico-ideologico dos integralistas para obter^ num. clima espontaneo, informagoes validas e controlaveis. Alem disto, a satisfacao da maioria dos entrevistados de serem objeto de pesquisa universitaria e dentro de uma situaeao politica diferente do apos-Segunda Guerra Mundial, os liberou, em grande parte, do complexo fascista, cuja melhor prova e o conteiido franco das respostas dadas, demonstrando que nao havia nenhuma intengao deliberada em dissimular a verdade dos fatos. Nesta perspective, o estudo desenvolveu-se em dois niveis: no primeiro, considerei a freqiiencia relativa de cada motivo, tornado isoladamente dentro do complexo de motives mencionados; no segundo, determine! a relagao entre o motivo considerado pelo entrevistado como principal e os outros indicados na resposta. 0 conjunto de respostas foi agrupado em nove categorias em fungao do tipo de motives indicados: nacionalismo, corporativismo, valores espirituais, anticomunismo, valores autoritarios, anti-semitismo, oposigao ao sistema politico vigente, deseuvolvimento do pais e simpatia pelos movimentos fascistas europeus. A "motivagao" principal que ocasionou a adesao de cerca de dois tergos dos integralistas e o anticomunismo. Considerando que a forga politica do PCB foi muito secundaria ate o surgimento, em 1935, da Alianca Nacional Libertadora, grande parte da importancia atribuida a este motivo provem provavelmente da inspiracao anticomunista dos movimentos fascistas europeus, e, ao mesmo tempo, de um anticomunismo reflexo. O segundo motivo e a simpatia pelo fascismo europett; a maioria absoluta das respostas confirma a influencia sobre os aderentes integralistas da ascensao dos movimentos fascistas. Quando nao havia uma atragao pelos regimes fascistas, mostravam-se, ao menos, sensiveis a luta desencadeada pelos movimentos fascistas contra o liberalismo e o comunismo. A proporcao de respostas concentradas neste motivo (56%) e superior a qualquer previsao a priori, reforcando a hipotese do parentesco ideologico entre o integralismo e o fascismo. 0 nacionalismo, que por hipotese podera ser considerado como o motivo provavelmente mais freqiiente, e mencionado pela metade da amostra. O tema do nacionalismo esta sempre presents na ideologia, tanto no piano afetivo como no intelectual, tendo um papel central na radicalizagao nacionalista dos anos 30. 0 naciona-
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lismo literario provocado pelo modernismo da decada de 20, tiza-se rapidamente e o integralismo torna-se a sua encarnacao na extrema direita apos a decada de 30. Neste sentido, nao existe contradigao com a importancia prioritaria atribuida aos dois motives anteriores, porque o nacionalismo e mais um estado de espirito e uma atitude afetiva do que uma dimensao ideologica. Enfim, o quarto tipo de "motivagao" e a oposigao ao sistema politico. Apos a tentativa de Salgado, atraves das "notas polftlcas'* publicadas em A Razao, de influenciar o Governo Provisorio de Vargas, uma das preocupacoes principais do integralismo era combater o retorno ao sistema liberal, simbolizado pela Constituicao de 1934. Neste sentido, a importancia relativa da oposigao ao governo, indicada pelos rcspondenles, explica-se, embora freqiieiitemente essa critica se manifeste sob a forma de uma hostilidade generalizada com relaeao a todos os regimes politicos republicanos. Os outros motivos indicados sao representatives do universo ideologico integralista, mas influenciam pouco, significativamente, nas adesoes: um quarto dos integralistas aderiu por identificagao com valores autoritarios (discipline, ordem, antiliberalismo) ou com valores espirituais. 0 segundo aspecto da analise pretende ultrapassar a mera descriagao das "motivagSes" individualmente consideradas e estudar sua articulacao com o conjunto completo de cada resposta. 0 que se observou nas constelacoes de motivagoes foi que elas se organ!zavam em torno de tres niicleos principais constituidos pelos motives mais freqiientes considerados isoladamente (o anticomunismo, a simpatia pelo fascismo e o nacionalismo). A partir desta primeira observagao, pode-se comparar a importancia relativa de cada "motivacao" com relaguo as tres dominantes. Os dados revelaram que as motivagoes mais fortemente associadas eram o anticomunismo e a simpatia com os fascismos: dois tergos dos que fizerem referencias ao anticomunismo mostraram-se tambem favoraveis ao fascismo, e a reciproca tambem e verdadeira para os tres quartos de pro-fascistas. 0 tipo de estrutura organizativa do integraUsmo e outra caracterfstica importante para definir a natureza do movimento. Nao se pode dissociar, num movimento fascista, a ideologia e a organizacao porque existe uma relagao explicita entre a estrutura desta e o conteudo da outra. Geralmente as organizagoes politicas autoritarias se estruturam hierarquicamente com o objetivo de enquadrar eficazmente seus militantes. A organizacao integralista, entretanto, supera esta funcao meramente instrumental: alem da estrutura vertical e rigida, sob o controle de organismos de enquadramento e
A REcoNSTRugAo HISTORICA
RECONSTRUCT EMPffilCA DE UM MOVIMENTO RADICAL
socializagao ideologica, a AIB incorporou uma nova dimensao capaz de transformar a organizagao na pre-figuragao do Estado integral. 0 tipo de organizagao, as relacoes entre o Chefe e os diversos orgaos estabelecem as bases de uma estrutura estatal. Portanto, a organizagao da AIB e nao somente um meio eficaz, voltado para a agao politica, mas um instrumento de elaboragao e experimentagao, em escala reduzida, do Estado Integralista. A estrutura da AIB, desde o Chefe ate os militantes de base, forma uma organizagao burocratica e totalitaria. A burocracia da organizagao manifesta-se atraves de um complexo de orgaos, fungoes, papeis, comportamentos previstos minuciosamente pelos estatutos^ resolugoes do Chefe e rituals; o carater totalitario, por sua vez, atraves das relagoes rigidas entre os orgaos de enquadramento disciplinado dos militares (a partir das organizagoes da juventude ate a milfcia) e da submissao autoritaria e f idelidade aos superiores hierarquicos. Neste sentido, o totalitarismo e a burocracia sao elementos indissociaveis na organizagao do integralismo. A organizagao integralista desempenha, pois, uma triplice fungao: fornecer ao chefe meios poderosos para dirjgir o movimento; realizar uma experiencia pre-estatal ao nivel da organizagao, inspirada no modelo teorieo do Estado Integral; constituir-se num instrumento de socializagao politico-ideologica dos aderentes. Qanto as atitudes ideologicas, um conjunto de proposigoes foi elaborado para avaliar as atitudes dos integralistas atraves de comportamentos verbais. 0 instrumento de medida das atitudes foi estabelecido a partir do nucleo de proposigoes ideologicas que tentava reduzir as suas dimensoes basicas o modelo fascista italiano, com algumas dimensoes do nacional-socialisino. A atitude fascista nao seria caracterizada, em conseqiiencia, na otica das pesquisas de Adorno, sobre a "personalidade autoritaria", mas em termos de fascismo ideologico, quer dizer, dos principals temas, valores e preconceitos associados a ideologia fascista. As dimensoes ideologicas escolhidas foram o nacionalismo, o anti-socialismo, antiliberalismo, o antiplutocratismo, o anticapitalismo internacional, o corporativismo, o soeialismo-nacional, os, valores e preconceitos (anti-semitismo, visao hierarquica, antimagonaria, visao pessimista da historia, exaltagao dos valores autoritarios, espirituais, tradicionais, valorizagao dos grupos naturals, das virtudes militares), a etica fascista (fidelidade, discipUna, amizade, sacrificios), a mistica da transformagao social e a solidariedade em face dos fascismos europeus. Procure! tamfaem, ao eonstruir as questoes references a cada dimensao, fermular proposig5es capazes de exprimir os temas e os valores fascistas e de os introduzii em
uma linguagem que levasse em consideragao o vocabulatrio ideologico atual, sem descaracterizar a linguagem fascista. A outra dificuldade que deveria ser levada em conta na elaboragao das questoes era o fato de que elas se enderegavam a indivfduos sensiveis a um estigma historico de "fascistas" e utilizando-se de temas ideologicos em grande parte superados pela evolugao historica (vide Anexo 3). A primeira dimensao ideologica considerada foi o nacionalismo. Uma vez que todo movimento fascista se estrutura a partir de uma atitude profundamente nacionalista. Mesmo quando este nacionalismo nao se explicits nos textos doutrinarios, o faseismo e essenciahnente a mobilizagao de um sentimento nacional exacerbado. As perguntas do questionario que incluiram esta dimensao procuraram captar o nacionatismo fascista em sua totalidade. Elas referiam-se aos temas do desenvolvimento da consciencia naeional (01), da independencia politica nacional (19), da supremacia da nagao (44), da identificagao com o passado e a tradigao (39), da defesa intransigente da soberania nacional (20), do nacionalismo economico (64), e da crenga no destino historico da patria (40). 6 Outro trago caracteristico da ideologia fascista e a recusa do sodalismo sob todas as suas formas. As questSes destinadas a medir o grau de anti-socialismo apoiaram-se em varios temas: a rejeigao da tese marxista da socializagao dos meios de produgao (03); a assimilagao do socialismo ao comunismo (42); a percepgao de uma ameaga comunista comprometendo o futuro da America Latina (23); a condenagao da revolugao cubana (27); a necessidade de combater toda a forma de socialismo (71), e enfim, a utilizagao dos meios violentos na luta contra o comunismo (47). A terceira dimensao comum a todos os movimentos fascistas foi o antiliberalismo. A concepgao autoritaria do Estado Fascista constitui-se na antitese do Estado Liberal classico nao intervencionista. Era necessario distinguir no antiliberalismo fascista dois aspectos: o primeiro, que decorre de sua analise da evolugao historica, era o combate aos ideais da Revolugao Francesa e a neutralidade do Estado liberal; o segundo traduzia-se na recusa, em nome da unidade da nagao, dos mecanismos democraticos responsaveis pela sua fragmentagao. As questoes formuladas que tentaram avaliar a atitude dos integralistas face ao liberalismo referem-se a estas duas dimensoes: quanto a primeira, os integralistas afirmam sua critica radical ao liberalismo como "um dos elementos mais nocivos de nossa civilizagao" (25) e responsabilizam o Estado liberal pela desordem do V
248
5
249.
Os numeros entre parlnteses correspondem ao questionirio do Anexo 3.
250
A RECONSTRUgAo HISTORICA
mundo atual (07); quanto a segunda, a quase totalidade dos integralistas considera que os partidos politicos e o sufragio universal dividem a nagao (43 ) e manifesta-se favoravelmente a sacrif icar o mecanismo liberal-democratico das eleigoes a fim de realizar os objetivos da nagao (49). A quarta dimensao e o antiplutocrattsmo e o anticapitalismo internadonal. Estes dois aspectos estao ligados porque o estudo da ideologia fascista comparada a experiencia historica jevela uma contradigao, embora o objetivo do fascismo seja o de revitalizar o capitallsmo liberal em crise, atraves de um nacional-capitalismo sob o controle do Estado Corporativo, o discurso ideologico exterioriza-se freqiientemente numa Hnguagem anticapitalista. As proposigoes que concernem a estes dois aspectos enfatizam a condenagao do espirito burgues (16), a dominagao oligarquica (26); a crenca de que os privilegios da plutocracia — sao maiores que os da nobreza (68) e enfim oposigao ao capitalismo internacional. A quinta dimensao ideologica Integra o mito da transforma$ao social, simbolizado pela ideia da "revolugao fascista". O fascismo, apesar de postular um projeto globalmente conservador, nao defende o imobilismo, mas aceita o reformismo social. A hipotese implicita e que o fascismo, embora sendo uma ideologia de conservagao social, nao e apenas um movimento reacionario na medida em que admite e propSe certas mudangas no seio do Estado, que e um produto da sociedade moderna. Se a solugao corporativa e a exaltagao dos valores do passado representam a dimensao tradicionalista da ideologia, este retorno as raizes nacionais tern tambem o sentido de busca de energias para construir um futuro mitico. Mesmo que essa atitude nao passe de urn reformismo social, o desejo de realizar a transformagao do Estado e um dos tracos que distinguem o fascismo dos nacionalismos de extrema-direita tradicionais. Cinco questoes procuram captar a existencia nos integralistas de uma atitude reformista. As duas primeiras referem-se a amplitude da transformagao: "uma mudanga global e unitaria das estruturas da Nagao" (15) ou (uma profunda transformagao das estruturas ultra passadas" (59). Em seguida, as tres outras medem a aceitagao de alguns aspectos do reformismo social: a planificagao da economia pelo Estado (58), a socializagao da industria de base (24) e a necessidade de uma reforma agraria (66). A sexta dimensao e o espiritualismo. Se nao se pode considerar como um aspecto ideologico essencial do fascismo (o nacional-socialismo, por exemplo, nao se proclama espiritualista), ele
RECONSTRugAo EMPIRICA DE UM MOVIMENTO RADICAL
1
251
esta presente nos textos doutrinarios do fascismo italiano e, sobretudo, nos da Falange Espanhola e do Rexismo Belgi.. No fascismo italiano, a referenda ao espiritualismo e vaga, embora proclame a importancia dos valores religiosos e dos principles morais na evoluQao historica. Neste sentido, a Falange e o Rexismo sao mais explicitos na proclamagao dos valores religiosos porque estes dois movimentos pretendem criar uma sociedade fundada nos principles cristaos e creem na transformagao espiritual do homem. No Brasil, o integralismo, sensivel a tradigao religiosa do povo brasileiro e estimulado pelo catolicismo de Salgado, incorpora a doutrina uma concepgao espiritualista do homem e da historia. O conjunto de proposi§5es elaboradas exprime p espiritualismo sob varias formas: a primeira exalta a fe e a submissao a um ser sobrenatural ('9); a segunda considera cpie a conversao espilitual do homem e a condigao previa da reforma social (11); a terceira, que a virtude se encontra numa vida sobria e religiosa (02); a quarta valoriza o papel da religiao na historia (04) e, enfim, a quinta afirma que a degradagao da civilizagao contemporauea e provocada pelo abandono dos principios morais e religiosos (28). A setima dimensao forma o nucleo da "revolucao fascista": a transformagao do Estado. 0 Estado, que no fascismo deve ser urn instrumento de implementagao do reformismo social, e tarnhem um fim em si. 0 fascismo proclama que a revolugao fascista reside na transformagao do Estado. E precise, porem, distinguir os diversos nfveis da reforma do Estado fascista a fim de analisarmos as atitudes dos integralistas. A concepgao fascista de revolugao deve, em primeiro lugar, gerar o Chefe capaz de encarnar a ideia da transformagao do Estado: e a exaltacao e o apelo ao Chefe (46); o papel deste e o de suscitar a formagao de uma nova elite dirigente que substitua a antiga (22). Estes dois elementos, associados a oportunidade historica, desencadeiam a revolugao que triunfa a condicao de quern um Estado forte se imponha para substituir o Estado liberal (41); enfim, resta mencionar que o objetivo principal do Estado e a organizac.ao da Nagao (10) e que sua organizagao transformadora repousa na implantacao do sistema Corporativo (38). E necessario acrescentar uma ultima dimensao ideologica estabelecendo a relagao entre a percepcao dos integralistas sobre a natureza de sua propria ideologia e a ideia de que o fascismo e, em ultima analise, um socialismo-nacional que pretende superar o marxismo e o internacionalismo. Levando em consideragao o temor dos integralistas em serem taxados de "nacional-socialistas", a
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A RECONSTRUgAO HlSTORICA
questao formulada procura, de forma indireta, descobrir se os militantes aceitam que a ideologia ideal seja uma combinagao entre socialismo e nacionalismo ("A sintese ideologica ideal seria a que conciliasse o primado da justiga social do socialismo com a defesa dos interesses nacionais do nacionalismo") (06). A oitava dimensao do fascismo refere-se a um certo numero de preconceitos e valores do universo ideologico fascista que se incorporam ao integralismo sob a influencia do nacional-socialismo. Refiro-me ao anti-semitismo, ao preconceito da desigualdade natural entre os homens e as nacoes, a visao pessimista da historia e a exaltagao dos valores autoritarios (31, 60, 70, 12, 55, 17, 30, 35, 21, 45, 57, 18, 34, 65, 67). Um dos paradoxes do fascismo e que ele preconiza, ao mesmo tempo a renovagao e o retorno ao passado: ao lado da exaltacao da juventude e do mito da nova sociedade fascista desenvolve-se uma nostalgia dos valores tradicionais (05, 29, 39). A ultima dimensao a considerar baseia-se numa hipotese fundamental para determinar a natureza fascista do integralismo: trata-se de saber ate que ponto havia, nao obstante o carater nacional da AIB, um sentimento de solidariedade face aos movimentos fascistas na Europa. Nao parecia suficiente para que um movimento fosse considerado como fascista que tivesse similaridades formais ou ideologicas com os fascismos europeus, mas era necessario que seus proprios militantes tivessem consciencia desta relagao de parentesco (63). A analise da distribuicao marginal das respostas, em todas as dimensoes ideologicas tipicas de uma atitude fascista, confirmaram amplamente a hipotese do alto grau de identificacao ideologica dos integralistas com o fascismo europeu. Considerando-se o conjunto de questoes, constata-se que, em 87,5% das questSes respondidas, existe uma concentracao de respostas, no nivel mais intense de identificagao (concorda muito ou discorda muito), que varia de 66% a 100%. Tal dado em si mesmo significative, porque revelador de um alto grau de homogeneidade nas atitudes ideologicas dos integralistas, torna-se mais expressivo quando se sabe que o movimento extinguiu-se ha mais de tres decadas. Um outro aspecto da analise e a determinasao do grau de homogeneidade ideologica dos militantes comparando as atitudes dos que tern uma funcao de diregao nacional ou regional com a dos integralistas de base. A hipotese postula que numa organizacao autoritaria dispondo de meios para socializar politicamente os militantes, o discurso ideologico tende a se difundir de uma maneira
RECONSTRugAo EMPIRICA DE UM MOVIMENTO RADICAL
253
uniforme entre os dirigentes e militantes de base. A verificacao desta hipotese supoe que as mesmas questoes sejam aplicadas aos militantes nos dois niveis de participacao e que um indice permita comparar seu grau de homogeneidade. A determinasao do indice de uniformidade6 sobre o conjunto das respostas dadas demonstra que, de uma maneira global, o grau de homogeneidade ideologica dos integralistas e bastante elevado, porque somente menos de 15% das respostas apresentam uma inconsistencia relativa, isto e, um indice de uniformidade baixo. Apesar do grau bastante elevado de uniformidade ideologica, os militantes de base tendem a ser mais radicals que os dirigentes nacionais e regionais. Aplicando-se o test design sobre o conjunto de respostas dos dois grupos integralistas (dirigentes/base) constata-se que os dirigentes e os militantes locais concentram-se sobre a alternativa de resposta mais radical. Quanto ao radicalismo ideologico o objetivo era verificar o grau de extremismo ideologico comparando as atitudes dos militantes da AIB com a dos grupos de controle nao integralistas. Para estabelecer esta comparagao, dois grupos de controle foram instituidos: o primeiro, um grupo de controle adulto, formado por individuos nao integralistas pertencendo a mesma geracao dos dirigentes e militantes integralistas; o segundo, um grupo de controle jovem, integrado exclusivamente por uma centena de estudantes universitarios. A hipotese postulava que os integralistas, com relac.ao as dimensoes do fascismo ideologico, se encontravam distribuidos entre as atitudes mais radicals. 0 metodo utilizado foi o da construcao de escalas de atitudes a partir de um conjunto de questoes sobre o fascismo ideologico. Procurou-se, por essa tecnica integrar hierarquicamente questoes individuals constituindo nucleos ideologicos unidimensionais. 0 teste da hipotese sup5e, de inicio, que as questoes administradas se organizam em subconjuntos ideologicos homogeneos; se esta condigao previa se realiza, o grau de radicalismo ideologico sera medido pela comparaeao entre os "scores" dos tres grupos entrevistados, onde se espera sempre mais uma forte proporgao de integralistas nos escores mais elevados. 6 O indice de uniformidade estabelece a relacao entre a percentagem da resposta esperada mais intensamente (concorda ou discorda muilo, conforme a proposic^o seja positiva ou negativa) dos dirigentes nacionais/ regionais com relagao aos dirigentes militantes locais.
indice de Uniformidade =
% dirig. nac./reSX 100
% dirig. Mil./Loc.
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A RECONSTRUgAO HIST6EICA
RECONSTRUgAO EMPfRICA DE UM MOVIMENTO RADICAL
Utilizando-se as tecnicas da analise hierarquica (escalas de Guttman e Loevinger), nove escalas de atitude foram construidas com as principais dimensoes do fascismo ideologico, as quais, elaboradas sobre o grupo de controle adulto, foram bastante satisfatorias (vide Anexo 4). 0 conjunto de dados reunidos a partir de diferentes fontes de informacao durante o processo de pesquisa produziu urn acervo de informacoes superior as necessidades teoricas e analiticas do estudo. Nesta ocasiao, recolocou-se enfaticamente, o problema de uma nova estruturagao do tema com vistas a analise que deveria iniciar. Essa fase de organizagao final do piano detalhado da analise, em fungao de todo material disponivel, foi crucial para o trabalho porque estabeleceu seus contornos definitivos, redefinindo e clarificando, pela ultima vez, o objeto de estudo e suas hipoteses centrais. Este ultimo piano procurou ser suficientemente compreensivo e analitico para permitir uma estruturacao mais consistente e equilibrada do tema, valorizando a importancia relativa de cada parte na descrigao e explicagao do fenomeno. Esta ultima elaboracao foi feita, em fins de 1970, ao retornar a Paris para a redacao do trabalho e discussao com o orientador da tese. Tomando como referenda os dois esquemas anteriormente citados e incorporando em sua estrutura as novas direcoes analiticas, o ultimo piano transformou-se, em seu conteudo esquematico, no proprio indice do trabalho em sua versao definitiva.
2,
Uma sociedade em transicao da decada de 20
2.
a) A mudanga socio-economica b) Contestagao do sistema politico c) A mutagao ,ideologica A formagao politica de Salgado a) b) c)
1.
Os a) b) c)
2.
A organizayao a) b) c)
3.
militantes Origem Social Mobilidade social Motivacoes de adesao
0 chefe A mobilidade social A socializacao ideologica
A ideologia a) b) c) d) e)
Fundamentos doutrinarios A organizacao social e politica Os inimigos Atitude em face do fascismo europeu Atitudes ideologicas
Tentando, a guisa de conclusao, reconstituir a logica interna do meu processo de pesquisa constata-se que as principais etapas organizaram-se, em sintese, da seguinte forma. Inicialmente, reuni r as principaisUibras teoricas, textos de propaganda, ensaios ideologicos e periodicos integralistasJ Uma primeira leitura deste acervo I de textos e documentos conduziu-me a uma serie de indaga9oes so\bre a natureza e caracteristicas do movimento. Em fungao desta (analise exploratoria, um conjunto de hipoteses foi sendo elabotado para ser testado atraves da analise historica, do discurso ideologico e das entrevistas em profundidade com antigos dirigentes nacionais e regionais do integralismo. Esse conjunto de depoimentos e testemunhos produziu novas hipoteses, as quais inspiraram a elahoracao de um questionario padronizado a ser ministrado em antigos dirigentes e militantes locais, cujo resultado viabilizou a analise do perfil socio-politico dos militantes jntegralistas. As reflexoes teoricas e o material ernpirico produzidos ao longo do processo de pesquisa procuraram integrar-se numa analise ar-
A origem republicana 0 fermento nacionalista A metamorfose ideologica
0 desafio da Revolugao de 30 a) b) c)
A literatura antiliberal Os movimentos politicos autoritarios A fundagao da Acao Integralista
III — Natureza do Movimento
II — Genese da Ideolodgia 1.
A ascensao das ideias autoritarias em 1930 e o nascimento do integralismo a) b) c)
I — Emergencia do Chefe 1.
255
A descoberta do fascismo 0 jornalismo politico Uma ideologia em maturagao
1
256
A
HISTORICA
ticulada, segundo as diretrizes estabelecidas na estrutura final do trabalho. Em conseqiiencia, a reconstituigao de um processo de pesquisa nao consiste apenas em descrever suas principals etapas teoricas, colocando sob controle o risco de racionalizagao como foi dito no inicio, mas em demonstrar a indissociabilidade pratica no processo real da pesquisa entre a escolha do tema e sua estruturagao, a reflexao teorica e metodologica, a elaboracao das hipoteses, a coleta e a analise dos dados. Porto Alegre, fevereiro de 1977
Anexo 1 I — ENTREVISTA SEMIDIRETIVA (DIRIGENTES NACIONAIS/REGIONAJS) A — DISSERTACAO 01 — O que significou para o senhor sua adesao ao Integralismo? B — BIOGRAFIA POLfTICO-IDEOLOGICA 02 — Como conheceu o movimento integralista? 03 — Em que ano aderiu ao Integralismo? 04 — Como explicaria sua adesao? 05 — Que func.oes exerceu no movimento? 06 — Antes de sua adesao ao Integralismo, pertenceu a outras orgwnizacoes political, culturais ou religiosas? 07 — Seus melhores amigos tambem simpatizavam com o Integralismo? OS — Eles tambem entraram no movimento, ou sua adesao foi individual? 09 — Seus pais interessavam-se por politica? 10 — (Se am) Com que mbvimentos ou partidos tinham mais afinidades? 11 — A adesao ao Integralismo dava-se predominantemente entre que categories sociais? 12 — Quais eram as condigoes para aderir-se ao movimento? 13 — Como se organizava internamente a AIB? 14 — Existe, na sua opiniao, alguma diferenfa entre a Acao Integralista e o PRP? 15 — Como explicaria a forte implantacao do Integralismo no Rio Grande do Sul? C — IDEOLOGIA INTEGRALISTA 16 — Quais eram, na sua opiniao, os problemas mais importantes do pals na d6cada de 30? 17 — O que pretendia a Acao Integralista enquanto movimento politico?
HISTORICA
258
IS — Quais os aspectos da doutrina ou do programa integralista com os quais concordava mais? 19 — Discordava de alguns aspectos da doutrina ou programa? 20 — Na sua opiniao, quais seriam algumas caracteristicas da eociedade imaginada pelo Integralismo para o Brasil? 21 — Que ideologies considera incompati'veis com o Integralismo? 22 — Que ideologies considera ter afinidades com o Integralismo? 23 — Que fatos politicos da dpoca, ocorridos dentro ou fora do Brasil, na sua opiniao, tiveram alguma importancia na formacao ou evolucao da ideologia integralista? 24 — Quais eram os pensadores brasileiros que mais influfram sobre os teoricos do Integralismo? 25 — Frequentemente os te6ricos integralistas referem-se a uma serie de pensadores europeus (Sorel, Maurras, Pareto, Barres, Sardinha, Primo de Rivera, Rocco, etc.): que contribuicao estes autores teriam dado a doutrina integralista? 26 — Houve alguma influencia da doutrina social catolica sobre a ideologia integralista? 27 — Qual era a atitude da Igreja e dos cat61icos com relacao ao integralismo? 28 — Na sua opiniao, a ideologia integralista evoluiu ou sempre permaneceu a mesma? 29 — (Se sim) Em que evoluiu? A que se deve tal evolucao? Na sua opiniao, ela foi positiva ou negativa para o movimento? 30 — Na sua opiniao, sempre houve acordo ou haviam posicoes divergentes entre os te6ricos do iutegralismo? 31 — (.Se sim) Com que teoricos estava mais de acordo? 32 — Qual o significado da revolucao integralista quanto aos seus objetivos e metodos? 33 — Como se organizaria o Estado Integral? 34 — Quais as vantagens da democracia organica sobre a democracia liberal? 35 — O Integralismo era favoravel a forma monarquica de governo? 36 — Como se organizaria o corporativisrno integralista? 37 — Qual era o papel do Chefe National? 38 — Qual era a funcao das Mili'cias? 39 — Qual o significado dos simbolos integralistas? 40 — Como se caracterizaria o nacionalismo integralista? D — ATITUDES POLITICAS 41 — Qual foi o significado da Revolucao de 30 para a sociedade brasileira? 42 — E o peribdo getulista? 43 — Como interpreta a evolucao polltica do Brasil nas ultimas duas decadas? 44 — Algumas pessoas falam em ameacas que pesam sobre o Brasil: por quern ou por que coisas o Brasil esta ameacado atualmente? 45 — Na sua opiniao, quais os problemas mais importantes que enfrenta o Brasil atualmente? 46 — Quais as perspectives da doutrina integralista em nossos dias e no futuro?
Anexo 2 II — QUESTIONARIO (DIRIGENTES/MILITANTES LOCAIS) (01)
COMO CONHECEU O INTEGRALISMO? 1. atraves de amigos ou parentes integralistas 2. atraves de discursos de Plfnio Salgado 3. atraves da leitura de livros integralistas 4. atraves da divulgacao do Manifesto de Outubro 5. atraves de panfletos e propaganda 6. atraves de desfiles integralistas 7. outra forma:
(02) (03)
EM QUE ANO ADERIU? COMO EXPLICARIA SUA ADESAO?
(04)
SUA ADESAO FOI ISOLADA OU COM UM GRUPO DE AMIGOS? 1. 2.
(05)
adesao isolada adesao em grupo
ANTES DE SUA ADESAO AO INTEGRALISMO, PERTENCEU A OUTROS MOVIMENTOS?
a) Politicos
b) Religiosos
c) Culturais
1. Sim 2. Nao
Qual?
1. Sim .2, Nao
Qual?
1.. Sim,
Qual?.
2. Nao
260 f05.a)
(05.b)
RECONSTRUgAO EMPIRICA DE UM MOVIMENTO RADICAL
SEUS PAIS INTERESSAVAM-SE POR POLiTICA? 1. sim 2. nao
(14)
QUE FUNC6ES EXERCEU NO INTEGRALISMO
a)
b)
Fun f d o : Ano:
Funfao; Ano: . .
COM QUE MOVIMENTOS OU PARTIDOS TINHAM MAIS SIMPATIA?
c)
FunfSo: Ano:
(15) (06)
261
COM QUE FREQTJENCIA PARTICIPAVA DAS ATIVIDADES DO MOVIMENTO OU PARTIDO?
NA SUA REGIAO, A ADESAO AO INTEGRALISMO DAVA-SE PREDOMINANTEMENTE ENTRE QUE CATEGORIAS SOCIAIS? (indicar ate 3, por ordem) 1. proprietaries rurais 2. funcionaiios publicos 3. operarios e trabalhadores rurais 4. empregados do comercio e da industria 5. profiasionais liberals t 6. comerciais e industrials 7. padres 8. militares 9. classe m6dia em geral
(16)
QUE ACONTECIMENTOS OU FATOS POLlTICO-SOCIAIS MAIS INFLUIRAM EM SUA MANEIRA DE PENSAR, ANTES DE SUA ADESAO AO INTEGRALISMO? (Indicar ate ires, em ordem) '
(17)
QUAL FOI SUA MELHOR EXPERIENCIA COMO INTEGRAUSTA?
COMO EXPLICARIA O DESENVOLVIMENTO DO INTEGRALISMO EM SUA REGIAO?
(18)
QUAL SUA OPINIAO SOBRE A REVOLUgAO DE 30?
(OS)
QUAL ERA A FINALIDADE DA ACAO INTEGRALISTA?
(19)
E SOBRE A REVOLUCAO CONSTITUCIONALISTA DE 32?
(09)
SE OS INTEGRALISTAS TIVESSEM TOMADO O PODER, QUAIS SERIAM ALGUMAS DAS CARACTERfSTICAS DA SOCIEDADE IMAGINADA PELO INTEGRALISMO PARA O BRASIL?
(20)
NA SUA OPINIAO, A ORIENTACAO DOUTRINARIA O(J PROGRAMATICA DO INTEGRALISMO ENTRE 1932 E 1937: MUDOU, EVOLUliJ "ou PERMANECEU' A MESMA?
(10)
COM QUE ASPECTOS DA DOUTRINA ESTAVA MAIS DE ACORDO? (indicar ate /res)
(21)
(5e a resposta for posiliva) EM QUE MUDOU OU EVOLUIU?
(22)
QUAL A DIFERENCA ENTRE,' O PRP e a AIBi NO'PLANO DOUTRINARIO?
(23)
NA SUA OPINIAO, O PRP AFASTOU^SE DOS VERDADEIROS IDEAIS INTEGRALISTAS?
(24)
COMO DESCREVERIA A FIGURA DO CHEFE PLlNIO SALGADO?
(07)
(11)
COM QUE ASPECTOS DA DOUTRINA ESTAVA MENOS DE ACORDO? (indicar ate tres)
(12)
QUAIS ERAM OS PRINCIPAIS LlDERES DO INTEGRALISMO NO SEU MUNIC1PIO?
(13)
QUAIS ERAM OS PRINCIPAIS LtDERES DO INTEGRALISMO NO ESTADO?
1. 2. 3. 4.
Uma vez por semana ou mais Uma ou duas-vezes por-mes - • • • • Umas poucas vezes por ano Nunca
-
-
. =..
262
A REcoNSTRucAo HISTORICA
(25)
RECONSTRUCAO EMPIRICA DE UM MOVIMENTO RADICAL
QUAIS AS MIJDANCAS OU TRANSFORMAg6ES MAIS IMPORTANTES OCORRIDAS NOS tfLTIMOS 50 ANOS NO BRASIL? (Indicar at£ tres, em ordem) a)
no piano economico:
b)
no piano social: ...
c) no piano politico: .. (26)
DE QUE MAIS SE ORGULHA COMO INTEGRAtlSTA?
(27)
DE QUE MENOS SE ORGULHA COMO INTEGRALISTA?
Ill — CONTEXTO INDIVIDUAL 01 — Sexo: 03 — Estado Civil: 05 — Onde nasceu?
.....,«,.
02 — Cor: 04 — Idade:
„. . *~.-
06 — Na zona urbana ou rural?
07 — Ha quanto tempo mora no Municfpio? OS — Qual era sua ocupasao, na epoca de sua adesao ao Integralismo? (espetificar) 09 — Atualmente, qual 6 sua ocupacao? 10 — Que estudos realizou?
11 — Que instrusaq possufa seu pad? 12 — Qual a profissao de seu pai?
13 — Religiao: 1. 2. 3. 4. 5. 6.
catdlica protestante espfrita israelita outra (espetificar) sem religiap
14 — Com que freqiigncia participa de atividades religiosas? \. uma vez por semana ou mais 2. uma ou duas vezes por mes 3. umas poucas vezes por ano 4. nunca I4a — Qual a importancia da religiao em sua vida? 1. muito importante 2. pouco importante 3. nenhuma importancia 15 — Origem etnica: paterna: materna
16 — Numero do Questiondrio; 17 — Local da Entrevista; . . . .
263
RECONSTRugAo EMPIRICA DE UM MOVIMENTO RADICAL
Anexo 3 IV — ATTITUDES IDEOL6GICAS * (DIRIGENTES REGIONAIS/MILITANTES LOCAIS) GOSTARIA DE SABER SE . . . . . . . ESTA EM ACORDO OU EM CONCORDA DESACORDO COM AS SEGUINTES PRASES: CM CP 01 — Somos uma pais, mas nao ainda uma nacao: despertemos a nacao! .02 — A virtude do homem estd numa vida s6ria, austera e religiosa. 03 — A propriedade privada € um direito natural e nao deve em nenhum case ser abolida. 04 — A religiao nao tern sido historicamente uma forca positiva na vida cfvica dos povos. 05 — Proteger os grupos naturais da sociedade e fundamental na vida politica sa. . 06 — A sintese ideo!6gica ideal se~ ria a que conciliasse o primado da justica social do socialismo com a defesa dos interesses nacionais do nacionalismo. 07 — O mundo esta em desordem porque o Estado liberal e fraco.
DISCORDA DP
DM •*
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM CM
CP CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
* Este conjunto de 71 questoes foi aplicado & totalidade dos integralistas entrevistados para o estudo de suas atitudes ideo!6gicas. ** CM = Concorda Muito CP = Concorda Pouco DM = Discorda Muito DP = Discorda Pouco
08 — Deveria haver uma igualdade absoluta entre homens e muIheres. 09 — O Partido Comunista deve ser declarado legal para ser meIhor combatido. 10 — Nao 6 a natao que gera ' Estado, mas, ao contrario, a nacao e criada pelo Estado. 11 — Nao adiantam transformacoes estruturais na sociedade sem estarem precedidas de uma reforma espiritual do homem. 12 — Nem todos os povos tern o mesmo grau de inteligencia e capacidade para o trabalho. 13 — Os militares sao a melhor garantia da seguranca nacional. 14 — o governo nao deve limitar o direito de greve. 15 — Nao ha solugao isolada para , ,os prqblemas nacionais; necessitamos de uma reformulacao global e unitaria das estruturas da nacao. 16 — O espirito burgues dominante em nossas elites tem retardado o desenvolvimento do pais. 17 — Embora a histfiria esteja em constante movimento, nao creio no mito da felicidade e do progresso indefinido. 18 — A juventude brasileira atual precisa e de disciplina para o corpo e para o espfrito. 19 — O Brasil precisa de uma politica extsrna independents, contra todas as formas de imperialismo. 20 — A integridade da soberania nacional nao pode jamais subordinar-se a nenhum interesse ou valor internacional. 21 — A obediencia e o respeito a autoridade dos pais sao as principals virtudes que devemos ensinar a nossos filhos. 22 — £ preciso estimular o desenvolvimento de uma nova elite de homens mtegros, energicos e capazes para restaurar a dignidade da nacao e seu progresso.
265
CONCORDA
DISCORDA
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
' DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
DP
DM
DP
• DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
266 23
A RECONSTRugAo
O futuro da America Latina depende de nossa capacidade de resistlr ao perigo comunista. 24 — A socializacao crescente dos setores basicos da industria nacional e estrangeira e necess£ria ao desenvolvimento do pais. 25 — O liberalismo, fruto da Revolucao Francesa, 6 um dos males da nossa civilizacao. 26 — A dominafao oligarquica da politica e da economia e um dos nossos maiores males. 27 — A revolucao cubana xepresentou um progresso social para a America Latina. 28 — Um dos problemas mais graves da civilizacao contemporanea e a decadencia dos principles morals e religiosos. 29 — O sistema capitalista produzido pelo liberalismo economi co implantou a grande industria, sufocando o artesanato, o que foi uma coisa ruim. 30 — Tal como 6 a natureza humana sempre haverd guerras e conflitos. 31 — Os judeus sao associados ao surgimento do comunismo e capilalismo internacionais. 32 — As Forcas Armadas representarn a elite mais preparada da nacao. 33 — A democracia liberal & o regime politico adequado para as nacoes em desenvolvimento. 34 — A fidelidade a. doutrina e ao Chefe deve ser o fundamento 6tico de toda organizacao politica. 35 — A democracia 6 um ideal igualitario inatingfvel. 36 — A intervencao dos militares contra o governo Goulart foi necessaria para acabar com a anarquia. 37 — O Brasil necessita continuar ainda com um governo forte apoiado nas Forcas Armadas para manter a ordem.
RECONSTRUgAO EMPfRICA DE UM MOVIMENTO RADICAL
CONCORDA
DISCORDA
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
3S — A organizacao das classes em corporacoes nao e a solucao para a luta entre grupos so ciais. 39 — Conservar a tradigao nacional 6 garantir a identidade da pdtria e seu progresso. 40 — O Brasil tern uma missao historica a cumprir na evolugao da humanidade. 41 — Precisamos de um Estado forte, nascido das prdprias raizes da nacao, que paire acima dos partidos, grupos financeiros ou classes. 42 — Nao ha" diferenca substancial entre socialismo e comunismo. 43 — Os partidos politicos e o sufragio universal dividem a na-
gao. CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
44 — Nao existe nenhum interesse que supere os interesses da nacao. 45 — A perda do senso de hierarquia esta na raiz dos nossos problemas. 46 — O Brasil sempre precisou de um homem providencial, com qualidades excepcionais, para tirar o pai's da crise em que vivemos h5 muito tempo. 47 — fi preciso ate mesmo usar da violencia para impedir a expansao do comunismo. 48 — A crise interna da Igreja p6s-conciliar e um progresso indiscutivel para a renovacao da religiao tradicional. 49 — A realizacao dos objetivos da nacao e mais importante que a existencia de eleicoes com sufr^gio universal. 50 — Desde a Proclamacao da Republica, instaurou-se no pais a instabilidade poHtica, a corrupcao e as crises periodicas. 51 — A milicia integralista, a!6m da formacao moral e cfvica, tinfaa como fun?ao proteger o movimento contra os ataques de seus inimigos. 52 — O Segundo Imperio foi o apogeu de nossas instituicoes politicas, nao por ser parla-
267
CONCORDA
DISCORDA
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
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DM
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DP
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DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
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CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
268
^
mentarista, mas porque o re- CONCORDA gime monfirquico era a base do seu equiUbrio. CM CP 53 — Nao existe problema racial no Brasil porque os negros aceitaram sua posicao de inferioridade. CM CP 54 — A revolucao de 64 esta realizando verdadeiramento sous objetivos. CM CP 55 — No mundo sempre havera povos superiores e inferiores z, para o bem de todos, e meIhor que os superiores governem o mundo. CM CP 56 — A Igreja nao esta infiltrada de eaquerdistas. CM CP 57 — O que o pais mais necessita, em vez de leis e programas politicos, e de chefes. CM CP 58 — O planejamento estatal da economia, conforme os interesses. da nacSo, tem primazia sobre os interesses da iniciativa privada. CM CP 59 — Nosso pais precisa de uma profunda transformacao das estruturas socio-economicas superadas. CM CP 60 — O espirito judaico e uma ameaca permanente para a humanidade. CM CP 61 — O Congresso deve permanecer fechado porque e inteiramente dispensaVel. CM CP 62 — O "nacionalismo realista" dcnuncia a espoliacao do nosso povo pelo capitalismo international. CM CP 63 — Embora o integralismo fosse _ um movimento genuinamente nacionalista, sentia-se moralmente solidario com os movimentos politicos europeus que exaltavam valores semelhantes, como reacao ao materialismo liberal e marxista. CM CP 64 — Devemos conceder a empresas estrangeiras a exploracao de nossas riquezas minerals. CM CP 65 -r- Cultivamos como valor fundamental o espi'rito da amizade, que queremos elevar ao nivel da amizade nacional. CM CP
RECONSTRUCAO EMPIRICA DE UM MOVIMENTO RADICAL DISCORDA DP
DP DP
DM
DM DM
DP
DM
DP
DM
DP
DM
DP
DM
DP
DM
DP
DM
DP
DM
DP
DM
DP
DM
DP
DM
DP
DM
66 — O Brasil precisa de uma reforma agraria profunda, inclusive com desapropriagao de terras da aristocracia latifundiaria. 67 — Falta as geracoes atuais o gosto pela aventura e pelo sacrificio a patria. 68 — A plutocracia capitalista goza de privilegios mais amplos do que os privilegios antigos da nobreza e do clero. 69 — Todos devemos ter fe absoluta em um poder sobrenatural cujas decisoes temos que aceitar. 70 — Toda organizagao secreta articulada internacionalmente, como a maconaria, deve ser combatida. 71 — Mesmo o chamado socialismo democratico deve ser combatido por todos os meios.
269
CONCORDA
DISCORDA
CM
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CP
DP
DM
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DM
CM
CP
DP
DM
CM
CP
DP
DM
REcoNSTKucAo EMPIRICA DE UM MOVIMENTO RADICAL
271
A escala de autoritarismo Integra tres elementos essenciais a atitude autoritaria, O primeiro se constitui dos valores ligados a uma visao hierarquica da sociedade: a fidelidade ao Chefe (34); a obediencia a autoridade (21) e a valorizafao da disciplina (18); o segundo, o apelo ao Chefe (57) e a espera do homem providential (46); enfim, a exaltacao das estruturas polfticas autoritarias: a defesa do Estado forte (41) e a formacao de uma nova elite (22).
Anexo 4 QUESTOES
ESCALAS DE ATITUDES IDEOLOGICAS CALCULO DO COEFICIENTE DE LOEVINGER * 1)
1. 2. 3. 4. 5. 6.
Escala de Nacionaiismo
A escala de nacionalismo & constituida por quatro questOes que formam o nuc.leo da atitude nacionalista: a necessidade de despertar a consciencia nacional (01); a supremacia do interesse do Estado-Nacao (44); o nacionalismo antiimperialista (62) e, finalmente, a primazia da soberania nacional (20). QUESTOES 1. Consc./Naciona! 2. Suprem./Nacional 3. Capit./lnternab.
(01) (44) (62)
4. Sober./Nac.ao
(20)
0,536 (012)
0,615 (442)
0,692 (62j)
0.7G2 (202)
0,385
0.306
0,231
(012)
(44z)
. (623)
(20:)
\ 0,330
0,533
0,258
7. Disciplina 0,646 (34i)
0,464
0,354 (34i) 0.380
\ 0,429
0,458
\\ 0,425
Fidel/Chefe Homem/Provid. Necess./Chefes Estado/Forte Obdien./Autor Nova/Elite
\
0,631 (46i)
0,554 (572)
0.338 (41;,)
(18) 0,292 (212)
0,185 (222>
0,169 (183)
0,437
0,369 (46!)
0,309
\
0,446
0,372
0.549
\
0,662 (412)
0,611
0.880
0,596
\
0,708 (21 z]
0,398
0,576
0.523
0,606
\
0,815 (222)
0,292
0,544
0,627
0,746
0,412
\
0,831 (1g3)
1
0,700
0,587
0,589
0,463
0,332
0,399
0,533
0,461
0,521
0.387
* Trata-se do coeficiente de Loevinger calculado para coda ctdula e coda linha cujo valor mfnimo tolerado e de 250. O pequeno numero, colocado ao lado da referenda da questSo, indica o local do corte retido entre as quatro alternativas de respostas, 2) Escala de Autorilarismo
(34) (46) (57) (41) (21) (22)
0.663
0,500
0.493
\
0,537
A REcoNSTRugAo HISTORICA
272 3)
RECONSTRUQAO EMpfwcA DE UM MOVIMENTO RADICAL
Escala de Anti-socialismo
5)
Esta escala e composta de cinco questoes: duas rejeitam o socialismo sobre o piano teorico (defesa do principle da propriedade privada) (03) e sobre o piano hist6rico (condenacao da experiencia cubana) (27); duas outras manifestam predisposicao a ac.ao anticomunista (23) e a violencia anticomunista (47); enfim, a ultima se opoe inclusive ao socialismo democratico (71). QUESTOES 1. 2. 3. 4. 5.
A/Social Violen./A-Comun Amea^a/Comun. Propr./Priv. Revel/Cub.
0,862 0,692 (710 (47,)
Escala de Anticonservadorismo
Nesta escala, quatro chamar genericamente de lismo pre-capitalista (29) tempo de uma crenca na global da sociedade (59).
0,538 0,215 0,169 (230 (03a) <273)
dimenaoes formam uma atitude que se poderia anticonservadorismo. Trata-se de um anticapitae de uma posicao antiburguesa (16), ao mesmo mudanca das estruturas (15) e na transformacao
QUESTOES
0,846
0,400
(29,)
(160
(47)
0,138 (710
(23)
^
0,308 (470
0,655
\ 0.659 0,561
\ 0,813
0,757
\
1. 2. 3. 4.
A/Capit. A/Burgufes Mudanc. a/Global Transf./Estrut.
(29) (16) (15) (59)
0,785 (032)
(SSa)
0,862
0,600 (16,)
0,626
0,777
0,773
0,846
\
0,670
0.343 0,713
0.808
0.421
0,573
1
0,625
\
6)
Escala de Antiliberalismo
As questoes desta escala se agrupam em torno de quatro temas antiliberais: a recusa da doutrina liberal (25); a condenagao do Estado liberal (07); a rejeicao dos mecanismos da democracia liberal (49) e, enfim, o ceticismo face ao ideal democratico (35).
QUESTOES (25) (07) (35) (49)
0,092 (25,)
0,708 o.sos X07i) (350
0.231 {49?)
\
0,469
0,292 (070
0,292
\
0,492 (350
0,681
0,561
\
0,769 (49a)
0,286
0,313
0,325
0,559
0,540
Escala de Tradicionalismo
Os temas tradicionalistas da escala combinam a valorizacao dos grupos naturais (05); da organizacao corporativa (38); a defesa do artesanato (29) e a crenga em um poder sobrenatural (69).
QUESTOES o,9os (25;)
0,472
0,414
0,954 (593) 0,831 (273)
A/Liber. Estado/Liber.. Democ./lrregl Eleit./Sufrag.
(150
0,046
0,154 (290
0,738
1. 2. 3. 4.
0,262
(71)
0,462 (23.)
4)
273
1. 2. 3. 4
Organ. /Corpor. Pre./Capit. Poder/Sobrenat. Gruoos/Naturais ^
(38) (29) (69) (05)
0,754
0,600 0.336 0,123
(383)
(292)
(693)
o,246 (383)
\
0,400 (292)
0,480
\
0,662 (69s)
0,819
0,659
\
0,677 (053)
1
0,367
1
(053)
0,648 0,536
0,455 0,796
0,5)7
\
0,377
\
0,806
A RncoNSTEugAo HISTORICA
274 7)
RECONSTRUgAO EMPIRICA DE UM MOVIMENTO RADICAL
9)
Escala de Religiao-Moral
Esta escala compreende as questoes de cunho espiritualista: crenpa na conversao do homem (11); nas virtudes morais (02); na decadihicia dos principles morais na sociedade atual (28) e na submissao do homem a um ser espiritual (69).
Escala de Preconceitos
Os preconcedtos se fimdamentam basicamente sobre o anti-semitismo (60-61); sobre uma atitude antimagonica (70) e sobre a visao de uma desigualdade natural entre os homens (12).
QUESTOES QUESTOES 1. 2. 3. 4.
Homem/Virtuoso Poder/Sobrenat. Decad./Moral Convers./Espirit.
8)
(02) (69)
0,600
0,338
0.24G
(020
(693)
!28a)
0,779
\
(28) (11)
(700
\
0,400 (02i)
0,738
0,108 (113)
\
1. 2. 3. 4.
A/Mat;on Desigual/Homens Ameaga/Judaica Consp./Judia
(70) (12) (60) (31)
0,523
0,354
020
(60s)
(31s)
0,262 (70.)
0,471 (12!)
0,770
0,754 (28?)
0,847
0,528
\
0,892 (11 a)
0,651
0,789
0,432
0,564
0,359
0,383
\
0,610
>
Incorpora certas atitudes relacionadas com a crenpa na superioridade de certos povos (55) a uma concepfao pessimista (35) ou tragica da hist6ria (30).
0,703
0,415 0,231
(550
(30i)
(35s)
0,672
0,292' (55i)
0,585 (30i)
0,744
0,769 (353)
0,544
0,637
0,541
0,477 (603) 0,657
0,249
0,646 (31
0,417
0,478
0,626
Escala de Fatalismo-Pessimismo
1. Povo/Super. (55) 2. Guerras/Conflitos (30) 3. Demo./lrreais (35)
0,569
0,667
0,662 (693)
QUESTOES
275
0,548
0,687
0.633
0,590
O ATOR, o PESQUISADOR E A HISTORIA
11 0 Ator, o Pesquisador e a Historia: Impasses Metodologicos na Implantacjio do CPDOC * ASPASIA ALCANTARA DE CAMARGO Advertencia Procure!, com este breve testemunho pessoal, retratar os desafios e dificuldades que acompanham a implantacao de um trabaIho institucional de pesquisa. Infelizmente, nao e um depoimento acabado, mas unicamente a avaliacao parcial de um projeto sobre "Elites Politicas", ainda em curso, que portanto me impede um honesto balance final. Espero, ainda assim, que possa retratar alguns aspectos relr-vantes do que e a praxis cientifica em um campo novo, que pretende incorporar aos metodos tradicionais da disciplina historica outros processes e tecnicas, consagrados por outras disciplinas, e que conciliem a coleta de documentos com a analise e processamento do material que utiliza. Algumas das questoes iniciais, explicitadas como normas ja em nossos primeiros passos — como a opgao por conciliar documentagao e pesquisa — engendraram numerosas outras alternatives, que exigiam pronta e definitiva resposta. A medida em que se desdobravam os projetos, as frentes de reflexao se ampliavam em esforgo duplo: por um lado, definir estrategias institucionais que congregassem os objetivos especificos de cada projeto, e por outro, em cada setor, particularizar a dupla orientagao de organizar dados * Centro de Pesquisa e Documenta?ao de Historia Contemporanea do Brasil,
277
brutos, para servir a comunidade de estudiosos e pesquisadores, e ao mesmo tempo processa-los, segundo seus proprios objetivos. Ao final dos primeiros 3 anos de atividade, com cinco setores organicamente integrados — Arquivos (documentos pessoais). Diciondrio Historico-Biogrdfico (informasoes biograficas tematicas), Pesquisa (analise monografica), Historia Oral (entrevistas gravadas) e Brasiliana (levantamento e analise bibliografica) — definiram-se coletivamente as linhas basicas de um trabalho que sistematizava, sob diferentes angulos, dados e reflexSes sobre os mesmos atores e uma mesma Historia. Por limitagoes de espaco, optei por retratar aqui tres tipos de problema, a niveis de abstracao diversos. Em primeiro lugar, a questao complexa, e, no texto, propositalmente bastante simplificada, da montagem dos projetos na fase de implanta5ao do Centro. Tendo em vista a enorme dificuldade que teria em decompo-los um por um, optei por uma visao de conjunto que nao dispensara, futuramente, reflexoes criticas sobre cada um dos projetos mencionados. Em segundo lugar, analiso mais em profundidade o que foi a implantacao de um dos projetos, o de Historia Oral, que coordenei pessoalmente em suas diferentes etapas, e que, por isso mesmo, conhego melhor. Com relagao aos demais projetos, parece ter sido tambem aquele que mais serios impasses metodologicos criou, por apoiar-se em uma tecnica pouco codificada, sujeita a interpretac5es polemicas e aplicagoes arbitrarias. Estas dificuldades refletiram-se a todos os niveis: formacao de equipe e treinamento de pessoal, coleta, transcricao e interpretacao de dados. Esforgar-me-ei pois, em reconstituir o cammho percorrido no cotidiano da pesq**'sa, nele incluindo a reflexao necessaria a que fui levada, sobre as condigoes de objetividade cientifica em terreno aparentemente tao movedigo. Em uma palavra final, tratarei de abordar a questao delicada das condigoes sociais que favoreceram a implantagao do CPDOC, o que Ihe deram um singular dinamismo inicial. Com esse testemunho mais pessoal, pretendi apenas aceitar a proposta do organizador do presente volume, que tao oportunamente soube avaliar a importancia da auto-reflexao, e, por isso mesmo, suas resistencias internas, tanto maiores se o ciclo de trabalho e ainda, como o meu, incompleto. 1.
Um Ponto de Partida: Documentagao e Pesquisa
Quaudo foi criado, em juubo de 1973, no Instituto de Direito Publico e Ciencia. Politica da Fundagao Getulio Vargas, o Centro
A RECONSTRTjgAO HJST6RICA
O ATOR, o PESQUISADOR E A Hisi6RiA
de Pesquisa e Documentacao de Historia Contemporanea do Brasil fixou-se um duplo objetivo: criar um acervo basico de fontes primarias relacionadas com o periodo que se iuaugura com a Revolugao de 1930, e, ao mesmo tempo, trabalha-las sistematicamente, em areas relevantes de pesquisa. A opgao assumida constituia, sem diivida alguma, um fato novo que contraria os criterios correntes de organizacao de arquivos, em geral a cargo de especialistas sem pretensao de trabalM' los tambem para seu proprio uso, em suas pesquisas. De fato, nos Centres de Documentagao e Arquivos, na Europa ou nos Estados TJnidos, a preparacao dos documentos para consulta desvincula-se de finalidades academicas de processamento das informagSes obtidas, e de sua divulgacao atraves de livros e artigos. Separam-se assim, drasticamente, as fungoes de documentagao e de pesquisa, sendo a ultima exercida apenas pelo publico, anonimo, que os utiliza. Desde logo, na montagem do Setor de Arquivos, o caminho escolhido gerou dificuldades e tropegos: a lentidao da catalogagao e indexacao dos 25.000 documentos do Arquivo Gelulio Vargas e dos 80.000 documentos do Arquivo Oswaldo Aranha (os primeiros a serem doados), incluindo neles correspondencia pessoal, folhetos, relatorios, discursos e recortes de jornal, que tiveram seus conteiidos cuidadosamente resumidos: a tentativa (frustrada) de submeter de saida os documentos a camisa de forga dos descritores;^- a diversidade dos temas de pesquisa sugeridos pelo levantamento preliminar dos arquivos; a dificuldade em identificar, de imediato, os personagens mencionados, envolvidos na trama dos acontecimentos assim como as tendencies e interesses com os quais se identificavam em cada periodo. A escassez de recursos pouco permitia. Para contorna-la, a soluc.ao adotada pelo embrionario $etor de Pesquisa2 foi utilizar a titulo experimental os resumos de documentos do Arquivo Vargas para um estudo de Coujuntura Politica, no periodo compreendido entre a Revolucao de 1930 e o Golpe de 1937. Curiosamente, a proposta de um tema abrangente de Pesquisa no Arquivo Vargas partiu dos proprios estagiarios, em intima convivencia com os documentos do periodo, cujos resumos faziam.
Dada a preocupagao constante da Diregao de Pesquisa •— em debates e seminaries internes — com o jogo crucial da Centralizagao e da Descentralizacao de poder, expresses pelo Regionalismo e o Estatismo, a proposta sugerida foi a de examinar essa oposigao basica, atraves de dois atores que se destacam na correspondencia da epoca: Goes Monteiro, representante do Exercito, e Flores da Cunba, porta-voz do Rio Grande do Sul — o mais poderoso subsistema regional do periodo. Do embate entre as duas tendencias seria possivel melhor compreender a articulagao de cada projeto politico, assim como o papel arbitral de Vargas em seu percurso rumo ao Golpe de 1937, eliminando Flores da Cunha e fortalecendo Goes Monteiro3. Desse levantamento, resultou inicialmente uma cronologia de documentos, que longamente discutida em grupo, originou uma andlise documental11, orientada para os arquivos, e de carater provisorio, como primeira contribuicao do Setor de Pesquisa. Paralelamente, as inicipientes fichas de identidade?, de utilidade imediata para os Arquivos, sugeriram a possibilidade de empreeudimento mais sistematico e mais global. 0 proximo passo foi, pois criar, dentro do CPDOC, um departamento voltado para a elaboragao de um Projeto de Diciontrrio com vistas ao estudo biografico das elites politicas, nele incluindo tambem o levantamento de temas significativos da Historia Contemporanea brasileira. Atualmente, sao 800 os temas relacionados e mais de 4.000 as biografias referidas, de 1930 ate os nossos dias. Os resultados dos levantamentos Goes Monteiro — Flores da Cunha constituiram o ponto de partida para numerosas especula-
278
1 O descritor e a palavra-chave que sinteticamente classifica o conteudo do documento de maneira a que possa ser subraetido a um programa de computador. Ficou evidente que a selegao de descritores deveria ser antecipada por um conhecimento mais sistematico do conteudo dos acervos, adquirido a partir da indexacao dos documentos. S6 entao seria possivel a utilizacao de descritores adaptados a informacao real dos arquivos. . 2 " O Setor de Pesquisa, se assim se pode chamar, era constituido de um coordenador e 4 estagiarios dos cursos de Histdria e Ciencias Sociais.
3
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Em outubro de 1937, o Governador Flores da Cunha e obrigado a demitir-se, e abandona o pai's rumo ao Uruguai. No mes seguinte, a 10 do Novembro, Vargas, assessorado por Goes Monteiro, da o golpe, inaugurando o Estado Novo. 4 A falta de outro termo, designamos como andlise documental o tipo de documento de trabalho que resulta do estudo intensivo de uma fontc de informacao historica, tomada como unidade significativa da recomposigao dos fatos. Como tal, pressupoe que a fonte seja rica e relativamente completa, o que permitiria abstrair a existencia de outras fontes, com a exclusive finalidade de extrair de si mesma todas as virtualidades. Em fungao dela, pretende-se obter, mais do que dados, uma hierarquizacao de problemas. 5 Fichas de identidade eram as biografias utilizadas como apoio aos resumos e classificacao da correspondencia, com a finalidade de identificar historica e politicamente as personalidades mencionadas nos Arquivos. Fichas de assunto eram as referencias a temas relevantes do periodo, incluindo partidos, movimentos, e alguns eventos que embora relevantes, nao finham ainda sido satisfatoriamente tratados pelas fontes de consulta disooniveis.
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O ATOR, o PESQUISADOR E A HISTORIA
goes em torno da articulacao dos sub-sistemas regionais, de seu papel crucial na politica de Vargas — e na implantagao do novo regime. Ao mesmo tempo, ficou patente que tal trabalho exigiria o levantameuto de oulras fontes de consulta, alem dos arquivos. Com esse fim, selecionamos 4 subsistemas considerados estrategicos: Minas, Rio Grande do Sul, Sao Paulo e Pernambuco, para atraves deles acompanhar as reacoes do poder central face a setores regionais historicamente sedimentados (e com lideranca propria), capazes. portanto, de respostas politicas especificas diante dos apelos e pressoes da maquina estatal6. Tendo em vista a carencia de estudos historicos sistematicos e exaustivos, caberia, como primeira meta, selecionar conjunturas, em um levantamento preliminar e extensivo. Pistas e indicacoes, procuramos busca-las em um conjunto de arquivos7, para posteriormente confronta-las com outras fontes, especificamente jornais e entrevistas. Nao e de surpreender que a amplitude de temas potencialmente relevantes, e a extensao do periodo, tenbam tornado arduo o levantamento de dados, que pretendia, de inicio, abarcar a faixa historica de 1930 a 1945, e que cobria um tanto caotica e superficialmente informacoes diversas e desencontradas sobre o periodo. De fato, no decorrer dos primeiros meses de coleta, fez-se necessario o parcelamento da pesquisa em etapas distintas: uma primeira, cobrindo de 1930 a 1937, momento em que o pais enfrenta profundas e continuadas crises e em que se elaboram alternativas conflituosas para o modelo politico; uma segunda, o Estado Novo, em que prevalecem as bases autoritarias de um acordo que garante, temporariamente, estabilidade politica e administrativa. O passo inicial seria operar com os conceitos de conjuntura e de crise, empiricamente identificados, por feixes de acontecimentos e tenrencias conflituosas, em seus condicionantes passados e implicac.5es futuras. Em outras palavras, 'conciliar metodologicamente o diacronico ao sincronico, destacando o peso funcional do ator no sistema e ao mesmo tempo inserindo o sistema politico na Historia. Como unidades basicas de reflexao, destaque seria dado ao ator
e ao acontecimento9 com os elos significativos que os fazem mover-se. Criou-se, em torno do levantamento de jornais, e nao sem razao, grande expectativa. Tratava-se, na verdade, de testar a fidedignidade das informasoes dos Arquivos, e seu valor heuristico. Ate que ponto, confrontados com os dados da Imprensa, seriam ineditos, e historicamente reveladores os dados ja obtidos? Seriam eles diseociados, complementares ou excludentes? 0 teste dos jornais foi, para nos, decisivo. De fato, a despeito de sua maior diversidade, em raras situacoes ocorreu que noticias veiculadas pela Imprensa duplicassem as informacoes mais confidenciais dos Arquivos, Essa especificidade das fontes revelou a enorme autonoraia e privacidade dos centres de decisao politica, conferindo, portanto, aos Arquivos sua importancia estrategica para o estudo do periodo. Do levantamento preliminar e extensivo, acima descrito, ficou evidente que o proximo passo seria hierarquizar assuntos e particularizar hipoteses de trabalho para momentos criticos da conjuntura politica, acompanhando seu impacto direto sobre o sistema. Como resposta formal prevaleceu a opgao por uma serie monogrdfica cujos temas foram selecionados com respaldo no levantamento de dados ja referido. Sem diivida, o periodo escolhido (1930/1937) induzia a tal abordagem, pela extrema diversidade de seus contrastes em lapso de tempo relativamente curto: um momento revolucionario inicial que congrega liderangas, projetos e ideolpgias de diferentes matizes10; um bipartidarismo gaiicho de solidas raizes historicas, que faz a Revolucao em Frente Cnica, para a seguir se ver corroido pela nova ordem que se consolida11; a implantagao de uma legislagao trabalhista, que imprime ao Estado uma feicao reformista, e Ihe dara esteio em anos subsequentes, de finindo o perfil do regime12; uma contra-revolu?ao regional, quase epica, que contesta o centralismo e o autoritarismo revolucionario
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A equipe ficou constituida de 9 pesquisadores: 6 estagiarios em final d« graduacao, dois pesquisadores cursando mestrado, e um coordenadormestre. 7 Arquivos Oswaldo Aranha e Francisco Antunes Maciel. 8 Ator politico aqui entendido como pessoas ou grupos (imediatamente detectdveis, representados por pessoas) que desempenham papel relevante nas decisoes politicas, por acao direta ou pressao difusa.
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O acontecimento tern sido, de longa data, a mate"ria-prima dos histw riadores. Para os autores positivistas do final do seculo XIX, a Hist6ria nada mais era do que o estudo do passado "pelo encadeamento continue de acontecimentos". Temporariamente relegado, em parte, por influencia do avanco de outras disciplinas vinculadas as Ciencias Sociais (e por isso mesmo com maiores pretensoes ao estudo de estruturas e sistemas) o acontecimento parece redefinir-se hoje, em um novo espaco. Os comentarios de Pierre Nora confirmam: "O acontecimento tern como virtude reunir um feixe de significagoes esparsas. Cabe ao historiador desvenda-las para chegar da evidencia do acontecimento a evidencia do sistema". Pierre Nora — "Le Retour de 1'Evenement", in Jacques Le Golf e Pierre Nora — Faire de mistoire, Ed. Gallimard, 1977, vol. 1, p. 225. 10 Monpgrafia sobre Projetos Poh'ticos da Revolupao de 1930, 11 O Bipartidarismo Gaucho e a Revolucao de 1930. 12 Lindolfo Collor e a Criacao do Ministerio do Trabalho.
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que relanga as bases de uma abertura politica13. Uma Constituinte que restaura o regime representative, reaproximando temporariamente a Sociedade Civil do Estado14. E ainda, urn "caso mineiro", que alija proceres revolucionarios regionais e Integra pacificamente Minus as hostes de Vargas15. Como pano de fundo de tao diversificados episodios, presencia-se um confronto civil-militar, com a radicalizacao tenentista, o combate a Sao Paulo. Intermitentes conspiracoes de cupula e um putsch comunista, que restaura involuntariamente a ordem e a disciplina no Exercito, em preambulo a uma solida alianca que se concretiza com o Golpe de 1937.16 Precedendo a montagem das primeiras monografias, dois rtr> vos projetos surgiram: o de Historia Oral e o da Brasiliana. O primeiro, que iremos examiner em detalhe mais adiante, complementou tendencies ja definidas nos projetos do Dicionario e da Pesquisa, por um programa de entrevistas com liderancas politicas, desta vez explicita e deliberadamente voltado para a origem, desempenho, projetos, percepcoes e trajetoria do ator politico. Para isso, contou com a massa de material biografico fornecido pelo Dicionario, e com problematicas e indagacoes comuns aos pesquisadores na medida em que se dispunba de projetos e temas ja definidos. No Projeto Brasiliana, procuramos autonomizar o campo intelectual da epoca, localizando-lhe as fontes principals, seus mais destacados atores, bem como a natureza de suas contribuicoes face as mudangas que se processam com a Revolugao de 1930. Com isso, poderiamos posteriormente confrontar projetos politicos atraves de seu duplo suporte: as elites intelectuais e as liderancas politicas, cujas relagoes seriam em si mesmas objeto de estudo relevante, a fim de esclarecer a origem das matrizes idologicas propostas a comunidade de politica.
De imediato, procuramos definir as linhas gerais do programa em torno de depoimentos completos de kistoria de vida17 que, embora mais demorados e de mais dificil preparo, seriam os limcos a exaurir longas trajetorias politicas, dentro das quais os fatos mais relevantes seriam elucidados por uma percepgao e uma vivencia global do periodo. Aereditavamos que, se a memoria humana e falha na reconstituicao de detalhes — datas e acontecimentos •— e seletiva nos elementos que registra, indubitavel seria sua eficacia na rconstituigao do clima de epoca, do papel que nela desempenharam diferentes personagens, na localizacao de clivagens, e na auto-avaUacao de trajetorias politicas e de vida. Como o antropologo, mais do que testar hipoteses, de antemao fixadas, buscavamos a certeza de compreender um universo contraditoriamente familiar e estranho. Familiar, sem duvida, pois acontecimentos, pessoas referidas, eram por demais conhecidos, parte integrante de uma mitologia cujo legado receberamos da geragao anterior de intelectuais e politicos. Estranho, na medida em que. mais do que fatos, pretendiamos entender as situagoes em que o ator se move, com suas conexoes passadas, presentes e futuras. A possibilidade de compreeusao pelo dialogo pareceu-nos imensamente rica e aberta ja em conversas informais com remanescentes do periodo. Dominou-nos, pois, a conviceao de que o testemunho espontaneo, global e, na medida do possivel, exaustivo, seria um legado importante para o entendimento e reconstituigao da Historia Politica do periodo. Quern escolher? Organizamos uma listagem exaustiva de possiveis depoentes, que por sua longa experiencia atuaram nos anos tumultuados que antecedem a Revolugao de 1930, participaram da implantagao do novo regime, aderiram ou refutaram o Estado Novo, prepararam ou presenciaram. sua queda, acompanharam os grandes embates dos anos 50 ate a Intervengao Militar de 1964. Esta lista incluia presidentes da Repiiblica, governadores e ministros, lideres de partido, militares revolucionarios, juristas e membros do Supremo, ministros de Estado e assesores da presidencia e de ministerios. Por escassez de recursos, fomos induzidos, inicial-
2.
Historia Oral, Entrevistando Lideres
a)
Primeiras Opgoes
O objetivo inicial foi ampliar as fontes de informacao historica, em momentos decisivos da vida politica brasileira, onde os arquivos e a historiografia pareciam mais carentes, e cujo esclarecimento poderia ser obtido pela memoria de testemunhas de epoca. 13 14 15 16
A Revolufao Constitucionalista (1932). A Constituinte de 1934. A Crise da Sucessao Mineira (1933). Crise Militar e o Golpe de 1937.
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i' Nem todo programa de Historia Oral interessa-se por Historias da vida e vice-versa. Enquanto as iniciativas de programas de Historia Oral originarn-se principalmente de niicleos de historiadores, as historias de vida tern sido mais objeto de preocupacao da Antropologia Urbana, embora classicamente os historiadores tenham se interessado pelos Grandes Vultos intelectuais, politicos e religiosos. Hoje, diferentes disciplinas utilizamse, para seus fins espectficos do mesmo instrumento de recomposicao da vida social, cf. George Ballan — Historia de vida en Las Ciendas Sociales, Buenos Aires, Nueva Vision, c. 1974 — p. 217.
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HISTORICA
mente, a dar prioridade aos movimentos mais recuados, que precedaram a Revolugao de 1930, reservando para etapa posterior os depoimentos com atores que afluiram a cena politica em data mais recente. Em termos de arqueologia das liderancas, iniciaraos o ciclo de entrevistas com os Tenentes, deixando para uma segunda fase aqueles que se integraram as fungoes de mando em periodo ja consolidado. Quanto a ordem de prioridade na escolha dos depoentes, tampouco pudemos defini-la rigidamente. Ainda na fase inicial do projeto, observamos a imprevisibilidade e lentidao dos contatos pessoais que precedem as entrevistas, e sua relevancia no sentido de inspirar o respeito e confianga necessaries ao depoimento franco e aberto. Desde logo, procuramos distinguir entre o relate topico, de impacto imediato, para efeitos de divulgagao, e o testemunho historico que almejavamos, a partir do dialogo entre o ator e o pesquisador. Desse dialogo, acreditavamos resultar um tipo de documento singular, com a contribuigao de cmbos. A participagao do entrevistado seria fundamentalmente ativa e, mais do que esclarecer fatos, teria como objetivo revela-los e interpreta-los a luz de uma vivencia politica acumulada ao longo dos anos. Solicitariamos dele, nao apenas a sucessao articulada dos acontecimentos (em si mesma importante), uma visao do mundo e da politica, eomo tambem uma avaliagao pessoal de suas grandes mutagoes, e de suas recorrencias: em suma, um balance dos desafios e respostas que povoaram os ultimos 50 anos da Historia brasileira. Com objetivos e metodos tao generalizantes e difusos, nao adotamos, nem o poderiamos fazer, um cronograma rigido de ordem e duragao das entrevistas. Nao tendo um esquema estruturado de perguntas e respostas, como conciliar o rigor necessario a pesquisa com a espontaneidade do dialogo? E, problema pratico, como organizar a equipe para atender a indagagoes tao heterogeneas quanto as que prevalecem nos diferentes trajetos de historia de vida? Alem dessas, outras questoes espinhosas, eclodiram: como issinalar o desempenho de um ator politico ao longo de periodos tao vastos, em trajetorias tao diversas? Desde logo ressaltou a extrema heterogeneidade de fungoes e de cargos, que, caso nos conduzisse a uma especializagao das entrevistas, diluiria os objetivos iniciais do empreendimento. Como separar Merarquicamente a informagao valiosa da testemunha da informagao direta do prdprio ator? Caberia sistematicamente privilegiar a segunda em detrimento da primeira? Em que medida o grau de envolvimento de ambas, nao sendo o mesmo, implicaria, necessariamente, niveis de isengao diversos e relerancia historica equivalentes?
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A flexibilidade do roteiro e a improvisacao na entrevista foram, desde logo, as opg5es escolhidas. Tentativas de consulta previa dos roteiros (por solicitagao do entrevistado) mostraram desde logo seus inconvenientes, encaminhando as conversances para entrevistas previamente montadas, replica de um discurso escrito, sem a espontaneidade desejada. Ademais, dado o parti-pris inicial de que o ator imprevisivelmente revela situagoes inesperadas, que fazem parte do seu mundo, e em seu relato, desvenda, acrescenta (ou contradiz) questoes e diividas suscitadas pelo pesquisador, teriamos por isso mesmo que reservar, no roteiro, um espago livre para registrar a sua praxis, estimulando, inclusive os vaivens significativos do discurso em fungao de sua logica, e de suas percepgoes. Ao entrevistador caberia apenas o papel ativo e vigilante de receptar impressoes, induzindo-as e articulando-as com dados ja codificados e interpretacoes divergentes, e quando necessario reavivando o dialogo pela reconstituigao improvisada, mas alusiva, dos elementos contextuais do debate. Caberia tambem a ele, pesquisador, uma vez familiarizado com o universo do ator, adequar, gradualmente, o roteiro aos rumos de entrevista, a fim de extrair dela a coerencia e unidade que singularizam diferentes desempenhos. De fato, desde o inicio ficou evidente que cada ator e um personagem, e que os estilos de agao politica, embora muitas vezes proximos, ou afins, raramente se repetem. £ na singularidade (e em seu carater insubstituivel) que as liderangas se afirmam. Seguindo esta alternativa, dela resultou um exaustivo trabalho de levatttamento historico, que, se por um lado imprimiu lentidao ao programa (de numero, mais do que de duragao das entrevistas), por outro, forneceu a equipe uma visao de conjunto de um longo e diversificado periodo. No que diz respeito a importdncia das fungoes desempenhadas pelo depoente, mantivemos tambem uma orientagao ecletica, entrevistando ao mesmo tempo personagens centrais e assessores em cargos de confianca (de preferencia aqueles que seguiram trajetoria politica em fase posterior, dando continuidade a uma carreira publica). No entanto, o ecletismo conduziu-nos a algumas dificuldades. Como encaminhar bistorias de vida entremeadas por longas ausencias da vida publica, extensos periodos de silencio, ou simplesmente, as que abruptamente se interromperam, por incompatibilidade programatica, desilusao da politica, ou solicitagoes profissionais mais prementes? A volta ao escritorio de advocacia, ao Exercito ou ao mundo dos negdcios tern, de fato, ocorrido com enornie freqiiencia. Em tais casos, embora tenha permanecido a decisao iuicial de reconstituir trajetorias politicas em sua totalidade, criouse a possibilidade de recompor mementos cruciais da vida politica.
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com um conjunto de entrevistas de menor duracao, em torno de uma participate comum. Partiamos para urna orientagao temdtica, antes rigidamente descartada por destacar excessivamente o acontecimento, em detrimento de uma visao de conjunto do sistema e das fungoes politicas. Procuramos, no entanto, adapta-la aos objetivos prioritarios de reconstituigao de padroes de carreira, buscando, atraves de uma ocorrencia historica significativa — de dimensao sincronica •— reconstituir tendencias testadas ate entao diacronicamente. As vantagens oferecidas por essa abordagem foram inumeras. Deu-se maior flexibilidade a equipe, em certos momentos entorpecida por entrevistas de longa duragao. A adogao de cortes historicos delimitou, tambem, de antemao, as pesquisas preparatories para elaboragao de roteiros convergentes, apoiados todos em uma Cronologia comum. Um bom exemplo de experiencia bem sucedida com entrevistas tematicas realizou-se com os siguatarios do Manifesto dos Mineiros, ja em fase final. Facilitaram-se os contatos com possiveis entrevistados, uma vez que, ja no primeirb encontro, faziam-se claras as intencoes do entrevistador e as finalidades da entrevista. Do mesmo modo, estimulou-se a iniciativa de outros pesquisadores do CPDOC. Em apoio, por exemplo, a monografia sobre a "Crise da Sucessao Mineira de 1933" foram feitas entrevistas com proceres mineiros testemunhas do episodic, como ja ocorrera, no inicio do programa, com uma serie de curtos depoimentos bem sucedidos com as liderangas pernambucanas com duragao de 1 a 3 boras. As finalidades do projeto eram, a longo prazo, ambiciosas, mas as condigoes de trabalbo imediato, bastaute precarias. Com o niimero infimo de um pesquisador e meio18 e orgamento quase simbolico, o programa nao se expandiu no ritmo desejado gerando o retardamento das transcrigoes e processamento das entrevistas em beneficio de um maior avango na realizagao das xnesmas. Com isso, foram imimeros os embaragos surgidos: o engarrafamento das transcrigoes de fitas acentuou-se com a concentragao dos quadros na area de entrevistas, em prejuizo de um necessario controle de qualidade do material ja obtido; a lentidao no ritmo de alguns depoimentos particularmente longos e a dispersao temporal de temas agravou-se com sucessivas interrupgoes por inadiaveis compromissos profissionais ou politicos; a heterogeneidade de informagoes, era fungao de modelos diversos de historia de vida,
gerou novos problemas teoricos e praticos, exigindo maior homogeneizagao de roteiros e entrevistas. Permitiu, no entanto, captar o universo do ator em sua diversidade — passo inicial para a formulagao e teste de hipoteses mais precisas. Finalmente, a carencia de profissionais especializados, tanto na area tecnica quanto cientifica. Por tudo isso, ficou evidente que estavamos sos. Todas as quest5es, desde as mais abstratas as mais concretas teriam que ser repensadas. Os manuais estrangeiros pouco nos ajudaram, e algumas avaliagoes de programas revelaram-se surpreendentemente discrepantes dos resultados por nos obtidos19. Da praxis da pesquisa surgiu a uecessidade radical ^e avaliagao dos metodos e procedimentos empregados. Intuigoes iniciais foram desdobradas, operacionalizadas (como, por exemplo, a ideia de desenvolver modelos alternativos de trajetoria politica, a partir de historias de vida). Outras, imperceptivelmente relegadas, por inoperantes ou simplistas, diante da eloqiiencia de fatos acumulados, e de novas percepgoes intuidas. Foi o caso, por exemplo, da participagao de um "intermediario" nas entrevistas que servisse como interprete e mediador entre entrevistador e entrevistado, por conbecer melhor o universo e a vida do depoente.20 Com novos recursos e novas contratagoes reestruturamos o programa com distribuigoes de tarefas mais precisas. Nomeamos um coordenador de transcrigoes, para rever os textps e acelerar a liberagao dos depoimentos para consulta. Fatos historicos foram gradualmente sendo rearticulados em Cronologias, de grande utilidade no decorrer das entrevistas. A classe politica, genericamente considerada, subdividiu-se em segmentos funcionais (militar, politico-partidario, tecnico-administrativo, etc.), que facilitaram a classifica§ao de temas relatives a sua atuagao historica e a pratica profissional de cada atuante. Mais precisamente, procuramos definir os topicos que, sistematicamente, seriam cobertos pelas historias de vida, tais como genealogist, socializagao cultural e politica, desempenho, logica de sucessao de cargos, etc. Como questao maior, impos-se a neeessidade de uma avaliagao metodologica dos procedimentos empregados, bem como de sua
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18 Um pesquisador a tempo integral, que era tambem o coordenador deste e de outros programas, e um a tempo parcial, dividido com outras tarefas fora do CPDOC.
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O tempo medio de tramcripao foi, em uma das fontes consultadas, avaliado em 4 ou 5 horas por hora de fita gravada. Posteriormente verificamos que em outros programas, como o da Biblioteca John Kennedy, a media subia para 12, 15 horas. cf. Willa K. Baum. Oral History for the Local Historical Society, Nashville, 1974. 20 A tentativa fracassou porque marginalizava o entrevistador do di6logo, criando excessiva cumplicidade entre pessoas ligadas por longo conhecimento e experiencia comum.
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complementaridade e autonomia com respeito a outros metodos, ja consagrados. Tais indagagoes, ao final de uma experiencia inicial atribulada (embora rica e estimulante) tornaram-se urgentes, exigindo a codificagao de tecnicas e procedimentos utilizados, com suas possiveis virtualidades e limites. b)
Delimitagao de um Tema
Alguns problemas metodologicos, insistentemente recorrentes, e partindo dos mais diversos setores, do leigo ao erudito, exigiam mais refletida resposta. Em que medida o testemunho parcial da testemunha elucida a Historia? Sendo como e, pega chave de um periodo ou de um acontecimento, nao desvirtua fatalmente a ocorrencia em fungao das posigoes que assumiu e do papel que desempenhou? Por que imprevistos caminhos nos permitimos identificar o termo Historia Oral, que designa correntemente colegoes de depoimentos gravados (e transcritos) como testemunbas de epoca, com a Historia, discipline tradicional e milenar, quase tao velba quanto o proprio Homem? Em que medida os metodos da Historia Oral podem e devem ser exclusivamente historicos? Ou ainda, se o material obtido e inevitavelmente sujeito a fortes aderencias ideologicas, como operar com eles, convertendo-as em um possiveJ. aliado, ao inves de mere elemento dissonante de um quadro idealizado pelo pesquisador. Dai, uma indagagao que envolveu a todos que diretamente participaram das entrevistas: como conciliar o dialogo humano de individuo a individuo, com as finalidades cientificas e academicas do depoimento e da pesquisa? E, questao, maior de graves implicagoes teoricas: Como situar o ator na conjuntura historica, e na propria Historia? Defrontamo-nos, nesse particular, com duas visoes aparentemente contraditorias, mas em realidade complementares. A primeira atribui ao individuo um papel condutor que abstrai as relagoes estruturais e sistemicas21. A segunda, ao contrario, relega-o a mero subproduto de um sistema que o precede e que o transcende22. Respostas opostas a uma questao identica, pois partem ambas do pressuposto, 21 Cf. Thomas Carlyle/Sartor, Resartus — On Heroes, Hero-Worship and the Heroic in History, Londres, J. M. Dente & Co. 1909. 22 Cf. Louis Althusser — "Note sur le culte de la Personalite" in Reponse a John Lewis, Paris, Maspero, 1973. Embora procedentes as observacoes de Althusser no que se refere as criticas ao estalinismo, sua excessiva preocupacao com as "determinacoes em ultima instancia" relegam como superficiais o que ele chamaria de determinancies juridico-poMticas, ideologicas, e, com mais forte razao, os condicionamentos de Hderanga pessoal em uma estrutura de poder.
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discutivel, de que as relacoes entre o ator e o sistema (politico, religioso, etc.) sao definitivamente fixadas, aprioristicamente, como categoria ontologica, em sua essencia. Trata-se, em realidade, de uma relacao historicamente dada, mais indagagao do que resposta, para a qual, a despeito de ingentes esforgos, nao se atentou ainda lucidamente. Levando em conta a heterogeneidade de variaveis que encobre o conceito de conjuntura, e sua decorrente fluidez, seria dificil ignorar o papel central que nela desempenham os atores-individuos, que pouco provavelmente poderao ser identificados a la lettre com interesses especificos de categorias e grupos: existe sempre margem de combinacao e composigao sobre a qual repousa o desempenho, dando ao ator a especificidade que o distingue dos denials, e a necessaria legitimidade politica. Evidentemente, a pauta de alternativas de acao e historicamente dada. Tal constatacao no entanto, longe de encurtar o caminho, compHca-o, pois cabera ao estudioso nao apenas detectar as decisSes assumidas, como tambem aquelas, igualmente relevantes que, por razoes diversas, foram descartadas. Dessa forma, deparamo-nos com o micleo central de indagagoes que constitui o pano de fundo da pesquisa. Sem ser suficientemente elucidado, de imediato, adiauta algumas questoes basicas que permeiam o levantamento de dados e a conducao das entrevistas. A partir delas, gradualmente delimitamos a otica de nossa pesquisa: estudar elites politicas a luz do ator em suas articulacoes com o campo politico e com a conjuntura historica. Com uma visao mais abrangente do conceito de "elite", pretendemos nele incluir nao apenas aqueles que exerceram fungoes governamentais, como tambem a lideranga civil de maior destaque constituida de representantes de associacoes de classe, jornalistas, lideres religiosos, intelectuais, que por suas aptidoes especificas presenciaram ou iuterferiram nas grandes decisSes e impasses que marcaram o periodo. A intengao e, por um lado, conhecer melhor o ator e sua trajetoria, bem como as variaveis sociais que a definem (origem social e geografica, formas de socializagao intelectual, politica e ideologica, rede de relagoes pessoais que o caracterizam politicamente, fixagao de perfis politicos, com estilos inconfundiveis de atuagao, etc.). Por outro, estudar mais detidamente sua participagao nos chamados "grandes acontecimentos" (Manifesto dos Mineiros, FEB, 11 de Novembro, eleigoes de Janio Quadros, etc.), e por esses canals, verificar possiveis modelos de trajetoria politica, clivagens, oposigoes e lealdades diante de situagoes historicas concretas, articukdas entre si. Explorando duas vertentes, a primeira,
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mais exclusivamente voltada para o ator, e a segunda procurando extrair de sua historia de vida conexoes mais dinamicas com a Politica e a Historia, pretendemos, em ultima instancia, identificar o nosso modelo de sistema politico — grau de abertura e fechamento, de endogamia, formas dominantes de consenso, padroes dominantes de trajetoria poKtica e de carreira, e, possivelmente, modo de articulagao de funcoes e de cargos, vistos sincronica e diacronicamente. Em outras palavras, nossa proposta formal e estudar o sistema politico atraves do ator — partindo do pressuposto que, sendo ele indissociado e indissociavel do sistema, poderemos recuperar um pelo outro, atentos as conexoes que se tecem entre ambos. 0 ator, parece ser, e nossa suposigao, a sintese condensada de uma estrutura em sua dindmica, com os graus de condicionamento e liberdade que a delimitam. E ainda o nodulo central de uma rede de comunicaeoes que aciona o sistema transmitindo mensagens que, uma vez decifradas, ajudarao a compreender as motivacoes reals que o ativam. Recuadas no tempo, permitirao ao historiador confronta-las, nao mais em termos de conjuntura, mas de recorrencias estaveis, regulares, que sintetizam modelos de sistema politico em longos periodos. c)
O ATOR, o PESQUISADOR E A
A RECONSTRUgAO HIST6RICA
A Velha e a Nova Questao da Objetividade
A reaeao imediata do estudioso, e mesmo do leigo, em face da possibilidade de contribuicao historica de um programa de entrevistas tem sido, algumas vezes, de diivida, perplexidade ou receio. Ingenuamente, perguntam-se se o depoente diz sempre "a verdade", se nao confunde datas, e se nao se nega a responder as questoes mais candentes.. . Em outras palavras, indagam-se se seriam conf iaveis as informagoes nele contidas e de que maneira o pesquisador neutraliza as falhas da memoria humana, para garantir a fidedignidade dos dados obtidos. > Certamente, este nao e um problema privativo das tecnicas de Historia Oral. Qualquer que seja a abordagem utilizada pelo historiador ou sociologo, para chegar ao dado ou ao fato a mesma indagagao o persegue, e cabe a ele, em cada situagao, definir os limites das tecnicas utilizadas, as circunstancias especiais em que se operou o levautamento de dados, de tal maneira que se tornem explicitos os parametros de sua pesquisa e os possiveis erros sistematicos em que incidiu. Em Historia Oral, porem, o toque folclorico, sedutor, irresis' tivel, do material de analise — literario, familiar, ligado a uma
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vivencia humana, intrinsecamente pouco "cientifica" — inspira redobradas desconfiangas e incisivas crfticas. Sobre elas gostariamos de nos estender por um momento, acreditando que possamos esclarecer possiveis equivocos, e como pretexto tambem para trazer a tona, a luz de nossa experiencia, a atualidade de uma questao tao relevante quanta antiga: a da objetividade cientifica. d)
Entrevista como documento historico
Caberia inicialmente indagar sobre o significado exato do termo "Historia Oral" e suas possiveis relagoes com a Historia, disciplina que se volta para a reconstituigao de relagSes socials passadas, a fim de desvendar a teia de personagens, instituigoes, fatos que as presidiram, dando a uma epoca seu trago final. Essa reconstituicao se utiliza de material diverso, e nela os documentos funcionam como evidencia de que as descrigoes, relacoes e interpretagoes estabelecidas pelo analista retratam com fidelidade situag5es efetivamente ocorridas. Entretanto, a possibilidade de coincidencia total entre o discurso do historiador e o curso da Historia, mais do que um objetivo possivel e o alvo almejado, e nunca alcangado, nao apenas por razoes heuristicas — o real e infinite — como tambem porque nenhuma contribuigao isolada poderia por si so esgotar todas as dimens5es essenciais que a leitura de seu material suscita. Acrescente-se, alem do mais, que a documentagao e, em si mesma, falha e incompleta, diante dos fatos que seu testemunbo ilumina. Um documento, tornado isoladamente, nada tem de definitive, e constitui-se enquanto peca de um conjunto de outros documentos afins em apoio as bipoteses do pesquisador. Enquanto o estudo de uma fonte historica pode invalidar concepcoes ja aceitas, questionando os estereotipos da historiografia corrente o documento em si mesmo tem um valor relative face a complexidade da Historia, embora possa, em circunstancias excepcionais, ver acrescida sua importancia diante de interpretagoes ou fatos cujo registro e contraditorio. Relevantes sao os conjuntos de documentos articulados por ideias e conceitos que os explicitam, em fungao das premissas, e mesmo da composigao temdtica da dissertagao. Com novos temas e premissas outro sera o uso a que se destina o documento, e outras, eventuahneute, as conclusSes do autor. Documentos, sao, por definigao, a historia fragmentada, ou aquela parcela dos fatos e tendencies que resistiu a agao dissolyente do tempo, chegando, por inesperados caminhos, as maos do investigador. Por isso mesmo, exige dele uma artesanal e benedi-
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tina recomposigao artjueologica, em que o estudioso nao detem o conirole total das evidencias que manipula, deixando sempre caminho aberto ao surgimento de novas evidencias. A integridade do todo se recupera, pois, por uma colagem e articulagao de suas diferentes partes, criando-se fatalmente um certo hiato entre a objetividade e a coerencia do discurso e a "objetividade" do( s) documento(s) que utiliza. 0 primeiro, forgosamente globalizante, procura recompor aquela parcela desarticulada de fatos passiveis de investigagao. Por isso mesmo, quanto maior o numero de fontes e documentos utilizados (e sua relevancia) maior o desafio — pois mais complexa sera a reconstituicao e a compatibilizagao de evidencias21 e mais abrangentes QS resultados obtidos. Tais consideragoes, aparentemente obvias, pretendem apenas situar em contexto mais amplo as argumentagSes contra a tecnica de entrevistas, sob a alegagao de que e baixo o grau de confiabilidade dos documentos que registra. A Historia Oral e uma tecnica. A Historia, disciplina. A entrevista e o documento, parte integrante de uma fonte historica mais ampla, constituida de um conjunto de documentos — depoimentos. fi da natureza do documento ser "parcial" e debaldados serao os esforgos de reconstituir por seu intermedio a integridade da Historia em seu sentido mais global. Con£unde-se tambem a Historia disciplina com a Historia fluxo sucessivo de acontecimentos. Dai a ambigiiidade do termo His* toria Oral — nem Historia, nem Historia — fonte documental obtida atraves da tecnica de entrevistas sob interferencia direta do pesquisador. De fato, o que ocorre e que cada fonte documental possui caracteristicas proprias, que podem e devem ser habilmente exploradas nas reconstituigoes de epoca. Um relatorio oficial, ou um conjunto de decretos nao fornecem informagoes de natureza equivalente a que podemos obter em uma correspondencia familiar ou privada. Um discurso ou declaragao piiblica em nada se aproxima de um relato de Memories, ou de uma entrevista — embora se possam acumular evidencias comparaveis atraves de metodos de compatibilizagao. Cada fonte tern sua especificidade propria, que cabe delimitar. Assim, se um decreto atesta, de maneira insofismavel, a ingerencia da iniciativa governamental no dominio publico, dai nao se pode concluir que tenha sido rigorosamente aplicado ou que tenha originado, na pralica, os objetivos esperados por quem 21 Compatibilizagao de evidencias seria a combinacao de dados articuladamente complementares e significativos, embora parte integrante de fontes diversas. Como veremos adiante, a "evidencia" de uma correspondeacia nao & a "evidencia" de um decreto.
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o criou. Nesse caso, uma serie de precaucoes devem ser tomadas, a fim de garantir a objetividade da informagao. O mesmo nao se poderia dizer de uma correspondencia pessoal, ou de uma coletanea de discursos. Ambos certamente podem ser utilizados para elucidar importantes aspectos da realidade social e politica, cada um a seu modo, mas em nenhuma circunstancia serao o retrato perfeito e acabado da verdade historica: nada mais temerario do que tratar impressoes e comentarios emitidos em uma carta como se fossem fatos, sob pena de confundir os referenciais do ator com os do sistema em que se insere; igualmente em um discurso, eujas finalidades rituais e integrativas fantasiam e dramatizam predisposigoes e fatos, quando nao, propositalmente, os omitem. Sendo como e, uma mensagem coletiva, nele nada e gratuito, nem necessariamente veridico. Cada emissao tern em vista o publico a que se destina. Supoe-se, assim, que os elementos significativos do momento que retrata estao ali presentes, sob forma de apelo eventualmente em posigao refratada ou invertida. Nas entrevistas gravadas, a fonte historica 6 o Homem e sua memoria, reavivada pela presenga ativa do entrevistador-pesquisador. Tal como em um discurso, ou em uma correspondencia, trata-se de uma versao parcial e pessoal de situagoes e acontecimentos, sob interferencia da ideologia. Mas enquanto em cartas ou discursos a ideologia se cristaUza no momento em que foi gerada, e por isso registra reagoes concomitantes ao(s) evento(s) a que se reporta, em memories ou entrevistas, a reconstituigao e total, e a ideologia se movimenta, deslocando suas fronteiras, pois o ator reinterpreta antigas percepgoes e sentimentos, em funcao de uma situagao presente. No caso de elites dirigentes, e natural que a importancia das fungoes que exerceram ou exercem interfiram muitas vezes na interpretagao ou omissao de fatos, conduzindo a transmissao de uma imagem consistente com suas atribuigoes atuais ou passadas. Esse parece ser, no entanto, um dado tao real para o pesquisador quanto o proprio fato que busca. Nesse particular, cabe ao estudioso, e nao ao ator, estabelecer elos explicativos entre o personagem e suas representagoes dos outros homens e de si mesmo, assim como de seu papel no bojo dos eventos em que esteve envolvido. 0 sentido de sua presenga e justamente explicita-los e induzi-los, acumulando provas. Para neutralizar a subjetividade de urn depoimento, ou de um conjunto de depoimentos, o pesquisador utiliza numerosos recursos. O primeiro deles e diversificar testemunhos de maneira a obter uma amostragem significativa de variadas tendencias, de tal for-
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ma que, ao final do programa, seja possivel confrontar pontos de vista dissonantes. Isso nao implica que o analista tenha que "tomar posigao" em face da massa de informagoes que ele coleta. Ao contrario, e de se supor, que o conhecimento substantive que delas resulte abedega a canones outros que os dos relates nos quais se baseia. O que e conflituoso para o ator-testemunha, nao o e para o pesquisador. Embora ele nao seja passive e indiferente aos relates que ouve, nem albeio as suas implicagoes sociais, e da natureza de seu proprio trabalho reartieular fatos e acontecimentos em funcao de conceitos ja codificados e consagrados, que, por isso mesmo, em parte indepeudem e antecedem suas reagoes pessoais face ao objeto de estudo. Por outro lado, a subjetividade nem sempre interfere de maneira tao decisiva quanto parece. Em nosso programa tivemos a surpresa de verificar interpretagoes aproximadas em torno de fatos reeuados, e, muitas vezes embora os enfoques e grupos de referenda variem, deles emerge uma visao consensual quanto as questoes mais abstratas que nos ajudam a retragar o perfil social e politico do periodo. Dai a importaucia de um quadro conceitual subjacente as entrevistas, articulando-as mais alem do descritivo e do casuistico, pois ao contrario do que poderia supor o observador mais ingenuo, o compromisso do pesquisador com um referencial articulado — qualquer que seja ele — longe de comprometer a objetividade do relato, na verdade, reforga-a. Nada mais fugidio e arbitrario do que o dado bruto; sem elaboragao previa ele nao conduz a parte alguma, pois a descrigdo nao e a evidencio. Ganha, no entanto, especial ressonancia se articulado a outros fatos, que Ihe valorizem a existeneia, tornando mais explicitas suas causas, imphcagoes e conseqiiencias^. Levando a reflexao adiante, tambem merece cuidados a crenga simplista, tantas vezes assumida, de que a subjetividade e a ideologia acompanham o ator, enquanto o analista se identifica com a objetividade cientifica em nome da qual ele produz. Nao fosse uma extensa literatura para provar as profundas querelas do mun-
do intelectual e academico24 e, ainda assim, poderiamos espontaneamente reconhecer que o pesquisador e, ele tambem, um ator em sua comunidade profissional, e que esta e dividida em correntes de ideias e pensamento que influenciam desigualmente aqueles que dela participam. Nesse sentido, tambem ele pode interferir subjetivamente sobre o personagem que entrevista, minimizando fatos relevantes de sua experiencia, ou simplesmente ignorando-os porque nao se coadunam com suas percepgoes e premissas. Em outras areas, os -sociologos imimeras vezes incorreram em falhas dessa natureza, muitas vezes comprometendo toda uma linha de pesquisa25. Objetividade stricto-senso nao existe. A busca de objetividade, ao contrario, e parte integrante da praxis cientifica, por razoes morais e eticas, e bem verdade, mas tambem por razoes mais concretas, inerentes ao processo de legitimagao do que se produz. De fato, o reconheeimento do valor de uma contribuigao depende apenas em parte de um publico mais amplo que o consome, visto que fundamentalmente se afirma por seu impacto no universe mais restrito dos produtores intelectuais e pela importancia que a ela atribuem os demais membros da comunidade intelectual e cientifica, quer a obra seja devidamente divulgada ou nao26.
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No decorrer de um depoimento onde se discutiam as eleigoes presidenciais de 1955, reportamo-nos uma vez mais a acontecimentos ja aventodos, isto €, ao episodic do suicidio do Presidente Vargas. Inesperadamente, retoma-se um fato que adquire, de um relance, especial relevancia: que governadores de Estado haviam comparecido as cerimdnias funebres no Rio ou em Sao Borja? Nesse particular, a presenca do governador de Minas, Juscelino Kubitschek se destaca, selando uma alianca com as forcas getulistas que Ihe garantirao a presidencia. Fora do contexto, a reconstituicao desse mesmo fato talvez se perdesse em um emaranhado de outras ocorrencias.
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24 Ver o iconoclastico trabalho de Wright Mills A Imaginafao Sociologies. (Zahar Editores), onde analisa criticamente as bases da socielogia parsoniana. Mais recentemente, as tendSncias da "nossa sociologia". Em uma linha radicalmente de esquerda, situam-se os marxostas, que se recusam a empregar conceitos da chamada "sociologia burguesa". Para uma importante reflexao em torno do engajamento e de sua relacao com a producao cientffica, ver Howard Becker — "Politica Radical e Pesquisa Socioldgica: Observacoes sobre Metodologia e Ideologia" in Uma Teoria da Acao Coletiva, Rio, Zahar Editores, 1977. 25 fi o caso das pesquisas sobre "comportamento desviante" que menciona Howard Becker, op. cit. — influenciadas pelas premissas normativas do pesquisador. 26 A relevancia de uma contribuicao pode ser avaliada quantitativamente pela freqiiencia com. que o autor e a obra sao citados, e qualitativamente pela natureza dos comentarios emitidos (contextual ou topicos) . Assim, se e verdade que a redescoberta de um autor ou obra depende ainda, em nosso pais, um pouco do acaso e da erudicao de alguns exegetas, uma vez revelados ao mundo academico, sua difusao processa-se rapidamente, como se a eloqiiencia da contribuicao compensasse a ineficiencia dos canais de divulgagao e comunicacao. Como ilustracao, tomemos tres grandes classicos do pensamento politico brasileiro: Vitor Nunes Leal, Raymundo Faoro e Azevedo Amaral, cuja marginalizacao prolongada dos circuitos de divulgacao nao impediu o reconheeimento do meio academico, e o consume de suas id£ias, abundantemente citadas, por autores recentes.
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Ora, e o processo de legitimacao de um produto intelectual que garante, nao a neutralidade, mas o ponto otimo de objetividade possivel. Pois se e certo que a neutralidade pressupoe distancia e alheamento em face das querelas de Escola (com suas implicagoes inevitaveis no campo teorico, metodologico ) e, nesse sentido e utopica, pois separa drastica e artificialmente os meios dos fins, a bused da objetividade ao contrario, e um dado real do processo de reflexao, visto que a obra se destina ao confronto, no embate de ideias que historicamente a demarca, com as reacoes corretivas, avaliativas, que todo debate suscita. fi do interesse, portanto, do produtor intelectual que, seguindo as premissas que partilha, seja objetivo, isto e, revele mais dos mecanismos da realidade social que analisa do que o que inevitavelmente obscurece ou esconde. Cabe aos outros, seus pares, avaliar pelo entrechoque de ideias, e por mecanismos difusos ou implicitos, mediates e imediatos, a pertinencia das hipoteses, os graus de evideneia acumulados e o aleauce da obra. Quanto ao ator, a despeito das conotagoes parciais e subjetivas de seu depoimento — tribute final a comunidade, coroamento de longo desempenho politico — tambem ele procura retratar experieneias com consistencia, objetividade e coerencia. Sendo a entrevista o dialogo franco e aberto com um especialista que, em principio, conhece sua biografia e a historia do periodo, e de se esperar — e o fato realmeute ocorre — que se guie por um esforgo de isengao em resposta as inquirigoes e diividas de quern o entrevista. Por isso, sua presenga e tao decisiva: o interlocutor define o debate. Nao sendo um opositor publico, nem arbitro, nem juiz, sua funcao e bem mais modesta: reconstituir o fato, o movel politico, A presenca do pesquisador e tambem decisiva, trazendo a tona fatos e situagoes pertinentes que o estimulam a definicoes precisas. Por diferentes caminbos, ator e pesquisador se movem por objetivos identicos: o esforco comum e sincere de perseguirem juntos a reconstituigao de longos e acidentados percursos, escudados, por um lado na tradigao historiografica e nos dados disponiveis, e por outro, na imprevisivel e misteriosa memoria humana — que inesgotavelmente revela e encobre, articula e discrimina, em um jogo incessante de aventura e desafio. e)
O Processo de Entrevista
Esclarecidos alguns equivocos basicos, quanto a suposta neutralidade cientifica, e a excessiva parcialidade do ator, trataremos
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de explicitar o que enteudemos como esforgo sistematico de objetividade na pratica quotidiana de nossa pesquisa, e que procedimentos concretes a condicionam em um processo de entrevista. Antes de mais nada, minuciosa preparagao de roteiros, curricula vitae, cronologias, que constituem o ponto de partida inicia! sem o qual pouco se obtera de uma entrevista. Por esse caminho o entrevistador se familiariza com o universe pessoal e historico de quern entrevista, para poder extrair dele diversificada gama de observagoes, bem como as reflexoes em profundidade que dela derivam. Com os curricula vitae, situamos a trajetoria do personagem, e, com a ajuda de cronologias reconstituimos sequencias de acontecimentos em que esteve envolvido. A partir dai, torna-se viavel a elaboragao de um cuidadoso roteiro, que nada tern de arbitrario, visto que resulta de uma superposigao de curriculum e cronologia a partir da qual revelam-se as imensas potencialidades da entrevista, atraves de questoes que obrigatoriamente constituiriam objeto de interesse ao longo da bistoria de vida. Com isso, o pesquisador prepara-se para encaminhar um dialogo tanto mais dificil e complexo quanto elasticos e imprevisiveis os rumos que os guiam, Atraves dos personagens captam-se afinidades, antagonismos e conflitos do meio em que viveram, mais alem dos suportes concretos (fatos pessoais: conversas, reacoes, ocorrencias presenciadas) atraves dos guais eles se revelam. As vezes desordenadamente, sucedem-se reflexoes de natrureza diversa, referentes a episodios em que tiveram envolvimento ora indireto, ora decisivo. Alguns episodios de maior alcance sao discutidos mais em fungao de seu impacto social e politico e de suas repercussoes, do que de envolvimento direto, postando-se por isso mesmo a niveis de abstragao maiores (Revolucao de 1930, Queda do Estado Novo, etc.). Outras, ao contrario, prendem-se ao universo imediato do ator, e, por seu intermedio, esclarecem pautas de comportamento sedimentadas por um ambiente social e uma epoca. Nessa multiplicidade de registros, e indispensavel nao perder o fio condutor que dara unidade e consistencia informativa ao documento. Disso resulta o principio de fixar para cada ator uma estrategia, pois, como pudemos constatar imimeras vezes, as pessoas revelam enfoques diversos, visoes de mundo especificas, que caracterizam estilos proprios de percepcao politica, alem de naturais preferencias por episodios determinados de suas vidas, em detrimento de outros, de igual relevancia para o pesquisador. Isso significa que a entrevista se faz em uma busca permanente de comunicagao entre o que interessa a um e desperta e mobiliza o outro. Sob esse aspecto, e determinacao do programa estimular uma livre e pessoal manifestacao de ideias — e de nenhuna modo, sob
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nenhum pretexto ferir a singularidade do depoimento com a ansiedade (explicavel) de adapta-las rigidamente a expectativas preconcebidas. A frustragao de uma pergunta sem a resposta esperada tern sido muitas vezes o caminho aberto que conduz a novas descobertas — pois atesta a riqueza e especificidade de um universe pessoal que se revela ao pesquisador no decorrer da entrevista. No cotidiano da entrevista opera-se, portanto, permanente incorporagao de observagoes examinadas, polemizadas, dbcutidas, de tal maneira que conduza a atualizagao do roteiro, em que o pesquisador assimila e elabora, em termos de sua problematica, a vivencia dos atores. A partir dai, novas questoes serao formuladas, e novas respostas obtidas. Como e natural, sendo entrevistador e entrevistado conduzidos por discursos diversos, surgem, fatalmente, nas entrevistas, descompassos entre ambos, que se traduzem por uma possivel indiferenca e insensibilidade face a problemas suscitados pelo pesquisador. Tais dificuldades em nada surpreendem pois simplesmente demarcam os limites do depoimento, seja em funcao de uma bistoria de vida ou de uma insergao social — com. percepgoes, cren§as e valores bem definidos, seja em decorrencia de um estilo proprio de atuagao e de sensibilidade politica. 0 circulo vicioso do dialogo fechado, com questoes e respostas que se repetem infinitamente, pedidos para desHgar o gravador, questoes nao-respondidas, ou dfrslocamento proposital dos rumos de uma conversacao seriam alguns dos aludidos obstaculos, que bem comprovam os contornos sociais de uma relagao sui-generis entre o pesquisador e seu objeto, ao mesmo tempo ator e depositario da memoria politica. Por isso mesmo, o desenrolar da entrevista depende nao somente de um controle factual de eventos, dos rumos e alternatives de uma discussao em pauta, mas igualmente de uma avaliagao intuitiva das potencialidades do dialogo — que nos indica quando devemos abordar ainda uma questao mal explorada, e quando e .a que prego devemos abandona-la, prosseguindo ou encerrando um ciclo de questoes, ou o proprio relato. Nao e sem surpresa que, freqiientemente, o pesquisador se depara com um subito esclarecimento de questoes e episodios ja discutidos — elaborados eles tambem, gradualmente, pela memoria e pela reflexao. £ que a verdade individual como a verdade Historica, situa-se a niveis de ordenagao diversos, em complexa relagao com o tempo, Desse mergulho deliberado, consciente, que e a entrevista, afloram recuadas percepg5es e vivencias, por associagao de ideias, repetigoes, antecipagoes e recuos. Em vista disso, por definigao, o tempo de entrevista deve ser necessariamente longo, esticado, em vagarosa in-
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cursao a um passado ja hierarquizado, que o pesquisador pretende revelar a posteridade ao mesmo tempo que o descobre. No desenrolar da entrevista, outras dificuldades se impoem.. TJma delas e o fato, natural, de que o relato tenda a retratar situaSoes e imagens ja longamente trabalhadas, em razao de sua importancia para aquele que o narra. Cria-se, em virtude disso, uma certa rigidez, que e precise veneer com a duvida sistemdtica. O que parece obvio nao o e.27 Por esse caminho, busca-se introduzir na ordem, a desordem, para que se desvende a teia real de ocorrencias sepultadas por uma versao fechada, acabada, dos fatos. A realizagao de uma entrevista e relagao humana das mais envolventes. Ao contrario de outros tipos de levantamento, ator e pesquisador constroem juntos o depoimento historico. £ muitas vezes uma longa convivencia, que se estende por meses, criandc envolvimento de parte a parte, em um continuo dar e receber que alimenta o dialogo. Por essa razao, sao tao necessarios os mecanismos de controle ja mencionados: comentarios e avabiagSes de entrevista, que, tal como o didrio de campo do antropologo, registram ocorrencias e reagoes fundamentals, de maneira a esclarecer aos demais pesquisadores as condicoes em que se elaborou o documento. Ao final de um ciclo de entrevistas, sucede-se o inventario formal dos dados, e sua sistematizagao, desligados do contexto mais imediato do relato. Nesse processo, as reagoes mais subjetivas se diluem, no territorio mais neutro de uma problematica. No entanto, e preciso frisar que o exito de uma entrevista nao depende tanto quanto as ultimas observagoes sugerem, de fluxos inter-subjetivos: o interesse deliberado do entrevistado em desvendar seu proprio passado, seja em fungao de um forgado isolamento, ou desterro, seja como uma avaliagao dos serviyos prestados, ou mesmo como nm necessario recuo, e estimulado pelo desligamento em idade avangada28. O certo e que dificilmente poderiamos obter resultados felizes de um homem piiblico em plena atividade, cujas reflexoes e atitudes teriam, par la force des choses, exagerada ressonancia. Mesmo nos casos em que se opera maior distanciamento, e inegavel que o objetivo do depoimento deve ser, necessariamente, reforgar uma imagem, como se ele fosse, mais 27
Ocorre freqiientemente que certos acontecimentos, que o historiador reputa importantes ssjam reduzidos a uma explicacao psicoiogica, onde interferem unicamente fatores de ordem pessoal. £ um campo de especulacoes que o estudioso rejeita, em parte porque opera com variaveis mais amplas, em parte por falta de instrumentos para avaliar personalidades e reagoes politicas. 28 Cf. Introdugao de Edward Crankshaw as Memorias de Nikita Kruschov, Rio, Artenova, 1971, p. 9.
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introspectivamente, uma continuagao da propria vida politica. For isso mesmo, questoes mais delicadas e de dommlo piiblico devem ser francameute abordadas, e, em caso de resistencia, relegadas, visto que a finalidade do depoimento nao e induzir reparacoes (nem demolir imagens) mas, simplesmente, esclarecer os rumos da Historia em seu sentido menos particularista e mais global. Oportuno indagar se vantagens existem em uma reconstituic.ao onde as fronteiras entre o ideologico, o afetivo e o cientifico sao tenues, com limites, como mostramos, plasmadas em um esforgo do pesquisador e da memoria dos individuos. Em outras palavras, qual a validade eientifica de uma reflexao centrada em representacoes e ideologias? Em passado nao muito distante, costumava-se identificar as manifestagoes ideologicas como expressao mais do que deformada, falsa, de uma realidade social e politica, quando nao, mero epifenomeno, superestrutura, cujas leis deviam ser detectadas fora dela. Outros, mais modestos, limitavam-se a uteis e despretenciosas historias das ideias, com o objetivo de identificar e descrever correntes de pensamento sem a intencao de registrar os mecanismos da realidade social que se operavam atraves das mesmas. Nao ocorria que se pudesse utilizar mais sistematicaraeate suas "deformagoes*', seja considerando-as como relacionadas entre si, seja como vias de acesso as regularidades sociais em seu conjunto.29 Nesse sentido, os problemas metodologicos suscitados pelas praticas de entrevistas remetem, entre outras coisas, as questoes acima apontadas, sugerindo significativas aberturas. Tendo em vista que o discurso e, por natureza, globalizante (oposto, por exemplo, ao discurso de arquivos privados, onde a informacao e fragmentada, e o circuito de ideias, rarefeito), e possivel, por isso mesmo, captar na logica do discurso do ator, a logica do proprio sistetna, com o qual guarda conexoes estreitas. Serao estas relagoes objeto de interesse do pesquisador. ..Uma vez de posse de um conjunto fechado de ideias, e precise que seja tratado sistematicamente: dentro dele, os vazios, omissoes, dissonancias, sao tao sugestivos quanto as questoes que se esclarecem. Em Historia Oral, e tambem imediata a possibilidade de captar intengoes articuladas de atores, em torno de um fato ou um
periodo histdrico, atraves de um aciimulo de impress5es e evidencias. E possivel detectar convinces profundas que compoem os valores ultimos de uma cultura, de um grupo, e suas diferentes alternativas de acao, aquelas que estiveram efetivamente em pauta em um momento (ou epoca) determinado. E gracas a familiaridade do depoente com o seu tempo, e com os atores que dele participaram, o historiador ganha, por seu intermedio, uma visao de conjunto, e um conhecimento das formas de expressao do periodo, que o livra dos riscos que correria confiando em fontes fragmentadas ou em sua limitada capacidade de dedugao. Isso porque, sendo o estudioso parte integrante de seu documento de consulta, tern meios e possibilidades de influenciar, com quest5es pertinentes, os rumos da informacao. Quando os temas que alimentam as conversances no relate de uma experiencia ou de uma vida, se extinguem, ou giram em circulo vicioso, esta encerrado o processo de entrevista. E a entrevista, nada mais e do que um entre outros tantos, possiveis, incompletos, documentos. . ,
29 Nao e casualidade que a contribui?ao dos estruturantes de diferentes filiacoes esteja tao voltada para o estudo dos mitos, de categorias de pensamento, representacoes, ideologias... Talvez, por esta razao, contribuicoes tao diversas como as de Claude Le"vi-Strauss, Michael Foucauit, Louis Althusser e Roland Barthes aparecam, um tanto forcadamente, como produtos de um mesmo metodo.
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Abordagem Interdisciplinar em Perspectiva
Em virtude das relacoes especificas que se desenvolvem em um programa de Historia Oral, entre Ideologia e Historia, entrevistador e entrevistado, parece evidente que a abordagem sugere contribuicoes metodologicas e substantivas de diferentes disciplines. Significativamente, a utiliza§ao de fontes orais data do inicio da propria discipline historica. Herodoto, tido como o "pai da Historia", ja as utilizava com fonte preciosa para perscrutar a vida dos povos que se situavam fora das fronteiras do mundo helenico, com usos e costumes desconhecidos, e identificados, genericamente, como barbaros30. Com isso, confere informagoes, confronta dados que ajudam a esclarecer tambem a origem de habitos incorporados por sua propria cultura. O antropologo, desde sempre, utiliza o metodo da observagao participante, e a escolha estrategica de informantes, como meio de entender usos e_ costumes radicalmente diferentes dos seus, e para penetrar em sociedades cujos padroes Ihe sao estranhos. Da mesma maneira, a Antropologia Urbana, estudando nossa propria sociedade, adota, talvez por transposigao metodologica, o principio basico de que e necessario observar o comportamento dos grupos de dentro dos mesmos. Paradoxalmente, comportam-se como se os segmentos Her6doto, Hist6ria..., Rio de Janeiro, Ed. de Ounp, s/d.
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de sua sociedade Ihe fossem estrangeiros e como se o pesquisador so pudesse decifra-los em seu funcionamento pelo esforgo deliberado de entendimento e participagao. fi uma postura que, nao resta duvida, rendeu os melhores frutos31. Da Ciencia Politica e da Sociologia, extraem-se concepcoes codificadas que permitem o melhor entendimento de valores, normas e padroes de comportamento, instituigSes, grupos organizados, fungoes que permeiam o sistema politico e de estratificagao. Delas derivam-se hipoteses parciais que incitam a reflexao. Da Psicologia Social, aproveitam-se reflexoes e resultados de pesquisas experimentais em torno de personalidades, reagoes e tipos humanos, socialmente definidos. Da Psicanalise, por que nao? A transferencia afetiva, gue torna o ator, suporte, e o pesquisador, receptor e ativador de experiencias vividas, que pela introspecgao reconstituem a trajetoria do ator na Historia. Com tao complexa superposigao de enfoques e procedimentos, ligados a disciplines ja codificadas, a Entrevista revela-se um instrumento polivalente e flexivel em maos do pesquisador. Como a propria Historia, que sob o impacto de uma diversificacao crescente das disciplinas sociais apura-se, refaz-se com tecnicas mais rigorosas, e mais inventiva, sem abandonar seu compromisso com o temporal e o singular, de cujo eneadeamento se tecem as sociedades humanas.
seqiiencias na formulagao de lemas prioritarios e linhas de inves^ tigacao. Cabe, no entanto, uma palavra final sobre as condicoes sociais que favoreceram a implantagao institucional, criando rapidas e novas respostas aos resultados parciais obtidos. Ao abrigo em uma instituigao privada, e alrmentado por doacoes familiares, tambem de carater privado, o CPDOC cresceu a margem de um circuito enrigecido de instituigoes publicas podendo, gragas a essa particularidade, trabalhar um acervo que, embora relevante, iniciava-se em dimensoes reduzidas, expandindo-se a medida em que a instituigao se expandia. Foi, por isso mesmo, possivel, estudar alternativas modernas para o tratamento da documentacao, e dar um passo adiante, introduzindo propostas de integragao da documentagao a pesquisa. Movidos pelo interesse de, ao mesmo tempo, organizar e processar a informacao historica, numerosos foram os obstaculos praticos surgidos: carencia de pessoal qualificado com a dupla formagao exigida; ausencia de fontes de consulta necessarias a identificagao dos documentos e das informacoes nele contidas, em suma, um generalizado alheamento face aos instrumentos necessarios ao estudo do periodo. Ao mesmo tempo, de politicos e homens publicos, ou seus familiares, recebiamos desde o inicio o credito de confianga indispensavel, atraves da doagao de um precioso material de trabalho que se iniciou com os arquivos Vargas e Aranha. Os vinculos que ligavam a direcao do CPDOC, do Instituto de Direito Piiblico e da Fundagao Getiilio Vargas ao mundo politico foram o primeiro passo para a constituigao de um solido acervo. Os meios de financiamento serao sempre, nao resta duvida, o cordao umbilical que liga a producao inteleetual a sociedade mais ampla, que direta ou indiretamente a sustenta. No que se refere ao CPDOC, o carater experimental da instituicao trouxe, de inicio, recursos minimos, alimentados pela propria instituigao. Durante algum tempo esbarramos com a dificuldade de angaria-los, por inexistirem fundos, publicos ou privados, previstos para a recuperagao de documentos e de patrimonio historico. Assim sendo, grande parte dos esforgos iniciais da equipe consistiram em buscar nieios de auto-reproduzir-se e legitimar-se. As condigoes de crescimento gradativamente se ampliam com a sensibilizagao da opiniao publica e de entidades governamentais modernizantes pelo problema da preservagao da Memoria Nacional, Reagao que responde, em parte, a produgao abundante dos estudiosos norte-americanos e europeus — os "brasilianistas" •—, que com metodos rigorosos e sistematicos, de natureza academica,
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A G'uisa de Conclusao:
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Dinamismo Institutional e Receptividade Social Na impossibilidade de tratar as numerosas questoes metodologicas .aventadas por uma reflexao ..sabre as praticas e condicionamentos implicitos da pesquisa, e de ordena-las em um ciclo de produgao inteleetual, que, em nosso caso, e ainda incompleto, optamos por uma discussao mais detalbada dos processes de escolha que acompanharam a montagem de uma instituicao — ( o CPDOC ) e de um programa (o de H*storia Oral) e suas conseqiiencias praticas e teoricas, tal como se nos apresentaram. Procuramos unicamente dar enfase a importancia das opfoes institucionais que definem o eontexto da pesquisa, e as suas con81 Uma reflexao metodologica sobre a Escola de Chicago, dos anos 20, ppde ser avaliada no excelente artigo de Howard Becker — "Historia de vida en Sociologia", in Jorge Balan, Las Historias de vida en las cienciaz sociales, Buenos Aires, Ed. Nueva Vision, 1974.
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A REcoNSTsugAo HKTORICA
evidenciaram nosso descaso pelo estudo do passado, e pela conservagao das fontes primarias necessarias a reconstitui-Io. O CPDOC foi criado em 1973. Com o prolongado refluxo da vida politica, e o apagamento de seus principais centros de decisao, cresceu uma expectativa difusa em torno de sua Memoria. Meio de conhecimento, a Historia ressurge como um valor em si mesmo: encadeamento de evidencias, fonte de ensinamentos, elo entre o passado ignorado e distante, deliberadamente rompido, e um presents problematico, que nao se decifra. A racionalidade burocratica, de quern poucos duvidam, defronta-se com seus primeiros revezes. Cresce, pois, a interrogagao em torno de uma possivel e necessaria racionalidade da politica. Em uma conjuntura de exacerbado interesse pelos fatos passados, a experiencia institucional, ainda incipiente, ganha corpo: as indagagoes do pesquisador e as necessidades de uma instituigao coineidem, com outro vocabulario e outra sintaxe, outros meios e outros fins, com a busca da comunidade dos cidadaos e da comunidade politica. A memoria historica sera um recurso que a Nagao mobiliza em seu processo de fazer-se, inquirindo um passado que so se revela em apagadas linhas. Nesse contexto, a jormagao de especialistas, naturalmente lenta, movida pelas circunstancias, improvisa-se. 0 espago institucional, nao burocratizado e aberto, torna a participagao individual decisiva; a despeito de uma insercao instavel, a iniciativa acompanha os novos estimulos, em fungao das respostas criativas que solicitam. 0 extreme dinamismo da formagao de quadras reflete o carater experimental da instituigao, ja frizado, que incorpora pessoas adaptaveis as novas e fluidas fungoes que se criam. A sobrevivencia das instituigoes culturais, e de pesquisa, e em si mesma uma questao problematica. Sua descontinuidade parece ter sido, em muitos paises como o nosso, uma fatalidade: burocratizagao excessiva, poucas alternativas de financiamento, desvinculagao com centros culturais de natureaa e fungao equivalente, ma politica de formagao e atualizagao de pesquisadores, indefinigao na linha lie prioridades — estes seriam alguns dos muitos problemas com que, fatalmente, terao que se defrontar as instituigoes recentemente implantadas: em geral ocorre que, para novas e prementes solicitagoes socials, as instituiyoes ja existentes revelem-se ineficazes, e que, por conseguinte, novas instituigoes se criem. E e dentro de tais niarcos — positives ou negativos, estaveis ou instaveis — que se tecera a contribuigao individual do pesquisador e sua pesquisa.
IV A PERSPECTIVA EXTERNA AO PROCESSO DE PESQUISA
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Memorias de um Orientador de Tese CI.AUDIO MOURA CASTRO Introdugao Este ensaio e uma tentativa de reflexao sobre minha experieucia como orientador de teses. 0 que segue e uma colagem de experiencias pessoais e pequenos incidentes, entremeados em uma discussao de questoes substantives e metodologicas. Naquilo que se refere a esses problemas de conteiido e metodo, as observances oferecidas contem um grau apreciavel de generalidade. Todavia, no que se refere a estilos de atuacao como orientador, cabe eufatizar o carater idiossincratico da experiencia. Cada orientador tern seu estilo pessoal de trabalho. Seguramente, alguns serao melhores ou piores, o que inclusive pode depender do estudante, mas de forma alguma haveria modelos de atuacao pessoal que fossem unices ou necessariamente melhores. Dentre os orientadores, ocorre tal variedade de personalidades e estilos de trabalho que nao haveria qualquer sentido em emular caracteristicas que sao puramente idiossincraticas. Contudo, dado o espirito desse ensaio, nao houve qualquer tentativa de eliminar comentarios sobre situagoes em que componentes subjetivos podem prevalecer. A fidelidade aos objetivos e ao torn proposto para esta coletanea levam-me a meneionar que o seu organizador, em uma primeira leitura, considerou excessivamente normativo o presente ensaio.1 Voltei a le-lo, e dei-me conta entao de que o torn normativo corretamente percebido por ele meramente reflete o cotidiano do orientador de tese — ou pelo menos do meu estilo de trabalho. Grande parte do tempo de orientagao e consumido trataudo de 1 Ao mesmo tempo, notou que faltavam exemplos, critica que sou contumaz em fazer a meus orientandos.
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do real, denunciada e negada pelas mais simples observagoes do que acontece a nossa frente. Isso sugere o pouco oportuno que e gastar alguns semestres do tempo de um aluno para repetir esse exercicio deseducacional de futilidade. £ preciso conhecer a realidade, antes de tentar modifica-Ia. 0 desafio de desvendar a realidade e pre-condicao para o desenho de legislagao ou planejamento educacional com perspectivas de sucesso. Parto da premissa de que a formulacao de pianos torna-se muito mais facil, uma vez compreendida a realidade, com suas areas de plasticidade e as areas em que seria ingenuo ou inocuo tentar manipular o processo educacional. E necessario quebrar a tradigao de redigir documentos em jargao legal, onde se descreve aquilo que gostariamos que fosse a realidade, sem qualquer respeito pelo que de fato e a realidade, pelo que e refratario a mudanca e sem a astiicia de descobrir os pontos onde o processo e manipulavel. Pela minha freute ja desfilaram impavidas e invulneraveis as minhas criticas propostas para salvar os mais variados niveis e tlpos de educacao. Lembro-me, por exemplo, de propostas para organizar programas pre-escolares, incluindo, naturalmente, a minuta da legislacao requerida. 2 — A Tese Diddtica nao e uma aventura de raciocinio e de exploragao, mas sim um mero exercicio de redagao. Escrever bons textos didaticos e fungao de professores, nao de alunos, enquanto nas universidades sao alunos que escrevem teses de mestrado. E se sao alunos, estao avangando o seu conhecimento, agugando a sua capacidade de analises; nao e esse o momento de ensinar, de congelar o conhecimento, mas sim de desafia-lo, de alarga-lo. O texto e didatico e o resultado de um policiamento sucessivo de um curso repetidamente ministrado, uma estrategia madura de transmissao de conhecimento. O curso de pos-graduagao e uma volta ao desconhecido, e uma tomada de consciencia da nossa propria ignorancia. E um desafio aquilo que criamos ou que pensavamos saber. Ha tanta destruigao quanto criagao num curso desta natureza e, portanto, nos parece pouco oportuno esse exercicio de burilar exaustivamente a apresentacao de alguma area do conhecimento: isto e o que significa redigir um texto didatico. Lembro-me de consultas feitas a mim sobre uma proposta de organizar um roteiro de estudo de estatistica paia alunos de posgraduagao. Nao live o menor sucesso em dissuadir o candidato a esse tema. Contudo, esse tipo de tese felizmente perdeu grande parte de sua popularidade.
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Os cursos de Pos-graduagao em Ciencias Sociais recebem nos dias de hoje um grande numero de alunos capazes de satisfazer a contento as exigencias academicas dos cursos. Contudo, se e decepcionante a proporgao destes graduados que conseguem terminar sua tese de mestrado, mais inquietante ainda e a qualidade destes trabalhos. Nao me deterei aqui na especulacao do porque do grande numero de desistentes; meu proposito e discutir problemas de qualidade. Para tornar mais concreta a questao, bem como para recorrer a uma area que conhego melhor, centrarei a discussao nas teses em Educagao. Contudo, parece-me que em boa parte os resultados seriam aplicaveis a outras areas. Nesta segao nao pergunto como se escolhe um tema de pesquisa, mas simplesmente elaboro sobre o que nao e uma Tese. Um exame superficial de titulos dc Teses sugere a seguinte classificacao provisoria dos falsos caminhos observados: (1) Propostas, pianos ou reformas de, algum aspecto do Sistema Escolar; (2) Teses Didaticas, cujo objetivo e preparar um texto didatico sobre algum assunto; (3) Teses de Revisao Bibliografica, onde se tenta reconstruir o deseuvolvimento empirico ou teorico de alguma area; (4) Teses tipo "levantamento", onde se constatam ou se medem certos parametros da realidade; (5) Teses teoricas, onde se tenta avancar a fronteira, ao nivel teorico-analitico. Em oposicao a esta lista, proponho uma alternativa que, esta sim, parece representar o formato mais apropriado e mais obvio para uma tese: ( 6 ) Teses Teorico-empiricas, onde se relaciona algum modelo teorico com observagoes empiricas. A julgar pelo fato de que em todas estas categorias tern havido teses aprovadas, ja ficou claro que meu pensamento colide com aquele das bancas examinadoras dos cursos de Educagao. Examinemos cada um dos topicos: o
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questSes onde a inexperiencia do aluno e as limitagSes de tempo sugerem uma tatica direta e obvia: "assim esta errado, por que nao tenta desta outra forma ..." Nao vai ai a implicagao de que se trate de um caminho de mao unica. A experiencia de orientagao de tese pode ser altamente enriquecedora, mais do que compensando as atividades do cotidiano aqui descritas no mesmo torn professoral com que sao declamadas aos alunos.
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310 forgo de analise e sintese, isto e, entender o legado dp conhecimento e, em seguida, elaborar sobre ele, trabalhar de maneira original e inovadora sobre essa heranca. Escrever uma tese de revisao de bibliografia e limitar o curso de pos-graduagao a primeira fase. £ delxar aleijada ou mutilada a dfade analise-sintese. Contudo, longe de mim estaria afirmar que nao ha dificuldades ou meritos nesta revisao, nesta tomada de posigao critica com relagao ao "estudo das artes". Nada mais adequado e desafiador para um aluno, mas apenas como exerciclo no que estamos provisoriamente chamando de fase analitica do curso. O resultado desses exercicios raramente podera passar de conhecimento requentado e mal digerido. Ha lugar para a revisao da literature, aquilo que em lingua inglesa se costuma chamar "survey". Mas nao e por acaso que esses artigos sao necessariamente escritos pelas pessoas de maior experiencia e autoridade no campo, nunca por principiantes. fi raro o campo nao reexaminado periodicamente por alguem que por muitos anos ja refletiu e contribuiu nesta area. Pode apenas ocorrer que o artigo nao esteja em portugues, mas devemos nos lembrar que o mestrado nao e um curso de "Tradutores e Interpretes". 4 — As teses do tipo "levantamento" merecem uma discussao cuidadosa. Dado o irresistivel atrativo do tema para um grande numero de mestrandos, estas sao as cbamadas teses "descritivas". Todavia, evitamos aqui essa nomenclature de inapelavel ambigiiidade. Uma pesquisa normalmente envolve um exame de dados e observagoes. Como nem sempre estas observances estao disponiveis em um formato adequado para a investigagao contemplada, e necessario ir ao campo coleta-las. Mas esta coleta nao passa, ou nao deve passar, de uma fase inieial da pesquisa, digamos, de um mal necessario. A experiencia de colher dados e importante e enriquecedora, porem corresponde a uma fragao bem modesta, na formagao pos-universitaria. IS o exame e a reflexao sobre o nexo que ha entre esses dados que correspondem ao nobre processo da pesqiiisa cientifica. Preparar questoes e aplicar questionarios, examinar a distribuicao dos parametros ou das variaveis, nao passa de um prefacio, uma preparagao que nao pode e nao deve monopolizar a atengao do mestrando. Interessa o que vem depois da tabulagao das variaveis. Interessa o sentido que faz o entrelagamento destas variaveis. Interessa-nos o como e o porque. Contentar-se com menos e contentar-se com praticamente nada. Nesse ponto, minhas divergencies com outros orientadores e mais forte. Uma tese que apenas "chega ao umbral da analise e uma tese incompleta; nao esta no ponto de ser defendida.
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Se o aluno nao tern a disposigao, gosto ou as qualificagoes para alguma coisa alem de coletar dados, julgamos entao que uao e taIhado para a pos-graduagao, destinada a elite cientifica da sociedade. 5 — Chegamos agora as teses teoricas. As teorias, os modelos, os constructos, ou como quer que chamemos, sao o arcabouco logico que nos permite organizar e dar sentido as nossas observagoes sobre o mundo real. Ocasionahnente ocorrem grandes saltos tcoricos, as "revelagoes cientificas", mas o trabalho cotidiano do cientista "teorico" consiste no aperfeigoamento, ou redirecionamento do arcabougo conceptual atraves de formulagoes mais simples, mais elegantes ou que melhor 'descrevam a realidade. Agugar as armas analiticas, corresponde a uma tarefa eminentemente nobre na produgao cientifica. Fara um esplendido trabalho aquele que consiga contribuir nesta area. Em principle, este e um topico eminentemente nobre para uma tese. Porem, em oposigao a topicos anteriores, que pecaram pelo excesso de modestia, este imp5e um grande desafio, e um desafio que o aluno devera realisticamente avaliar. Minha experiencia pessoal com alunos de pos-graduagao sugere que apenas um numero extremamente reduzido deles deveria optar por este caminho. Em economia, alunos com um superlative conhecimento de matematica poderao trabalhar num refinamento da expressao siinbolica de diversos aspectos do conhecimento economico. Mas, excetuando-se areas cuja expressao matematica ja atingiu um elevado nivel, seria muito raro que urn mestrando pudesse sair-se com sucesso em um experimento estritamente dedutivo. Aquilo que com ingenuidade vem sendo chamado Tese Teorica nao passa de teoria de segunda mao. Se por tese teorica entendermos discussoes ou reflexoes filosoficas, doutrinarias ou ideologicas, saimos tanto do assunto deste ensaio quanto do conteudo usual dos programas de Ciencias Sociais. Nao estamos negando a procedencia de teses desta natureza, mas simplesmente afirmando que nao se referem ao que estamos discutindo. Algumas vezes tive sucesso em dissuadir candidatos que se propunham a escrever o que pensavam ser uma tese teorica. A atragao da analise de sistemas, nao obstante, se revelou em um par de vezes maior que meus poderes de persuasao. Traduzir duas ou tres versoes requentadas de analise de sistemas, desenhar quadrinhos e setas com o nome do problema e das variaveis que se desejam entender parece algum tipo de magia negra. Deve ser algo assemelhado a pomus de feitigaria ou umbanda, com efeito semelhante a escrever nomes em papeis e espetar alfinetes em bonecos que representam inimigos.
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6 — 0 ceticismo que revelo com relagao aos temas anteriormente mencionados, ja deve ter claramente sugerido ao leitor que minhas preferencias para assuntos de tese de mestrado recaem sobre os temas teoricos-empiricos ou indutivo-dedutivos. Nao se trata de capricho ou ativismo, mas sim do fato consagrado de que este e o caminho mais trilhado na evolucao da ciencia e na expansao do conhecimento. For sua indole, alguns sao mais dedutivos do que indutivos, partindo de alguma formulacao teorica e confrontando-a com a realidade, isto e, com a observagao empirica. Outros sao de temperamento mais indutivo, partindo do exame das observagoes, ou mesmo da sua coleta, e dai prosseguindo para sua interpretacao; seu raciocinio segue os meandros dos dados e da realidade, eventualmente chegando ao corpus teorico da diseipHna. Mas e importante que se entenda, nao ha lugar para desavisados ou desprevenidos. 0 indutivismo puro, tal como o dedutivismo puro, sao igualmente inviaveis e impossiveis. Aqueles que partem dos dados, ja partem procurando alguma coisa e em absoluto desconhecem o repertorio teorico; e aqueles que partem de teorias, nao as tiraram do vacuo, mas sim de previos confrontos com o real. Ha um escasso numero de genios e iluminados que transformam e revolucionam nossos paradigmas teoricos, no outro extremo ha o exercito dos proletaries da ciencia que nada mais fazem do que produzir materia-prima, em urua primitiva indiistria estrativista. Nao nos interessa aqui qualquer destes dois grupos. Nosso modelo e o grande contingente de pesquisadores que em sua atividade metodica e sistematica fazem avangar as fronteiras do conhecimento. Para os mais criativos, mais preparados e experientes, estao reservados avangos mais substanciosos. Mas nao e vao o trabalho dos principiantes. Nao e dificil nem impossivel localizar areas do conhecimento onde num exame da confluencia da teoria com. a realidade, do constructo com o protocolo, nao se possa antecipar contribuig5es respeitaveis ainda que modestas. E que isto nao seja entendido como um teste mecanico e mortigo de "modelos". Pelo contrario, trata-se da essencia do pensamento cientifico, e, nas ciencias sociais, do seu maior desafio. Propositadamente nao coloco as pesquisas historicas em uma classe separada. Estarao enquadradas na ultima categoria, na medida em que perguntam o porque e o como de certos eventos importantes. Fatos desinteressantes nao adquirem interesse por haverem ocorrido no passado. Alguns eventos sao triviais tanto no presente quanto no passado. O transcurso do tempo nos permite rnais perspectiva e objetividade, ao mesmo tempo que aumenta a imprecisao e a deficiencia de informa95es; contudo, raramente adi-
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cioua relevancia a um topico. Paralelamente, numeros, nomes e datas so adquirem importancia, no presente ou no passado, na medida em que se encaixam em uma estrutura logica coerente e teoricamente fertil. 0 levantamento de dados, de hoje ou de ontem, e apenas o principio. E interessante ver por esta mesma posigao expressada pelo grande naturalista Von Martius, escrevendo em meados do seculo passado: Sobre a forma que deve ter uma historia do Brasil, [ . . . ] . As obras ate o presente publicadas [. . . ] abundam em factos importantes, esclarecem ate com minuciosidade muitos acontecimentos; contudo nao satisfazem ainda as exigencies da verdadeira historiografia, porque se ressentem demais de certo espirito de cronicas. Um grande numero de factos e circunstancias insignificantes, que com monotonia se repetem, e a relagao minuciosa ate o excesso de acontecimentos que se desvaneceram sem deixarem vestigios historicos, ludo isso, recebido em uma obra historica, ha de prejudicar o interesse da narragao e confundir o juizo claro do leitor sobre o essencial da relagao. 0 que avultara repelir-se o que cada governador fez ou deixou de fazer na sua provincia, ou relacionar factos de nenhuma importancia historica que se referem a administragao de cidades, mumcipios ou bispados, etc.; ou uma escrupulosa acumulagao de citagoes e autos que nada provam, e cuja autenticidade historica e por vezes duvidosa? — Tudo isso devera, segundo a minha opiniao, ficar excluido.2 Em suma, nao consideramos como temas adequados para teses de mestrados (em cursos que se possam enquadrar no campo das ciencias sociais) os trabalhos de polimento de textos didaticos, os exercicios escolares de revisao bibliografica, ou outras empreitadas, que deixem o curso pela metade. Tememos o excesso de ambigao daqueles que se metem em aventuras de formulagao teorica ou metodologica. E finalmente, julgamos que esta na confluencia da teoria com a realidade o foco mais fertil para os trabalhos de tese de mestrado. ^ "Como se deve escrever a histdria do Brasil", Carlos Frederico Pr. de Martius, Reviste do Institute Hist6rico, Janeiro de 1S45.
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O Evento Traumdtico da Escolha do Tema Sem djvida, a escolha do tema da tese e uma questao crucial. Uma escolha infeliz pode tornar a tese praticamente inviavel, insalvavel ou esteril como contribuicao em uma area onde muito pouca exploragao sistematica tern sido feita, portanto, uma area onde e facil contribute com trabalhos significativos. Uma boa ideia nao basta, e as teses defendidas estao ai para melhor documentar esta assertiva. Mas, se nem isto temos para recompensar as dificuldades de sua execucao, a situagao nos deixa poucas experangas. As angustias e traumas observados nos estudantes, ao momento de escolherem seus temas, esta a altura da importancia da ocasiao. Mas nao vai ai dizer que as lamentagoes e a agressividade erratica entao geradas tenham qualquer funcionalidade na solucao deste problema. Tampouco e cabivel imputar culpa aos alunos pelos desacerfos e pela infelicidade de suas eseolhas. Tais erros podem em boa parte se imputar a orientacao academica e ao clima de opiniao que prevalece no ambiente universitario freqiientado. Ha uma regrinha convencional que e perfeitamente apropriuda como esquema mental para se discutir a escolha de urn tema de tese — ou de qualquer pesquisa. Como todas as regras desta area, sua validade se deriva do fato de que e escessivamente generica e nada afirma sobre o conteiido substantivo. £ meramente um roteiro que sistematiza as discussoes em torno do assunto. Uma tese deve ser original, importante e vidvel. Cada um desses criterios aponta em uma direcao. Nao ha qualquer dificuldade em encontrar temas que satisfagam a um ou dois deles. A dificuldade esta em satisfazer aos tres. E se, em algum grau, os tres nao forem satisfeitos a tese sera um rematado fracasso. fi conhecido nos meios ^icademicos universitarios o caso do professor cinico que apos a eloqiiente e pretensiosa conferencia de um colega jovem afirmou: "Tivemos hoje a satisfacao de ouvir muitas coisas importantes e muitas coisas novas. So lamento que as coisas novas nao sejam importantes e que as coisas importantes nao sejam novas". Um projeto de tese que buscasse descobrir o elixir da juventude seria importante e original porem de viabilidade duvidosa. Uma tese que buscasse medir a desergao do ensino primario estaria tratando de um tema importante e viavel nao trazendo contudo qualquer originalidade. Uma tese sobre a cor da roupa que os alunos trajam para ir fazer exame vestibular seria original e viavel, porem destituida de importancia.
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Vale a pena tentar caracterizar melhor o sentido das palavras, "importancia", "viabilidade" e "originalidade". Cabe enfatizar inicialmente a impossibilidade de defini-las de forma rigorosa. Paradoxalmente, alguns dos conceitos mais essenciais a nortear o procedimento cientifico se revelam vergonhosamente vagos. As definigoes precisas e operacionais freqiientemente nao sao possiveis naqueles conceitos que tern a ver com os procedimentos basicos da ciencia. As exigencias de validade objetiva e de definicSes operacionais se aplicam de forma rigida apenas as fases mais rasteiras do processo cientifico. Quando falamos de originalidade, por exemplo, no maximo podemos aspirar o que e conhecido como validacao intersubjetiva, isto e, embora o criterio seja objetivo, exige-se a coincidencia de pontos de vistas ou percepcoes da parte de diferentes observadores. Original entao e o que todo mundo acha que e original. Mas quern e esse "todo mundo?w. Se todo mundo for realmente um grupo casualmente reunido, alem da dificuldade de se obter consenso, este pouco siguificara. A validacao inter subjetiva requer pois a fonnagao, pelo menos hipotetica, de um grupo cuja apreciagao do tema deva receber maior credibilidade. Sao em geral os chamados "peritos" ou os patriarcas da materia; espera-se que sejam pessoas cuja competencia pessoal e euja experiencia profissional os tenha permitido conviver mais e refletir mais sobre o assunto, Abrandamos o subjetivismo, mas na verdade nao consegulmos superar o fato de que importante e o que as pessoas importantes julgam que e importante. 0 Merito portanto dessas regras nao e oferecer receitas para o que se deve fazer ou deixar de fazer mas sim servir como roteiro para organizar nossa busca de uma solugao. 1 — Importancia — dizemos que um tema e importante quando esta de alguma forma ligado a uma questao crucial que polariza ou afeta um segmento substaneial da sociedade. Um tema pode tambem ser importante se esta ligado a uma questao teorica que merece atengao contmuada na literatura especializada. A situagao mais delicada e dificil teria a ver com os temas novos que a ninguem preocupa, seja teorica ou praticamente, mas que contem o potencial de virem a interessar ou afetar muita gente. Foi realizada uma pesquisa que verificou que estudantes do sexo masculino tendem a carregar seus livros junto aos quadris, seguros por apenas uma das maos. Ja as mulheres levam-nos com ambas as maos, cingidos junto ao peito. Original e viavel essa pesquisa pode ser. Sua relevancia, contudo, esta por ser demonstrada. Nao nos parece um tema prioritario na pesquisa educacional brasileira.
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Em oposigao aos antropologos que buscam o exotico, estudantes de educagao se sentem irreraediaveLmente atraidos pelos estudos sobre sua propria profissao — querem saber como anda o seu proprio mercado de trabalho, em que consistem suas funpoes etc. Ao experimentarem um novo metodo pedagogico, por exemplo, querem saber o que os professores pensam dele. Ora, isso poderia vir a ser uma segunda ou terceira preocupagao, em termos de importancia. O que realmente cabe saber primeiro e se os alunos aprendem meIhor desta maneira. 2 — Originalidade — Um tema original e aquele cujos resultados tem o potencial para nos surpreender. O fato de nao baver sido feito nao confere necessariamente originalidade a um tema. Em muitos estados brasileiros e em muitas ocasioes foi medido o status socio-economico dos universitarios. A mensuragao deste conceito em um estado que estivesse faltando nao ofereceria muita originalidade: sabemos que os resultados nao nos vao surpreender. Por outro lado, o status socio-economico dos alunos do supletivo ou dos cursos por correspondent, por que jamais foram medidos emprestam originalidade a um esforgo inicial de pesquisa nessa direcao. Espera-se que o supletivo seja um instrumento de mbbilidade ascensional, os de baixo indo para cima. Estarao os candidates realmente vindo de baixo? Quern faz um curso por correspondeencia? Sera esse um instrumento de formagao profissional? ou uma maneira conveniente para jovens de classe media adquirirem hobbies? Em geral, quanto mais testada uma teoria, menos os novos testes nos surpreenderao e menor a probabilidade de que nos digam alguma coisa de novo. 3 — Viabilidade — dentre os tres, este e seguramente o conceito mais tangivel. Dados os prazos, os recursos financeiros, a competencia do futuro autor, a disponibilidade potencial de informaeoes, o estado da teorizagao a respeito, da para fazer a pesquisa? O prazo pode ser insuficiente, o mesmo se dando com os recursos. Ao pesquisador pode faltar o preparo especifico naquele campo. Pode nao haver uma sistematizagao previa do conhecimento na area ou a teoria apresentar insolvencia metodologica. Finalmente, os dados necessarios podem inexistir, ou mesmo, a sua coleta ser impossfvel. 0 veredicto de inviabilidade e mais facil ser atingido com confianga, em contraste com criterios de importancia e originalidade. Em uma ocasiao recebi uma proposta de tese na area de nutricao, onde previa-se um estudo experimental com mensuragoes no inicio e no fim de um processo de intervengao no funcionamento de unidades fainiliares. Tratava-se de uma pesquisa com pre-esco-
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lares, visando a alterar habitos de alimentagao. Tal como estava desenbado, o estudo requeriria pelo menos 4 ou 5 anos, se eslivesse em maos de pesquisadores experimentados e com todos os recursos disponiveis. Para torna-lo viavel houve que transforma-lo em um estudo transversal, sem componentes experimentais ou semiexperimentais ou, qualquer tipo de intervencao. 0 resultado final, embora muito mais modesto do que a proposta inicial, revelou-se uma tese de mestrado particularmente interessante. A analise ocupacional tem se revelado particularmente falida no caso das ocupacoes mais complexes, que convencionalmente requerem escolaridade superior. De fato, o fracasso do metodo das provisoes de mao-de-obra (manpower requeriments approach) em boa parte pode ser atribuido a insolvencia da analise ocupacional. E dentre as oeupagoes de nivel superior, nao ha mais refratarias a esta analise do que aquelas que envolvem uma forte dose de administracao. Mas, como amainar o fervor de um aluno que se propoe a analise ocupacional de um diretor de escola? Como convence-lo que taJ pesquisa so produzira banalidades? Um problema traicoeiro tambem de viabilidade esta em teorias que aparentemente sao simples e bem arrematadas mas que na realidade escondem enormes dificuldades. 0 Ministerio da Educagao alegremente convida a todos para sondagens de mercado para ocupagoes profissionalizantes do 2.° grau. Caveat entptor, somente os mais sofisticados em economia da educacao poderao perceber que estas sondagens sao inacreditavelmente dificeis. Os problemas teoricos e raetodologicos para sua realizagao ainda nao foram resolvidos. Didrio de um Orientador Nesta secao passamos em revista um conjunto de situag5es que freqiientemente se apresentam no processo cotidiano de orientacao de teses. a)
A Ambigao Excessiva: Os Tratados
Definitivofi
Quase todos os autores de teses passam por uma fase onde se imputam a missao de produzir o tratado definitivo sobre o assunto. E como se a historia da ciencia fosse passar a ser dividida nos periodos "antes da minha tese" e "depois da minha tese". 0 otinusmo e a ambigao sao saudaveis ate o inomento em que impedem um grau de atengao suficiente a cada um dos pontos a serem cobertos.
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A PERSPECTIVA EXTERNA AO PROCESSO DE PESQUISA
MEMORIAS DE UM ORIENTADOR DE TESE
A perspectiva de uma contribuicao significativa e contingente a concentragao de esforcos em certos topicos, ate que seja ppssivel deles tirar alguma coisa que nao havia sido encontrada antes. Achar que com pouca experiencia e com pouco esforgo sera pbssivel descobrir coisa nova onde os outros nao descobriram e impuril, pretensioso e subestima o esforgo daqueles que anteriormente examinaram o tema. As pretensoes de um trabalho eientifico tern que ser dosadas de acordo com as possibilidades do autor nas circunstancias dadas. Isto nao quer dizer que o trabalho tenha que ser concebido ja do tamanho certo e justo. No planejamento de uma pesquisa ha um periodo inicial de expansao, seguido por um outro de contengao ou corte; em termos da nomenclatura usada em estudos de criatividade, ha um periodo divergente, seguido por um outro convergente. Ha um periodo em que todas as ideias sao acolhidas, todas as ramificac.oes sao interessantes e benvindas e onde a auto-censura e limitagoes de tamanho sao peias impertinentes. Neste periodo, o enciclopedismo e benvindo. Ha entretanto um momento — que nao pode tardar muito — onde a pesquisa tem que adquirir foco, livrar-se dos desvios e ramificagSes menos importantes, chegando finalmente ao seu tamanho viavel. Sentimentalismo com relagao ao que e jogado fora significa um duro sacrificio no tratamento daquilo que fica. Essa e a hora de transformar um ex-futuro tratado definitivo em uma contribuigao modesta. Ao mesmo tempo, significa trocar um sonho utopico por uma possibilidade tangivel. Pesquisa nao se faz com sonhos e pretensoes mas pela adigao de contributes pequenas mas solidas e irreversiveis.
Uma teae deve revelar o dominio dos conceitos utilizados e um certo conhecimento da literatura tecnica. 0 assunto nao deve estar solto no espaeo, mas colocado no seu contexto. Todavia, o dominio dos conceitos se revela no seu uso ao longo da analise e nao na infindavel seqiiencia de definigoes de diferentes autores. Quanto ao conhecimento da literatura, espera-se competencia e nao erudigao. Sao aqui particularmente culpados os orientadores que tendem a valorizar nas teses o tecido adiposo de citagoes e a exumagao historica de autores que escreveram no passado sobre o assunto. Como regra geral, devemos entender que todos esses prolegomenos tem que se manter em uma posigao modesta, tanto no esforgo de elaboragao da tese quanto na voracidade de papel. Se pouco ha que dizer de substantivo, se ha poucos resultados a comentar, nao e apresentando alentadas revisoes da literatura, "historias da humanidade" ou capitulos metodologicos que se vai atenuar o problems. Uma tese grande e sem novidade e pior do que uma tese pequena e sem novidades. Uma historia da educagao no Brasil esta por ser escrita. Nao se pense por isso que esse possa ser um tema de tese. Quatrocentos anos de historia do Brasil diluem a criatividade do autor, a ponto de nSo sobrar nada substancial para a compreensao de qualquer local ou momento. Em contraste, uma tese sobre a educacao em Minas Gerais na decada de vinte seria um estudo bemvindo e viavel. 0 que foi dito sobre a historia da humanidade e tambem valido para os tratados de geografia e as descrigoes minuciosas sobre o processo de amostragem. Nada mais tentador do que preencher espagos com mapas e as variadas estatisticas contidas em um anuario. Igualmente, quando amostramos estamos interessados no universo. Nao cabe, portanto, descrever minuciosamente as unidades que compoem a amostra, a nao ser que isso possa definitivamente contribuir para uma melhor compreensao de certos resultados,
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b)
A Historia da Humanidade como Tema de Tese
0 excesso de ambicao na amplitude do objeto de estudo a ser tratado encontra paralelo na dimensao historica que principiantes tendem a dar aos seus temas. 0 que nao deveria passar de uma tentativa parcimoniosa de localizar o topico no espaco e no tempo, termina em uma empreitada de narrar a historia da humanidade. Qualquer que seja o assunto, podemos esperar citagoes de Aristoteles ou Platao, referencias sobre sua ocorrencia na Idade Media, talvez em Sao Tomas de Aquino e o que disseram os iluministas sobre o assunto, e por ai afora. Nos exemplos mais tristes, essa historiografia da humanidade ocupa praticamente todo o prazo que estaria destinado a tese e preenche um numero de laudas nas quais se pensaria que deveria estar o trabalho completo.
c)
Das Maneiras Naturais de se Dispor Mai do Tempo: Excesso de Dados e Escassez de Analise
A pratica da pesquisa indica que na maioria dos trabalhos existe uma seqiiencia aceitavelmente previsivel de etapas. Da mesma forma, a duragao de cada uma dessas fases, embora possa variar de pesquisa a pesquisa, segue uma distribuigao que nada tem de caotica. E hem verdade que qualquer tentativa de fazer com que um modelo de pesquisa ou uma serie padronizada de procedi-
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A PERSPECTIVA EXTERNA AO PROCESSO DE PESQUISA
MEMORIAS DE UM ORIENTADOR DE TESE
mentos se imponha sobre as necessidades sentidas ao longo do trabalho e indevida, injustificavel e correspondente a uma compreensao errada do papel ou das fracoes dessas regras. Contudo, ha algumas generalizacoes cabiveis. Toda pesquisa tern uma fase inicial onde se definem seus objetivos, se examina a literature pertinente e, enfim, se planeja o trabalho. Essa fase normalmente culmina com aquilo que chamamos termos de referenda ou projeto de pesquisa, mas este documento deve ser entendido como um subproduto do processo de planejamento e da pesquisa e nao como objetivo em si. Segue-se entao uma fase de coleta de dados, sejam eles de primeira ou de segunda mao. A proxima fase e o processamento dos dados, envolvendo ou nao computagao eletronica, de acordo com o tipo de pesquisa. Vem entao a sua analise e interprets p. ao. Finalmente, vem a redagao do trabalho, chamando-se a atengao para o fato de que parte dela pode preceder o final da analise. Finahnente, ha um periodo de revisao que envolve a circulagao do trabalho entre leitores, orientadores, criticos, amigos, etc. As revisoes de estilo e diivida quanto a clareza tern que ser atendidas e a apresentagao fisica do trabalho cuidada. Podemos pensar em uma seqiiencia correta de duracao de cada uma das fases, tal como ilustrado abaixo.
livro a mais para ser lido, mais um artigo que aparece de ultima hora, etc.3 A redagao do projeto e tambem traumatica. 0 aluno entende que ai se devera resolver uma serie de problemas qut na realidade constituem o objetivo da pesquisa e que nao poderiam ser atendidos antes. A coleta de dados e prejudicada por dois tipos de problemas. Freqiientemente, ha um erro no desenho amostral, no sentido de que e planejada uma amostra excessivamente grande. Esta amostra e grande tanto no que se refere a significancia dos parametros e a sua representatividade quanto no tempo necessario para obte-la. Amostras ineficientes ou simplesmente grandes demais caracterizam a vasta maioria dos projetos de tese. Em segundo lugar, o autor nao e eapaz de se antecipar a infinidade de pequenos problemas administrativos e logisticos que ocorrem no curso da coleta. Todo otimismo com relagao a autorizacoes para entrar em escolas, fabricas., ou reparticoes e totalmente infundado. Facihtnente leva-se 6 meses para tramitar uma permissao de entrevistar alunos de uma escola ou duas. No caso do uso de dados secundarios, aquilo que se pen^ sava existir, muitas vezes nunca chegou a ser coletado. Entrevistadores de campo exibem uma assustadora taxa de desergao e tern que ser substituidos ao meio do caminho. Frequentemente, o tempo previsto para a eoleta de dados amplia-se enormemente. 0 pesquisador termina entao tendo consumido uma fragao muito grande do seu tempo para coletar muito mais dados do que na realidade necessita. 0 processamento de dados, quando e feito em computador oferece imensas perplexidades. 0 pesquisador nao conhece o que pode fazer o computador e tampouco sabe dialogar com o programador. Assustado com um curso de "Fortran'*, iniciado ha muito tempo, ele ve no programador uma tabua de salvagao e a ele entrega todo o seu programa, todo seu trabalho, na ilusao de que em poucos dias recebera os resultados. Desaparecem os programadores, nao funcionam os programas preparados e o tempo passa. Fracassaram os pesquisadores por nao entenderem que o processamento eletronico nao e umjapendice estranho ao seu trabalho, mas sim uma parte integrante. Quern deve conhecer toda a estatistica envolvida e o pesquisador; o programador nao e professor de estatistica dis-
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Seqiiencia correta defmicao
coleta de dados
processamento
analise
redacgo
revisao
Ha contudo uma outra seqiiencia que poderiamos chamar "natural" e que corresponde a manifestagao de duas grandes forgas naturais: o alongamento das fases iniciais e o encurtamento das finals, este ultimo produzido pela inelasticidade dos prazos. Abaixo esta ilustrada a seqiiencia "natural". Seqiiencia "natural" definicao
coleta de dados
processamento
A fase de planejamento encontra seus obstaculos naturais na producao do malfadado "projeto de pesquisa" e na procrastinacao do infcio da pesquisa, gerada pelos dramas existenciais. Nessa fase, a pesquisa ainda nao comegou; seu autor nao sabe como iniciar e tern medo de faze-lo. Dai sua tendencia escapista. Continuar revendo a literatura e uma desculpa perfeita, havendo sempre um
3 Devemos nos lembrar de que Darwin, ap6s ter todo o material de que necessita para demonstrar suas ideias, decidiu corapletar mais ainda sua evidencia, atraves de uma pesquisa sobre moluscos que consumiu_cerca de dez anos. Somente depois desse estudo redigiu o ensaio onde expSe sua teoria evolucionista. Esse escapismo parece ter sido determinado por causas emocionais e diividas religiosas.
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MEM6RIAS DE UM ORIENTADOR DE TESE
A PERSPECTIVA EXTERNA AO PROCESSO DE PESQUISA
forgado. Quern esta interessado em usar um package estatistico e o pesquisador, que tern, pressa, e nao o programador, que esta interessado em fazer o seu proprio programa com o gasto de tempo muito maior. Vem entao finalmente a £ase de analise, ja exprimida e sacrificada no cronograma, uma vez que os prazos finais se aproximam. Acossado pelas advertencias sobre prazos dos chefes de departamento, iludido pela pouca familiaridade com o que seja uma analise, o pesquisador se limita as interpretagSes mais imediatas das primeiras tabelas em que poe a mao. Ha dados demais e nao ha tempo para manipula-los. Ha muitas variaveis e o tempo mal da senao para examinar as distribuicoes de frequencia de cada uma. 0 que passa entao por analise nada mais e do que a limpeza analitica dos dados, sua depuracao e arrumacao em categorias basicas. A relagao entre paginas de textos e paginas de tabelas nos da uma ideia da habilidade do pesquisador para extrair coisas interessantes e importantes dos dados. O autor se esquece de que nao sao os numeros que dao sentido a interpretagao, mas sim a interpretacao que da sentido aos numeros. Ainda mais premido pelos prazos, vem o momento de redigir e concluir o trabalho. A revisao da literatura foi feita e refeita ao inicio, ja estando a estas alturas imaculadamente polida, o mesmo se dando com a descricao da amostragem e a metodologia. Mas a Canalise, coitadinha, atro£iou-se, perdeu a imaginacao; das expectativas grandiosas do comego nao resta quase nada. A redagao nao deve ser entendida como um processo de congelamento grafico daquilo que parecia haver sido descoberto na analise. £ muito mais. No processo de passar para o papel de forma articulada e rigorosa, as ideias crescem, amadurecem, lancam raizes. O que tinhamos na cabec.a antes de escrever e uma palida imagem, uma sombra mortic.a daquilo que finalmeute sai no papel. Mas isto nao e um processo que acontece instantaneamente. E sobretudo, se nao ha ideias para se passar ao papel, nao ha o que crescer. 0 processo de revisao oferece um, grande potencial de enriquecimento. Assim, eomo massa de bolo, o trabalho tern que "descansar". Nesse periodo, ele deve visitar outros pesquisadores amigos e, quern sabe, inimigos. 0 esforgo artesanal de preparagao e certos mecanismos psicologicos nos tornam excessivamente aliados do nosso trabalho. E precise um pouco de tempo para perder parte do amor por ele, para ve-lo com mais perspectiva e mais espirito critico. E e quando adquirimos esta perspectiva que o trabalho pode ser melhor articulado e melhor defendido.
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0 que vemos entao nas formas espontaneas de se dispor do tempo e uma compressao progressiva de cada fase subsequente da pesquisa. Infelizmente, cada uma dessas partes corresponde a uma etapa mais e mais nobre, mais e mais criativa e, com um potencial cada vez maior de valorizar o trabalho. Com excegao da escolha do tema e do desenvolvimento de uma estrategia geral, as primeiras fases de um trabalho sao puramente mecanicas, nao contendo um grande potencial de afetar a natureza da contribuigao que se pretende do trabalho —• exceto no sentido de que algum erro grave cometido a principio pode por a perder todo o esforco. Com grande geneneralizagao, diriamos que ha uma incontivel tendencia para que as teses tenham dados demais e analise de menos. d)
As Ofensas a Lingua Pdtria: Prova de Redagdo para o Mestrado?
A experiencia de fazer um mestrado talvez tenha como grande ganho pessoal um imenso aumento na capacidade para se fazer entender por escrito na lingua patria. Possivelmente, os ganhos de conhecimento na area substantiva da tese ou a contribuicao para a humanidade daquele conhecunento nao se comparem as melhorias na capacidade de expressao escrita. De um aluno que praticamente nada escreveu ate entao — quern sabe uma carta para a mamae, um telegrama, ou um suado trabalhinho de estagio — pede-se que produza uma obra que tenha inclusive o potencial de publicacao em forma de livro. Se o grande ganhador nesse processo e o aluno, nao ha duvida que o grande perdedor e o orientador de tese. Nao raro, cerca de 50% do tempo de orientacao sao consumidos em questoes de estilo, clareza ou forma. As ideias nao sao transmitidas por intuigao, mas sim atraves da palavra escrita. Se nas orac5es falta o sujeito, predicado ou outras partes, e necessario indagar do aluno quais sejam. 0 conteudo vem atraves da forma — se esta e ininteligivel, obscura, ambigua ou desconchavada, deixa de ser apropriadamente transmitido o conteudo. Dizer que esta mal a forma raramente adianta, pois voltara igualmente insatisfatoria na proxima versao, obrigando o orientador a ler duas vezes a mesma porcaria. A contragosto e praguejando, o orientador torna-se entao um reviser de estilo e de gramatica, perdido em meio a questoes de forma: "se e isso que voce queria dizer, por que nao o disse em vez de escrever o que ai esta?". As vexes nao sobra tempo nem paciencia para as questoes de conteudo.
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A PERSPECTIVA EXTERNA AO PROCESSO DE PESQUISA
MEMORIAS DE UM ORIENTADOR DE TESE
Seguramente, o aspecto mais cansativo e desalentador de orientar uma tese resulta da incapacidade e inexperiencia do aluno em questoes de redacao. E surpreendente a diferenga na qualidade da redagao entre o primeiro e o ultimo capitulo. Ultimamente, como solugao de desespero, adotel como criterio para aceitar orientandos: uma prova de redagao. Para tornar mais incruenta a confrontacao, esta passa um pouco disfargada como pedido de uma discussao inicial sobre o tema.
da tese pode desencadear crises maiores com origem em outras areas. Ate desquites nao sao incomuns, De qualquer forma, o desafio e as dificuldades da tese podem criar inseguranca e grandes temores. Por motives que psicologos amadores facilmente identificacariam, as crises metodologicas e os dramas existenciais sao acompanhados por ferozes invectivas contra a universidade e a chefia dos departamentos a que pertencem os zangados alunos. Quando vacilam as teses ou claudica o ritmo de trabalho, isso se deve a algo profundamente sinistro, sendo tramado, ou a desmandos caoticos da coordenagao do departamento. Um pouco independentemente de suas qualificacoes na area, ve-se o orientador forcado a consolar, encorajar ou aplicar varios modelos de sermao, improvisados de acordo com o momento. Algumas predicas para nao desanimar os que ja estao chegando ao fim; varias versoes para a necessidade de aprender a escrever; alguns serm5es pregando a fe em que algum dia alguma coisa vai sair do computador; ha outros indicando que um "chi" quadrado, um "T" ou um "F" nao significativos nao indicam nem o fim do mundo nem o fracasso da pesquisa. A primeira versao do capitulo de conclusoes requer um sermao especial para acompanhar os comentarios do orientador, indicando que ali esta longe de haver qualquer conclusao e que nao passa da repetigao mecanica de meia diizia de coisas que ja se encontravam antes. Recentemente incendiou-se, ficando totalmente carbonizada, a unica versao final da tese de urn orientando meu. Devo confessar a minha incapacidade para produzir a alocugao que a gravidade do momento sugeria.
e)
'Do Discurso de Vereador ao Discurso Cientifico
Apesar de que sao capazes de colocar sujeitos e predicados e evitar frases de pe quebrado, alguns sofrem de incontiveis tendencias para a adjetivagao rica, o circunloquio, a hiberpole, e praticamente todos os recursos estilisticos. Quando finalmente se entende a figura de estilo, ja se esqueceu a ideia. Ha sempre uma maneira mais simples, mais direta de se dizer algunia coisa, e esta e sempre evitada. Se ha uma palavra mais vaga, mais grandiloqiiente e com maior variedade de significados, por que nao usa-la? Alguns so conseguem escrever claro quando levados a exaustao, premidos por prazos improrrogaveis e totalmente desiludidos da sua capacidade de manipular a lingua. E entao que voltam apologeticamente com um trabalho que relutam em entregar e se envergonham de have-lo escrito. Ficam imensamente surpreendidos ao saberem que pela primeira vez escreveram claro e hem. Trata-se ai de um trabalho de catequese e doutrinagao para o orientador, que finalmente descobre que o.aluno sabe escrever mas que se envergonha de qualquer maneira dire'ta de transmitir uma ideia. O problema se complica muito quando o pesquisador, alem de nao saber escrever, nao admite a possibilidade de faze-lo em forma simples. Se forcado a escrever rapidamente para evitar as metaforas e outras figuras, ninguem sabe o que esta querendo dizer. Se Ihe damos tempo, a compreensao da ideia passa a ser agora obstruida pela ornamentacao. f)
O Orientador como Guia Espiritual e Consultor Sentimental
Alem de professor de portugues, professor de estatistica e bibliotecario, o orientador tern outros tantos papeis no dominio afetivo. Preparar uma tese e uma experiencia emocionalmente tensa para a maioria dos alunos. Alem das crises normals geradas na conducao da pesquisa, a mobilizacao psicologica para a preparagao
g)
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Dos Direitos e Deveres do Orientador
O orientador e um ser humano, com uma dose dada de paciencia e tern portanto o direito de esbravejar diretamente com o orientando, no estilo que mais Ibe agrada ou alivia. Nao cabe a sua mulher, mas sim ao proprio orientando a ingrata funcao de receber todas as tempestades ptovocadas pela sua inepcia. O orientador deve permitir e estimular divergencias de opiniao entre o orientando e ele proprio. Sua fungao nao e de catequizar ou doutrinar, mas sim de levar sua critica ao extreme logico daquilo que pode ser demonstrado factualmente ou teoricamente. O que pode ser demonstrado como errado esta, ipso facto, errado e cai fora. Se a logica fracassa, pela mesma razao entra na censura. Todavia, se ha uma divergencia de opiniao ou de juizo de valor, a
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A PEESPECTIVA EXTERNA AO PROCESSO DE PESQUISA
atuacao do orientador sera apenas no sentido de levar o autor a fazer conspfcua a natureza subjetiva ou valorativa da questao. Por persuasao ou por indole, orientadores variam em seus estilos de trabalho. Uns sao pacientes, outros afoitos; uns sao benevolentes, outros zangados. Alguus vetam sucessivamente ate que os alunos consigam chegar finahnente por conta propria a solugao correta. Outros quase chegam a fazer o trabalho do aluno. Naturalmente, alguns tern mais tempo ou mais disposigao para gasta-lo com seus alunos. E importante que o aluno conhega antecipadamente as regras do jogo e as idiossincrasias do seu orientador.
Nota sofore os Autores (1) Edson de Oliveira Nunes — Formou-se em. Direito e Ciencias Sociais pela Universidade Federal Fluminense, em 1971, e obteve o titulo de Mestre em Ciencia Politica pelo Instituto Universitario de Pesquisas do Rio de Janeiro. Foi professor de Sociologia da Universidade Gama Filho e e professor, atualmente licenciado, das Faculdades Candido Mendes. Trabalhou em projetos de pesquisa e exerceu atividades de consultoria tecnica para varies programas de intervengao social. Desde 1972 e pesquisador do Instituto Universitario de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), onde atualmente exerce o cargo de Coordenador Geral de Projetos e dirige estudos sobre recrutamento e socializagao de elites politicas e sobre a violencia coletiva no Brasil. (2) Gilfaerto Velbo — Bacharel em Ciencias Sociais pelo IFCS da TJFRJ, em 1968, e mestre em Antropologia pelo Museu Nacional, tendo realizado curso de pos-graduagao em Antropologia Urbana na Universidade do Texas e se doutorado pelo Departamento de Ciencias Sociais da USP em 1975. Publicou A Utopia Urbana (Zahar Editores, 1973), e foi organizador da coletanea Desvio e Divergencia, Uma Critica a Patologia Social (Zahar Editores, 1973); tambem organizou o volume Sociologia da Arte, da colecao Textos Basicos em Ciencias Sociais, de Zahar Editores. Atualmente, Gilberto Velho e Professor do Programa de Pos-Graduagao em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ e Diretor da Colecao de Antropologia Social de Zahar Editores. Publicou varies artigos em livros e revistas nacionais e estrangeiros. Foi Professor Visitante no Departamento de Sociologia da Northwestern University, Evanston, Illinois, em 1976. (3) Roberto Da Malta — £ bacharel e licenciado em Historia pela Faculdade Fluminense de Filosofia da UFF, em 1959; Mestre de Ph. D em Antropologia Social pela Universidade Har-
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vard. Ex-coordenador do Programa de Pos-Graduacao em Antropologia Social do Museu Nacional, onde hoje e professor, Roberto Da Matta e autor de varies artigos de sua especialidade, publicados no Brasil e no exterior e dos livros Indies e Castanheiras (A Empresa Extrativa e os fndios no Media Tocantins), em colaboracao com Roque Laraia, Difusao Europeia do Livro, 1967; Ensaios de Antropologia Estrutural, Vozes, 1973; Urn Mundo Dividido: A estrutura Social dos fndios Apinaye, Vozes, 1976. (4) Tania Salem — Formou-se em Sociologia e Ciencia Politica pela PUC-Rio, em 1970, e obteve o Mestrado em Sociologia pelo IUPERJ. Foi Professora do Departamento de Sociologia da PUC-Rio, das Faculdades Candido Mendes e do Centro Unificado Profissional. Atualmente e pesquisadora do Instituto Universitario de Pesquisas do Rio de Janeiro. (5) Simon Schwartzman — Formou-se em Sociologia e Ciencia Politica pela Universidade Federal de Minas Gerais, em 1961. Diplomado pela Faculdade Latino-Americana de Ciencias Socials em 1963 (pos-graduacao em Sociologia) e pela Universidade da California, Berkeley, em 1973 (Ph. D, Ciencias Poltticas), e professor adjunto do Instituto Universitario de Pesquisas do Rio de Janeiro desde 1969. E professor e pesquisador da Fundacao Getulio Vargas tambem desde 1969, tendo sido chefe de centro, chefe de departamento e coordenador de pos-graduaeao da Escola Brasileira de Administracao Publica. Publicou Sao Paulo e o Estado Nacional (DIFEL, 1975). Coordenou, entre outras, a pesquisa da UNITAR/ ONU sobre brain drain no Brasil, e a pesquisa sobre a Historia Social da Ciencia no Brasil (FINEP, 1976-8). Foi professor contratado de Metodos de Pesquisa da Universidade Nacional de La Plata, Argentina, e pesquisador do International Peace Research Institute, em Oslo. E autor de iniimeros artigos publicados no Brasil e no exterior. (6) Amaury de Souza — , Formou-se em Sociologia e Politica pela Universidade Federal de Minas Gerais, em 1965, tendo obtido o grau de Doutor em Ciencia Politica pelo Massachusetts Institute of Technology, fi professor e pesquisador do Instituto Universitario de Pesquisas do Rio de Janeiro desde 1970. Atualmente nos Estados Unidos, Amaury de Souza e tambem pesquisador do Institute for Social Research, da Universidade de Michigan. Publicou variqs artigos em revistas nacionais e internacionais e foi o organizador da coletanea Sociologia Politica, Textos Basicos de Ciencias Socials, Zahar Editores, 1966. (7) Neuma Aguiar — Fonnada em Historia pela PUC-Rio, em 1960, obteve o mestrado em Sociologia e Antropologia na Uni-
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NOTA SOBRE os AUTORES
A AVENTURA SOCIOL6GICA
versidade de Boston e o Ph. D em Sociologia pela Washington University, em St. Louis, com a tese sobre A Mobilizagao e Burocratizagdo da Classe Operdria no Brasil de 1930 a 1964. Lecionou em cursos de graduagao na Universidade Federal Fluminense e na Pontificia Universidade Catolica do Rio de Janeiro. Lecionou tambem no Programa de Pos-Graduagao em Antropologia Social do Museu Nacional-UFRJ. Foi coordenadora do Mestrado em Sociologia do Instituto Universitario de Pesquisas do Rio de Janeiro, onde atualmente e professora-adjunta. E autora de varios artigos aparecidos em revistas nacionais e estrangeiras, organizadora do volume Hierarquzas em Classes, da colecao de Textos Basicos em Ciencias Socials de Zahar Editores (1974), e da coletanea The Structure of, Brazilian Development, Rutgers, Nova Jersey: Transaction Books, no prelo, a ser publicado em 1978. (8) Edmundo Campos Coelho formou-se em Sociologia pela Faculdade de Ciencias Economicas da UFMG, em 1962, tendo feito o Mestrado pela Universidade da California, Los Angeles. Atualmente prepara sua dissertacao de doutoramento pela UCLA. E professor adjunto do Instituto Universitario de Pesquisas do Rio de Janeiro. Organizou uma coletanea de artigos sob o titulo de Sociologia da Burocracia (Rio: Zahar Editores, 1976) e e autor de Em Busca de Identidade: O Exercito e a Politica na Sociedade Brasileira (Rio: Forense Universitaria, 1976), (9) Alexandra de Souza Costa Barros — Formado pela Escola de Sociologia e Politica da PUC-Rio, em 1966, e Mestre e Doutor pela Universidade de Chicago, tendo defendido recentemente sua tese de doutoramento: The Brazilian Military's Professional Socialization, Political Performance and State Building. Foi professor adjunto da Escola Brasileira de Administragao Publica da FGV e professor conferencista do Instituto Universitario de Pesquisas do Rio de Janeiro. E autor de artigos publicados tanto em revistas especializadas nacionais e estrangeiras, quanto em jornais brasileiros; no presente, e colaborador do Jornal da Tarde e, desde 1974, membro do Comite Editorial da Revista Armed Forces & Society, de Chicago. Atualmente no exterior, Alexandre Barros e pesquisador Associado do Departamento de Ciencia Politica de Chicago, onde conduz estudo sobre As Mudangas Recentes e a Probabilidade de Guerra na America do Sul. (10) Fernando Uricoechea fez estudos de Sociologia na Aniversidade Nacional da Colombia (Bogota), graduando-se em 1967. Estudou na London School of Economics and Political Science (Londres) e doutorou-se pela Universidade da California (Berkeley). Foi professor de Sociologia na Universidade Nacional da D
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A AVENTURA SOCIOL6GICA
Colombia e na Universidade da California (Berkeley) e e atualmente Professor Adjunto do Institute Universitario de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). ]£ autor de Modernization y desarrollo en Colombia (Bogota: 1968), Intelectuales y desarrollo en America Latina (Buenos Aires: 1969) e 0 Minotauro Imperial: A Burocratizagao do Estado Patrimonial no Seculo XIX (Sao Paulo: no prelo), obra esta que apresentara em ingles com o titulo The Patrimonial Foundations of the Brazilian Bureaucratic State (Berkeley). (11) Helgio Trindade — Bacharel em Ciencias Juridicas e Sociais pela PUC-RS, em 1964, e diplomado pelo Institut d'Etudes Politiques de Paris e Doutor em Ciencia Politica pela Universidade de Paris I (Pantheon-Sorbonne). Atualmente e professor de Ciencia Politica no Departamento de Ciencias Sociais da UFRGS e PUC-RS, Vice-Diretor do Institute de Estudos Sociais, Politicos e Economicos da PUC-RS e Coordenador do Mestrado em Sociologia e Cieneia Politica da UFRGS. £ autor do livro Integralismo: O Facismo Brasileiro da Decada de 30, Sao Paulo, Difel, 1974, do trabalho Padroes e Tendencias do Comportamento Electoral no Rio Grande Sul, publicado na coletanea Os Partidos e as Eleigoes no Brasil, organizada por Bolivar Lamounier e Fernando Henrique Cardoso, Editora Paz e Terra, 1975; co-autor do Perfil Socio-Econdmico das populagoes de baixa renda no Rio Grande do Sul,. 2 vols., Porto Alegre, IE3PE, 1975. (12) Aspasia Alcantara de Camargo, Bacbarel e Licenciada pela Faculdade Nacional de Filosofia da UFRJ em 1964, obteve o Diplome d'Etudes Approfondies en Sciences Sociales (DEASS) da Ecole Pratique des Hautes Etudes da Universidade de Paris e o Doctoral du Troisieme Cycle pela mesma Universidade, com a tese Bresil Nord-Est: Mouvements Paysans et Crise Populiste. Foi professora do Departamento de Sociologia da PUC-Rio e ProfessorAssistente no Institut d'Etudes pour le Developpement Economique et Social (IEDES) da Universidade de Paris, Professor-Confereucista no Mestrado de Antropologia Social do Museu NacionalUFRk, sendo hoje Professor-Conferencista do programa de pos-graduagao do Instituto Universitario de Pesquisas do Rio de Janeiro. Atualmente, e tambem Diretora de Pesquisas do Centre de Pesquisa e Documentacao de Historia Contemporanea do Brasil, da Fundagao Getiilio Vargas, onde coordena o projeto de Historia Oral. (13) Claudio Moura Castro — Graduou-se pela Faculdade de Ciencias Economicas da Universidade Federal de Minas Gerais, em 1962; fez pos-graduacao no Centro de Aperfeicoamento de Economistas, da Fundagao Getiilio Vargas. Obteve o Mestrado na Universidade de Yale, frequentou curso de Pos-Graduacao na Univer-
NOTA SOBRE OS AUTORES
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sidade da California em Barkeley e na Universidade Harvard, tendo obtido o grau de Ph. D pela Universidade Vanderbilt. £ professor de Pos-Graduagao em Economia, EPGE, da Fundacao Getiilio Vargas, e Economista Senior do IPEA/INPES (esta licenciado nessas instituigoes). Foi professor visitante no Comparative Education Center da Universidade de Chicago. Atualmente e professor do Curso de Mestrado em Educagao da Fundagao Getiilio Vargas (IESAE) e Coordenador Tecnico do Projeto de Pesquisas em Educa§ao e Desenvolvimento Economico incorporado ao Programa ECIEL. E autor de varios artigos e monografias aparecidos em publicacoes especializadas, alem dos seguintes relatorios e livros: Investment in Education in Brazil; a Study of T~wo Industrial Comunities — Tese de Ph. D para o Departamento de Economia da Universidade Vanderbilt (1970), publicada em Portugues pelo IPEA (1974) sob o titulo Investimento em Educagdo no Brasil: Vm Estudo Socio-Economico em duas Comunidades Industrials; Eficiencia e Custos das Escolas de Nivel Media: Um Estudo Piloto na Guanabara, Relaterio de Pesquisa n.° 3, IPEA/INPES, 1971; Ensino Tecnico: Desempenho e Custos — em co-autoria com Milton Pereira de Assis e Sandra Furtado de Oliveira, Relatorio n.° 10 (Guanabara: IPEA, 1972); Desenvolvimento Economico, Educagao e Educabilidade, publicado pela Universidade do Estado da Guanabara e Editora Tempo Brasileiro, 1973, republicado em 1977 em co-edigao Tempo Brasileiro — FENAME; Estrutura e Apresentacao de Publicacoes Cientificas, Sao Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1976; Maode-Obra Industrial no Brasil: Pfodutividade, Treinamento e Mobilidade — em co-autoria com Alberto MeJlo e Souza, Relatorio n.° 25, Guanabara: IPEA; 1974; A Pdtria da Pesquisa, a ser publicado pela McGraw-Hill do Brasil em 1977; Custos e Determinantes da Educagao na America Latina: Resultados preliminares — em co-autoria com Jorge Sanguinetty, Rio: Programa ECIEL, 1977.
COMPOSTO E IMPRESSO POR TAVARES & TRISTAO — GRAFICA.E EDITORA DE UVROS LTD A.. A RUA 20 DE ABRIL, 28, SALA 1.108, RIO DE JANEIRO. R.J.. PARA ZAHAR EDITORfcS ~ :