Índice Capítulo 1 - UMA GRANDE SURPRESA Capítulo 2 - A PRIMA DESCONHECIDA Capítulo 3 - UMA HISTÓRIA INVULGAR E UMA NOVA...
188 downloads
2856 Views
956KB Size
Report
This content was uploaded by our users and we assume good faith they have the permission to share this book. If you own the copyright to this book and it is wrongfully on our website, we offer a simple DMCA procedure to remove your content from our site. Start by pressing the button below!
Report copyright / DMCA form
Índice Capítulo 1 - UMA GRANDE SURPRESA Capítulo 2 - A PRIMA DESCONHECIDA Capítulo 3 - UMA HISTÓRIA INVULGAR E UMA NOVA AMIGA Capítulo 4 - UMA TARDE EMOCIONANTE Capítulo 5 - VISITA À ILHA Capítulo 6 - DESCOBERTA DEPOIS DA TEMPESTADE Capítulo 7 - REGRESSO AO CASAL KIRRIN Capítulo 8 - EXPLORANDO O NAVIO Capítulo 9 - A CAIXA MISTERIOSA Capítulo 10 - UMA OFERTA INESPERADA Capítulo 11 - DE NOVO NA ILHA DE KIRRIN Capítulo 12 - DESCOBERTAS FANTÁSTICAS Capítulo 13 - NOS SUBTERRÂNEOS Capítulo 14 - PRISIONEIROS! Capítulo 15 - DAVID EM MISSÃO DE SOCORRO! Capítulo 16 - UM PLANO ARRISCADO Capítulo 17 - O FIM DA GRANDE AVENTURA
1 - UMA GRANDE SURPRESA
- Mãe, já sabe para onde vamos nas férias grandes? - Perguntou o Júlio, à mesa do pequeno-almoço. - Podemos ir para Polseath, como é costume? - Creio que não, - disse a mãe. - As casas já estão todas alugadas este ano. Os três jovens, sentados à mesa do pequeno-almoço, entreolharam-se com ar de grande desapontamento. Gostavam tanto da casa em Polseath! A praia era muito bonita e os banhos de mar eram excelentes. - Animem-se, - disse o pai. - Tenho a certeza de que encontraremos outro lugar bom para as vossas férias. De qualquer maneira, a mãe e eu não podemos ir com vocês este ano. A mãe não lhes disse? - Não! - exclamou a Ana. - Oh, mãe, é verdade? Não pode realmente vir connosco nas férias? Costuma vir sempre. - Bem, desta vez o pai quer que eu vá com ele à Escócia, - disse a mãe. - Só nós os dois! E como já estão bastante crescidos para cuidarem de vocês próprios, pensámos que achariam divertido passarem umas férias só os três. Agora, como não podem ir para Polseath, não sei para onde os hei-de mandar. - E que tal para casa do Alberto? - Sugeriu o pai, de repente. Alberto era seu irmão, o tio dos jovens. Eles só o tinham visto uma vez e haviam ficado um pouco atemorizados. Era um homem alto e com ar severo, um cientista muito inteligente, que passava grande parte do tempo a estudar. Vivia perto do mar, mas os jovens pouco mais sabiam acerca dele! - O Alberto? - Disse a mãe, surpreendida. - O que te levou a pensar nele? Acho que não gostará de ter as crianças a incomodá-lo lá em casa. - Bem, - disse o pai, - tive de me encontrar no outro dia com a mulher do Alberto, na cidade, para tratarmos de negócios e não me parece que a vida lhes corra muito bem. A Clara disse-me que ficaria muito satisfeita se soubesse de uma ou duas pessoas para viverem com eles durante uns tempos, pois assim receberiam mais algum dinheiro. A casa é à beira-mar, como sabes. Talvez seja um bom sítio para os nossos filhos. A Clara é muito simpática e cuidaria bem deles. - Sim... e também têm uma filha, não é? - Disse a mãe dos jovens. - Deixem-me ver ... como se chama ... já sei, Maria José! Que idade terá! Cerca de onze anos, parece-me. - É da minha idade - observou David. - Imaginem que temos uma prima que nunca vimos! Deve sentir-se muito sozinha. Eu tenho o Júlio e a Ana, mas a Maria José é filha única. Acho que vai gostar de nos conhecer. - A vossa tia Clara disse-me que a Maria José gostaria de companhia - acrescentou o pai. - Penso que o nosso problema ficaria resolvido se telefonássemos à Clara e combinássemos a ida dos miúdos para lá. Sem dúvida que seria uma ajuda para a Clara, e a Maria José teria alguém com quem brincar durante as férias. E saberíamos que os nossos filhos estariam em boas mãos. Os jovens começaram a sentir-se entusiasmados. Seria divertido ir para um sítio onde nunca tinham estado e passar as férias com uma prima que não conheciam. - Há penhascos, rochas e dunas? - Perguntou a Ana. - É um sítio bonito! - Não me lembro muito bem, - disse o pai. - Mas tenho a certeza de que é um sítio interessante. Vão gostar! Chama-se baía de Kirrin. A vossa tia Clara viveu lá toda a vida e não sairia dali por nada. - Oh, pai, telefone à tia Clara e pergunte-lhe se podemos ir! - Exclamou o David: Deve ser um lugar bom para as férias. Acho que vamos ter muitas aventuras. - Ah, dizes sempre isso, para onde quer que vás! - observou o pai, rindo. - Está bem. Vou telefonar agora, para saber se há possibilidade de irem. Já todos tinham acabado o pequeno-almoço. Levantaram-se e ficaram à espera de que o pai telefonasse. Este foi para a sala da entrada, e ouviram-no marcar o número.
- Quem me dera que fôssemos! - disse o Júlio. - Como será a Maria José? É um nome engraçado. Parece mais um nome de rapaz do que de rapariga. Então, ela tem onze anos ... um ano mais nova do que eu ... a mesma idade que tu, David ... e um ano mais velha do que tu, Ana. Com certeza que se dará bem connosco. E teremos os quatro umas férias divertidas. O pai voltou passados cerca de dez minutos. Os jovens perceberam logo que ficara tudo resolvido. Ele fez-lhes um grande sorriso e anunciou: - Muito bem, está tudo combinado. A vossa tia Clara ficou encantada com a ideia. Diz que será muito bom para a Maria José ter companhia, porque é uma rapariga muito solitária, que anda sempre sozinha fora de casa. E terá muito gosto em tomar conta de vocês. Só precisam de ter cuidado para não incomodar o tio Alberto. Tem muito trabalho e fica zangado quando o perturbam. - Andaremos calados como ratos lá em casa, - disse o David. - Prometemos que sim. Fantástico, fantástico ... quando vamos, pai? - Na próxima semana, se a mãe tiver tudo preparado, - respondeu o pai. A mãe acenou com a cabeça e disse: - Sim, pouco há que preparar. Só os fatos de banho, camisolas e calças de ganga. - Que bom usar outra vez calças de ganga, - disse a Ana, rodopiando de alegria. Estou farta do uniforme da escola. Quero também vestir calções, ou fato de banho, e ir com os rapazes tomar banho e trepar pelos montes. - Bem, não falta muito para que o faças - disse a mãe, soltando uma gargalhada. - Não se esqueçam de escolher os jogos e os livros que querem levar, está bem? Não muitos, por favor, porque não terão muito espaço. - A Ana quis levar as quinze bonecas dela no ano passado, - disse o Júlio. - Lembraste, Ana! Foste mesmo cómica. - Não, não fui, - respondeu a Ana, corando. - Gosto das minhas bonecas e não conseguia escolher qual delas levar. Por isso, pensei em levar todas. Isso não tem nada de cómico. - E lembram-se de que no ano anterior a Ana queria levar o cavalo de baloiço? insistiu o David, dando uma pequena gargalhada. A mãe interveio na conversa: - Sabes uma coisa! Lembro-me de um rapazinho chamado David que uma vez pôs de lado uma série de bonecos para levar para Polseath: um urso, três cães e dois gatos. Foi a vez de David corar. Mudou imediatamente de assunto. - Pai, vamos de comboio ou de carro? - perguntou. - De carro, - disse o pai. - Podemos levar tudo no porta-bagagens. Muito bem, que tal terça-feira! - Seria óptimo, - disse a mãe. - Podíamos levar os miúdos e voltar a tempo de fazer as nossas malas à vontade, para depois partirmos para a Escócia na sexta-feira. - Sim, fica combinado para terça-feira. Estava decidido. Os jovens esperavam ansiosamente, e a Ana ia riscando os dias no calendário. A semana parecia que demorava mais tempo a passar. Por fim, a terçafeira chegou. O David e o Júlio, que dormiam no mesmo quarto, acordaram quase ao mesmo tempo e olharam pela janela. - Está um dia fantástico! - exclamou o Júlio, saltando da cama. - Não sei porquê, mas acho que é muito importante que faça sol no primeiro dia de férias. Vamos acordar a Ana. A Ana dormia no quarto ao lado. O Júlio entrou a correr no quarto e abanou-a. - Acorda! É terça-feira! E está um dia de sol. A Ana levantou-se num salto, olhou muito contente para o Júlio e disse: - Chegou finalmente o dia! Pensei que nunca mais chegava. Oh, não é emocionante ir para férias? Partiram pouco depois do pequeno-almoço. O carro era grande, pelo que todos iam confortávelmente instalados. A mãe sentada à frente, ao lado do pai, e os três jovens no banco de trás, com os pés em cima de duas malas. No porta-bagagens,
seguiam os mais variados objectos, assim como outra mala. A mãe estava certa de que não se tinham esquecido de nada. Percorreram as movimentadas ruas de Londres, primeiro lentamente e, depois, mais depressa, à medida que deixavam a cidade para trás. Cedo chegaram à estrada em campo aberto, e o carro seguiu velozmente. Os jovens entoavam canções, como sempre faziam quando estavam contentes. - Vamos parar para almoçar? - perguntou a Ana, sentindo-se de repente cheia de fome. - Sim, - disse a mãe. - Mas ainda não. São só onze horas. Só almoçamos por volta do meio-dia e meia, Ana. - Oh, não! - exclamou a Ana. - De certeza que não consigo aguentar até essa hora! Então, a mãe deu-lhe uma tablete de chocolate, e a Ana e os irmãos saborearam-na com ar deliciado, olhando para os montes, bosques e campos pelos quais o carro passava com rapidez. O almoço foi esplêndido. Comeram ao ar livre, na encosta de um monte que dava para um vale cheio de sol. A Ana não gostou muito de uma grande vaca castanha que se aproximou e ficou ali a olhar para ela, mas a vaca foi-se embora quando o pai a enxotou. Os jovens comeram com todo o apetite, e a mãe disse que às quatro e meia teriam de ir a uma pastelaria, porque além dos sanduíches do almoço tinham comido também os do lanche! - A que horas chegaremos a casa da tia Clara? - Perguntou o Júlio, enquanto acabava de comer o último sanduíche, lamentando que não houvesse mais. - Com sorte, por volta das seis horas, - disse o pai. - Quem quer agora esticar um pouco as pernas? Ainda temos uma longa viagem à nossa frente. O automóvel parecia devorar quilómetros no seu percurso. Chegou a hora do lanche, e depois os três jovens começaram a sentir-se de novo entusiasmados. - O mar deve estar por perto - disse o David. - Já lhe sinto o cheiro! Tinha razão. De repente, o carro chegou ao cimo de um monte e ali estava o mar azul, que brilhava, sereno e liso, sob o sol da tarde. Os três jovens soltaram exclamações de prazer. - Ali está! - Não é maravilhoso? - Oh, apetecia-me ir já tomar banho! - Devem só faltar uns vinte minutos para chegarmos à baía de Kirrin, - disse o pai. Fizemos um bom tempo de viagem. Já verão a baía, que é bastante grande, com uma ilha muito curiosa em frente. Os jovens olhavam pela janela enquanto o carro seguia ao longo da costa. A certa altura, o Júlio exclamou: - Ali está! Aquela deve ser a baía de Kirrin! Olha, David! Não é linda, tão azul? - E olha para a ilhota cheia de rochas à entrada da baía, - disse o David: - Gostava de ir lá. - Claro que irás, - disse a mãe. - Agora, temos de procurar a casa da tia Clara. Chamase Casal Kirrin. Não demoraram a chegar lá. Situava-se num penhasco que dava para a baía e era uma casa muito antiga, bastante grande, construída em pedra branca. Roseiras trepavam pela fachada, e o jardim estava cheio de flores. - Eis o Casal Kirrin, - disse o pai, ao parar o carro. - Supõe-se que tem cerca de trezentos anos! Então, onde está o Alberto? Olá, Clara!
2 - A PRIMA DESCONHECIDA A tia dos jovens tinha estado à espera do carro. Saiu a correr pela velha porta de madeira quando o automóvel parou em frente de casa. Os jovens gostaram dela logo que a viram.
- Bem-vindos a Kirrin! - exclamou. - Olá a todos! Que bom vê-los. E como os miúdos estão crescidos! Trocaram beijos e depois entraram. Os jovens gostaram da casa. Era antiga e tinha um ar misterioso, com mobília também antiga e muito bonita. - Onde está a Maria José? - Perguntou a Ana, olhando em redor à procura da prima que não conhecia. - Oh, que rapariga desobediente! Disse-lhe para esperar por vocês no jardim, explicou a tia, - mas parece que saiu de casa. Tenho de dizer-lhes uma coisa: talvez achem a Zé um pouco difícil a princípio. Sempre viveu sozinha connosco e, nos primeiros tempos, é possível que não goste de que estejam aqui. No entanto, não devem dar qualquer importância a isso, porque depressa lhe passará. Fiquei muito satisfeita ao saber que podiam vir. A Zé precisa muito da companhia de outros jovens. - Chama-lhe "Zé"? - perguntou a Ana, surpreendida. - Pensei que o nome dela fosse Maria José. - Claro que é, - disse a tia. - Mas a Zé detesta ser rapariga, e temos de chamar-lhe Zé, como se fosse um rapaz. Não responde quando lhe chamamos Maria José. Os jovens pensaram que a Maria José devia ser uma rapariga muito invulgar. Desejavam que ela aparecesse. No entanto, isso não aconteceu. De repente, em vez dela, surgiu o tio Alberto. Era um homem com ar estranho, muito alto, muito moreno e com uma grande testa sempre enrugada. - Olá, Alberto! - disse o pai. - Há muito tempo que não te via. Espero que as crianças não perturbem o teu trabalho. - O Alberto está a trabalhar num livro muito difícil, - explicou a tia Clara. - Mas arranjei um escritório só para ele no outro lado da casa. Por isso, acho que não se sentirá incomodado. O tio olhou para os três jovens e cumprimentou-os com um aceno de cabeça, continuando de sobrolho carregado. Estes sentiram-se um pouco amedrontados, mas satisfeitos por ele trabalhar noutra parte da casa. - Onde está a Zé? - Perguntou ele, com uma voz profunda. - Voltou a sair, não sei para onde, - disse a tia Clara, aborrecida. - Disse-lhe que tinha de ficar aqui para conhecer os primos. - Ela precisa de um bom castigo, - disse o tio Alberto, sem que os jovens percebessem se ele estava a brincar ou não. - Muito bem, meninos, espero que passem aqui umas boas férias e que façam a Zé ter mais juízo! Não havia quarto no Casal Kirrin para os pais passarem a noite. Por isso, depois de um jantar rápido, saíram para pernoitar num hotel na cidade mais próxima. Regressariam a Londres no dia seguinte, imediatamente após o pequeno-almoço. Assim sendo, despediram-se dos filhos naquela noite. A Maria José ainda não tinha aparecido. - Lamento não termos visto a Maria José, - disse a mãe. - Dêem-lhe saudades nossas e digam-lhe que esperamos que goste da companhia do David, do Júlio e da Ana. Então, os pais foram-se embora. Os jovens sentiram-se um pouco sozinhos, ao verem o grande carro desaparecer na curva da estrada, mas a tia Clara levou-os até ao andar de cima para lhes mostrar os quartos, e cedo se esqueceram da tristeza. Os dois rapazes dormiriam num quarto do sótão. Tinha uma vista maravilhosa para a baía. E eles estavam realmente encantados. A Ana dormiria com a Maria José num quarto mais pequeno, cujas janelas davam para os campos nas traseiras da casa. Mas tinha também uma janela lateral com vista para o mar, que agradou muito à Ana. Era um quarto muito bonito, com rosas vermelhas a aparecer do lado de fora da janela. - Gostava tanto que a Maria José chegasse, - disse a Ana para a tia. - Queria conhecê-la. - Bem, ela é uma rapariguinha um pouco especial - disse a tia. - Às vezes é malcriada e orgulhosa, mas tem um coração bondoso, é muito leal e nunca mente. Quando se torna amiga de alguém, é amiga para sempre; no entanto, tem muita dificuldade em fazer amigos, o que é uma pena.
De repente, a Ana bocejou. Os rapazes olharam para ela com desagrado, porque sabiam o que aconteceria a seguir. - Pobre Ana! Como estás cansada! Têm de ir todos já para a cama. Depois de uma noite descansada, acordarão bem frescos amanhã de manhã, - disse a tia Clara. - Ana, és uma idiota, - disse o David, zangado, após a tia ter saído do quarto. - Sabes muito bem o que os adultos pensam quando nos vêem bocejar. Ainda queria ir hoje à praia. - Desculpa, - disse a Ana. - Foi sem querer. E agora és tu quem está a abrir a boca, David! E o Júlio também! Era verdade. Estavam cheios de sono, depois da longa viagem. Embora não o dissessem, todos ansiavam por ir para a cama e adormecer. - Estou a pensar onde andará a Maria José, - disse a Ana, antes de dar as boas-noites aos irmãos e ir para o seu quarto. - É tão estranho... não esperar para nos conhecer... não vir jantar... e ainda não ter chegado! E ela vai dormir no meu quarto... sabe-se lá a que horas chegará! Os três jovens já dormiam profundamente quando a Maria José chegou e se foi deitar! Não a ouviram abrir a porta do quarto da Ana. Não a ouviram despir-se e lavar os dentes. Não ouviram a cama ranger quando ela se deitou. Estavam tão cansados que não ouviram nada até que o sol os acordou de manhã. Quando a Ana acordou, a princípio não conseguiu perceber onde estava. Ficou deitada na cama e olhou para o tecto inclinado, para as rosas que apareciam na janela e, de repente, lembrou-se do sítio onde estava! "Estou na baía de Kirrin e são férias!", disse para consigo, muito contente. Olhou depois para a outra cama. Nela estava um vulto deitado, enrolado por baixo dos cobertores. Só conseguia ver o cimo de uma cabeça com cabelo encaracolado. Quando o vulto se moveu um pouco, a Ana disse: - És tu, Maria José? A jovem que estava na outra cama sentou-se e olhou para a Ana. Tinha o cabelo encaracolado e bastante curto, quase tão curto como o de um rapaz. A cara estava muito queimada pelo sol, os olhos eram tão azuis e brilhantes que pareciam miosótis. No entanto, a boca era bastante severa, e a rapariga franzia o sobrolho como o pai. - Não, - respondeu ela. - Não sou a Maria José. - Oh! - Então quem és? - Disse a Ana, surpreendida. - Sou a Zé, - disse a rapariga. - Só te respondo quando me chamares Zé. Odeio ser rapariga. Não quero ser. Não gosto de fazer as coisas que as raparigas fazem. Gosto de fazer o que os rapazes fazem. Consigo trepar melhor do que um rapaz e também sei nadar mais depressa. Sei remar tão bem como qualquer pescador nesta costa. Tens de me chamar Zé. Assim, falo contigo. Se não me chamares Zé, não falo contigo. - Oh! Está bem! - exclamou a Ana, pensando que a sua prima era muito estranha. Chamo-te como quiseres. Acho que Zé é um nome bonito. Nem gosto muito de Maria José. E, realmente, pareces um rapaz. - A Sério! Pareço! - disse a Zé, deixando por um momento de franzir a testa. - A minha mãe ficou muito zangada comigo quando cortei o cabelo tão curto. Tinha o cabelo até aos ombros, era horrível. As duas raparigas fitaram-se por um momento. - Não detestas ser rapariga!? - perguntou a Zé. - Não, claro que não - disse a Ana. - Gosto de vestidos bonitos e das minhas bonecas e não poderia gostar se fosse rapaz. - Que aborrecido gostar de vestidos bonitos, - disse a Zé, com voz desdenhosa. - E bonecas! Acho que mais pareces um bebé. A Ana sentiu-se ofendida e disse: - Não és lá muito bem-educada. Vais ver que os meus irmãos não te dão importância nenhuma, se pensas que sabes mais do que os outros. Eles são rapazes a sério, não a fingir, como tu.
- Se eles forem antipáticos comigo, sou eu que não lhes dou importância nenhuma, disse a Zé, saltando da cama. - Além disso, eu não queria que vocês viessem para cá. Meterem-se na minha vida! Sou muito feliz sozinha. Agora, tenho de aturar uma rapariga tonta que gosta de vestidos e bonecas, e dois primos estúpidos! A Ana pensou que as coisas tinham começado bastante mal. Não disse mais nada e vestiu-se. Pôs uns calções cinzentos e uma camisola vermelha. A Zé vestiu também calções, e uma camisola de rapaz. Mal ficaram prontas, os rapazes bateram à porta. - Ainda não estão prontas! A Maria José está aí! Maria José, sai daí para te conhecermos. A Zé abriu a porta com força e saiu com a cabeça bem erguida. Não deu importância alguma aos dois rapazes, que ficaram completamente surpreendidos. Desceu as escadas sem dizer palavra. Os outros três jovens entreolharam-se. - Ela não responde se lhe chamarem Maria José - explicou a Ana. - Acho que é muito estranha. Diz que não queria que nós viéssemos para cá. Diz que nos vimos meter na vida dela. O Júlio pôs o braço em volta dos ombros da Ana, que estava um pouco triste. - Não te preocupes! - disse ele. - Podes sempre contar connosco para te defender. Vamos tomar o pequeno-almoço. Estavam todos com fome. O cheiro dos ovos com presunto era delicioso. Desceram as escadas a correr e deram os bons-dias à tia. Esta acabara de pôr o pequeno-almoço na mesa. O tio estava sentado à cabeceira, a ler o jornal. Acenou com a cabeça para os jovens. Eles sentaram-se sem uma palavra, interrogando-se se lhes seria permitido falar durante as refeições. Em casa, falavam sempre, mas o tio Alberto parecia tão severo! A Zé estava também à mesa, a pôr manteiga numa torrada. Olhava para os três jovens com ar mal-humorado. - Deixa de fazer essa cara, Zé, - disse-lhe a mãe. - Espero que já sejam amigos. Poderão divertir-se juntos. Tens de levar os teus primos a ver a baía esta manhã e mostrar-lhes os melhores sítios para tomarem banho. - Hoje vou pescar, - disse a Zé. O pai olhou imediatamente para ela e disse: - Não, não vais. Para variar, serás bem-educada e levarás os teus primos à baía. Estás a ouvir? - Sim, - respondeu a Zé, franzindo a testa exactamente como o pai. - Nós podemos ir sozinhos à baía, se a Zé vai pescar, - disse a Ana, pensando que seria melhor não ter a Zé por perto, já que ela estava mal-humorada. - A Zé fará exactamente o que eu mandei, - disse o pai. - Se não fizer, terá de se haver comigo. Depois do pequeno-almoço, os quatro jovens dirigiram-se para a praia. Desceram a correr, alegremente, o caminho que conduzia à baía. Mesmo a Zé deixou de franzir o sobrolho quando sentiu o calor do sol e viu o mar azul e cintilante. - Se quiseres, vai pescar, - disse a Ana, quando chegaram à praia. - Não faremos queixa de ti. Nem queremos meter-nos na tua vida. Ficamos muito bem sozinhos, e não tens de estar connosco se não quiseres. - Mas gostávamos que ficasses connosco, se estiveres disposta a isso, - acrescentou o Júlio, generosamente. Pensava que a Zé era brusca e malcriada, mas ao mesmo tempo gostava daquela rapariga empertigada e de cabelo curto, com olhos azuis muito brilhantes e boca com ar amuado. A Zé olhou para ele e disse: - Veremos. Não me torno amiga das pessoas só porque são minhas primas, ou qualquer coisa do género. Só faço amizades com as pessoas de quem gosto. - Também nós, - disse o Júlio. - E podemos não gostar de ti, é claro. - Ah! - exclamou a Zé, como se essa possibilidade não lhe tivesse ocorrido. - Bem, claro que podem não gostar. Vendo bem, agora que penso nisso, há muitas pessoas que não gostam de mim.
A Ana observava a baía azul. À entrada da baía havia uma ilha rochosa, onde se erguiam umas ruínas que pareciam de um velho castelo. - Aquela ilha é tão estranha, - disse ela. - Como se chamará? - É a ilha de Kirrin, - informou a Zé, com os olhos tão azuis como o mar, quando se voltou para observar a ilha. - É um lugar maravilhoso. Se gostar de vocês, talvez um dia vos leve até lá. Mas não prometo. A única maneira de ir à ilha é de barco. - De quem é essa ilha tão misteriosa? - Perguntou o Júlio. A Zé deu uma resposta surpreendente. - É minha, - disse ela. - Pelo menos, um dia será minha! Será a minha ilha e será o meu castelo!
3 - UMA HISTÓRIA INVULGAR E UMA NOVA AMIGA
Os três jovens olharam para a Zé com a maior das surpresas. A Zé fitou-os também. - Que queres dizer? - Perguntou o David, por fim. - A ilha de Kirrin não pode ser tua. Estás a mentir. - Não, não estou, - disse a Zé. - Perguntem à minha mãe. Se não acreditam em mim, não lhes direi nem mais uma palavra. Eu não digo mentiras. Acho que é uma cobardia não dizer a verdade e eu não sou cobarde. O Júlio lembrou-se de que a tia Clara tinha dito que a Zé nunca mentia. Coçou a cabeça e voltou a olhar para a Zé. Como era possível que estivesse a falar verdade? - Bem, claro que acreditamos em ti se estás a dizer a verdade, - observou o Júlio. Mas essa história parece extraordinária. Os jovens não costumam ter ilhas, nem sequer ilhazinhas esquisitas como aquela. - Não é uma ilhazinha esquisita, - disse a Zé, furiosa. - É muito bonita. Tem coelhos, tão mansos que nem imaginas e, do outro lado da ilha, há corvos marinhos enormes e há muitas gaivotas. O castelo também é maravilhoso, apesar de estar em ruínas. - Deve ser bonita - observou o David. - Por que dizes que é tua, Maria José? A Zé lançou-lhe um olhar fulminante e não respondeu. - Desculpa, - disse o David. - Foi sem querer que te chamei Maria José. Queria dizer Zé. - Diz lá, Zé, porque é que a ilha te pertence? - perguntou o Júlio, pondo o braço sobre os ombros da prima mal humorada.
Ela afastou-se dele imediatamente e disse: - Não faças isso. Ainda não sei se quero ser vossa amiga. - Está bem, está bem, - disse o Júlio, perdendo a paciência. - Se quiseres, seremos inimigos. Não nos interessa. Mas gostamos muito da tua mãe e não queremos que ela pense que não desejamos ser teus amigos. - Gostam da minha mãe? - disse a Zé, ao mesmo tempo que os seus olhos azuis e brilhantes se suavizavam um pouco. - Sim, ela é amorosa, não é? Está bem, eu contovos porque é que o castelo de Kirrin me pertence. Vamos sentar-nos aqui neste canto, onde ninguém nos ouvirá. Sentaram-se todos num recanto arenoso da praia. A Zé olhou para a pequena ilha da baía e disse: - Então, ouçam. Há muitos anos, a família da minha mãe era proprietária de quase todas as terras aqui em volta. Depois, ficaram pobres e tiveram de vender a maior parte das terras. Mas nunca conseguiram vender aquela ilha, porque ninguém lhe dava valor nenhum, especialmente com o castelo arruinado há tanto tempo. - Que estranho ninguém querer comprar uma ilha tão bonita! - disse o David. - Eu comprava-a logo, se tivesse dinheiro. - Tudo o que resta das propriedades da família da minha mãe é o Casal Kirrin, onde vivemos, e uma quinta que não fica muito longe e a ilha de Kirrin, - explicou a Zé. - A mãe diz que a ilha será minha, quando eu for mais velha. Também diz que nem agora a quer, por isso é como se já ma tivesse dado. Pertence-me. É a minha ilha, e não deixo ninguém ir lá sem a minha autorização. Os três jovens ficaram a olhar para ela. Acreditavam em tudo o que a Zé tinha dito, pois era evidente que estava a dizer a verdade. Era fantástico ser dona de uma ilha! Pensaram que ela tinha muita sorte. - Oh, Maria José... quero dizer, Zé! - exclamou o David. - Acho que tens sorte. É uma ilha tão bonita. Espero que fiquemos amigos e que nos leves lá um dia. Nem imaginas como gostaríamos. - Bem, talvez, - disse a Zé, satisfeita pelo interesse que despertara. - Veremos. Nunca levei lá ninguém, apesar dos rapazes e das raparigas daqui me pedirem para ir. Como não gosto deles nunca os levei. Fez-se silêncio por um momento, enquanto os quatro jovens olhavam na direcção da baía, para o local onde a ilha se erguia à distância. A maré estava a baixar. Quase parecia que conseguiriam atravessar o mar até à ilha. O David perguntou se isso seria possível. - Não, - disse a Zé. - Já lhes expliquei que só é possível ir lá de barco. Fica muito mais longe do que parece, e o mar é muito profundo. Além disso, há rochas por toda a parte. É preciso saber exactamente por onde levar o barco, senão encalha. Já muitos navios aqui naufragaram. - Navios que naufragaram! - exclamou o Júlio, com os olhos a brilhar. Nunca vi destroços de um naufrágio. Há aqui alguns para ver? - Agora já não há, - disse a Zé. - Foram todos removidos. Excepto os de um navio do outro lado da ilha. Está num local muito profundo. Consegue ver-se só o mastro partido, quando se rema por cima do navio num dia calmo e se olha para debaixo da água. Esse navio afundado também me pertence. Desta vez, era realmente difícil para os jovens acreditarem na Zé. No entanto, ela acenou com a cabeça em sinal afirmativo e disse com firmeza: - Sim, era um navio que pertencia a um dos meus tetravós. Trazia grandes barras de ouro e naufragou perto da ilha de Kirrin. - Oh, que aconteceu ao ouro? - Perguntou a Ana, com os olhos muito abertos. - Ninguém sabe, - disse a Zé. - Acho que foi roubado do navio. Claro que andaram mergulhadores à procura, mas não encontraram ouro nenhum. - Caramba, isso é fantástico, - disse o Júlio. - Quem me dera ver os destroços do navio.
- Bem, talvez possamos ir esta tarde, quando a maré estiver vazia, - disse a Zé. - A água está tão calma e límpida. Conseguiríamos ver qualquer coisa. - Oh, que maravilha! - exclamou a Ana. - Gostava tanto de ver um navio naufragado a sério! Os jovens riram perante o entusiasmo da Ana. - Agora, Zé, vamos tomar um banho! - sugeriu o David. - Primeiro, tenho de ir buscar o Tim - anunciou a Zé, enquanto se levantava. - Quem é o Tim? - Perguntou o David. - Conseguem guardar um segredo! - disse a Zé. - Ninguém pode saber lá em casa. - Sim, claro. Qual é o segredo! - perguntou o Júlio. - Podes confiar em nós. Não diremos nada a ninguém. - O Tim é o meu maior amigo, - explicou a Zé. - Não consigo viver sem ele. Mas os pais não gostam dele. Por isso, tenho de o manter em segredo. Vou buscá-lo. Subiu a correr o caminho dos penhascos. Os outros jovens viram-na afastar-se. Pensaram que era a rapariga mais fora do comum que alguma vez tinham conhecido. - Quem será o Tim? - interrogou-se o Júlio. - Talvez algum rapaz pescador de quem os pais da Zé não gostam. Os jovens deitaram-se na areia macia e ficaram à espera.Passado pouco tempo, ouviram a voz da Zé, que provinha de trás do penhasco. - Anda, Tim! Anda! Ergueram-se e sentaram-se na areia, para verem quem era o Tim. Não viram nenhum rapaz, mas sim um grande cão rafeiro castanho, com a cauda muito comprida e uma boca enorme que parecia sorrir! Saltava em volta da Zé, louco de alegria. Ela correu para junto deles e disse: - Aqui está o Tim. Não acham que é uma perfeição? O Tim estava longe de ser um cão perfeito. Tinha uma forma estranha, a cabeça muito grande, as orelhas demasiado espetadas, a cauda bastante comprida, e não se conseguia perceber qual era a sua raça. Mas tratava-se de um animal com tanta vivacidade, tão amistoso e tão engraçado, que os jovens logo gostaram dele.
- Oh, que amor! - disse a Ana, recebendo uma lambidela no nariz. - É enorme! - exclamou o David, dando uma palmada amigável no Tim, que se pôs aos saltos em volta dele. - Quem me dera ter um cão como este, - disse o Júlio, que gostava muito de cães e sempre desejara ter um. - Oh, Zé, ele é fantástico. Não tens orgulho nele? A rapariga sorriu, e o seu rosto alterou-se de imediato, tornando-se bonito e radiante. Sentou-se na areia e o cão aninhou-se ao pé dela, dando-lhe lambidelas. - Gosto muito dele, - disse a Zé. - Encontrei-o nos campos quando era ainda um cachorrinho, há um ano, e levei-o para casa. Ao princípio, a mãe gostou dele, mas quando ficou mais crescido tornou-se impossível.
- Que fazia ele? - perguntou a Ana. - Bem, estava sempre a roer tudo, - explicou a Zé. - Roeu um tapete novo que a minha mãe comprou, o chapéu mais bonito dela, os chinelos do meu pai, alguns dos seus papéis e outras coisas. E ladrava. Eu gostava de o ouvir ladrar, mas o meu pai não. Dizia que o cão o punha quase doido. Uma vez, quando bateu no Tim, fiquei zangada e fui muito malcriada. - E ele castigou-te? - perguntou a Ana. - Eu não me atreveria a ser malcriada para o teu pai. Ele tem um ar que me assusta. A Zé olhou para a baía. O seu rosto adquirira de novo uma expressão de aborrecimento. - Bem, não importa qual o castigo que recebi, - disse ela. - O pior foi quando o meu pai decidiu que eu não podia ficar com o Tim. A minha mãe concordou e disse que o Tim tinha de se ir embora. Chorei durante dias; e eu nunca choro, porque os rapazes não choram e eu gosto de ser como os rapazes. - Os rapazes às vezes choram, - começou a dizer a Ana, olhando para o David, que tinha sido uma criança muito choramingas três ou quatro anos antes. O David deu-lhe uma cotovelada, e ela nada mais acrescentou. A Zé olhou para a Ana. - Os rapazes não choram, - insistiu, teimosamente. - Pelo menos, nunca vi e eu tento sempre não chorar. É tão infantil. Mas não consegui deixar de chorar quando o Tim teve de se ir embora. Ele também chorou. Os jovens olharam para o Tim com grande respeito. Não sabiam que um cão podia chorar. - Estás a dizer que ele chorou lágrimas a sério? - Perguntou a Ana. - Não, não foi bem assim, - disse a Zé. - Ele é demasiado corajoso para isso. Chorou com a sua voz: uivava, uivava e parecia tão infeliz que me partia o coração. Foi então que percebi que não conseguia separar-me dele. - Que aconteceu depois? - perguntou o Júlio. - Fui ter com o Alf, um pescador que eu conheço, - disse a Zé, - e pedi-lhe para tomar conta do Tim, prometendo que lhe pagaria todo o dinheiro que conseguisse juntar. Ele disse que sim. É por isso que nunca tenho dinheiro: é todo para o Tim. Ele come muito. Não é verdade, Tim? O Tim ladrou, parecendo dizer que sim, rebolou na areia e ficou de patas no ar. O Júlio fez-lhe cócegas e festas. - Que fazes quando queres comprar doces ou gelados? - Perguntou a Ana, que gastava a maior parte do seu dinheiro naquele género de coisas. - Não compro, - disse a Zé. - Passo sem eles, é claro. Isto parecia terrível para os outros jovens, que adoravam gelados, chocolates e outras guloseimas. Ficaram a olhar para a Zé. - Bem, deve haver miúdos na praia que às vezes dividem contigo os doces e os gelados, não é? - perguntou o Júlio. - Eu não deixo, - respondeu a Zé. - Se nunca posso dar-lhes nada, não é justo que aceite o que me oferecem. Por isso, recuso sempre. A campainha de um vendedor de gelados ouviu-se à distância. O Júlio levou a mão ao bolso. Levantou-se de um salto e começou a correr, fazendo tilintar as moedas. Passado pouco tempo, estava de volta, trazendo quatro gelados de chocolate. Deu um ao David, um à Ana e depois estendeu outro à Zé. Esta olhou para o gelado, desejosa de o comer, mas abanou a cabeça e disse: - Não, obrigada. Ouviram o que acabei de dizer. Não tenho dinheiro para gelados, por isso não posso partilhar os meus com vocês e não posso aceitar os que me oferecem. Não se deve aceitar nada das outras pessoas quando não se pode retribuir. - Podes aceitar o que te damos, - disse o Júlio, tentando entregar o gelado à Zé. Somos teus primos. - Não, obrigada - repetiu a Zé. - Embora ache que é muito simpático da vossa parte.
Fitou o Júlio com os seus olhos muito azuis, e o rapaz franziu a testa, enquanto imaginava uma maneira de convencer a rapariga teimosa a aceitar o gelado. Depois, sorriu e disse: - Ouve, há uma coisa que gostaríamos muito que partilhasses connosco, realmente, tens uma série de coisas que gostaríamos de partilhar, se tu quisesses. Tu partilhas isso connosco e deixas que nós partilhemos contigo coisas como gelados. Percebes? - Que coisas tenho eu que vocês queiram partilhar? - Perguntou a Zé, surpreendida. - Tens um cão, - disse o Júlio, fazendo festas no enorme rafeiro. - Gostávamos também de brincar com ele. É tão engraçado! E tens uma ilha maravilhosa. Adorávamos que nos levasses lá às vezes. E tens um navio afundado. Gostávamos de o ver. Os gelados e os doces não se comparam com essas coisas, mas seria uma boa ideia partilharmos aquilo que temos. A Zé fitou os olhos castanhos que a fixavam. Era-lhe impossível não gostar do Júlio. Não tinha o hábito de partilhar nada. Era filha única, uma rapariga solitária e incompreendida, hostil e com mau feitio. Nunca tivera amigos. O Tim olhou para o Júlio e viu que ele estava a oferecer qualquer coisa boa e doce à Zé. Saltou e deu uma lambidela ao rapaz. - Vês? O Tim está de acordo, - observou o Júlio, soltando uma gargalhada. - Ele gostaria de ter três novos amigos. - Sim - é verdade, - disse a Zé, - cedendo e pegando no gelado. Obrigada, Júlio. Heide partilhar o que tenho com vocês. Mas prometem que em casa não dizem a ninguém que eu ainda tenho o Tim? - Claro que prometemos, - afirmou o Júlio. - Mas acho que os teus pais não se importariam, desde que o Tim não vivesse lá em casa. Então, gostas do gelado? - Hum, nunca provei um tão bom, - disse a Zé, dando-lhe uma trincadela. - É tão frio. Ainda não tinha comido nenhum este ano. É simplesmente delicioso! O Tim também queria provar. A Zé deu-lhe um bocadinho no fim. Depois, voltou-se para os três jovens e sorriu. - Vocês são simpáticos, - disse ela. - Afinal, estou contente por terem vindo. Vamos arranjar um barco esta tarde e remar até ao outro lado da ilha para vermos o navio afundado. De acordo? - De acordo! - exclamaram os três ao mesmo tempo. E até o Tim abanou a cauda, como se tivesse compreendido!
4 - UMA TARDE EMOCIONANTE
Todos foram tomar banho nessa manhã. Os rapazes viram que a Zé nadava muito melhor do que eles. Era muito forte e muito rápida; além disso, conseguia também nadar debaixo da água, sustendo a respiração durante bastante tempo. - Nadas bem, - disse o Júlio, com admiração pela rapariga. - É uma pena que a Ana não nade melhor. Ana, tens de praticar mais, senão nunca conseguirás nadar até tão longe como nós. À hora do almoço, estavam todos cheios de fome. Regressaram pelo caminho dos penhascos, desejando que houvesse uma bela refeição à sua espera. E não ficaram desiludidos! Carne assada e salada, queijo, tarte de ameixa e leite creme. Os jovens comeram com enorme apetite! - Que vão fazer esta tarde! - perguntou a mãe da Zé. - A Zé vai levar-nos de barco para vermos o navio afundado do outro lado da ilha, disse a Ana, para grande surpresa da tia. - A Zé vai levá-los! - disse ela. - Então, Zé, que se passa contigo. Nunca lá levaste ninguém, apesar de eu te ter pedido imensas vezes! A Zé não respondeu e continuou a comer a sua tarte de ameixa. Não tinha dito uma palavra durante toda a refeição. O pai não estava à mesa, para alívio dos jovens.
- Bem, Zé, tenho de confessar que estou muito satisfeita por fazeres o que o teu pai te disse, - começou a dizer a mãe da Zé, mas esta abanou a cabeça. - Não o faço por ser obrigada, - afirmou ela. - Só os levo porque quero. Nunca levaria ninguém de quem não gostasse a ver o meu navio afundado, nem que fosse a rainha de Inglaterra. - Ainda bem que gostas dos teus primos. Espero que eles também gostem de ti! disse a mãe, rindo. - Oh, sim! - exclamou a Ana, precipitadamente, ansiosa por defender a prima. Gostamos da Zé, e gostamos do Ti... Estava prestes a dizer que gostavam do Tim, mas apanhou um pontapé na perna, com tanta força, que soltou um grito de dor e as lágrimas vieram-lhe aos olhos. A Zé lançou-lhe um olhar furioso. - Zé! Por que deste um pontapé na Ana, quando ela estava a dizer que gostava de ti, disse-lhe a mãe. - Sai já da mesa. Não admito esses modos. A Zé levantou-se da mesa e foi para o jardim. Tinha acabado de se servir de pão e cortara um pouco de queijo. Deixou tudo no prato. Os três jovens entreolharam-se, desgostosos. A Ana estava muito aborrecida. Como podia ter sido tão idiota e ter-se esquecido de que não devia falar do Tim? - Oh, por favor, chame a Zé, - pediu a Ana. - Ela não me deu um pontapé de propósito. Foi sem querer. No entanto, a tia estava muito zangada com a Zé. - Acabem de comer - disse ela. - Acho que a Zé vai ficar amuada. É uma rapariga tão caprichosa! Os jovens não estavam preocupados com o amuo da Zé. O que os preocupava era que ela agora se recusasse a mostrar-lhes o navio afundado! Acabaram a refeição em silêncio. A tia foi ver se o tio Alberto queria mais tarte. Estava a almoçar sozinho no escritório. Logo que a tia saiu da sala, a Ana tirou o pão e o queijo do prato da Zé e dirigiu-se para o jardim. Os rapazes não lhe disseram nada. Sabiam que a Ana às vezes falava demais, embora depois tentasse sempre remediar as situações. Pensaram que era muito corajoso da parte dela ir à procura da Zé. A Zé estava deitada no jardim por baixo de uma grande árvore. A Ana foi ter com ela. - Desculpa, Zé, quase que ia estragando tudo, - disse ela. - Trouxe-te o pão e o queijo que deixaste no prato. Toma. Prometo que nunca mais falarei no Tim. A Zé sentou-se e disse: - Tenho uma boa razão para não te levar a ver o navio afundado. Miúda estúpida! A Ana ficou estarrecida. Era isto que ela temia. - Está bem, - retorquiu, - não precisas de me levar. Mas podias levar os meus irmãos, Zé. Eles não fizeram nada de mal. Além disso, deste-me um grande pontapé. Olha para esta nódoa negra. A Zé olhou para a nódoa negra e depois para a Ana. - Não ficavas triste se eu não te levasse e fosse com o Júlio e o David? - perguntou. - Claro que ficava, - disse a Ana. - Mas não quero que eles percam esta oportunidade por minha causa, mesmo que eu não possa ir. Então, para grande surpresa da Ana, a Zé deu-lhe um abraço. No entanto, sentiu-se logo muito envergonhada, pois achava que nenhum rapaz teria feito aquilo! E ela tentava sempre agir como um rapaz. - Está bem, - disse ela, bruscamente, pegando no pão e no queijo. - Foste muito idiota, e eu dei-te um pontapé. Estamos quites. Claro que podes vir connosco hoje à tarde. A Ana foi a correr dizer aos irmãos que estava tudo resolvido; e, passados quinze minutos, os quatro jovens dirigiam-se para a praia. Junto de um barco, encontrava-se um jovem pescador de cara morena, com cerca de catorze anos. O Tim estava com ele. - O barco está pronto, Zé, - disse o rapaz, sorrindo. - E o Tim também. - Obrigada, - agradeceu a Zé.
Disse aos outros para subirem para o barco. O Tim saltou também lá para dentro, com a sua grande cauda a abanar de contentamento. A Zé empurrou o barco para a zona de rebentação e depois saltou, sentou-se e pegou nos remos. Remava muito bem, e o barco começou a deslizar na baía azul. Estava uma tarde maravilhosa. Os jovens sentiam-se deliciados com o movimento do barco na água. O Tim ia em pé, à proa, e ladrava sempre que uma onda se aproximava. - Ele é muito engraçado quando o mar está bravo, - disse a Zé, remando com força. Ladra como um doido para as ondas grandes e fica zangado quando o molham. Mas nada muito bem. - Não é formidável termos um cão connosco? - disse a Ana, desejosa de remediar de alguma maneira a asneira que tinha feito. - Gosto tanto dele! O Tim ladrou e voltou-se para dar uma lambidela na Ana. - Tenho a certeza de que ele percebeu o que eu disse - observou a Ana. - Claro que percebeu, - confirmou a Zé. - Ele percebe tudo o que dizemos. - Olhem! Já estamos mais perto da ilha, - disse o Júlio, entusiasmado. - É maior do que eu pensava. E o castelo é fantástico! Aproximaram-se da ilha. Os jovens puderam ver que havia rochas pontiagudas a toda a volta. A não ser que alguém conhecesse exactamente o caminho a seguir, nenhum barco ou navio poderia chegar até à margem da pequena ilha rochosa. No meio desta, sobre um monte pouco elevado, erguia-se o castelo arruinado. Fora construído com grandes pedras brancas. Arcos quebrados, torres desfeitas, paredes arruinadas, era tudo o que restava de um castelo que outrora fora belo e grandioso. Agora, as gralhas faziam ali os ninhos e as gaivotas pousavam nas pedras mais altas. - Tem um ar misterioso, - disse o Júlio. - Gostaria muito de ir à ilha e de visitar o castelo! Seria divertidíssimo passarmos lá uma ou duas noites! A Zé parou de remar. O seu rosto iluminou-se. - É verdade! - exclamou ela, encantada com a ideia. - Nunca tinha pensado nisso! Como seria maravilhoso passar uma noite na minha ilha! Ficarmos lá sozinhos, nós os quatro. Fazermos as refeições e fingirmos que realmente vivíamos lá. Não era fantástico? - Se era! - disse o David, olhando para a ilha. - Achas que a tua mãe nos deixava? - Não sei, - respondeu a Zé. - Talvez. Por que não lhe pedem? - Podemos ir à ilha esta tarde? - perguntou o Júlio. - Se querem ver o navio afundado, não podemos ir à ilha, disse a Zé. - Temos de voltar para casa à hora do lanche, e levaremos muito tempo a ir até ao outro lado da ilha de Kirrin e depois a regressar. - Bem, gostava de ver o navio afundado, - disse o Júlio, hesitando entre a ilha e o navio. - Olha, deixa-me remar um bocado, Zé. Não consegues fazer o caminho todo sozinha. - Consigo, - garantiu a Zé. - Mas também gostaria de descansar um pouco, para variar! Olha, vou só levar o barco por esta passagem rochosa, e depois podes remar até chegarmos a outra passagem difícil. Sinceramente, as rochas em volta desta baía são mesmo terríveis! A Zé e o Júlio trocaram de lugares no barco. O Júlio remava bem, mas não com tanta força como a Zé. O barco deslizava suavemente. Deram a volta à ilha e viram o castelo do outro lado. Parecia mais arruinado na parte virada para o mar. - Há ventos muito fortes que vêm do mar, - explicou a Zé. - Deste lado, pouco resta do castelo, a não ser montes de pedras. Há um pequeno cais numa enseadazinha, mas é preciso conhecer o caminho para lá chegar. A Zé voltou a pegar nos remos, passado algum tempo, e fez avançar o barco para mais perto da ilha. Depois, parou e olhou para a costa. - Como sabes onde ficam os destroços do navio! - perguntou o Júlio, intrigado. - Eu nunca os encontraria!
- Vês aquela torre de igreja na costa? - Perguntou a Zé. - E vês ali o cimo daquele monte? Muito bem. Quando estiverem exactamente alinhados, entre as duas torres do castelo da ilha, quer dizer que nos encontramos por cima do navio afundado! Já descobri isso há muito tempo. Os jovens viram que o cimo do monte e a torre da igreja estavam praticamente em linha, quando os observaram por entre as duas torres do castelo da ilha. Olharam ansiosamente para o mar, na esperança de verem os destroços do navio. A água estava límpida e tranquila. Quase não havia ondulação. O Tim olhou também para baixo, com a cabeça de lado, as orelhas espetadas, como se soubesse do que estava à procura. Os jovens riram-se. - Não estamos exactamente sobre o navio, - disse a Zé, olhando também para baixo. - A água está tão límpida hoje que conseguiremos ver até grande profundidade. Esperem. Vou remar um pouco para a esquerda. De repente, o Tim ladrou e começou a abanar a cauda. Ao mesmo tempo, os jovens viram qualquer coisa na profundeza das águas! - É o navio afundado! - exclamou o Júlio, tão entusiasmado que por pouco não caiu do barco. - Consigo ver um mastro partido. Olha, David, olha! Os quatro jovens, e também o cão, olharam para as águas límpidas. Passado um momento, conseguiam distinguir os contornos da carcaça escura do navio, onde sobressaía o mastro quebrado. - Está inclinado para um lado, - observou o Júlio. - Pobre navio! Como é triste estar ali, a desfazer-se em pedaços! Zé, gostava de mergulhar para o ver mais de perto. - Então, por que não mergulhas? - disse a Zé. - Tens o fato de banho vestido. Eu já mergulhei muitas vezes. Posso ir contigo, se quiseres, mas o David tem de manter o barco neste sítio. Há uma corrente que o empurra para o mar alto. David, tens de ir remando um pouco para que o barco fique no mesmo sítio. A rapariga tirou a camisola e os calções, e o Júlio fez o mesmo. Traziam ambos os fatos de banho vestidos por baixo das roupas. A Zé subiu para a borda do barco e deu um belo mergulho de cabeça. Os outros observaram-na a nadar vigorosamente debaixo de água, sustendo a respiração. Passado um momento, voltou à superfície, já sem fôlego. - Cheguei quase aos destroços do navio, - disse ela. - Está igual como sempre, cheio de algas e coberto de lapas e outras coisas. Gostava de entrar no navio, mas nunca tenho fôlego para lá chegar. Agora, mergulha tu, Júlio. O Júlio mergulhou. No entanto, não estava habituado a nadar debaixo de água como a Zé e não conseguiu descer até tão fundo. Conseguia abrir os olhos debaixo de água e pôde ver o convés do navio afundado. Tinha um ar muito abandonado e estranho. O Júlio não gostou muito do que viu. Aqueles destroços causavam-lhe um sentimento de tristeza. Foi com alívio que regressou à superfície e inspirou profundamente, sentindo o sol quente nos ombros. Subiu para o barco e disse: - Fantástico! Gostava de ver melhor o navio, ir por baixo do convés, entrar nas cabinas e observar tudo. Suponham que encontrávamos as caixas com o ouro! - Isso é impossível, - disse a Zé. - Já lhes disse que andaram por aqui mergulhadores a sério e não encontraram nada. Que horas são? Acho que vamos chegar tarde se não regressarmos já! Voltaram o mais depressa possível e conseguiram chegar só com cinco minutos de atraso para o lanche. Depois, foram passear pelos campos, com o Tim atrás deles. Quando chegou a hora de irem para a cama, estavam com tanto sono que mal conseguiam manter os olhos abertos. - Boa noite Zé, - disse a Ana, enfiando-se na cama. - Tivemos um dia óptimo. Obrigada! - E eu também tive um dia óptimo, - retorquiu a Zé. - Graças a vocês. Ainda bem que estão cá. Vamos divertir-nos. E não gostaste do meu castelo e da minha ilha? - Gostei muito, - respondeu a Ana, adormecendo de imediato, para sonhar com navios afundados, castelos e ilhas sem conta.
Oh, quando os levaria a Zé àquela ilha maravilhosa?
5 - VISITA À ILHA
A tia Clara preparou um piquenique para o dia seguinte, e foram todos para uma pequena enseada que não ficava muito longe e onde podiam tomar banhos de mar à vontade. Passaram um dia maravilhoso, mas o Júlio, o David e a Ana teriam preferido uma visita à ilha da Zé. No fundo, era o que mais desejavam! A Zé não queria ir, não porque não gostasse de piqueniques, mas porque não podia levar o seu cão. A mãe foi com os jovens, e a Zé teve de passar o dia inteiro sem o seu querido Tim. - Que azar! - disse o Júlio, percebendo a razão do desagrado da Zé. - Não sei por que não contas à tua mãe o que se passa com o Tim. De certeza que não se importa que tenhas alguém para tomar conta dele. A minha mãe não se importaria. - Não vou dizer a mais ninguém além de vocês, - afirmou a Zé. - Estou sempre a arranjar sarilhos em casa. Talvez a culpa seja minha, mas já estou farta disso. É que o meu pai não ganha muito dinheiro com os livros de ciência que escreve, mas quer dar à minha mãe e a mim coisas que não pode comprar. Por isso, anda sempre malhumorado. Quer mandar-me para uma boa escola, mas não tem dinheiro. Ainda bem, porque eu não quero ir para uma escola longe daqui. Não aguentava separar-me do Tim. - Havias de gostar do colégio interno, - disse a Ana. - Nós vamos todos para lá. É divertido. - Não, não é, - afirmou a Zé, teimosamente. - Deve ser horrível estar no meio de tantas raparigas a rir e a gritar à nossa volta. Para mim, seria detestável. - Não, não seria, - disse a Ana. - É tudo muito divertido. Acho que seria bom para ti, Zé. - Se começas a dizer-me o que é bom para mim, passo a detestar-te retorquiu a Zé, com um ar repentinamente muito ameaçador. Os meus pais estão sempre a dizer que há coisas que são boas para mim, e são sempre coisas de que eu não gosto. - Está bem, está bem, disse o Júlio, começando a rir. Caramba, ficas mesmo furiosa, Zé! Sinceramente, até parece que os teus olhos deitam faíscas!
Esta observação fez a Zé rir, apesar de ela não querer. Era realmente impossível ficar de mau humor com uma pessoa tão bem disposta como o Júlio. Foram tomar banho no mar pela quinta vez naquela tarde. Depressa começaram a chapinhar alegremente, e a Zé teve oportunidade de ajudar a Ana a nadar. A rapariguinha não fazia os movimentos correctos, e a Zé sentiu-se orgulhosa depois de a ensinar. - Oh, muito obrigada, - agradeceu a Ana, continuando a dar braçadas. - Nunca nadarei tão bem como tu, mas gostaria de nadar pelo menos tão bem como os meus irmãos. Quando estavam prestes a voltar para casa, a Zé pediu ao Júlio: - Podes dizer que vais comprar um selo ou qualquer coisa assim? Depois, eu ia contigo, só para ver o Tim. Deve estar triste por eu não o ter levado a passear hoje. - Está bem! - disse o Júlio. - Não preciso de selos, mas não dizia que não a um gelado. O David e a Ana podem ir para casa com a tua mãe e levar as coisas. Vou dizer à tia Clara. Foi a correr até junto da tia e perguntou: - Posso ir comprar gelados? Hoje ainda não comemos nenhum. Eu não demoro. A Zé pode ir comigo? - Suponho que ela não quererá ir, - disse a tia. - No entanto, pergunta-lhe. - Zé, anda comigo! - gritou o Júlio, encaminhando-se para a aldeia a grande velocidade. A Zé fez um grande sorriso e foi a correr atrás dele. Alcançou-o rapidamente e agradeceu-lhe: - Obrigada. Vai comprar os gelados, enquanto eu vou ver o Tim. Separaram-se. O Júlio comprou quatro gelados e retomou o caminho de casa. Esperou um pouco pela Zé, que apareceu a correr passados alguns minutos. O seu rosto resplandecia de alegria. - Ele está bem, - disse a Zé. - E nem imaginas como ficou contente quando me viu! Deu um salto tão grande que me ia deitando ao chão! Olha, outro gelado para mim. És muito generoso, Júlio. Tenho de retribuir de alguma maneira. E se fôssemos à minha ilha amanhã? - Isso seria fantástico! - exclamou o Júlio, com os olhos a brilhar de entusiasmo. - A sério que nos levas amanhã? Então vamos dizer aos outros! Os quatro jovens sentaram-se, no jardim, a comer os gelados. O Júlio contou-lhes o que a Zé tinha dito. Ficaram todos entusiasmados. A Zé também estava contente. Julgava-se sempre muito importante quando se recusava a levar outros miúdos à ilha de Kirrin; mas ter acedido a ir com os primos à ilha causava-lhe uma sensação muito mais agradável. "Eu achava que era muito melhor fazer sempre tudo sozinha” pensou, enquanto acabava de comer o gelado. "Mas vai ser divertido ter a companhia do Júlio e dos outros.” Os jovens foram lavar-se e vestir-se para o jantar. Falavam ansiosamente da visita à ilha no dia seguinte. A tia ouviu-os e sorria. - Bem, agrada-me muito que a Zé partilhe alguma coisa com vocês, - disse ela. Gostariam de levar o almoço e passar o dia na ilha? Só vale a pena remarem até tão longe para lá passarem umas horas. - Oh, tia Clara! Seria maravilhoso levarmos o almoço! - exclamou a Ana. A Zé ergueu o olhar e perguntou: - A mãe também vem? - Não me parece que queiras que eu vá, - disse a mãe, em tom magoado. - Já ontem ficaste aborrecida por eu ter ido com vocês. Não, amanhã não irei; mas os teus primos devem pensar que és uma rapariga muito estranha, por não quereres que a tua mãe te acompanhe. A Zé não disse nada. Raramente respondia quando era censurada. Os outros jovens também não disseram nada. Sabiam perfeitamente que não se tratava da Zé não querer que a mãe fosse, ela queria apenas estar junto do Tim!
- De qualquer modo, eu não posso ir, - prosseguiu a tia Clara. - Tenho de tratar do jardim. Estarão em perfeita segurança com a Zé. Ela sabe conduzir um barco como um homem. No dia seguinte, quando se levantaram, os jovens foram imediatamente ver se estava bom tempo. O Sol brilhava, e tudo parecia esplêndido. - Não está um dia maravilhoso? - disse a Ana à Zé, enquanto se vestiam. - Estou ansiosa por ir para a ilha. - Sinceramente, acho que não devíamos ir, observou a Zé, inesperadamente. - Oh, mas porquê? - Perguntou a Ana, com ar desanimado. - Penso que vai haver uma tempestade, disse a Zé, olhando para sudoeste. - Mas, Zé, por que dizes isso? - disse a Ana, impaciente. Olha para o Sol, e quase não há nuvens no céu! - O vento não está de feição, - explicou a Zé. - E não vês a espuma branca das ondas em volta da ilha? É mau sinal. - Oh, Zé, será a maior decepção das nossas vidas se não formos hoje, - disse a Ana, que não suportava decepções, nem grandes nem pequenas. - E, além disso, acrescentou, astutamente, se ficarmos em casa, com medo da tempestade, não poderemos estar com o Tim. - Sim, é verdade, - disse a Zé. - Está bem, iremos. Mas, se houver uma tempestade, lembra-te de que não podes comportar-te como uma criança. Tens de fazer tudo para te divertires e não ficares assustada. - Bem, não gosto muito de tempestades, - principiou a Ana, mas parou de falar quando viu o olhar de censura da Zé. Foram tomar o pequeno-almoço. A Zé perguntou à mãe se podiam levar o almoço, como tinham planeado. - Sim, - disse a mãe. - Tu e a Ana podem ajudar-me a fazer os sanduíches. Vocês, rapazes, podem ir ao jardim colher algumas ameixas maduras para levarem. Júlio, depois vais à aldeia e compras garrafas de limonada ou de laranjada, o que preferirem. - Para mim, laranjada, obrigado! - disse o Júlio, e os outros disseram o mesmo. Sentiam-se muito contentes. Seria maravilhoso visitar a estranha ilhota. A Zé também estava satisfeita, porque passaria todo o dia com o Tim. Por fim, partiram, levando a comida em dois sacos. Em primeiro lugar, foram buscar o Tim. Estava preso no quintal do jovem pescador. O rapaz também lá estava e sorriu para a Zé. - Bom dia, "menino" Zé, - disse ele. Parecia tão estranho aos outros jovens ouvi-lo chamar "menino" Zé à Maria José! - O Tim tem estado a ladrar como um doido. Acho que ele sabia que o vinham buscar hoje. - Claro que sabia, comentou a Zé, desprendendo o cão, que de imediato começou a correr velozmente em círculos à volta dos jovens. - Corre tanto que parece um galgo, - disse o Júlio, admirado. - Tim! Eh, Tim! Anda cá dar os bons-dias! O Tim deu um salto e lambeu a orelha do Júlio, continuando nas suas correrias. Depois, acalmou e seguiu ao lado da Zé, enquanto se dirigiam para a praia. Lambia as pernas da Zé de vez em quando, e ela puxava-lhe suavemente as orelhas. Subiram para o barco, e a Zé começou a remar. O jovem pescador acenou-lhes e gritou: - Não vão demorar muito, pois não? Vem aí uma tempestade. A Zé remou durante todo o caminho até à ilha. O Tim, ora numa, ora noutra extremidade do barco, ladrava quando as ondas se erguiam contra ele. Os jovens viam que a ilha estava cada vez mais próxima. Parecia ainda mais emocionante do que no outro dia. - Zé, onde vamos desembarcar? - Perguntou o Júlio. - Nem sei como consegues avançar entre estas rochas todas. Estou sempre com receio de que choquemos com alguma!
- Vamos desembarcar na pequena enseada de que lhes falei no outro dia, - disse a Zé. - Só há um caminho para lá chegar, mas conheço-o muito bem. Fica escondido na parte leste da ilha. A rapariga conduziu habilmente o barco por entre as rochas. De repente, ao contornarem uma série de rochedos aguçados, os jovens viram a enseada de que ela tinha falado. Era como um pequeno porto natural, uma baía de águas tranquilas que chegava até uma pequena extensão de areia, abrigada entre altas rochas. O barco deslizou para a baía e deixou imediatamente de balançar, pois a água era lisa como um espelho, quase sem ondulação. - Este lugar é óptimo! - disse o Júlio, com os olhos a brilhar de satisfação. A Zé fitou-o, e os seus olhos também brilhavam, tão cintilantes como o próprio mar. Era a primeira vez que levava alguém à sua ilha preciosa e sentia-se encantada. Desembarcaram na areia amarela e macia. - Estamos finalmente na ilha! - exclamou a Ana, começando a fazer cabriolas, logo acompanhada pelo Tim, que parecia tão doido como ela. Os outros riram. A Zé empurrou o barco para a areia. - Por que trazes o barco tão para cima? - disse o Júlio, ao mesmo tempo que a ajudava. - A maré está quase cheia, não está? De certeza que não chega aqui ao cimo. - Já te disse que acho que vem aí uma tempestade, - explicou a Zé. - Se isso acontecer, as ondas invadirão esta baía. Não queremos perder o nosso barco, pois não? - Vamos explorar a ilha, vamos explorar a ilha! - gritou a Ana que se encontrava agora no topo do pequeno porto natural, trepando pelas rochas. - Vamos! Seguiram atrás dela. Era, na verdade, um lugar admirável. Havia coelhos por toda a parte! Quando os jovens apareceram, afastaram-se a correr, mas não fugiram para dentro das tocas. - Não são tão mansos? - Disse o Júlio, surpreendido. - É que mais ninguém vem aqui senão eu, - disse a Zé, - e não os assusto. Tim! Tim, se fores atrás dos coelhos, zango-me contigo. O Tim olhou para a Zé com ar triste. Ele e a Zé estavam sempre de acordo em tudo, excepto quanto aos coelhos. Para o Tim os coelhos serviam apenas para uma coisa: ir atrás deles! Não compreendia por que razão a Zé não o deixava fazer isso. No entanto, conteve-se e caminhou solenemente ao lado dos jovens ao mesmo tempo que olhava para os coelhos que saltitavam por ali, desejoso de os perseguir. - Acho que até viriam comer à minha mão, - disse o Júlio. No entanto, a Zé abanou a cabeça. - Não, já tentei fazer isso, - disse ela. - Eles não vêm. Olhem para aqueles tão pequeninos. Não são amorosos? O Tim ladrou, como se concordasse, e deu alguns passos na direcção dos coelhos. A Zé fez-lhe um aviso, emitindo um som com a garganta, e o Tim voltou para trás, com a cauda caída. - Ali está o castelo! - exclamou o Júlio. - Vamos até lá? - Sim, vamos, - disse a Zé. - Olhem, a entrada era ali, por aquele grande arco em ruínas. Os jovens olharam para o enorme arco, velho e meio desmoronado. Atrás dele, havia grandes degraus de pedra que conduziam ao centro do castelo. - Tinha muralhas à volta, com duas torres, - disse a Zé. - Uma torre quase desapareceu, como podem ver, mas a outra não está em tão mau estado. As gralhas fazem lá os ninhos todos os anos. Quase a encheram de raminhos. Quando se aproximaram da torre mais bem conservada, as gralhas voaram em círculos à volta deles, lançando gritos estridentes. O Tim começou a dar saltos, como se pensasse que podia apanhá-las! - É aqui o centro do castelo, - disse a Zé, enquanto entravam por uma porta muito velha para um espaço que parecia um grande pátio, com o pavimento de pedra
coberto de ervas. - Aqui é onde as pessoas viviam. Podem ver onde ficavam os quartos. Olhem, há um quase inteiro. Entrem por aquela porta e poderão vê-lo. Passaram por uma porta e entraram num compartimento escuro, com paredes e tecto de pedra, havendo um espaço numa extremidade que deveria servir para uma lareira. Duas janelas semelhantes a frinchas iluminavam o quarto. Era muito estranho e misterioso. - Que pena estar tudo destruído, - disse o Júlio, quando saiu. - Parece ser o único quarto que está inteiro. Há mais aqui, mas uns não têm telhado, outros estão sem paredes. Aquele quarto é o único onde se poderia viver. O castelo tinha outro andar em cima, Zé? - Claro, - respondeu a Zé. - Mas as escadas já não existem. Olhem! Podem ver parte de um quarto do andar de cima, ao pé da torre das gralhas. Já tentei subir até lá, mas é impossível. Quase ia caindo ao subir. As pedras resvalam. - Aqui havia subterrâneos? - Não sei, - disse a Zé. - Acho que sim. Mas agora ninguém consegue encontrá-los. Está tudo coberto de vegetação. Era verdade. Grandes silvas com amoras cresciam aqui e ali. Arbustos de tojo penetravam nas fendas e nos recantos dos muros. As ervas selvagens espalhavam-se por toda a parte como um manto. - Acho que é um sítio adorável, - disse a Ana. - A sério que achas? - Disse a Zé, satisfeita. - Estou tão contente. Olhem! Estamos agora no outro lado da ilha, que dá para o mar alto. Estão a ver aquelas rochas, com umas aves esquisitas lá pousadas? Os jovens olharam. Viram algumas rochas à superfície das águas, com grandes aves negras e lustrosas pousadas em posições estranhas. - São corvos-marinhos, - disse a Zé. - Já apanharam muito peixe para o almoço e estão ali pousados a fazer a digestão. Olhem, estão a levantar voo. Por que será? Depressa ficou a saber porquê. De repente, ouviram um grande estrondo, vindo de sudoeste. - Um trovão! - exclamou a Zé. - É a tempestade. Chegou mais cedo do que eu esperava!
6 - DESCOBERTA DEPOIS DA TEMPESTADE
Os quatro jovens olharam para o mar. Tinham estado tão interessados na exploração do velho castelo que nenhum deles reparara na súbita mudança do tempo. Veio outro trovão. Soou como um cão enorme a rosnar no céu. O Tim, quando o ouviu, rosnou também.
- Céus, estamos em apuros, - disse a Zé, um pouco alarmada. - De certeza que não temos tempo de regressar a casa. O vento está a soprar com muita força. Já tinham visto uma tempestade chegar assim tão de repente? O céu estava azul quando tinham partido. Agora, mostrava-se encoberto, com nuvens que pareciam suspensas a baixa altitude. Os jovens começaram a correr, como se alguém os perseguisse. O vento uivava de uma maneira tão lúgubre que a Ana se sentiu bastante assustada. - Está a começar a chover, - disse o Júlio, quando uma enorme gota de chuva lhe caiu sobre a mão. - É melhor abrigarmo-nos, não achas, Zé? Senão ficamos encharcados. - Sim, vamos já procurar abrigo, - disse a Zé. - Olhem só aquelas ondas enormes que se aproximam! Vai ser mesmo uma grande tempestade. Céus! Que relâmpago! As ondas tornavam-se cada vez maiores. Era fantástico ver como se tinham transformado de repente. Erguiam-se, rebentavam mal atingiam os rochedos e avançavam rapidamente para a praia com um enorme rugido. - Acho que temos de empurrar o barco ainda mais para cima, - disse a Zé. - A tempestade vai ser muito forte. Às vezes, estas tempestades repentinas de Verão são piores do que as do Inverno. Ela e o Júlio correram para o outro lado da ilha, onde o barco tinha ficado. E ainda bem que foram, porque grandes ondas estavam já a avançar rapidamente na direcção do barco. Os dois jovens puxaram o barco para junto dos penhascos, e a Zé amarrouo a um forte arbusto que ali crescia. Chovia torrencialmente. A Zé e o Júlio estavam encharcados. - Espero que os outros se tenham abrigado naquele quarto que tem telhado e paredes, - disse a Zé. Na verdade, tinham procurado ali abrigo, cheios de frio e assustados. Estava muito escuro, pois a única luz provinha das duas fendas que serviam de janelas e da pequena porta. - Não podemos acender uma fogueira!, - disse o Júlio, olhando em volta. - Onde haverá uns ramos secos! Quase como se respondessem à sua pergunta, algumas gralhas gritaram estridentemente, voando em círculos no meio da tempestade. - Claro! Há muitos ramos no chão da torre! - exclamou o Júlio. - No sítio onde fazem os ninhos, as gralhas deixaram cair muitos ramos. Saiu disparado a correr, sob a chuva, em direcção à torre. Apanhou uma braçada de ramos e regressou, novamente a correr. - Óptimo, - disse a Zé. - Já podemos fazer uma boa fogueira. Alguém tem papel e fósforos para a acender! - Tenho fósforos, - disse o Júlio. - Mas papel não há. - Há sim, - declarou a Ana, de repente. - Os sanduíches estão embrulhadas em papel. Podemos usá-lo para acender a fogueira. - Boa ideia! - disse a Zé. Desembrulharam os sanduíches e colocaram-nas sobre uma pedra quebrada, depois de a terem limpo. A seguir, prepararam a fogueira, com o papel por baixo e os ramos entrecruzados no cimo. Lançaram fogo ao papel, e os ramos também começaram logo a arder, pois eram muito velhos e estavam muito secos. Passado pouco tempo, tinham uma bela fogueira que crepitava e iluminava com as suas labaredas o pequeno quarto arruinado. Ficara muito escuro lá fora, com as nuvens tão baixas que quase tocavam o topo da torre do castelo! E como se deslocavam depressa! O vento empurrava-as para nordeste, rugindo tão alto como o mar. - Nunca tinha ouvido o mar fazer um barulho assim, - disse a Ana. - Nunca! Parece que está a gritar com toda a força. Com o uivar do vento e a rebentação das enormes ondas em volta da ilhota, os jovens mal conseguiam ouvir o que diziam. Tinham de gritar uns para os outros. - Vamos almoçar! - berrou o David, que estava cheio de fome como era habitual. - Não podemos fazer mais nada enquanto a tempestade não parar.
- Sim, vamos, - disse a Ana, olhando com apetite para os sanduíches de presunto. Será divertido fazermos um piquenique à volta da fogueira neste quarto velho e escuro. Quando teria sido a última vez que alguém aqui comeu? Gostava de ver essas pessoas. - Eu não gostava, - disse o David, olhando em volta um pouco assustado, como se receasse que pessoas de outros tempos entrassem e participassem no piquenique. O dia está já a ser bastante assustador, mesmo sem essas coisas. Sentiram-se melhor quando começaram a comer as sanduíches e a beber as laranjadas. As chamas da fogueira aumentavam à medida que mais ramos pegavam fogo, libertando um calor agradável, pois com o vento forte o dia tornara-se frio. - Vai um de cada vez buscar ramos, - disse a Zé. No entanto, a Ana não quis ir sozinha. Tentava mostrar que não tinha medo da tempestade, mas não conseguia sair daquele lugar confortável e enfrentar a chuva e os trovões. O Tim parecia também não gostar da tempestade. Estava sentado junto da Zé, com as orelhas espetadas, e rosnava sempre que rebentava um trovão. Os jovens davam-lhe pedacinhos das sanduíches, que ele devorava rapidamente, pois estava também com fome. Cada um dos jovens tinha quatro biscoitos. - Acho que vou dar os meus ao Tim, - disse a Zé. - Não trouxe nenhum dos biscoitos dele, e parece que está cheio de fome. - Não, não faças isso, - disse o Júlio. - Cada um de nós dá-lhe um biscoito. Ele ficará com quatro, e nós com três cada um. Chega-nos perfeitamente. - Vocês são muito simpáticos, - disse a Zé. - Não achas, Tim? O Tim concordou. Deu lambidelas a todos e fê-los rir. Depois, deitou-se de patas para o ar e deixou que o Júlio lhe fizesse cócegas na barriga. Os jovens iam alimentando a fogueira, enquanto acabavam de comer. Quando chegou a sua vez de ir buscar mais ramos, o Júlio saiu do compartimento e desapareceu no meio da tempestade. Parou e olhou em volta, com a chuva a molhar-lhe a cabeça descoberta. A tempestade parecia estar exactamente por cima da ilha. Quando se via o clarão de um relâmpago, o trovão ribombava ao mesmo tempo. O Júlio não tinha medo de tempestades, mas não podia deixar de se sentir impressionado perante aquela. Era tão grandiosa! Os relâmpagos rasgavam o céu quase de minuto a minuto, e os trovões rebentavam tão ruidosamente que pareciam montanhas a desmoronar-se! O ruído do mar ouvia-se logo que os trovões se calavam e causava também uma sensação de grandiosidade. Os salpicos das ondas subiam tão alto que molhavam o Júlio, que se encontrava no centro do castelo em ruínas. "Tenho de ir ver as ondas", pensou o rapaz. "Se os salpicos caem em cima de mim, então as ondas devem ser enormes!” Saiu do castelo e subiu para uma parte da muralha arruinada que outrora cercara o castelo. Ficou a olhar para o mar. À sua frente, podia ver um espectáculo extraordinário! As ondas eram como grandes muros verde acinzentados. Precipitavam-se sobre as rochas que havia em redor da ilha, e a espuma erguia-se, branca e cintilante, contra o céu tempestuoso. Rolavam em direcção à ilha e lançavam-se contra ela com uma força terrível, de tal modo que o Júlio sentia que a muralha tremia sob os seus pés. O rapaz olhava para o mar, maravilhado com a grandiosidade daquela vista. Durante um breve momento, pensou que o mar poderia inundar a própria ilha! No entanto, percebeu que isso era impossível, senão já teria acontecido antes. Observava as grandes ondas que se aproximavam e, então, viu uma coisa muito estranha. Estava qualquer coisa no mar, junto às rochas, qualquer coisa escura, enorme, que parecia sobressair entre as ondas e depois ficar novamente submersa. Que seria? "Não pode ser um navio", disse o Júlio para consigo, sentindo o coração bater cada vez com mais força, enquanto se esforçava por ver melhor através da chuva e dos salpicos das ondas. "No entanto, parece mesmo um navio. Espero que não seja. Ninguém se salvaria num dia terrível como este!” Continuou a olhar. A forma escura
ficou novamente à vista e depois desapareceu mais uma vez sob as águas. O Júlio decidiu ir contar aos outros. Regressou a correr ao quarto iluminado pela fogueira. - Zé! David! Está qualquer coisa estranha entre as rochas perto da ilha! - gritou com toda a força. - Parece um navio e talvez seja. Vamos lá ver! Os outros olharam-no, surpreendidos, e levantaram-se de um salto. A Zé lançou à pressa mais alguns ramos na fogueira para que se mantivesse acesa. Depois, seguiram todos atrás do Júlio sob a chuva que continuava a cair. A tempestade parecia ter abrandado um pouco. A chuva também já não era tão forte. Os trovões ribombavam um pouco mais longe, e os clarões dos relâmpagos eram menos frequentes. O Júlio foi à frente até à muralha a que subira para ver o mar. Todos subiram e ficaram a olhar. Viram uma massa pesada e ameaçadora de água verde acinzentada, com ondas que se erguiam por toda a parte e cujas cristas se desfaziam contra as rochas, para depois avançarem para a ilha como se a quisessem engolir. A Ana agarrou-se ao braço do Júlio. Sentia-se minúscula e assustada. - Não tenhas medo, Ana, - disse o Júlio. - Agora, olhem. Hão-de ver uma coisa muito estranha. Todos olharam. A princípio, não viram nada, porque as ondas se erguiam tão alto que escondiam tudo o que pudesse ali estar. De repente, a Zé viu aquilo de que o Júlio falara. - Caramba!, - gritou. - É um navio! Sim, é! Estará a afundar-se! É um navio grande, não um barco à vela, nem um barco de pescadores! - Estará alguém lá dentro!, - disse a Ana, atemorizada. Os quatro jovens continuaram a olhar. O Tim começou a ladrar quando viu a estranha forma escura que aparecia aqui e ali entre as ondas enormes. O mar estava a trazer o navio para mais perto da margem. - Vai despedaçar-se contra aquelas rochas, - disse o Júlio. - Olhem, lá vai ele! Mal acabara de falar quando se ouviu o tremendo ruído de um embate. A silhueta escura do navio assentou sobre os dentes afiados das perigosas rochas do lado sudoeste da ilha. Ali ficou, movendo-se apenas ligeiramente quando as grandes ondas passavam por baixo dele e o erguiam um pouco. - Está ali preso, - disse o Júlio. - Agora não se moverá. Quando a maré baixar, o navio ficará seguro em cima das rochas. De repente, um pálido raio de sol espreitou por entre as nuvens, que estavam a tornarse menos densas. Mas desapareceu quase imediatamente. - Óptimo! - disse o David, olhando para cima. - O Sol não demorará a aparecer. Poderemos aquecer-nos e secar-nos. E talvez consigamos descobrir que navio é aquele. Oh, Júlio! Espero bem que não estivesse ninguém lá dentro. Espero que todos tenham usado os barcos salva-vidas e chegado a terra sãos e salvos. As nuvens tornaram-se menos densas. O vento parou de rugir e transformou-se numa brisa tranquila. O Sol voltou a brilhar, e os jovens sentiram com agrado o seu calor. Todos olharam para o navio que estava nas rochas, iluminado pelos raios de sol. - Há qualquer coisa estranha, - observou o Júlio, falando devagar. - Qualquer coisa muito estranha. Nunca vi um navio como este. A Zé fitava o navio com uma expressão intrigada. Quando se voltou para os três jovens, estes ficaram perplexos ao verem como os olhos dela brilhavam de contentamento. A rapariga estava tão entusiasmada que mal conseguia falar. - Que foi? - perguntou o Júlio. - Júlio, é o meu navio naufragado! - gritou ela, num tom de voz emocionado. - Não percebes o que aconteceu? A tempestade trouxe o navio do fundo do mar e atirou-o para cima daquelas rochas. É o meu navio! Os outros compreenderam de imediato que ela tinha razão. Era o velho navio que estava afundado! Não admirava que parecesse estranho. Não admirava que tivesse um ar tão velho e escuro, assim como uma forma tão invulgar. Era o navio naufragado, erguido do fundo do mar e deixado sobre as rochas.
- Zé! Agora já podemos remar até lá e entrar no navio! - Gritou o Júlio. - Podemos explorá-lo de uma ponta à outra. E talvez encontrar as caixas com o ouro!
7 - REGRESSO AO CASAL KIRRIN
Os quatro jovens estavam de tal maneira surpreendidos e entusiasmados que não disseram uma palavra durante um ou dois minutos. Apenas olhavam para o casco escuro do velho navio, imaginando o que lá poderiam encontrar. Depois, o Júlio agarrou com força no braço da Zé e disse: - Não é fantástico? Oh, Zé, não é extraordinário ter acontecido uma coisa assim? No entanto, a Zé continuava sem falar, limitando-se a olhar para o navio, ao mesmo tempo que lhe ocorriam ideias de toda a espécie. Por fim, voltou-se para o Júlio. - Espero que o navio ainda seja meu, agora que já não está afundado! - disse ela. Não sei se os destroços dos navios pertencem à rainha ou a outra pessoa qualquer, como acontece com os tesouros perdidos. A verdade é que o navio pertencia à minha família. Ninguém lhe dava importância quando estava debaixo do mar. Acham que as pessoas ainda deixarão que ele seja meu, agora que veio à superfície? - Podemos não contar a ninguém! - disse o David. - Não sejas idiota - retorquiu a Zé. - Qualquer pescador o verá quando sair de barco para o mar alto. E depois toda a gente ficará a saber. - Bem, então o melhor é irmos nós explorá-lo antes que alguém o faça! - sugeriu o David, ansiosamente. - Ainda ninguém sabe que o navio está ali. Só nós. Não podemos explorá-lo logo que as ondas baixarem? - Não podemos ir a pé até àquelas rochas, se é isso que queres dizer - explicou a Zé. Temos de chegar lá de barco, mas não podemos correr esse risco agora, enquanto as ondas estiverem tão grandes. E de certeza que hoje não diminuirão. O vento ainda está muito forte. - E amanhã de manhã, bem cedo? - disse o Júlio. - Antes de alguém saber de alguma coisa. Aposto que, se formos os primeiros a entrar no navio, encontraremos alguma coisa de jeito. - Espero que sim - disse a Zé. - Já vos disse que andaram aqui mergulhadores a explorar o navio; mas, claro, é difícil procurar debaixo de água. Podemos encontrar qualquer coisa que eles não tenham visto. Oh, isto parece um sonho! Nem consigo acreditar que o meu velho navio saiu assim de repente do fundo do mar! O céu já não estava encoberto, e os raios de sol secavam as roupas dos jovens. Fumegavam ao sol, e até o pêlo do Tim desprendia nuvens de vapor. Ele parecia não gostar nada do navio destroçado e ladrava na sua direcção. - És muito engraçado, Tim - disse a Zé, dando-lhe umas palmadinhas. - O navio não te faz mal! Que pensas que aquilo é? - Talvez pense que é uma baleia - disse a Ana, soltando uma gargalhada. - Oh, Zé! Este é o dia mais emocionante da minha vida! Não podemos ir buscar o barco e ver se conseguimos chegar ao navio? - Não, não podemos - respondeu a Zé. - Quem me dera! Mas é impossível, Ana. Acho que o navio só ficará bem assente nas rochas quando a maré baixar. Vejo que ainda se ergue um pouco quando chega uma onda grande. Seria perigoso ir lá agora. Além disso, não quero que o meu barco se esmague nas rochas e nos atire para este mar bravo! Era isso que aconteceria. Temos de esperar até amanhã. É boa ideia virmos cedo. Acho que muita gente quererá explorar o navio. Os jovens ficaram a olhar para o velho navio durante mais algum tempo e, depois, deram novamente a volta à ilha. Não era muito grande, na verdade, mas tratava-se de um local encantador, com a sua pequena costa rochosa, a baía tranquila onde tinham deixado o barco, o castelo em ruínas, as gralhas a voar em círculos e os coelhos a correr alegremente.
- Adoro esta ilha - disse a Ana. - É pequena, por isso sinto que estou realmente numa ilha. Algumas são tão grandes que nem se percebe que são ilhas. Por exemplo, a GrãBretanha é uma ilha, mas as pessoas que lá vivem só sabem isso porque lhes dizem. Aqui, sinto que é mesmo uma ilha, porque de qualquer sítio onde esteja consigo ver a outra extremidade. Gosto muito desta ilha. A Zé sentia-se muito contente. Já tinha estado várias vezes na ilha, mas sempre sozinha, não contando com o Tim. Sempre pensara que nunca levaria ali ninguém, porque não queria que lhe estragassem a sua bela ilha. Mas, afinal, a presença dos seus primos não tinha estragado nada. Pelo contrário: tornara a ilha muito mais divertida. Pela primeira vez, a Zé compreendeu que partilhar as coisas boas da vida as torna ainda mais agradáveis. - Vamos esperar que as ondas diminuam um pouco e depois voltamos para casa disse ela. - Acho que vem aí mais chuva e ainda ficamos outra vez encharcados. Só devemos chegar a casa por volta da hora do lanche, porque temos de remar contra a maré. Os jovens sentiam-se um pouco cansados, depois de tantas emoções naquela manhã. Quase não falaram enquanto remavam, no regresso a casa. Remou um de cada vez, excepto a Ana, que não era suficientemente forte para remar contra a maré. Olhavam para a ilha enquanto se afastavam. Não conseguiam ver o navio naufragado, porque se encontrava do outro lado da ilha, na parte que dava para o mar alto. - Ainda bem que o navio ficou naquele sítio - disse o Júlio. - Ninguém o vê daqui. Só será visto quando um barco sair para pescar. E chegaremos lá antes de qualquer barco partir! Acho que devemos levantar-nos ao amanhecer. - Bem, isso é muito cedo - observou a Zé. - Conseguem acordar? Eu saio muitas vezes ao amanhecer, mas vocês não estão habituados. - Claro que conseguimos acordar, - disse o Júlio. - Bem, cá estamos de volta à praia. Para mim é um alívio. Já me doíam os braços de remar e estou com tanta fome que era capaz de comer tudo o que encontrasse numa despensa. O Tim ladrou, como se concordasse. - Tenho de levar o Tim ao Alf - disse a Zé, saltando do barco. - Tu trazes o barco para terra, Júlio. Eu não demoro. Pouco tempo depois, estavam os quatro sentados à mesa diante de um belo lanche. A tia Clara fizera biscoitos para eles e um bolo de gengibre com mel. Os jovens comeram com apetite e disseram que era o melhor bolo que já tinham saboreado. - Tiveram um dia divertido? - perguntou a tia. - Ah, sim! - disse a Ana, precipitadamente. - A tempestade foi enorme. E fez aparecer... O Júlio e o David deram-lhe um pontapé cada um, por baixo da mesa. A Zé não conseguia alcançá-la, senão de certeza que também lhe teria dado um pontapé. A Ana olhou para os irmãos furiosa, com lágrimas nos olhos. - Que se passa? - perguntou a tia Clara. - Alguém te deu um pontapé, Ana? Bem, estes pontapés por baixo da mesa têm de acabar. A pobre Ana vai ficar cheia de nódoas negras. O que é que a tempestade fez aparecer, querida? - Fez aparecer ondas enormes - disse a Ana, olhando para os outros com ar desafiador. Sabia que eles tinham pensado que ela ia dizer que a tempestade fizera aparecer o velho navio, mas estavam enganados! Tinham-lhe dado pontapés sem razão! - Desculpa o pontapé, Ana - disse o Júlio. - Foi sem querer. - O meu também foi sem querer, - disse o David. - Sim, tia Clara, foi um espectáculo fantástico na ilha. As ondas invadiram aquela baiazinha, e tivemos de empurrar o barco quase para cima dos penhascos. - Não tive medo da tempestade, - disse a Ana. - Pelo menos não tive tanto medo como o Ti... Sabiam perfeitamente que a Ana ia falar no Tim e interromperam-na todos ao mesmo tempo, falando muito alto. O Júlio conseguiu dar-lhe outro pontapé.
- Ai! - fez a Ana. - Os coelhos eram tão mansos - disse o Júlio, falando mais alto. - Vimos corvos marinhos, - acrescentou o Júlio. E a Zé juntou-se também à algazarra, falando todos ao mesmo tempo. - As gralhas estavam sempre a fazer barulho, a gritar - disseram eles. - Vocês é que parecem gralhas, a falarem todos ao mesmo tempo! - disse a tia Clara, dando uma gargalhada. - Então, já acabaram de falar? Muito bem. Agora, vão lavar essas mãos pegajosas. Sim, Zé, sei que estão pegajosas, porque fui eu que fiz aquele bolo com mel, e tu comeste três fatias! Depois, o melhor é ficarem sossegados na outra sala, porque está a chover e não podem sair. Mas não incomodem o teu pai, Zé. Ele está muito ocupado. Os jovens foram lavar as mãos. - Idiota! - disse o Júlio para a Ana. - Quase que nos denunciaste duas vezes! - Da primeira vez não ia dizer o que vocês pensam! - Principiou a Ana, indignada. A Zé interrompeu-a, para dizer: - Preferia que contasses o segredo do navio do que o meu segredo acerca do Tim. Acho que falas sem pensar. - Pois falo - disse a Ana, entristecida. - O melhor é nunca mais falar à mesa. Gosto tanto do Tim que não consigo deixar de falar nele. Foram todos para a outra sala. O Júlio virou ruidosamente uma mesa de pernas para o ar. - Vamos fingir que esta mesa é um navio naufragado e que nós o vamos explorar. A porta da sala abriu-se de repente. Uma cara zangada, de sobrolho franzido, olhou lá para dentro. Era o pai da Zé! - Que barulho é este? - disse ele. - Zé! Viraste esta mesa ao contrário? - Fui eu - disse o Júlio. - Desculpe. Esqueci-me de que estava a trabalhar. - Se fazem mais barulho, amanhã não saem de casa! - avisou o tio Alberto. - Maria José, vê se os teus primos ficam sossegados. A porta fechou-se e o tio Alberto foi-se embora. Os jovens entreolharam-se. - O teu pai é muito severo, não é? - disse o Júlio. - Desculpa ter feito tanto barulho. Foi sem pensar. - É melhor estarmos sossegados - disse a Zé. - Senão, ele faz o que disse... e amanhã ficamos em casa, logo no dia em que queremos explorar os destroços do navio. Essa perspectiva era terrível. A Ana foi buscar uma das suas bonecas para brincar. Apesar de tudo, conseguira trazer várias. O Júlio pôs-se a ler um livro. A Zé pegou num barquinho lindo que estava a esculpir num pedaço de madeira. O David recostouse numa cadeira e ficou a pensar no navio naufragado. A chuva não parava de cair, mas todos esperavam que na manhã seguinte estivesse bom tempo. - Temos de nos levantar cedíssimo, - disse o David, bocejando. - E se nos deitássemos cedo esta noite? Estou cansado de remar tanto. Em geral, nenhum dos jovens gostava de se deitar cedo. No entanto, ao pensarem no dia emocionante que os esperava, nenhum deles se importava de ir para a cama mais cedo nessa noite. - Assim o tempo passa mais depressa - disse a Ana, pousando a boneca. - Vamo-nos deitar? - Que achas que a minha mãe vai pensar se nos formos deitar a seguir ao lanche? disse a Zé. - Vai pensar que estamos doentes. Não, deitamo-nos logo depois do jantar. Dizemos que ficámos cansados por remar muito, o que é verdade, teremos a noite toda para dormir bem e estaremos frescos para a nossa aventura amanhã de manhã. E é realmente uma aventura. Não há muita gente que tenha a oportunidade de explorar um navio tão antigo e que esteve tanto tempo no fundo do mar! Ás oito horas, para grande surpresa da tia Clara, todos os jovens estavam já na cama. A Ana adormeceu de imediato. O Júlio e o David também não demoraram muito a adormecer. No entanto, a Zé ficou acordada durante algum tempo, a pensar na sua ilha, no seu navio e, é claro, no seu querido cão!
"Tenho de levar o Tim", pensou, quando estava prestes a adormecer. "Não podemos deixá-lo de lado. O Tim tem de participar também nesta aventura!”
8 - EXPLORANDO O NAVIO
O Júlio foi o primeiro a acordar na manhã seguinte. O Sol acabara de surgir acima do horizonte e enchia o céu de reflexos dourados. Júlio olhou para o tecto durante um momento, depois, lembrou-se de tudo o que tinha acontecido no dia anterior. Sentouse na cama e murmurou, o mais alto que pôde: - David! Acorda! Vamos explorar o navio! Acorda! David acordou e sorriu para o Júlio. Foi invadido por uma sensação de alegria. Esperava-os uma aventura. Saltou da cama e correu em silêncio para o quarto das raparigas. Abriu a porta. Ambas dormiam profundamente. O David abanou a Zé e deu uma leve palmada nas costas da Ana. Elas acordaram e sentaram-se na cama. - Levantem-se! - murmurou o David. - O Sol está a nascer. Temos de nos apressar. Os olhos azuis da Zé brilhavam de alegria enquanto se vestia. A Ana procurou também as suas roupas, apenas um fato de banho, calções, uma camisola e sapatos com sola de borracha. Poucos minutos depois, estavam prontas. - Agora, não façam as escadas ranger! E nada de tossidelas ou risos! - avisou o Júlio, quando se juntaram no patamar. A Ana já muitas vezes estragara planos secretos com os seus repentinos ataques de riso. Mas, desta vez, a rapariguinha mostrava-se tão séria e cuidadosa como os outros. Desceram as escadas e abriram a porta da rua. Tudo sem fazerem um único ruído. Fecharam a porta silenciosamente e dirigiram-se para o portão do jardim. Como o portão rangia muito, saltaram por cima dele em vez de o abrirem. O Sol brilhava esplendorosamente, embora ainda estivesse pouco acima do horizonte. Já se sentia o seu calor. O céu era de um azul tão maravilhoso que a Ana até imaginou que acabara de ser lavado! - Parece que saiu agora da lavandaria, - disse aos outros. Começaram todos a rir. A Ana às vezes fazia comentários um pouco estranhos. No entanto, percebiam o que ela queria dizer. O dia causava uma agradável sensação de frescura; as nuvens eram muito cor-de-rosa no céu azul claro, o mar estava tão liso e brilhante! Era impossível imaginar que se mostrara tão bravo no dia anterior. A Zé foi buscar o Tim, enquanto os rapazes empurravam o barco para o mar. Alf, o jovem pescador, ficou surpreendido ao ver a Zé tão cedo. Preparava-se para sair para a pesca com o pai. Sorriu para a Zé. - Também vão pescar? - disse o rapaz. - Que grande tempestade ontem! Pensei que a tinham apanhado. - E apanhámos, - respondeu a Zé. - Vamos, Tim! Vamos! O Tim ficou muito contente por ver a Zé chegar tão cedo. Dava saltos à sua volta, fazendo-a quase tropeçar, enquanto corriam para se juntar aos outros. Saltou para o barco logo que o viu e pôs-se à proa, com a língua vermelha de fora e a cauda a abanar com toda a força. - Até admira que ele ainda tenha cauda, - disse a Ana. - De tanto a abanares, Tim, um dia ainda te salta a cauda. Partiram para a ilha. Agora era fácil remar, porque o mar estava muito calmo. Chegaram à ilha e remaram até ao outro lado. E lá estava o velho navio, assente sobre algumas rochas pontiagudas! Ficara numa posição firme e não se movia quando as ondas passavam por baixo do casco. Estava um pouco inclinado para um lado, com o mastro partido sobressaindo obliquamente, mas agora ainda mais pequeno. - Ali está - disse o Júlio, emocionado. - Pobre navio destroçado! Acho que agora ficou ainda mais estragado. Ontem, fez tanto barulho quando bateu nas rochas!
- Como vamos até lá? - Perguntou a Ana, olhando para a grande quantidade de rochas ameaçadoras que rodeavam o navio. No entanto, a Zé não estava preocupada. Conhecia muito bem a costa em volta da ilha. Continuou a remar, até que chegaram perto das rochas onde o grande navio estava pousado. Os jovens olharam para o navio. Era enorme, muito maior do que tinham imaginado ao verem-no debaixo de água. Estava coberto de conchas e de algas verdes que pendiam do casco. Tinha um cheiro estranho. E viam-se grandes buracos nos lados, mostrando onde batera contra as rochas. Também havia buracos no convés. No seu conjunto, parecia um velho navio triste e abandonado, mas, para os quatro jovens, nada no mundo era mais emocionante. Remaram até às rochas onde o navio se encontrava. A maré fazia as ondas passar por cima das rochas. A Zé olhou em redor. - Vamos amarrar o nosso barco ao navio, - disse ela. - E será fácil chegarmos ao convés subindo por um dos lados. Olha, Júlio! Atira esta corda, que tem um laço, para aquele pedaço de madeira partido, saliente na borda do navio. Júlio assim fez. A corda ficou presa e, depois de apertada, o barco permaneceu seguro na posição ideal. A Zé subiu pela corda como um macaco. Trepava muito bem. O Júlio e o David seguiram-na, mas a Ana teve de ser ajudada. Pouco tempo depois, estavam os quatro sobre o convés inclinado. Os limos tornavam-no escorregadio, e o cheiro era realmente muito intenso. A Ana achou que era desagradável. - Bem, isto era o convés, - disse a Zé , - e ali era por onde os homens subiam e desciam. Apontou para uma grande abertura. Aproximaram-se e olharam para baixo. Viram os restos de uma escada de ferro. - Acho que a escada é ainda suficientemente forte para suportar o nosso peso, - disse a Zé. - Eu vou primeiro. Alguém tem uma lanterna? Está muito escuro ali em baixo. O Júlio trouxera uma lanterna. Entregou-a à Zé. Os jovens ficaram muito calados. Aquela escuridão no interior do grande navio era um mistério. Que iriam encontrar? A Zé acendeu a lanterna e começou a descer pela escada. Os outros seguiram-na. A luz da lanterna mostrou um estranho panorama. As partes inferiores do navio tinham tectos baixos, feitos de espessa madeira de carvalho. Os jovens tinham de baixar a cabeça para se deslocar. Havia locais que pareciam ter sido cabinas, embora agora fosse difícil perceber, porque tudo estava destroçado, carcomido pelo mar e coberto de algas. Era horrível o cheiro das algas a secar. Os jovens escorregavam nas algas enquanto percorriam o interior do navio. Afinal, por dentro, não parecia muito grande. Havia um grande porão por baixo das cabinas, que os jovens puderam ver à luz da lanterna. - Acho que era ali que as caixas com ouro eram guardadas, - disse o Júlio. Mas nada havia no porão, excepto água e peixes! Os jovens não podiam descer, porque a água era muito profunda. Um ou dois barris flutuavam na água, mas estavam abertos e vazios. - Deviam ser barris para água, ou carne, ou biscoitos, - disse a Zé. - Vamos para a outra parte do navio, onde eram as cabinas. Não é estranho ver aqueles beliches onde os marinheiros dormiam? E olhar para aquela cadeira velha de madeira. Imaginem só, aos anos que deve estar aqui! Olhem também para aquelas coisas nos ganchos. Já estão todas ferrugentas e cobertas de limos, mas deviam ser as panelas e os pratos da cozinha! Era tudo muito estranho naquela visita ao velho navio. Os jovens andavam à procura das caixas que poderiam conter as barras de ouro, mas parecia não haver ali caixas de espécie alguma! Chegaram a uma cabina um pouco maior do que as outras. Tinha um beliche num canto, no qual se encontrava um grande caranguejo. Uma peça de mobiliário que parecia uma mesa com duas pernas, toda coberta de conchas acinzentadas, estava encostada ao beliche. Prateleiras de madeira, tortas e adornadas com algas verde acinzentadas, pendiam das paredes da cabina.
- Aqui devia ser o camarote do capitão, - disse o Júlio. - É o maior. Olhem, que é aquilo ali no canto! - Uma chávena velha! - Disse a Ana, pegando nela. - E isto é metade de um prato. Acho que o capitão estava aqui a tomar uma chávena de chá quando o barco se afundou. Esta ideia fez os jovens sentirem-se pouco à vontade. Estava escuro e havia um cheiro desagradável na pequena cabina, cujo chão era húmido e escorregadio. A Zé começou a pensar que o seu navio era mais divertido quando estava afundado do que agora que viera à superfície! - Vamos, - disse ela, sentindo um arrepio. - Não gosto muito disto. É extraordinário, eu sei... mas é também um pouco assustador. E deram meia volta. O Júlio deu uma última olhadela em redor da pequena cabina à luz da lanterna. Estava prestes a apagá-la e a seguir os outros para o convés quando viu qualquer coisa que o fez parar. Apontou a lanterna para aquele sítio e chamou os outros. - Esperem! Há um armário aqui na parede. Vamos ver se tem alguma coisa dentro! Os outros voltaram para trás e olharam. Viram algo que parecia um armário pequeno inserido na parede do camarote. O que chamara a atenção do Júlio fora o buraco da fechadura. No entanto, não se via nenhuma chave. - Pode haver qualquer coisa lá dentro, - disse o Júlio, tentando abrir a porta com os dedos; mas esta não se moveu. - Está fechada à chave. Claro que tinha de estar! - A fechadura já deve ter apodrecido, - disse a Zé. Tentou também abrir o armário. Depois, tirou do bolso um grande canivete e introduziu a lâmina entre a porta do armário e a fechadura. Fez força com a lâmina. De repente, a fechadura do armário cedeu! Como a Zé dissera, estava bastante apodrecida. A porta abriu-se, e os jovens viram uma prateleira com alguns objectos curiosos. Havia uma caixa de madeira, inchada pela água do mar onde permanecera durante anos. Havia duas ou três coisas que pareciam livros velhos. Havia uma espécie de recipiente de vidro, partido ao meio e dois ou três objectos estranhos, tão estragados pela água do mar que se tornava impossível dizer o que eram. - Nada com interesse, a não ser a caixa, - disse o Júlio, enquanto lhe pegava. - De qualquer maneira, o que houver aqui dentro deve estar estragado. Mas podemos tentar abrir a caixa. Ele e a Zé tentaram tudo para forçar a fechadura da velha caixa de madeira. Na tampa, estavam gravadas as iniciais H. J. K. - Devem ser as iniciais do capitão, - disse o David. - Não, eram as iniciais do meu tetravô! - disse a Zé, com os olhos a brilhar. - Ouvi muito falar dele. Chamava-se Henry John Kirrin. Este navio pertencia-lhe. Ele devia guardar os seus papéis ou diários nesta caixa. Temos de a abrir! No entanto, não conseguiam abrir a tampa, nem com o canivete da Zé. Acabaram por desistir. O Júlio pegou na caixa para a levar para o barco. - Vamos abri-la em casa, - disse ele, num tom de voz entusiasmado. - Talvez com um martelo. Que grande descoberta, Zé! Todos pensavam realmente que tinham na sua posse qualquer coisa muito misteriosa. Haveria alguma coisa dentro da caixa? Se houvesse, que seria? Estavam ansiosos por chegar a casa e abri-la! Subiram para o convés, trepando pela escada de ferro. Logo que lá chegaram, viram que outras pessoas além deles tinham descoberto que o mar trouxera o navio do fundo do mar para a superfície! - Céus! Estão aqui quase todos os barcos de pesca da baía! - Exclamou o Júlio, olhando para os barcos que se tinham aproximado do navio tanto quanto conseguiam. Os pescadores olhavam maravilhados para o navio. Quando viram os jovens a bordo, gritaram: - Quem está aí? Que navio é esse? - É o velho navio que estava afundado! - gritou o Júlio. - Veio à superfície ontem com a tempestade!
- Não digas mais nada, - indicou a Zé, franzindo a testa. - O navio é meu. Não quero curiosos aqui dentro! Nada mais disseram. Os quatro jovens regressaram ao barco e remaram para casa o mais velozmente possível. Já passara a hora do pequeno almoço. Podiam levar uma boa reprimenda. Podiam até ser mandados para a cama pelo pai da Zé. Mas que importava? Tinham explorado o navio e voltado com uma caixa que podia conter, se não barras de ouro, talvez uma pequena barra! Quando chegaram, foram repreendidos. Além disso, tiveram de se contentar com metade do pequeno-almoço, porque o tio Alberto disse que as crianças que chegavam tão atrasadas não mereciam ovos com presunto, só torradas com manteiga. Foi muito aborrecido. Esconderam a caixa debaixo da cama, no quarto dos rapazes. O Tim ficara com o jovem pescador ou, melhor dizendo, tinham-no deixado preso no quintal do Alf, pois este fora à pesca e estava agora no barco do pai, a olhar para o estranho navio. - Podemos ganhar algum dinheiro trazendo aqui pessoas para verem o navio, - disse o Alf. Antes do fim do dia, numerosas pessoas tinham já visto o velho navio, transportadas em barcos a motor e barcos de pesca. A Zé estava furiosa. Mas nada podia fazer. Afinal, como o Júlio dizia, toda a gente tinha o direito de ver o navio.
9 - A CAIXA MISTERIOSA
A primeira coisa que os jovens fizeram depois do pequeno almoço foi pegar na preciosa caixa e levá-la para o alpendre do jardim, onde eram guardadas as ferramentas. Estavam ansiosos por abri-la. Todos achavam que deveria conter algum tesouro. O Júlio olhou em redor à procura de uma ferramenta. Encontrou um escopro e pensou que seria exactamente o ideal para arrombar a caixa. Tentou, mas a ferramenta escorregou e magoou-lhe os dedos. Depois, tentou com outras coisas, mas a caixa teimava em não se deixar abrir. Os jovens olhavam-na, contrariados. - Já sei o que havemos de fazer, - disse a Ana, por fim. - Levamo-la para o sótão e atiramo-la cá para baixo. Acho que assim se abrirá. Os outros pensaram se seria boa ideia. - Talvez valha a pena tentar, - disse o Júlio. - Só que pode partir-se qualquer coisa que esteja dentro da caixa. Como não parecia haver outra maneira de abrir a caixa, o Júlio levou-a para o sótão e abriu uma janela. Os outros estavam em baixo, à espera. O Júlio atirou a caixa pela janela com toda a força. Esta voou pelos ares e caiu com grande estrondo nas lajes irregulares do pavimento. De imediato, uma porta envidraçada abriu-se e o tio Alberto saiu como uma bala disparada.
- Que estão a fazer? - Gritou ele. - Estão a atirar coisas uns aos outros pela janela? Que é isto no chão? Os jovens olharam para a caixa. Abrira-se e ficara por terra, vendo-se que tinha por dentro um revestimento de estanho, à prova de água. Se houvesse alguma coisa na caixa, não estaria estragada! David correu a apanhá-la. - Já perguntei o que é isso no chão? - Gritou o tio, dirigindo-se para ele. - É... é uma coisa que nos pertence, - disse o David, corando. - Muito bem. Ficarei com ela, - disse o tio. - A incomodarem-me desta maneira! Dá-me isso. Onde encontraram essa caixa? Ninguém respondeu. O tio Alberto franziu tanto a testa que os óculos quase lhe caíram. - Onde a encontraram? - Gritou, olhando ameaçadoramente para a pobre Ana, que estava mais perto.
- No navio que estava afundado, - balbuciou a rapariguinha, assustada. - No navio? - disse o tio, surpreendido. - O velho navio que veio ontem à superfície? Ouvi falar nisso. Quer dizer que estiveram lá?
- Estivemos, - disse o David. Nesse momento, o Júlio apareceu, com ar preocupado. Seria horrível que o tio lhes tirasse a caixa, agora que a tinham aberto. Mas foi exactamente isso que ele fez! - Bem, esta caixa pode conter alguma coisa importante, - disse o tio Alberto, tirando-a das mãos do David. - Não têm o direito de andar a bisbilhotar naquele velho navio. - O navio é meu, - disse a Zé. - Por favor, pai, deixe-nos ficar com a caixa. Acabámos de a abrir. Pensámos que podia ter... uma barra de ouro... ou qualquer coisa assim! - Uma barra de ouro! - disse o pai, com ar incrédulo. - És mesmo uma criança! Esta pequena caixa nunca poderia ter uma coisa assim! É muito mais provável que contenha informações acerca do que aconteceu às barras! Sempre pensei que o ouro foi entregue em qualquer parte, e que o navio, já sem a sua carga valiosa, naufragou ao sair da baía! - Oh, pai... por favor, deixe-nos ficar com a caixa - suplicou a Zé, quase a chorar. Pressentia que a caixa continha papéis que podiam indicar-lhes o que acontecera ao ouro. No entanto, sem dizer nem mais uma palavra, o pai entrou em casa, levando a caixa debaixo do braço. A Ana começou a chorar e disse: - Não se zanguem comigo por eu ter dito que encontrámos a caixa no navio. O tio olhou para mim com uma cara tão zangada! Tive de lhe dizer. - Está bem, - disse o Júlio, pondo o braço sobre os ombros da irmã. No entanto, o Júlio estava furioso. Pensava que era muito injusto que o tio tivesse levado a caixa daquela maneira. - Ouçam. Não vou aceitar isto. Haveremos de apanhar a caixa para ver o que está lá dentro. Zé, tenho a certeza de que o teu pai não se vai preocupar com o assunto, começará outra vez a escrever o livro dele e nunca mais pensará na caixa. Quando tiver oportunidade, entro no escritório e vou buscá-la, mesmo que receba um castigo se for descoberto! - Óptimo, - disse a Zé. - Vamos ficar de vigia para ver se o meu pai sai de casa. Fizeram turnos de vigia, mas o tio Alberto ficou no escritório toda a manhã. A tia Clara estava surpreendida por ver sempre um ou dois miúdos no jardim, em vez de irem para a praia. - Porque é que não foram todos juntos para a praia? - Perguntou. - Zangaram-se uns com os outros? - Não, - disse o David. - Claro que não. Mas não disse por que razão estavam no jardim! - O teu pai nunca sai? - Perguntou à Zé, quando chegou a vez de ela ficar a vigiar. Acho que ele não tem uma vida muito saudável. - Os cientistas são todos assim, - observou a Zé, como se soubesse tudo acerca de cientistas. - Mas digo-te uma coisa: talvez ele durma uma sesta esta tarde! Às vezes, dorme! O Júlio ficou no jardim nessa tarde. Sentou-se debaixo de uma árvore e abriu um livro. Pouco depois, ouviu um ruído que lhe chamou a atenção. Percebeu de imediato o que era! "É o tio Alberto a ressonar", disse para consigo. "Talvez consiga entrar no escritório para ir buscar a nossa caixa!” Aproximou-se da porta envidraçada e olhou para dentro. Estava entreaberta, e o Júlio abriu-a um pouco mais. Viu o tio sentado num confortável cadeirão, com a boca um pouco aberta, os olhos fechados, profundamente adormecido! "Parece que está mesmo a dormir", pensou o rapaz. "E vejo ali a caixa, atrás dele, em cima da mesa. Vou arriscar. Aposto que receberei uma grande descompostura se for apanhado, mas tenho de tentar!” Entrou no escritório. O tio continuava a ressonar. Pé ante pé, avançou para a mesa que estava atrás do cadeirão do tio. Pegou na caixa. Então, um pedaço de madeira partida, que se desprendeu da caixa, caiu no chão fazendo um ruído seco! O tio mexeu-se na cadeira e abriu os olhos. Rápido como um raio, o rapaz baixou-se atrás do cadeirão do tio, quase sem respirar.
- Que foi isto! - resmungou o tio. O Júlio não se moveu. Depois, o tio recostou-se de novo e fechou os olhos. Depressa voltou a ressonar. "Óptimo", pensou o Júlio. "Adormeceu outra vez." Levantou-se silenciosamente, segurando a caixa. Em bicos de pés, dirigiu-se para a porta envidraçada. Esgueirou-se para o jardim e começou a correr. Nem pensou em esconder a caixa. Só queria ir ao encontro dos outros e mostrar-lhes o que fizera! Correu até à praia, onde eles estavam deitados ao sol. - Olhem! Consegui! Consegui! - gritou. Todos se ergueram de repente, espantados por verem a caixa nas mãos do Júlio. Esqueceram-se até de que havia outras pessoas na praia. O Júlio deixou cair a caixa na areia e sorriu. - O teu pai estava a dormir, - disse ele à Zé. - Tim, acaba com essas lambidelas! E eu entrei, Zé... e um pedaço da caixa caiu no chão... e ele acordou! - Céus! - exclamou a Zé. - Que aconteceu? - Escondi-me atrás do cadeirão até ele adormecer outra vez, - disse o Júlio. - Depois, saí a correr. Agora, vamos ver o que está aqui dentro. Acho que o teu pai nem deve ter olhado! E não tinha. O revestimento de estanho estava intacto. Enferrujara depois de tantos anos no fundo do mar, e a tampa encontrava-se de tal maneira encaixada que era quase impossível movê-la. No entanto, a Zé começou a raspar a ferrugem com o seu canivete de bolso, até que a tampa ficou um pouco mais solta e, passado cerca de um quarto de hora, acabou por sair! Os jovens inclinaram-se ansiosamente sobre a caixa. No interior, viram alguns papéis velhos e um livro com capa preta. Mais nada. Nenhuma barra de ouro. Nenhum tesouro. Todos se sentiram um pouco desapontados. - Está tudo bem seco, - disse o Júlio, surpreendido. - Nem um pouco de humidade. O revestimento de estanho manteve isto em perfeitas condições. Pegou no livro e abriu-o. - É o diário de bordo do teu tetravô, - disse ele. - Mal consigo ler esta letra. É muito miudinha e esquisita. A Zé pegou num dos papéis. Era um pergaminho grosso, amarelecido pelo tempo. Estendeu-o sobre a areia e olhou para ele. Os outros também olharam, mas não conseguiram perceber do que se tratava. Parecia uma espécie de mapa. - Talvez seja o mapa de algum lugar onde ele tinha de ir, - disse o Júlio. De repente, as mãos da Zé começaram a tremer enquanto segurava no mapa, e os seus olhos brilharam intensamente quando fitou os outros jovens. Abriu a boca, mas não falou. - Que aconteceu? - Perguntou o Júlio, cheio de curiosidade. - Que se passa? Perdeste a língua? A Zé abanou a cabeça e depois começou a falar muito depressa. - Júlio! Sabes o que é isto? É um mapa do meu velho castelo, do castelo de Kirrin, quando ainda não estava em ruínas. E mostra que havia subterrâneos! Olha... olha só o que está escrito neste canto dos subterrâneos! Apontou com o dedo para um ponto do mapa. Os outros inclinaram-se para ver o que era. Em letras de estilo antigo, estava escrita uma palavra curiosa. LINGOTES - Lingotes! - disse a Ana, intrigada. - Que significa isso! Não conheço essa palavra. Mas os dois rapazes conheciam. - Lingotes! - exclamou o David. - Devem ser as barras de ouro. Chamavam-lhes lingotes. - A maior parte das barras de metal tem o nome de lingotes, - disse o Júlio, ficando vermelho de entusiasmo. - Mas como sabemos que havia ouro naquele navio, então parece que os lingotes aqui significam barras de ouro. Extraordinário! Imaginar que
podem ainda estar escondidas no castelo de Kirrin. Zé! Zé! Não achas que isto é fantástico! A Zé acenou com a cabeça, concordando. Estava a tremer de emoção. - Se conseguíssemos encontrar o ouro! - murmurou ela. - Se conseguíssemos! - Iremos à procura, - disse o Júlio. - Vai ser muito difícil encontrá-lo, porque o castelo está em ruínas e coberto de plantas. Mas havemos de descobrir esses lingotes. Que palavra maravilhosa. Lingotes! Lingotes! Lingotes! Parecia muito mais emocionante do que a palavra "ouro". Ninguém falou mais em ouro. Falavam só de lingotes. O Tim não conseguia perceber a razão de tanto entusiasmo. Abanava a cauda e tentava dar lambidelas a todos, mas desta vez ninguém lhe prestava atenção! Ele simplesmente não conseguia perceber. Passado algum tempo, afastou-se e foi sentar-se de costas para os jovens, de orelhas caídas. - Oh, olhem para o pobre Tim! - disse a Zé. - Não consegue perceber o que se passa. Tim! Querido Tim, está tudo bem, não deixámos de gostar de ti. Oh, Tim, sabemos o segredo mais maravilhoso do mundo. O Tim levantou-se de um salto, com a cauda a abanar, contente por lhe prestarem atenção. Pôs uma pata em cima do mapa, e os quatro jovens gritaram todos ao mesmo tempo. - Não podemos rasgar isto! - disse o Júlio. Depois, olhou para os outros e acrescentou: - O que vamos fazer à caixa? O pai da Zé vai dar pela falta dela, não é verdade? Temos de voltar a pô-la no escritório. - Não podemos tirar o mapa e ficar com ele? - disse o David. - Se ele não viu o que a caixa tinha, não sabe que há um mapa. E de certeza que não viu. As outras coisas não importam: só um velho diário e algumas cartas. - Para não corrermos riscos, vamos fazer uma cópia do mapa, - disse o Júlio. Depois, podemos devolver a caixa com o mapa verdadeiro. Todos concordaram com a ideia. Regressaram ao Casal Kirrin e desenharam o mapa com o maior cuidado. Fizeram-no no alpendre do jardim, porque não queriam que ninguém os visse. Era um estranho mapa. Tinha três partes. - Esta parte mostra os subterrâneos por baixo do castelo, - disse o Júlio. - Esta mostra uma planta do rés-do-chão e esta mostra a parte de cima. Devia ser um belo edifício, naqueles tempos! Os subterrâneos estendem-se por baixo de todo o castelo. Aposto que têm um ar assustador. Gostava de saber onde é a entrada. - Temos de estudar o mapa para saber, - disse a Zé. - Agora parece-nos tudo muito confuso, mas quando levarmos o mapa para o castelo, conseguiremos descobrir como chegar aos subterrâneos. Oh, que aventura fantástica! O Júlio guardou no bolso das calças o mapa que tinham desenhado. Não queria separar-se dele. Era demasiado precioso. Depois, colocou o mapa verdadeiro na caixa e olhou em direcção à casa.
- Vamos lá pôr a caixa! - disse ele. - Zé, talvez o teu pai ainda esteja a dormir. Mas não estava. Já tinha acordado. Por sorte, não dera pela falta da caixa! À hora do lanche, quando o tio foi para a sala de jantar, o Júlio aproveitou a ocasião. Arranjou uma desculpa, levantou-se da mesa e foi ao escritório pôr a caixa no sítio de onde a tirara! Quando voltou, piscou o olho para os outros. Sentiram-se aliviados. Tinham medo do tio Alberto e não queriam de maneira alguma que ele se zangasse. A Ana não falou durante todo o lanche. Receava terrivelmente que lhe escapasse alguma palavra acerca do Tim ou da caixa. Os outros falaram também muito pouco. Estavam ainda sentados à mesa quando o telefone tocou. A tia Clara foi atender. Quando voltou, disse: - Parece que os destroços do navio causaram muito entusiasmo, e há uns homens de um jornal de Londres que querem fazer-te algumas perguntas acerca do assunto. - Diz-lhes que os recebo às seis horas, - retorquiu o tio Alberto. Os jovens entreolharam-se, alarmados. Esperavam que o tio não mostrasse a caixa aos jornalistas. Caso contrário, o segredo do ouro escondido poderia ser revelado! - Que sorte termos desenhado uma cópia do mapa! - Disse o Júlio, depois do lanche. Mas já estou arrependido de termos deixado o mapa verdadeiro na caixa. Alguém pode descobrir o nosso segredo!
10 - UMA OFERTA INESPERADA
Na manhã seguinte, os jornais davam notícia do modo extraordinário como o velho navio surgira do fundo do mar. Os jornalistas tinham sabido através do tio dos jovens a história do naufrágio e do ouro perdido. Alguns haviam mesmo conseguido desembarcar na ilha de Kirrin e tirar fotografias do castelo em ruínas. A Zé estava furiosa. - É o meu castelo! - gritou para a mãe. - É a minha ilha. A mãe disse que era minha. Sabe bem que disse! - Eu sei, Zé, - admitiu a mãe. - Mas tens de ser razoável. Não faz mal nenhum que alguém desembarque na ilha ou fotografe o castelo. - Mas eu não quero, - disse a Zé, com ar zangado. - A ilha é minha. E o navio também é meu. A mãe disse que me pertenciam. - Bem, não sabia que o navio voltaria à superfície, - disse a mãe. - Sê razoável, Zé. Se as pessoas querem ver o navio, que importância tem isso? Não podes impedi-las. Era verdade que a Zé não podia impedi-las. No entanto, isso não a fazia sentir-se menos zangada. Os jovens estavam surpreendidos pelo interesse que o navio tinha despertado, tornando a ilha de Kirrin também objecto de grande atenção. Visitantes das redondezas vieram para ver o navio, e os pescadores conseguiram encontrar a pequena baía, levando as pessoas até lá. A Zé soluçava de raiva. O Júlio tentava confortá-la. - Ouve, Zé! Ainda ninguém conhece o nosso segredo. Esperemos que este entusiasmo acabe e depois iremos ao castelo de Kirrin procurar os lingotes. - Se alguém não os encontrar primeiro, - disse a Zé, limpando as lágrimas. Estava furiosa com ela própria por chorar, mas não o conseguia evitar. - Como haveriam de os encontrar? - disse o Júlio. - Ninguém viu ainda o que está dentro da caixa! Quando tiver uma oportunidade, vou buscar aquele mapa antes que alguém o veja! No entanto, não teve nenhuma oportunidade, porque algo terrível aconteceu. O tio Alberto vendeu a velha caixa a um homem que comprava objectos antigos! Um dia ou dois após ter começado aquele entusiasmo pelo navio, o tio Alberto saiu do escritório, radiante, e contou tudo à tia Clara e aos jovens.
- Fiz um negócio excelente com aquele homem, - disse ele para a mulher. - Lembraste daquela caixa do navio? Este homem colecciona curiosidades daquele género e ofereceu-me uma boa quantia pela caixa. Muito boa mesmo. Mais do que eu esperava ganhar com o livro que estou a escrever! Mal viu o velho mapa e o diário, quis logo comprar tudo. Os jovens fitaram-no horrorizados. A caixa fora vendida! Agora, alguém examinaria o mapa e talvez percebesse o que significava ali a palavra "lingotes". A história do ouro perdido já aparecera nos jornais. Se alguém observasse o mapa com atenção, decerto compreenderia o que estava lá indicado. Os jovens não ousaram contar ao tio Alberto aquilo que sabiam. Era verdade que ele agora se mostrava muito sorridente, prometendo comprar-lhes novos camaroeiros e até uma jangada, mas era uma pessoa que mudava de humor com tanta facilidade! Podia ter um ataque de fúria se soubesse que o Júlio fora buscar a caixa e a abrira quando ele estava a dormir. Quando ficaram sozinhos, os jovens discutiram o assunto. Parecia-lhes, na verdade, um caso muito sério. Ainda pensaram se deveriam contar o segredo à tia Clara; mas era um segredo tão precioso, tão maravilhoso, que decidiram que não contariam a ninguém. - Ouçam! - disse o Júlio, por fim. - Vamos perguntar à tia Clara se podemos ficar um ou dois dias na ilha de Kirrin, passando lá a noite também. Assim, teremos algum tempo para as nossas buscas e para ver o que conseguimos encontrar. Daqui a um ou dois dias com certeza que já não haverá visitantes. Talvez cheguemos lá antes de alguém descobrir o nosso segredo. Afinal, o homem que comprou a caixa talvez nem imagine que aquele mapa é do castelo de Kirrin. Sentiram-se mais animados. Era desesperante não fazerem nada. Logo que planearam agir, sentiram-se melhor. Decidiram perguntar à tia, no dia seguinte, se podiam ir para a ilha e passar o fim-de-semana no castelo. O tempo estava muito bom, e seria extremamente divertido. Poderiam levar um grande carregamento de comida. Quando foram perguntar à tia Clara se podiam ir, o tio Alberto estava junto dela. Continuava todo sorridente e até deu uma palmada nas costas do Júlio. - Muito bem! - disse ele. - Que querem vocês! - Só queríamos pedir uma coisa à tia Clara, - disse o Júlio, delicadamente. - Tia Clara, como o tempo está muito bom, acha que nos deixava ir, por favor, passar o fim-desemana no castelo de Kirrin e ficar um ou dois dias na ilha! Gostávamos tanto de ir! - Bem, que achas, Alberto? - perguntou a tia, voltando-se para o marido. - Se querem assim tanto, podem ir, - disse o tio Alberto. - Tão cedo não terão outra oportunidade de lá voltar. Fiquem sabendo que recebemos uma oferta maravilhosa pela ilha de Kirrin! Há um homem que quer comprá-la, reconstruir o castelo para fazer um hotel e transformar aquele sítio numa estância de férias! Que acham disto! Os jovens olharam para o tio Alberto, chocados e horrorizados. Alguém ia comprar a ilha! O segredo deles teria sido descoberto? O homem quereria comprar o castelo por ter visto o mapa e percebido que havia lá muito ouro escondido? A Zé estava revoltada. Parecia que os seus olhos lançavam faíscas. - Mãe! Não podem vender a minha ilha! Não podem vender o meu castelo! Não deixo que vendam. O pai franziu a testa e disse: - Não sejas palerma, Maria José. Sabes muito bem que a ilha não é tua. Pertence à tua mãe, e é natural que ela a queira vender agora que tem uma oportunidade. Precisamos muito desse dinheiro. Poderás ter muitas coisas bonitas quando vendermos a ilha. - Não quero coisas bonitas! - gritou a Zé. - O meu castelo e a minha ilha são as coisas mais bonitas que posso ter. Mãe! Mãe! Disse-me que eram meus. Sabe muito bem que disse! E eu acreditei. - Minha querida, queria dizer que podias ficar com a ilha e o castelo para brincares lá, quando eu julgava que não valiam nada, - disse a mãe, com ar desgostoso. - Mas as
coisas agora são diferentes. Ofereceram ao teu pai bastante dinheiro pela ilha, muito mais do que podíamos imaginar. E não estamos em condições de nos dar ao luxo de recusar. - Então, só me deram a ilha porque pensavam que não valia nada! - disse a Zé, pálida de raiva. - Agora, que passou a valer algum dinheiro, tiram-ma outra vez. Acho que é horrível. Não, não é honesto. - Chega, Maria José, - disse o pai, zangado. - A tua mãe seguiu o meu conselho. Tu não passas de uma criança. A tua mãe só te disse aquilo para te agradar. Mas sabes muito bem que te daremos o que quiseres com o dinheiro que recebermos. - Não quero nada! - murmurou a Zé, quase sem fala. - Hão-de arrepender-se de a vender. A rapariga deu meia volta e saiu da sala. Os outros sentiram pena dela. Sabiam o que estava a sentir. Levava tudo tão a sério! O Júlio pensou que ela não percebia muito bem os adultos. Não valia a pena discutir com os adultos. Eles podiam fazer tudo o que queriam. Se queriam vender a ilha e o castelo da Zé, podiam fazê-lo. Mas o que o tio Alberto não sabia era que talvez lá houvesse um carregamento de lingotes de ouro! O Júlio olhou para o tio e pensou se deveria avisá-lo. Decidiu que não. Ainda era possível que os quatro jovens encontrassem o ouro! - Quando é que vende a ilha, tio? - perguntou, tranquilamente. - O contrato será assinado daqui a uma semana, - foi a resposta. - Por isso, se querem passar lá um ou dois dias, é melhor apressarem-se, porque depois os novos proprietários talvez não vos dêem autorização. - É o homem que comprou a caixa que quer também comprar a ilha? - perguntou o Júlio. - Sim, - disse o tio. - Eu próprio fiquei um pouco surpreendido, porque pensava que ele era só comprador de antiguidades. Achei espantosa aquela ideia de comprar a ilha para restaurar o castelo e fazer um hotel. No entanto, acho que um hotel ali dará muito dinheiro: é romântico ficar numa pequena ilha como aquela e as pessoas hão-de gostar. Não sou um homem de negócios e nunca me lembraria de investir o meu dinheiro num lugar como a ilha de Kirrin. Mas creio que ele sabe o que está a fazer. "Claro que sabe", pensou o Júlio, enquanto saía da sala com o David e a Ana. "Ele viu o mapa e chegou à mesma conclusão que nós: os lingotes estão escondidos na ilha, e vai procurá-los! Não quer construir um hotel! Anda à procura do tesouro! Imagino que ofereceu ao tio Alberto uma ninharia ridícula, mas que o tio pensa que é extraordinária. Que situação horrível!” Foi à procura da Zé. Estava no alpendre do jardim, muito pálida. Disse que se sentia enjoada. - É porque estás aborrecida, - disse o Júlio. Pôs o braço sobre os ombros da Zé. Desta vez, ela não o afastou. Sentiu-se reconfortada. As lágrimas vieram-lhe aos olhos, muito contrariada, tentou contê-las. - Ouve, Zé - disse o Júlio. - Não devemos perder a esperança. Iremos amanhã para a ilha de Kirrin e faremos tudo o que for possível para descermos aos subterrâneos e encontrarmos os lingotes. Ficaremos lá até conseguirmos. Agora, anima-te, porque queremos que nos ajudes a planear tudo. Ainda bem que fizemos um desenho do mapa. A Zé ficou um pouco mais animada. Ainda estava zangada com os pais, mas a ideia de ir para a ilha de Kirrin um ou dois dias, levando o Tim, parecia-lhe excelente. - Acho que os meus pais são injustos, - disse ela. - Não penses assim, - disse o Júlio, sensatamente. - Afinal, se precisam tanto de dinheiro, seria idiota não se desfazerem de uma coisa que não vale nada para eles. E o teu pai disse que podias ter aquilo que quisesses. No teu lugar saberia muito bem o que pedir! - O quê? - perguntou a Zé. - O Tim, é claro! - disse o Júlio.
Esta ideia fez a Zé sorrir e ficar muito mais animada!
11 - DE NOVO NA ILHA DE KIRRIN
O Júlio e a Zé foram ter com o David e a Ana. Estes encontravam-se à espera no jardim, com um ar bastante preocupado. Ficaram satisfeitos ao verem o Júlio e a Zé, e correram ao seu encontro. A Ana pegou nas mãos da Zé e disse: - Estou muito triste com o que aconteceu à tua ilha. - Também eu, - disse o David. - Pouca sorte, rapariga, quero dizer, rapaz. A Zé conseguiu esboçar um sorriso. - Tenho-me portado como uma rapariga, - disse, um pouco envergonhada. - Mas isto foi um grande choque para mim. O Júlio contou aos outros o que tinham planeado. - Partimos amanhã de manhã, - disse ele. - Vamos já fazer uma lista de todas as coisas que precisaremos de levar. Tirou do bolso um lápis e um bloco de notas. Os outros olhavam-no. - Comida, - disse o David de imediato. - Muita comida, porque vamos ter bastante fome. - Alguma coisa para beber, - disse a Zé. - Não há água na ilha, acho que existia um poço, há muitos anos, que descia abaixo do nível do mar e tinha água doce. Mas nunca o encontrei. - Comida e bebida, - escreveu o Júlio. Olhou para os outros. - Pás, - acrescentou com ar muito sério, escrevendo a palavra. A Ana ficou surpreendida e perguntou: - Para quê? - Bem, vamos precisar de escavar para encontrar o caminho dos subterrâneos, explicou o Júlio. - Cordas, - disse o David. - Podemos também precisar de cordas. - E lanternas, disse a Zé. - Os subterrâneos são escuros. - Oh! - fez a Ana, sentindo um agradável arrepio na espinha. Não fazia ideia de como eram os subterrâneos, mas pareciam-lhe emocionantes. - Cobertores, - disse o David. - Se vamos dormir naquele velho quarto, teremos frio à noite. O Júlio escreveu. - Canecas por onde possamos beber, - acrescentou. - E levaremos também algumas ferramentas. Podemos precisar delas. Nunca se sabe. Ao fim de meia hora, tinham uma lista bastante extensa. Todos estavam contentes e entusiasmados. A Zé começava a recompor-se da sua fúria e do seu desapontamento. Se estivesse sózinha, teria ficado a cismar no assunto, sentindo-se ainda mais triste e furiosa. No entanto, os primos eram tão sensatos e alegres que se tornava impossível permanecer de mau humor durante muito tempo. "Acho que eu seria muito mais simpática se não tivesse vivido sozinha durante tanto tempo", pensou a Zé, enquanto observava o Júlio. "Falar das coisas com as outras pessoas é uma grande ajuda. Deixam de parecer tão más, tornam-se mais suportáveis e normais. Gosto muito dos meus três primos. Gosto deles porque estão sempre a falar e a rir, e são muito alegres e simpáticos. Quem me dera ser como eles. Eu sou aborrecida, teimosa e tenho mau feitio. Não admira que o pai não goste de mim e me repreenda tantas vezes. A mãe é amorosa, mas compreendo agora por que razão ela diz que eu sou difícil. Sou diferente dos meus primos, é fácil compreendê-los, toda a gente gosta deles. Estou contente por terem vindo. Estão a tornar-me mais parecida com aquilo que eu gostava de ser.”
Enquanto pensava em tudo isto, a Zé ficou com um ar muito sério. O Júlio reparou que ela o fitava com os seus olhos muito azuis, sorriu e disse: - Dava tudo para saber em que estás a pensar! - Em nada de especial, - disse a Zé, corando. - Estava só a pensar que vocês são muito simpáticos e que também gostava de ser assim. - Mas tu és uma pessoa fantástica, - disse o Júlio. - Não tens culpa de ser filha única. Os filhos únicos são sempre um pouco diferentes dos outros. Mas acho que tu és uma pessoa muito interessante. A Zé corou novamente, sentindo-se satisfeita. - Vamos buscar o Tim e dar um passeio, - disse ela. - Deve estar intrigado por ainda não termos aparecido hoje. Lá foram os quatro juntos, e o Tim recebeu-os a ladrar muito alto, todo contente. Contaram-lhe os planos que tinham para o dia seguinte. Ele abanava a cauda e fitavaos com os seus olhos meigos como se compreendesse tudo o que lhe diziam! - Deve estar satisfeito por saber que vai estar connosco dois ou três dias, - disse a Ana. Na manhã seguinte, era grande o entusiasmo, na altura da partida, com todas as coisas arrumadas numa extremidade do barco. O Júlio verificou se não faltava nada, lendo em voz alta a lista que tinha feito. Parecia que não se tinham esquecido de nada. - Tens o mapa? - Perguntou o David, de repente. Júlio acenou afirmativamente. - Vesti uns calções lavados esta manhã, mas claro que me lembrei de pôr o mapa no bolso. Aqui está! Tirou-o do bolso, e o vento arrancou-lho imediatamente da mão! Foi cair no mar e ali ficou a flutuar ao sabor do vento. Os quatro jovens deram um grito de desespero. O precioso mapa! - Depressa! Temos de o apanhar! - Gritou a Zé, virando o barco com os remos. No entanto, houve quem fosse mais rápido do que ela! O Tim tinha visto o papel voar da mão do Júlio e ouvira e compreendera os gritos de desespero. Deu um salto para a água e nadou corajosamente atrás do mapa. Nadava muito bem, pois era forte e enérgico. Depressa apanhou o mapa com a boca e nadou de regresso ao barco. Os jovens acharam que ele era simplesmente maravilhoso! A Zé puxou-o para dentro do barco e tirou-lhe o mapa da boca. Quase não se notava a marca dos seus dentes no mapa, porque o trouxera com todo o cuidado! Estava molhado, e os jovens olharam ansiosamente para verificar se o desenho ficara estragado. Mas o Júlio fizera traços muito carregados, pelo que nada desaparecera. Colocou o mapa sobre um dos bancos para o secar ao sol e pediu ao David para o segurar. - Por pouco que não estragávamos tudo! - disse, e os outros concordaram. A Zé voltou a pegar nos remos, e começaram novamente a dirigir-se para a ilha, sem deixarem de receber, entretanto, um autêntico duche, quando o Tim sacudiu o pêlo molhado. Deram-lhe como recompensa um grande biscoito, que ele mastigou com enorme satisfação. A Zé conduziu o barco habilmente por entre as rochas. Os outros jovens achavam fantástica a maneira como ela passava junto daquelas rochas perigosas sem fazer um único arranhão no barco. A Zé era realmente uma rapariga formidável. Conduziuos até à pequena baía, onde eles saltaram para a praia. Puxaram o barco bastante para cima, para o proteger no caso da maré encher demasiado, e depois começaram a descarregar os mantimentos. - Vamos levar as coisas todas para aquele quarto de pedra, - disse o Júlio. - Ficarão em segurança e não se molharão se chover. Espero que ninguém venha à ilha enquanto cá estivermos.
- Acho que não aparecerá ninguém, - declarou a Zé. - O meu pai disse que só daqui a uma semana assinaria o contrato da venda com aquele homem. Até essa altura, a ilha não lhe pertence. Por isso, temos uma semana. - Bem, então não precisamos de ficar de vigia para ver se alguém chega, - disse o Júlio, que pensara que seria boa ideia um deles ficar de guarda na baía, para avisar os outros no caso de alguém aparecer. - Vamos! David, tu levas as pás. Eu levo a comida e as bebidas com a Zé. E a Ana pode trazer as coisas mais pequenas. A comida e as bebidas estavam numa grande caixa, pois os jovens não tencionavam passar fome enquanto permanecessem na ilha! Haviam trazido grande quantidade de pão, manteiga, biscoitos, presunto, latas de fruta, ameixas maduras, garrafas de laranjada, uma chaleira para fazer chá e tudo o resto de que se tinham lembrado! A Zé e o Júlio subiram os penhascos com uma pesada caixa. Tiveram de a pousar de vez em quando para descansar! Colocaram tudo dentro do quartinho de pedra. Depois voltaram ao barco para trazer os cobertores. Dispuseram-nos nos cantos do pequeno quarto, imaginando como seria emocionante passar ali a noite. - As raparigas podem dormir naqueles cobertores, - disse o Júlio. - E nós os dois ficamos com estes aqui. A Zé parecia não querer ficar a dormir junto da Ana, nem ser classificada como uma rapariga. Mas a Ana não queria dormir sózinha num canto e olhou com um ar tão suplicante para a Zé que esta sorriu e não pôs qualquer objecção. A Ana pensou que a Zé estava a tornar-se cada vez mais simpática! - Bem, agora vamos ao que interessa, - disse o Júlio, tirando o mapa do bolso. Temos de examinar isto com muita atenção e descobrir onde ficam exactamente as entradas para os subterrâneos. Vamos ver se conseguimos. Só depende de nós: se formos inteligentes, podemos vencer aquele homem que comprou a ilha. Todos se inclinaram sobre o mapa. Já estava praticamente seco, e os jovens observavam-no com atenção. Não havia dúvida de que o castelo tinha sido, antigamente, um belo edifício. - Olhem, - disse o Júlio, pondo o dedo sobre a planta dos subterrâneos. - Parece que se estendem por baixo de todo o castelo... e aqui... e também aqui... estão umas marcas que devem representar degraus ou escadas. - Sim, - disse a Zé. - Acho que é isso. Nesse caso, parece que há duas maneiras de descer para os subterrâneos. Uns degraus começam perto deste quarto, os outros ficam por baixo da torre. E que será isto aqui, Júlio? Apontou com o dedo para um círculo que aparecia não só na planta dos subterrâneos, mas também na do piso térreo do castelo. - Não sei o que será, - disse o Júlio, intrigado. - Ah, sim, já calculo o que poderá ser! Disseste que havia um poço antigo em qualquer parte, não te lembras? Bem, pode ser isso, acho eu. Teria de ser muito profundo e descer abaixo do mar para ter água doce, por isso, talvez atravesse também os subterrâneos. Não é emocionante? Todos achavam que sim. Sentiam-se felizes e excitados. Havia qualquer coisa para descobrir, qualquer coisa que eles podiam e deviam descobrir enquanto estivessem na ilha. Olharam uns para os outros. - Muito bem, - disse o David. - Por onde começamos? Tentamos encontrar a entrada para os subterrâneos, aquela que parece ficar perto deste quarto? Talvez haja uma grande pedra que se levante por cima das escadas dos subterrâneos! Era uma boa ideia, e os jovens ergueram-se de imediato. O Júlio dobrou o precioso mapa e guardou-o no bolso. Olhou em redor. O pavimento de pedra do pequeno quarto estava coberto de ervas. Tinham de as retirar para ver se conseguiam levantar alguma pedra. - O melhor é começarmos a trabalhar, - disse o Júlio, pegando numa pá. - Vamos tirar estas ervas com as pás. Raspá-la, olhem, assim, e examinar cada uma das pedras!
Todos pegaram nas pás e começaram a remover as ervas. Não era muito difícil desprendê-las das pedras, e os jovens trabalhavam com vontade. O Tim ficou muito excitado com tudo aquilo. Não tinha a menor ideia do que estavam a fazer, mas colaborava à sua maneira. Arranhava o pavimento com as quatro patas, lançando terra e ervas pelo ar! - Eh, Tim! - exclamou o Júlio, sacudindo um pedaço de terra do cabelo. - Estás a exagerar um bocado. Daqui a pouco ainda arrancas as próprias pedras! Zé, não achas fantástico o Tim ajudar-nos em tudo o que fazemos? Todos trabalhavam sem descanso, na esperança de encontrar a entrada para os subterrâneos! Era uma aventura emocionante!
12 - DESCOBERTAS FANTÁSTICAS
As pedras do pequeno quarto cedo ficaram limpas de terra, areia e ervas. Os jovens viram que eram todas do mesmo tamanho, grandes e quadradas, bem ajustadas umas às outras. Inspeccionaram-nas cuidadosamente com as lanternas, tentando encontrar uma que se movesse. - Talvez encontremos uma pedra com uma argola de ferro, - disse o Júlio. Mas não encontraram. Todas as pedras eram exactamente iguais. Que desapontamento! O Júlio tentou introduzir a pá nas fendas entre as pedras, para verificar se conseguia mover alguma. Mas não se moviam. Parecia que estavam todas assentes sobre a terra. Após cerca de três horas de trabalho intenso, os jovens sentaram-se para comer. Na verdade, estavam cheios de fome e sentiram-se satisfeitos ao pensar que tinham trazido muitos alimentos. Enquanto comeram, discutiram o problema que estavam a tentar resolver. - Afinal, parece que a entrada para os subterrâneos não fica por baixo deste quarto, disse o Júlio. - É decepcionante, mas, pensando bem, acho que as escadas para os subterrâneos não podem começar aqui. Vamos medir o mapa para ver se conseguimos perceber onde ficam exactamente as escadas. Claro que as medidas podem não estar certas, e isso não nos ajuda nada. Mas vale a pena tentar. Mediram o mapa o melhor que puderam, na esperança de descobrirem o local exacto onde começavam as escadas para os subterrâneos. No entanto, era impossível
chegar a uma conclusão, pois as plantas dos três pisos pareciam desenhadas em escalas diferentes. O Júlio olhou para o mapa, intrigado. Parecia não haver solução. É claro que não podiam examinar o pavimento do castelo em toda a sua extensão! Isso demoraria uma eternidade! - Olhem, - disse a Zé, de repente, apontando para o círculo que deveria representar o poço. - A entrada para os subterrâneos parece que não fica muito longe do poço. Se conseguíssemos encontrar o poço, só teríamos depois de procurar as escadas ali por perto. O poço aparece nas duas plantas. Fica mais ou menos no centro do castelo. - Boa ideia, - disse o Júlio, satisfeito. - Vamos até ao centro do castelo. Não é difícil imaginar onde ficava o poço, visto que está assinalado no meio do antigo pátio. Saíram todos para a luz do Sol. Sentiam-se muito importantes. Era maravilhoso andar à procura de lingotes de ouro perdidos. Tinham a certeza de que os lingotes se encontravam algures por baixo dos seus pés. Não ocorria a nenhum dos jovens que o tesouro podia não estar ali. Encontravam-se agora no pátio em ruínas que fora outrora o centro do castelo. Caminharam até ao meio do pátio e pararam, olhando em redor à procura de qualquer coisa que parecesse a abertura do velho poço. Areia trazida pelo vento e toda a espécie de ervas e arbustos cobriam grande parte do pátio. As pedras que antigamente constituíam o pavimento do grande pátio estavam rachadas e já não formavam uma superfície plana. - Olhem! Está ali um coelho! - gritou o David, quando um grande coelho atravessou lentamente o pátio. Outro coelho apareceu, sentou-se, olhou para eles e acabou também por desaparecer. Os jovens estavam maravilhados. Nunca tinham visto coelhos tão mansos. Um terceiro coelho apareceu. Era pequeno, com orelhas enormes e uma cauda minúscula. Nem sequer olhou para eles. Pôs-se aos saltos como se estivesse a brincar e depois, para encanto dos jovens, sentou-se sobre as patas traseiras e começou a lavar as grandes orelhas, puxando para baixo uma e a seguir a outra. Era de mais para o Tim. Vira os outros dois atravessar o pátio e desaparecer, limitando-se a ladrar. Mas olhar para aquele coelhinho ali sentado a lavar as orelhas mesmo por baixo do seu nariz era demasiado para qualquer cão. Deu um latido, excitado, e correu velozmente em direcção ao coelho. Por um momento, o bichinho não se mexeu. Nunca fora assustado ou perseguido, e fitou com os seus olhos enormes o cão que corria para ele. Então, deu meia volta e partiu a toda a velocidade, com a cauda a mover-se para cima e para baixo enquanto se afastava aos saltos. Desapareceu por baixo de um arbusto que se encontrava perto dos jovens. O Tim foi atrás dele, desaparecendo também por baixo do grande arbusto. O Tim queria entrar na toca para onde o coelho fugira, escavava e esgravatava com as suas fortes patas da frente, lançando para o ar uma enorme quantidade de areia e terra. Latia e gania de excitação, parecendo não ouvir a voz da Zé a chamá-lo. Estava decidido a apanhar aquele coelho! Parecia louco a escavar a entrada da toca, que se tornava cada vez maior. - Tim! Estás a ouvir!? Sai daí! - gritou a Zé. - Aqui não podes caçar os coelhos! Sabes que não. És muito desobediente. Sai daí! Mas o Tim não obedecia. Continuava a escavar cada vez mais desvairadamente. A Zé foi buscá-lo. Quando se aproximou, do arbusto, as escavadelas, de repente, pararam. Depois de um latido de medo, não se ouviu mais nenhum som. A Zé, surpreendida, espreitou para baixo do arbusto. O Tim desaparecera! Já não estava ali. Via-se a toca do coelho, que Tim tornara enorme, mas não havia sinal do Tim. - Olha, Júlio, O Tim desapareceu, - disse a Zé, numa voz receosa. - Com certeza que não entrou na toca do coelho, pois não? É um cão tão grande! Os jovens reuniram-se em volta do enorme arbusto. Ouviram o som de um uivo abafado vindo lá de baixo. O Júlio ficou perplexo.
- O Tim entrou na toca! - disse ele. - Que estranho! Nunca ouvi dizer que um cão pudesse entrar numa toca de coelho. Como havemos de o tirar de lá? - Para começar, temos de cavar para tirar o arbusto, - disse a Zé, em tom decidido. Se fosse preciso, ela escavaria toda a ilha de Kirrin para encontrar o Tim! - Não podemos deixar o pobre Tim ali em baixo a ganir. Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para o salvar. O arbusto era muito grande e espinhoso para poderem rastejar por baixo dele. O Júlio sentiu-se satisfeito por terem trazido ferramentas de toda a espécie. Foi buscar um pequeno machado. Serviria para cortar o tronco e os ramos espinhosos do arbusto. Os jovens começaram a decepá-lo, e depressa o arbusto ficou num estado lastimável. No entanto, foi preciso bastante tempo para o destruir, pois era muito espinhoso e forte. Quando já quase nada restava do arbusto, as mãos dos jovens estavam cheias de arranhões. Podiam agora ver muito bem o buraco. O Júlio acendeu a lanterna e apontou-a lá para dentro. Soltou um grito de surpresa. - Já sei o que aconteceu! O velho poço é aqui! Os coelhos tinham uma toca ao lado do poço. O Tim escavou para a tornar maior, chegou até ao poço e caiu lá para dentro! - Oh, não! - exclamou a Zé, em pânico. - Oh, Tim, Tim! Estás bem? Um ganido distante chegou-lhes aos ouvidos. Era evidente que o Tim estava ali em qualquer parte. Os jovens entreolharam-se. - Bem, só há uma coisa a fazer, - disse o Júlio. - Vamos buscar as pás e destapar a entrada do poço. Depois, talvez possamos lançar uma corda para ir buscar o Tim. Começaram a cavar com as pás. Não foi difícil descobrir a abertura do poço, que fora bloqueada apenas pelas raízes do enorme arbusto, terra, areia e pequenas pedras. Parecia que uma grande laje tinha caído da torre, tapando parcialmente o poço. O mau tempo e a vegetação tinham feito o resto. Só com o esforço de todos foi possível mover a laje. Por baixo havia uma tampa de madeira muito apodrecida, que servira outrora para proteger o poço. Estava tão apodrecida que cedera ao peso do Tim, abrindo-se um buraco por onde ele caíra. O Júlio retirou a velha tampa de madeira. Os jovens puderam espreitar para dentro do poço. Era muito profundo e muito escuro. Nem conseguiam ver o fundo. O Júlio pegou numa pedra e deixou-a cair para dentro do poço. Ficaram à escuta. Mas não ouviram nada. Talvez já não tivesse água, ou era tão fundo que nem se ouvia a pedra a cair dentro de água! - Acho que é muito fundo para conseguirmos ouvir alguma coisa, - disse o Júlio. - Mas onde estará o Tim? Apontou a lanterna para baixo e ali estava o Tim! Muitos anos antes, uma grande laje tinha caído para dentro do poço e ficara atravessada um pouco abaixo da abertura. E era sobre essa velha laje que estava o Tim, olhando para cima com os seus grandes olhos assustados. Não conseguia perceber o que lhe tinha acontecido. Havia uma escada de ferro presa ao bordo do poço. A Zé começou imediatamente a descer, sem pensar sequer se a escada aguentaria, e chegou até junto do Tim. Conseguiu pô-lo sobre o seu ombro e, segurando-o com uma das mãos, subiu devagar. Os outros três puxaram-na para fora do poço, e o Tim começou aos saltos em volta dela, a ladrar e a dar-lhe lambidelas! - Então, Tim! - Disse o David -, Não devias andar atrás dos coelhos, mas acabaste por nos fazer um grande favor, porque encontraste o poço! Agora, só temos de procurar por aqui para encontrar a entrada dos subterrâneos! Puseram-se novamente à procura da entrada dos subterrâneos. Escavaram um pouco aqui e ali, por baixo de todos os arbustos. Levantaram pedras e enfiaram as pás na terra, na esperança de descobrirem algum túnel! Era realmente emocionante! No entanto, foi a Ana quem encontrou a entrada! Foi por acaso. Sentiu-se fatigada e sentou-se a descansar. Inclinou-se para a frente e esgravatou na areia. De repente, os seus dedos tocaram numa coisa dura e fria. Retirou a areia que a cobria e era uma argola de ferro! Deu um grito e os outros olharam para ela. - Há aqui uma pedra com uma argola de ferro! - exclamou a Ana, entusiasmada.
Correram todos para junto dela. O Júlio destapou a pedra com a pá. Era verdade que tinha uma argola e só se põem argolas em pedras que têm de ser movidas! Sem dúvida que era aquela pedra que cobria a entrada para os subterrâneos! Tentaram, um de cada vez, puxar pela argola de ferro, mas a pedra não se moveu. Então, O Júlio atou uma corda à argola, e os quatro jovens puxaram com toda a força. A pedra deslocou-se um pouco. Os jovens sentiram perfeitamente que se movera. - Outra vez, todos ao mesmo tempo! - gritou o Júlio. E puxaram todos ao mesmo tempo. A pedra moveu-se novamente e, de repente, cedeu e soltou-se tão inesperadamente que os jovens caíram uns por cima dos outros como uma fila de pedras de dominó subitamente derrubada! O Tim correu para a abertura e ladrou desvairadamente lá para dentro, como se ali estivessem todos os coelhos do mundo! O Júlio e a Zé levantaram-se e correram para a abertura que a pedra deixara à vista. Ficaram ali a olhar para baixo, com os rostos a brilhar de satisfação. Tinham encontrado a entrada dos subterrâneos! Um íngreme lanço de degraus, talhados na própria rocha, descia para a escuridão.
- Vamos!, - gritou o Júlio, pegando na lanterna. - Encontrámos o que queríamos! Os subterrâneos! Os degraus eram escorregadios. O Tim foi o primeiro a entrar velozmente, mas perdeu o equilíbrio e rolou cinco ou seis degraus, latindo assustado. O Júlio foi a seguir, depois a Zé, o David e a Ana. Estavam tremendamente emocionados. Na verdade, esperavam ver pilhas de ouro e toda a espécie de tesouros em redor deles! Estava escuro ali em baixo e cheirava muito a bolor. A Ana sentia-se um pouco incomodada. - Espero que o ar aqui seja respirável, - disse o Júlio. - Ás vezes nestes subterrâneos o ar não é bom para respirar. Se alguém se sentir um bocado esquisito, o melhor é dizer, para voltarmos para o ar livre. No entanto, mesmo que sentissem falta de ar, nenhum teria dito nada. Era tudo demasiado emocionante para se preocuparem com isso. As escadas prolongavam-se até grande profundidade. Depois paravam. O Júlio desceu o último degrau de pedra e moveu a lanterna em volta. Os seus olhos depararam com um local muito estranho. Os subterrâneos do castelo de Kirrin encontravam-se escavados na própria rocha. Não se percebia, contudo, se eram grutas naturais ou se tinham sido construídos por mãos humanas. Na verdade, eram muito misteriosos, escuros e cheios de ecos. Quando o Júlio soltou uma exclamação de surpresa, o som percorreu as reentrâncias rochosas e ecoou por toda a parte como se estivesse vivo. Os jovens sentiram-se bastante inquietos. - Não é estranho? - Disse a Zé, em voz baixa. De imediato, os ecos multiplicaram as suas palavras e tornaram-nas mais altas e todas as partes dos subterrâneos devolveram repetidamente as palavras da rapariga: "Não é estranho, não é estranho, não é estranho.” A Ana deu a mão ao David. Sentiase assustada. Não gostava nada dos ecos. Sabia que não passavam de ecos, mas soavam como vozes de pessoas escondidas nas grutas! - Onde estarão os lingotes? - disse o David. E logo as grutas devolveram as suas palavras: "Lingotes! Lingotes! Lingotes!” O Júlio riu. E o seu riso foi reproduzido em dúzias de risos diferentes que provinham dos subterrâneos e rodeavam os jovens. Era realmente um fenómeno muito invulgar. - Vamos, - disse o Júlio. - Talvez não haja tantos ecos mais para diante. "Para diante! Para diante!", repetiram os ecos. Afastaram-se das escadas de pedra e exploraram as zonas mais próximas dos subterrâneos. Eram apenas caves feitas na rocha, estendendo-se por baixo do castelo. Muitos anos antes, talvez servissem de masmorras para prisioneiros, mas a maioria parecia ter sido aproveitada para armazéns. - Só gostava de saber onde guardavam os lingotes, - disse o Júlio. Parou e tirou o mapa do bolso. Iluminou-o com a lanterna. Embora visse claramente o local marcado com a palavra "lingotes", não sabia qual a direcção a seguir. - Olhem! Há aqui uma porta fechada! - gritou o Júlio. - Aposto que é o sítio de que estamos à procura! Aposto que os lingotes estão aqui!
13 - NOS SUBTERRÂNEOS
Quatro lanternas iluminaram a porta de madeira. Era enorme e sólida, com grandes pregos de ferro. O Júlio deu um grito de satisfação e correu para a porta. Estava certo de que era aquele o local que procuravam. No entanto, a porta estava bem fechada. Por muito que a empurrassem ou puxassem, não se abria. Tinha uma grande fechadura, mas sem chave! Os quatro jovens olhavam desesperados para a porta. Que azar! Exactamente quando pensavam estar perto dos lingotes, aquela porta não se abria!
- Vamos buscar o machado, - disse o Júlio. - Podemos cortar a madeira à volta da fechadura para depois a abrirmos. - Boa ideia! - disse a Zé, entusiasmada -, Vamos buscá-lo! Deixaram a enorme porta e tentaram voltar pelo mesmo caminho que ali os conduzira. Mas os subterrâneos eram tão grandes e tão sinuosos que já não sabiam como regressar. Tropeçavam em velhas barricas partidas, tábuas apodrecidas, garrafas vazias e muitas outras coisas, enquanto tentavam encontrar o caminho para o grande lanço de escadas escavadas na rocha. - Isto é terrível! - disse o Júlio, por fim. - Não faço a mínima ideia onde fica a entrada. Andamos de um compartimento para outro, de um corredor para outro, e todos parecem exactamente iguais, escuros e misteriosos. - Imaginem que temos de ficar aqui o resto das nossas vidas! - disse a Ana, com ar sombrio. - Idiota! - disse o David, pegando-lhe na mão. - Depressa encontraremos a saída. Olhem! Que é isto! Todos pararam. Tinham chegado junto de algo que parecia uma chaminé de tijolos, descendo desde o tecto do subterrâneo até ao chão. O Júlio apontou a lanterna, observando com ar intrigado. - Já sei o que isto é! - disse a Zé, de repente. - Claro que é o poço! Devem lembrar-se de que estava indicado na planta dos subterrâneos, mas também na do rés-do-chão. Isto é a parede do poço, que continua a descer até mais fundo. Estou a pensar se não haverá aqui uma abertura, para levar a água tanto aos subterrâneos como ao rés-dochão. Foram à procura. Do outro lado da parede do poço havia uma pequena abertura, mas com dimensões suficientes para que cada um dos jovens conseguisse enfiar a cabeça e os ombros e olhar para baixo. Apontaram as lanternas para cima e para baixo. O poço era tão profundo que era impossível ver-lhe o fim. O Júlio voltou a largar uma pedra, mas não se ouviu som algum. Olhou para cima e conseguiu ver a ténue luminosidade que passava além da laje de pedra atravessada no cimo do poço, a laje onde o Tim ficara sentado, à espera de ser salvo. - Sim, isto é o poço, - concluiu. - Não é estranho? Bem, agora que encontrámos o poço, sabemos que a entrada dos subterrâneos não está muito longe! Todos ficaram muito mais animados. Deram as mãos e avançaram na escuridão, com as lanternas projectando raios de luz aqui e ali. A Ana soltou um grito de alegria. - Aqui está a entrada! Deve ser, porque vejo a luz do dia! Os jovens dobraram uma esquina e, sem dúvida, ali estavam as íngremes escadas de pedra que conduziam à superfície. O Júlio lançou um rápido olhar em volta, para fixar o caminho a seguir quando regressassem. Não tinha a certeza de conseguir encontrar a porta de madeira! Saíram todos para o ar livre. Era maravilhoso sentir o calor do sol, depois de terem suportado o ar frio dos subterrâneos. O Júlio olhou para o relógio e exclamou: - São seis e meia! Seis e meia! Não admira que esteja com fome. Não lanchámos. Andámos horas à procura da entrada e depois lá em baixo nos subterrâneos. - Bem, vamos fazer uma espécie de lanche ajantarado antes de mais nada, - disse o David. - Até parece que não como nada há mais de um ano. - Bem, considerando que ao almoço comeste duas vezes mais do que cada um de nós, - principiou o Júlio, indignado. Mas, depois, sorriu e disse: - Também sinto o mesmo. Vamos preparar uma boa refeição! Zé, que achas se puséssemos a chaleira ao lume e fizéssemos cacau? Estou com frio, depois de tanto tempo nos subterrâneos. Foi divertido pôr a chaleira a ferver numa fogueira de ramos secos. Foi delicioso sentir o calor do sol poente, enquanto comiam pão com queijo, bolo e biscoitos. O Tim também teve uma boa refeição. Não gostara muito de estar nos subterrâneos, andara sempre de cauda caída, sem se afastar dos quatro jovens. Ficara também muito assustado com os ecos. Tinha ladrado uma vez, parecendo-lhe então que os subterrâneos estavam cheios de outros cães, todos a ladrarem mais alto do que ele.
Depois disso, não se atrevera sequer a ganir! No entanto, agora estava outra vez contente, a saborear os bocadinhos de comida que os jovens lhe ofereciam e a dar lambidelas na Zé sempre que podia. Já passava das oito horas quando acabaram de comer. O Júlio olhou para os outros. O Sol descia no horizonte, e a tarde ia arrefecendo. - Bem, não sei o que acham, - disse ele. - Mas a mim não me apetece voltar hoje aos subterrâneos, nem sequer pensando que podíamos arrombar aquela porta com o machado e abri-la! Estou cansado. Além disso, não me agrada a ideia de nos perdermos nos subterrâneos à noite. Os outros concordaram inteiramente, sobretudo a Ana, que já receava, embora sem dizer nada, voltar lá abaixo outra vez, agora que a noite se aproximava. A rapariguinha estava quase a dormir, ficara muito cansada com o trabalho intenso e a emoção daquele dia. - Vamos, Ana, - disse a Zé. - É altura de dormir. Ficaremos bem aconchegadas em cobertores no chão daquele quartinho. E, de manhã, quando acordarmos, iremos abrir aquela enorme porta de madeira. Os quatro jovens, acompanhados de perto pelo Tim, dirigiram-se para o pequeno quarto de pedra. Enrolaram-se em montes de cobertores, e o Tim juntou-se à Zé e à Ana. Deitou-se por cima delas, fazendo tanto peso sobre as pernas da Ana que esta teve de o afastar. Então, a Zé puxou-o para junto de si e ficou a senti-lo respirar. Estava muito feliz. Era a sua noite na ilha. E não duvidava que estavam prestes a encontrar os lingotes. O Tim encontrava-se junto dela, a dormir nos cobertores. Afinal, talvez tudo acabasse bem. Adormeceu. Os jovens sentiam-se em segurança com o Tim a guardá-los. Dormiram tranquilamente até de manhã, altura em que o Tim viu um coelho através da entrada do quarto e desatou a correr atrás dele. Ao levantar-se, acordou a Zé, que se sentou e esfregou os olhos. - Acordem! - gritou para os outros. - Acordem todos! Já é de manhã! E estamos na ilha! Todos acordaram. Era realmente emocionante acordar e recordar tudo o que acontecera no dia anterior. O Júlio pensou logo na grande porta de madeira. Tinha a certeza de que em breve a arrombaria com o machado. E, então, que encontrariam? Tomaram o pequeno-almoço com o maior dos apetites. Depois, o Júlio pegou no machado e conduziu todos até às escadas dos subterrâneos. O Tim foi também, a abanar a cauda, mas não muito satisfeito com a ideia de voltar àqueles estranhos lugares onde os outros cães pareciam ladrar, mas não apareciam. O pobre Tim nunca compreenderia o que eram os ecos! Desceram todos aos subterrâneos novamente. E não conseguiram, é claro, encontrar o caminho para a porta de madeira! Foi uma desilusão. - Vamos perder-nos outra vez, - disse a Zé. - Estes subterrâneos são um autêntico labirinto! O Júlio teve uma ideia brilhante. Pegou num pedaço de giz branco que trazia no bolso e voltou até junto das escadas, fazendo aí uma marca na parede. Depois, começou a fazer marcas com giz ao longo dos corredores escuros por onde passavam. Chegaram ao poço. O Júlio sentia-se satisfeito. - Sempre que chegarmos ao poço, - declarou, - pelo menos saberemos o caminho de regresso às escadas, através das marcas de giz. O problema agora é descobrirmos o caminho a seguir. Faremos tentativas e eu porei marcas de giz nas paredes, mas se formos pelo caminho errado e tivermos de voltar para trás, apagaremos as marcas e começaremos a partir do poço noutra direcção. Era realmente uma excelente ideia. Seguiram por um caminho errado e tiveram de voltar para trás, apagando as marcas feitas pelo Júlio. Chegaram ao poço e partiram na direcção oposta. E desta vez, encontraram a porta de madeira! Ali estava, enorme e sólida, com os velhos pregos vermelhos de ferrugem. Os jovens fitaram-na cheios de curiosidade. O Júlio ergueu o machado.
Aplicou um golpe na madeira, junto da fechadura. No entanto, a madeira ainda era forte, e o machado só penetrou três ou quatro centímetros. O Júlio deu mais um golpe. O machado tocou num dos pregos e escorregou um pouco para o lado. Uma grande lasca de madeira voou e atingiu o David na face! Ele deu um grito de dor. O Júlio, alarmado, voltou-se e olhou para ele. A face do David sangrava! - Uma coisa saltou da porta e atingiu-me, - disse o pobre David. - Uma lasca de madeira ou qualquer coisa parecida. - Caramba! - exclamou o Júlio, apontando a lanterna para o David. - Deixas que eu tire a lasca? É bastante grande e ainda está enterrada na carne. No entanto, o próprio David a tirou. Fez uma careta de dor e ficou muito pálido. - É melhor ires apanhar ar - disse o Júlio. - E temos de lavar-te a ferida e fazer com que pare de sangrar. A Ana tem um lenço limpo. Molhamos o lenço e limpamos a ferida. Ainda bem que trouxemos água. - Eu vou com o David - disse a Ana. - Tu ficas aqui com a Zé. Não precisamos de ir todos. Mas o Júlio pensou que seria preferível acompanhar o David até ao exterior, podendo depois deixá-lo com a Ana e voltar para junto da Zé para continuarem a arrombar a porta. Entregou o machado à Zé. - Podes dar algumas machadadas enquanto eu vou com eles, - disse ele. - Demorará algum tempo até conseguirmos dar cabo dessa porta. Continua, que eu já volto daqui a alguns minutos. Conseguiremos encontrar facilmente o caminho da entrada, porque só teremos de seguir as minhas marcas de giz. - Está bem! - disse a Zé, pegando no machado. - Coitado do David, parece que ficou mesmo abalado. Deixando a Zé com o Tim, enquanto esta continuava a desferir golpes na enorme porta, o Júlio levou o David e a Ana para o ar livre. A Ana molhou o lenço na água da chaleira e limpou suavemente a face do David. Sangrava bastante, mas a ferida não era muito profunda. O David depressa recuperou as cores e quis voltar logo para os subterrâneos. - Não, é melhor deitares-te durante algum tempo, - disse o Júlio. - Sei que isso faz bem quando se sangra do nariz, e talvez seja bom também para as feridas na cara. E se a Ana e tu fossem ali para as rochas, donde podem ver os destroços do navio, e ficassem lá durante uma meia hora! Vamos, eu levo-vos até lá. Rapaz, é melhor não te levantares enquanto essa ferida não parar de sangrar. O Júlio conduziu os dois para fora do pátio do castelo, em direcção às rochas da parte da ilha que dava para o mar alto. O casco escuro do velho navio ainda estava ali sobre as rochas. O David deitou-se de costas e olhou para o céu, esperando que a sua face depressa parasse de sangrar. Não queria perder nada da aventura! A Ana pegou-lhe na mão. Estava muito preocupada com aquele pequeno acidente e, embora também não quisesse perder a aventura, tencionava ficar junto do David até ele se sentir melhor. O Júlio sentou-se ao lado deles durante uns momentos. Depois regressou às escadas dos subterrâneos e desapareceu. Seguiu as marcas de giz e chegou ao local onde a Zé estava às machadadas à porta. Ela tinha já desfeito uma grande parte em volta da fechadura, mas a porta não cedia. O Júlio pegou no machado e começou a dar fortes golpes na madeira. Depois de alguns golpes, a fechadura ficou mais solta, tombando um pouco para o lado. O Júlio pousou o machado. - Acho que já conseguimos abrir a porta, - disse ele, num tom de voz emocionado. Sai da frente, Tim. Agora, Zé, empurra! Ambos empurraram, e a porta cedeu dando um estalido. A enorme porta rangeu ao abrir-se. Os dois jovens entraram, com as lanternas acesas. O compartimento parecia uma gruta escavada na rocha, mas lá dentro estava algo muito diferente dos velhos barris e caixotes que os jovens tinham já encontrado noutras partes dos subterrâneos. Ao fundo, amontoados desordenadamente, encontravam-se curiosos objectos em
forma de tijolo feitos de um metal baço amarelo acastanhado. O Júlio pegou num deles e gritou: - Zé! Os lingotes! São de ouro autêntico! Sei que não parecem de ouro, mas são. Zé, está aqui uma pequena fortuna. E é tua! Por fim, encontrámos o que procurávamos.
14 - PRISIONEIROS!
A Zé estava sem palavras. Ficou a olhar para o monte de lingotes, segurando um entre as mãos. Mal conseguia acreditar que aqueles estranhos objectos em forma de tijolo fossem realmente de ouro. Sentia o coração bater muito depressa. Que descoberta maravilhosa! De repente, o Tim começou a ladrar ruidosamente. Estava de costas para os jovens, com o focinho voltado para a porta, e não parava de ladrar! - Cala-te, Tim, - disse o Júlio. - Estás a ouvir alguma coisa? São os outros que vêm aí? . Dirigiu-se à porta e gritou para o corredor: "David! Ana! São vocês? Venham depressa, porque encontramos os lingotes! Encontrámos os lingotes! Viva! Viva!” O Tim parou de ladrar e começou a rosnar. A Zé ficou intrigada. - Que se passa, Tim? - perguntou. - Com certeza que ele não rosnava se fossem o David e a Ana. Os jovens apanharam um susto tremendo, porque a voz de um homem veio do fundo do corredor escuro, fazendo estranhos ecos por toda a parte. - Quem está aqui? Quem está aqui em baixo? A Zé, assustada, agarrou o braço do Júlio. O Tim continuou a rosnar, com o pêlo eriçado. - Está calado, Tim, - sussurrou a Zé, apagando a lanterna. Mas o Tim não se calava. Continuava a rosnar de tal maneira que parecia um pequeno trovão. Os jovens viram a luz de uma potente lanterna surgir ao fundo do corredor. Depois, os raios luminosos incidiram sobre eles e a pessoa que trazia a lanterna parou.
- Mas que surpresa! - disse uma voz. - Vejam quem está aqui! Duas crianças nos subterrâneos do meu castelo. - Este castelo não é seu! - gritou a Zé. - Ora, minha querida menina, é o meu castelo, porque vou comprá-lo, - disse a voz. Então, outra voz também falou, mais áspera. - Que estão a fazer aqui em baixo? Por quem estavam a chamar quando gritaram "David" e "Ana", e disseram que tinham encontrado os lingotes? Que lingotes? - Não respondas, - segredou o Júlio à Zé. No entanto, os ecos transportaram as suas palavras e reproduziram-nas muito alto no corredor: "Não respondas! Não respondas!” - Ah, não querem responder!, - disse o segundo homem, aproximando-se dos jovens. O Tim mostrou os dentes, mas o homem não pareceu nada assustado. Dirigiu-se para a porta e apontou a lanterna para dentro do compartimento. Deu um grande assobio de surpresa. - Jake! Anda ver isto!, - disse ele. - Tinhas razão. O ouro está realmente aqui. E vai ser muito fácil levá-lo! Todo em lingotes! Caramba, isto é fantástico! - O ouro é meu, - disse a Zé, furiosa. - Esta ilha e este castelo pertencem à minha mãe, assim como tudo o que se encontra aqui. Este ouro foi trazido para aqui e guardado pelo meu tetravô, antes de o navio dele naufragar. Não é vosso, nem nunca será. Logo que chegar a casa direi aos meus pais que o encontrámos, depois, podem ter a certeza de que não comprarão o castelo ou a ilha! Foram muito espertos, quando perceberam que havia aqui ouro através do mapa daquela caixa velha. Mas não tão espertos como nós. Nós encontrámos o ouro primeiro! Os homens ouviram em silêncio a voz clara e furiosa da Zé. Um deles riu-se e disse: - Não passas de uma miúda. Pensas que nos impedes de obter o que queremos? Vamos comprar esta ilha, assim como tudo o que nela existe, e levaremos o ouro depois de assinarmos o contrato. E ainda que não consigamos comprar a ilha, levaremos o ouro na mesma. É muito fácil trazer aqui um navio e transferir os lingotes do barco para o navio. Verás que ficamos com o ouro para nós. - Não ficam! - disse a Zé, saindo pela porta. - Vou já para casa e contarei ao meu pai tudo o que disseram. - Minha querida menina, nem penses que vais para casa, - disse o primeiro homem, empurrando a Zé para trás. - E, já agora, se não queres que dê um tiro neste maldito cão, manda-o calar, está bem? A Zé viu que o homem tinha um revólver na mão. Assustada agarrou na coleira do Tim e disse: - Está calado, Tim. Não há problema. No entanto, o Tim sabia muito bem que havia ali um problema. Qualquer coisa estava errada. Continuou a rosnar ameaçadoramente. - Agora, escuta, - disse o homem, depois de ter falado rapidamente com o seu companheiro. - Se fores razoável, nada de mal te acontecerá. Mas se fores teimosa, vais arrepender-te. Faremos o seguinte: partiremos no nosso barco a motor, deixandovos aqui bem fechados, e voltaremos com um navio para levar o ouro. Achamos que não vale a pena comprar a ilha, agora que sabemos onde estão os lingotes. - Além disso, vão escrever um bilhete aos vossos companheiros que estão lá em cima, a dizer que encontraram o ouro e para eles virem aqui vê-lo, disse o outro homem. Depois, vamos fechá-los todos neste compartimento, com os lingotes para se entreterem, e deixar aqui comida e bebida suficiente até nós voltarmos. Agora, aqui tens um lápis. Escreve um bilhete ao David e à Ana, que nós nem sabemos quem são, e manda o teu cão entregá-lo. Vamos. - Não escrevo, - disse a Zé, furiosa. - Não escrevo. Não podem obrigar-me a fazer isso. Não vou chamar o David e a Ana para ficarem prisioneiros. E não deixarei que fiquem com o meu ouro, exactamente agora que acabei de o descobrir. - Daremos um tiro no teu cão se não fizeres o que te dizemos, - ameaçou o primeiro homem.
A Zé sentiu um aperto no coração. - Não, não, - disse em voz baixa, desesperada. - Então, escreve o bilhete, - ordenou o homem, estendendo-lhe um lápis e papel. Vamos. Eu digo-te o que tens de escrever. - Não posso! - disse a Zé, soluçando. - Não quero que o David e a Ana fiquem aqui prisioneiros. - Está bem. Então, vou matar o cão, - disse o homem, com frieza, ao mesmo tempo que apontava o revólver para o pobre Tím. A Zé abraçou-se ao cão e deu um grito. - Não, não! Eu escrevo o bilhete. Não mate o Tím, não o mate! A rapariga pegou no papel e no lápis com as mãos trémulas e olhou para o homem. - Escreve isto, - ordenou ele. - "David e Ana. Encontrámos o ouro. Venham depressa vê-lo." Agora, assina o teu nome. A Zé escreveu o que homem tinha dito. Depois assinou. No entanto, em vez de escrever "Zé", assinou "Maria José". Sabia que os outros perceberiam que ela nunca assinaria daquela maneira e esperava que isso fosse um aviso de que qualquer coisa estranha estava a acontecer. O homem pegou no bilhete e prendeu-o na coleira do Tím. O cão não parava de rosnar, mas a Zé dizia-lhe para não morder. - Agora, diz-lhe para ir ter com os teus amigos, - ordenou o homem. - Vai ter com o David e a Ana, - disse a Zé. - Vai, Tim. Entrega o bilhete ao David e à Ana. O Tim não queria deixar a Zé, mas havia qualquer coisa de muito urgente na voz dela. Lançou um último olhar à dona, deu-lhe uma lambidela na mão e começou a correr pelo corredor. Já conhecia o caminho. Depois de subir as escadas de pedra, saiu para o ar livre. Parou no velho pátio, a farejar. Onde estavam o David e a Ana? Descobriulhes o rasto e seguiu-o a correr, com o nariz rente ao chão. Depressa encontrou os dois jovens, que estavam nas rochas. O David já se sentia melhor. A sua face quase parara de sangrar. - Olha! - Exclamou ele, surpreendido, quando viu o Tim. - Está aqui o Tim! Ora, Tim, por que vieste ver-nos? Ficaste cansado de estar lá em baixo no escuro? - David, ele tem qualquer coisa presa na coleira, - disse a Ana, ao ver o papel. - É um bilhete. Devem ser eles a dizer para descermos. O Tim é tão esperto que foi capaz de o trazer. O David tirou o papel da coleira do Tim. Desdobrou-o e leu em voz alta: "David e Ana. Encontrámos o ouro. Venham depressa vê-lo. Maria José.” - Oh!, - exclamou a Ana, radiante. - Encontraram-no. Oh, David! Já te sentes melhor? Vamos depressa! No entanto, o David não se levantou das rochas. Ficou sentado a olhar para o bilhete, com um ar intrigado. - Que aconteceu? - perguntou a Ana, impaciente. - Não achas estranho a Zé assinar "Maria José"? - disse o David. - Sabes que ela detesta ser uma rapariga e ter nome de rapariga. Lembra-te de que ela nunca responde quando lhe chamam Maria José. E neste bilhete assina com o nome que ela detesta. Parece-me um bocado esquisito. Parece quase um aviso de que qualquer coisa está a correr mal. - Oh, não sejas idiota, David, - disse a Ana. - O que poderia correr mal? Vamos.
- Ana, gostava de ir à baía para ver se chegou mais alguém à ilha, - disse o David. Tu ficas aqui. Mas a Ana não queria ficar sozinha. Acompanhou o David ao longo da costa, ao mesmo tempo que continuava a dizer que ele estava a ser muito estúpido. No entanto, quando chegaram ao pequeno porto, viram que estava lá outro barco, além do que lhes pertencia. Era um barco a motor! Havia mais alguém na ilha! - Olha, - disse o David, num murmúrio. - Está mais alguém aqui. Aposto que são os homens que querem comprar a ilha. De certeza que viram aquele mapa velho e sabem que há ouro aqui. Devem ter encontrado a Zé e o Júlio, e querem fechar-nos nos subterrâneos para poderem roubar o ouro à vontade. Foi por isso que obrigaram a Zé a mandar um bilhete, mas ela assinou com um nome que nunca usa, para nos avisar! Agora, temos de pensar muito bem. Que vamos fazer?
15 - DAVID EM MISSÃO DE SOCORRO!
David pegou na mão da Ana e levou-a rapidamente para longe da baía. Receava que as pessoas que tinham chegado à ilha estivessem ali perto e pudessem vê-los. O rapaz levou Ana para o pequeno quarto de pedra onde guardavam as coisas e sentaram-se num canto. - Quem quer que tenha chegado descobriu o Júlio e a Zé a arrombar aquela porta, acho eu - disse o David, em voz baixa. - Não sei o que fazer. Não podemos ir para os subterrâneos, senão de certeza que seremos apanhados. Olha, para onde vai o Tim? O cão ficara com eles por uns instantes, mas depois correu para a entrada dos subterrâneos e desceu pelas escadas. Queria voltar para junto da Zé, pois sabia que ela corria perigo. O David e a Ana viram-no desaparecer. Sentiam-se protegidos quando ele estava presente e agora tinham pena de ele se ter ido embora. Não sabiam realmente que fazer. Então, a Ana teve uma ideia. - Já sei! - exclamou. - Voltamos para terra no nosso barco e pedimos ajuda.
- Tinha pensado nisso - disse o David, com ar sombrio. - Mas sabes perfeitamente que nunca conseguiríamos passar por entre aquelas rochas horríveis. Iríamos ao fundo com o barco. Além disso, não temos força suficiente para remar durante tanto tempo. Oh, se ao menos soubéssemos o que fazer! Não precisaram de dar voltas à cabeça durante muito tempo. Os dois homens saíram dos subterrâneos e começaram à procura dos jovens! Vendo o Tim regressar, verificaram que ele já não levava o bilhete. Por isso, sabiam que os jovens o tinham recebido, mas não imaginavam por que razão não acediam ao pedido, da Zé e não desciam aos subterrâneos! David ouviu as vozes deles. Agarrou no braço da Ana para que esta não fizesse barulho. Viu, através do arco partido da entrada, que os homens se encaminhavam na direcção oposta. - Ana! Sei onde podemos esconder-nos! - Disse o rapaz. - Naquele poço velho! Podemos descer alguns degraus da escada de ferro e escondermo-nos. Tenho a certeza de que ninguém irá ali procurar! A Ana não queria, de forma alguma, entrar para dentro do poço, nem que fosse para descer apenas alguns degraus. Mas o David puxou-a para que se levantasse e levoua apressadamente para o meio do pátio. Os homens andavam à procura deles no outro lado do castelo. Só havia tempo para saltar para dentro do poço. David afastou a velha tampa de madeira e ajudou a Ana a descer pela escada. Ela estava cheia de medo. Depois, o rapaz desceu também e arrastou novamente a tampa, o melhor que pôde, para a colocar no seu lugar. A velha laje de pedra onde o Tim ficara sentado quando caíra no poço ainda lá estava. David saltou para cima dela e verificou se era segura. A laje não se moveu. - Podes sentar-te nesta pedra, Ana, - murmurou o David, - para não ficares aí na escada. A Ana sentou-se na laje de pedra que estava atravessada no poço, na esperança de que não fossem descobertos. Continuavam a ouvir as vozes dos homens, ora perto, ora mais afastadas. A certa altura, os homens começaram a chamá-los aos gritos. - David! Ana! Os outros estão à vossa espera! Onde se meteram? Temos boas notícias para vos dar! - Então, por que não deixam o Júlio e a Zé virem dar-nos as boas notícias? - sussurrou o David. - Há qualquer coisa que não está bem, tenho a certeza. Quem me dera que pudéssemos falar com o Júlio e a Zé para sabermos o que aconteceu. Os dois homens foram para o pátio. Estavam furiosos. - Onde se terão enfiado aqueles miúdos? - disse o Jake. - O barco deles ainda está na baía, por isso não se foram embora. Devem estar escondidos em qualquer parte. Não podemos esperar o dia todo por eles. - Bem, vamos levar alguma comida e bebida para os dois que prendemos lá em baixo, - disse o outro homem. - Há muitos alimentos naquele quarto de pedra. Suponho que foram os miúdos que os trouxeram. Deixamos metade no quarto para os outros dois miúdos. E levamos connosco o barco deles, para que não possam fugir. - Está bem, - disse o Jake. - O que temos a fazer é levar o ouro o mais depressa possível e garantir que os miúdos ficam presos até nos safarmos. Depois já não teremos de nos preocupar com a compra da ilha. Afinal, foi só para ficarmos com os lingotes que tivemos a ideia de comprar o castelo e a ilha de Kirrin. - Então, vamos, - disse o companheiro. - Levamos a comida para baixo e não nos preocupamos com os outros miúdos. No entanto, podes ficar aqui e ver se os descobres enquanto vou aos subterrâneos. O David e a Ana mal se atreveram a respirar enquanto ouviram tudo isto. Só esperavam que os homens não se lembrassem de espreitar para dentro do poço! Ouviram um dos homens encaminhar-se para o pequeno quarto de pedra. Era evidente que ia buscar comida para levar aos dois prisioneiros que estavam nos subterrâneos. O outro homem permanecia no pátio a assobiar baixinho. O primeiro homem regressou passado algum tempo, que pareceu uma eternidade para os jovens
escondidos. Os dois homens trocaram algumas palavras e depois partiram em direcção à baía, David ouviu o ruído do barco a motor. - Já podemos sair, Ana, - disse ele. - Não está frio aqui em baixo? Que bom ir lá para fora apanhar sol! Saíram do poço e ficaram a aquecer-se sob o sol quente de Verão. Conseguiam ver o barco a motor que se dirigia para terra. - Bem, já se foram embora, - disse o David. - E não levaram o nosso barco, ao contrário do que tinham dito. Se pudéssemos libertar o Júlio e a Zé, íamos buscar ajuda, porque a Zé podia levar-nos de barco. - E o que nos impede de os libertar? - disse a Ana. - Podemos descer aos subterrâneos e abrir a porta, não podemos? - Não, não podemos, - disse o David. - Olha! A Ana olhou para onde ele apontava. Viu que os homens tinham amontoado grandes lajes de pedra por cima da entrada para os subterrâneos. O David e a Ana não conseguiriam tirá-las dali. - É impossível descer pelas escadas, - disse o David. - Eles fizeram isto para nos impedir de descer! E nós não fazemos a menor ideia onde fica a outra entrada. Só sabemos que é perto da torre. - Vamos procurá-la, - disse a Ana, ansiosamente. Dirigiram-se para a torre, que ficava do lado direito do castelo. No entanto, ainda que tivesse existido antigamente uma entrada, agora desaparecera! O castelo desmoronara-se naquele local, havendo montes de pedras quebradas por toda a parte, impossíveis de remover. Os jovens cedo desistiram de procurar. - Bolas! - Disse o David. - Detesto pensar que o Júlio e a Zé estão prisioneiros lá em baixo e nós não podemos ajudá-los! Ana, não te lembras de nada que possamos fazer? - David! Acho... acho que podemos descer pelo poço, não podemos? - perguntou ela. Há uma abertura na parede do poço que dá para os subterrâneos. Não te lembras de que conseguimos lá enfiar a cabeça e olhar cá para cima? Não podemos descer para além daquela pedra que está atravessada no poço? David analisou essa possibilidade. Dirigiu-se para o poço e olhou para baixo. - Acho que tens razão, Ana, - concordou, por fim. - Talvez seja possível passarmos pelo espaço entre a pedra e a parede do poço. Não sei até onde chega a escada de ferro. - David, vamos tentar, - disse a Ana. - É a nossa única oportunidade de os salvarmos! - Está bem, - retorquiu o David. - Eu tento, mas tu não. Não quero que caias naquele poço. A escada pode estar partida a meio do caminho, pode acontecer qualquer coisa. Ficas aqui em cima e eu vejo o que posso fazer. - Tem cuidado, está bem? - disse a Ana, ansiosamente. - Leva uma corda. Se precisares dela, não terás de subir para a vir buscar. - Boa ideia, - disse o David. Foi ao pequeno quarto de pedra e agarrou numa corda que tinham guardado. Enrolou-a à volta da cintura. Depois regressou para junto da Ana. - Cá vou eu! - disse ele, num tom de voz alegre. - Não te preocupes. Correrá tudo bem. A Ana estava um bocado pálida. Tinha muito medo de que o David caísse para o fundo do poço. Viu-o descer pela escada de ferro até à laje de pedra. Tentou esgueirar-se pelo espaço existente, mas era muito difícil. Por fim, conseguiu. Depois disso, a Ana deixou de o ver. Mas conseguia ouvi-lo, pois continuava a falar com ela. - A escada continua firme, Ana! Estou bem. Consegues ouvir-me? - Sim, - gritou a Ana para dentro do poço, ouvindo a sua voz ecoar profundamente. Tem cuidado, David. Só espero que a escada chegue até aos subterrâneos. - Acho que chega! - respondeu o David, gritando. Depois, exclamou: - Bolas! Aqui está partida. Ou então termina aqui. Terei de usar a corda.
Houve um silêncio enquanto o David desenrolava a corda da cintura. Atou-a firmemente ao penúltimo varão de ferro da escada, que parecia bastante forte. - Vou descer pela corda! - Gritou para a Ana. - Não te preocupes. Estou bem. Cá vou eu! A Ana já não conseguiu perceber o que David disse a partir de então, porque o poço distorcia as palavras e tornava-as completamente incompreensíveis. Mas ainda bem que continuava a ouvi-lo gritar, mesmo sem saber o que dizia. Ela gritava também, esperando que ele conseguisse ouvi-la. O David desceu pela corda, agarrando-se com as mãos, os joelhos e os pés, satisfeito por ser tão bom em ginástica na escola. Pensou se estaria perto dos subterrâneos. Parecia que tinha descido demais. Conseguiu pegar na lanterna. Depois de acesa, colocou-a entre os dentes, para ficar com as mãos livres para se segurar na corda. A luz da lanterna mostrava-lhe as paredes do poço. Mas não conseguia perceber se estava acima ou abaixo dos subterrâneos. Não queria ir até ao fundo do poço! Concluiu que já devia ter passado pela abertura que dava para os subterrâneos. Voltou a subir um pouco pela corda e verificou que tinha razão. A abertura estava mesmo por cima da sua cabeça. Subiu até ficar ao mesmo nível e depois deu um impulso para o lado do poço onde estava a pequena abertura. Conseguiu agarrarse ao rebordo de tijolo e tentou enfiar-se pela abertura para entrar nos subterrâneos. Era difícil, mas conseguiu entrar, por fim, e pôs-se de pé com um suspiro de alívio. Estava nos subterrâneos! Podia agora seguir as marcas de giz até ao local onde estavam os lingotes e tinha a certeza de que era também aí que estavam aprisionados a Zé e o Júlio! Apontou a lanterna para a parede. Sim, ali estavam as marcas de giz. Óptimo! Enfiou a cabeça na abertura do poço e gritou com toda a força: - Ana! Estou nos subterrâneos! Fica de vigia para ver se os homens voltam! Começou a seguir as marcas brancas de giz, com o coração a bater aceleradamente. Pouco tempo depois, chegou à porta onde o ouro estava guardado. Como esperava, encontrava-se fechada para que a Zé e o Júlio não pudessem sair. Os grandes ferrolhos da porta tinham sido corridos tanto em cima como em baixo, tornando impossível abri-la pelo lado de dentro. Os jovens haviam tentado tudo para a arrombar, mas sem resultado. Estavam sentados lá dentro, sentindo-se furiosos e exaustos. O homem trouxera-lhes comida e bebida, mas eles não lhe tinham tocado. O Tim estava junto deles, deitado com a cabeça sobre as patas, um pouco zangado com a Zé por esta não o ter deixado atirar-se aos homens. Mas a Zé tinha a certeza de que eles dariam um tiro no cão se ele tentasse morder-lhes. - Felizmente que eles perceberam que não deviam vir cá abaixo - disse a Zé. - Com certeza repararam que havia qualquer coisa estranha naquele bilhete, quando viram que assinei Maria José, em vez de Zé. Que estarão eles a fazer? Devem ter-se escondido. O Tim, de repente, rosnou. Pôs-se de pé e aproximou-se da porta, com a cabeça inclinada. Ouvira qualquer coisa, disso não havia dúvida. - Espero que não sejam aqueles homens outra vez, - disse a Zé. Depois, à luz da lanterna, olhou para o Tim, surpreendida. Estava a abanar a cauda! Uma grande pancada na porta fê-los dar um salto! Depois ouviram a voz alegre do David: - Júlio! Zé! Estão aí! Uauf! Ladrou o Tim alegremente, arranhando a porta. - David! Abre a porta! - gritou o Júlio. - Depressa, abre a porta!
16 - UM PLANO ARRISCADO
David puxou os ferrolhos de cima e de baixo e abriu a porta. Entrou a correr e deu alegremente palmadas nas costas da Zé e do Júlio. - Então, como se sentem por estarem salvos? - perguntou. - Muito bem! - exclamou o Júlio. O Tim ladrava desenfreadamente em volta deles. A Zé sorriu para o David. - Bom trabalho! - disse ela. - Que aconteceu? O David contou em poucas palavras tudo o que acontecera. Quando disse como descera pelo velho poço, a Zé e o Júlio mal conseguiam acreditar no que ouviam. O Júlio pôs o braço em cima dos ombros do seu irmão mais novo. - És formidável! - disse-lhe. - Realmente formidável! Agora temos de decidir rapidamente o que vamos fazer. - Bem, se eles nos deixaram o nosso barco, vamos para casa o mais depressa possível, - disse a Zé. - Não quero brincadeiras com estes homens que andam sempre de revólver na mão. Vamos! Subimos pelo poço e vamos para o barco. Correram para o poço e esgueiraram-se pela pequena abertura um de cada vez. Subiram pela corda e depressa alcançaram a escada de ferro. O Júlio decidiu que deviam subir um de cada vez, pois a escada poderia não aguentar o peso dos três ao mesmo tempo. Não levaram muito tempo a chegar ao ar livre. Deram abraços à Ana e ouviram-na dizer, com as lágrimas nos olhos, como estava feliz por voltar a vê-los. - Vamos! - disse a Zé, passado um instante. - Depressa para o barco! Aqueles homens podem voltar a qualquer momento. Correram para a baía. Lá estava o barco deles, exactamente onde o tinham deixado, fora do alcance das ondas. Mas tiveram uma desagradável surpresa! - Levaram os remos! - disse a Zé, desalentada. - Que animais! Fizeram isto para não usarmos o barco. Estavam com medo que o David e a Ana fugissem. Em vez de levarem o barco, limitaram-se a tirar os remos. Agora, não podemos sair daqui. Era um grande desapontamento. Os jovens estavam quase a chorar. Após a maravilhosa acção de salvamento do David, parecia que tudo corria bem, e, de repente, a situação ficara novamente muito complicada. - Temos de pensar como havemos de resolver isto, - disse o Júlio, sentando-se num local donde podia ver algum barco que aparecesse. - Os homens foram-se embora, provavelmente para arranjarem um navio onde possam carregar os lingotes e fugir. Não voltarão tão cedo, acho eu, porque não se pode contratar um navio de um momento para o outro, a não ser, é claro, que tenham um que lhes pertença. - Entretanto, não podemos sair da ilha para obter ajuda porque eles levaram os nossos remos, - disse a Zé. - Nem sequer podemos fazer sinais para um barco de pesca, porque agora não anda nenhum no mar. A maré não está de feição. Parece que não podemos fazer nada senão esperar aqui pacientemente até que os homens voltem e levem o meu ouro! E não podemos detê-los. - Olhem, estou a imaginar um plano que talvez dê resultado, - disse o Júlio. - Esperem, não me interrompam. Estou a pensar. Esperaram em silêncio, enquanto o Júlio, de testa franzida, engendrava o seu plano. Finalmente, olhou para eles e sorriu. - Acho que vai dar resultado, - afirmou. - Ouçam! Esperamos aqui com paciência até que os homens voltem. Que irão eles fazer! Afastarão as pedras da entrada dos subterrâneos e descerão pelas escadas. Seguirão para o sítio onde nos deixaram, pensando que ainda lá estamos, e entrarão no compartimento. E se um de nós estivesse escondido lá em baixo pronto para os fechar no compartimento? Depois, poderíamos ir em busca de socorro no barco a motor deles ou, se trouxessem os remos, no nosso barco. A Ana achou que era uma ideia maravilhosa. Mas o David e a Zé não estavam muito convencidos. - Teríamos de descer aos subterrâneos e fechar a porta de maneira a parecer que ainda lá estamos aprisionados, - disse a Zé. - E supõe que quem for lá esconder-se não consegue fechar os homens no compartimento. Pode ser muito difícil fazer
isso com a rapidez necessária. Então, eles apanhariam quem estivesse lá e viriam para cima à procura dos outros. - É verdade, - disse o Júlio, com ar pensativo. - Bem, suponhamos que o David, ou quem for lá para baixo, não consegue fechar a porta e fazê-los prisioneiros, e que os homens voltam para cima. Muito bem, enquanto eles estiverem lá em baixo, poremos grandes pedras sobre a entrada, tal como eles fizeram. Assim, não conseguirão sair. - E o David fica lá em baixo? - disse imediatamente a Ana. - Eu podia subir outra vez pelo poço, - afirmou o David. - Irei esconder-me lá em baixo. Farei o possível para fechar os homens no compartimento. E se tiver de fugir, subirei pelo poço. - Os homens não conhecem essa saída. Por isso, mesmo que fiquem prisioneiros no compartimento, ficarão prisioneiros nos subterrâneos! Os jovens reviram o plano e decidiram que era o melhor que conseguiam arranjar. Então, a Zé disse que seria uma boa ideia comerem qualquer coisa. Agora que a excitação dos últimos acontecimentos se desvanecera, sentiam-se todos cheios de fome! Foram buscar alguns alimentos ao pequeno quarto de pedra e comeram junto da baía, à espera que os homens regressassem. Passadas cerca de duas horas, viram um grande barco de pesca aparecer ao longe e ouviram também o ruído de um barco a motor. - Aí vêm eles! - disse o Júlio, levantando-se de um salto. - Aquele é o barco onde tencionam carregar os lingotes, para depois fugirem. E eles vêm no barco a motor! Depressa, David, desce pelo poço e esconde-te até os ouvires nos subterrâneos! David partiu a correr. O Júlio virou-se para os outros e disse: - Temos de nos esconder. Agora que a maré está vazia, vamos esconder-nos ali, atrás daquelas rochas. Acho que os homens não irão à procura do David e da Ana, mas nunca se sabe. Vamos! Depressa! Esconderam-se atrás das rochas e ouviram o barco a motor entrar no pequeno porto. Começaram também a ouvir homens a chamar uns pelos outros. Parecia que desta vez eram mais do que dois. Depois, os homens deixaram a baía e subiram pelos recifes em direcção ao castelo em ruínas. O Júlio rastejou por trás das rochas e espreitou para ver o que os homens estavam a fazer. Tinha a certeza de que arrastavam as lajes de pedra que haviam amontoado sobre a entrada dos subterrâneos, para evitar que o David e a Ana fossem salvar os companheiros. - Zé! Vamos! - disse o Júlio em voz baixa. - Acho que os homens já desceram para os subterrâneos. Temos de pôr aquelas pedras outra vez onde estavam. Depressa! A Zé, o Júlio e a Ana correram silenciosamente para o velho pátio do castelo. Viram que as pedras tinham sido afastadas da entrada dos subterrâneos. Os homens tinham desaparecido. Era evidente que haviam descido pelas escadas. Os três jovens fizeram os possíveis para arrastar as pesadas lajes e tapar a entrada. Mas tinham menos força do que os homens e não conseguiram mover as pedras maiores. Então deslocaram três mais pequenas. O Júlio esperava que os homens tivessem grande dificuldade em removê-las de baixo para cima. - Se ao menos o David conseguir fechá-los naquele compartimento! - disse para os outros. - Vamos outra vez para o poço. O David tem de sair por lá, porque é impossível usar a entrada. Todos se encaminharam para o poço. O David retirara a velha tampa de madeira, que se encontrava no chão. Os jovens espreitaram para dentro do poço e esperaram ansiosamente. Que estaria o David a fazer? Não conseguiam ouvir nada e queriam saber o que estava a acontecer. E muitas coisas tinham acontecido lá em baixo! Os dois homens, acompanhados por um terceiro, haviam descido para os subterrâneos, esperando, é claro, encontrar o Júlio, a Zé e o cão ainda fechados no compartimento dos lingotes. Passaram pelo
poço sem desconfiar que um rapazinho estava ali escondido, pronto para saltar pela abertura. David ouviu-os passar. Esgueirou-se pela abertura do poço e foi atrás deles, sem fazer o mínimo ruído. Conseguia ver os clarões das potentes lanternas dos homens. Com o coração a bater fortemente, seguiu pelos velhos corredores, entre grutas enormes, até que os homens viraram para a passagem onde ficava o compartimento dos lingotes. - Chegámos, - disse um dos homens, apontando a lanterna para a enorme porta. - O ouro está ali dentro! E os miúdos também estão! Os homens abriram os ferrolhos da porta em cima e em baixo. Ainda bem que o David lá voltara para os correr antes de os homens voltarem, senão eles perceberiam que o Júlio e a Zé tinham fugido e ficariam desconfiados. O homem abriu a porta e entrou. O segundo homem seguiu atrás dele. David aproximou-se o mais possível, à espera que o terceiro homem entrasse. Então, fecharia a porta e correria os ferrolhos! O primeiro homem fez incidir a luz da lanterna em redor do compartimento e soltou uma exclamação de surpresa: - Os miúdos desapareceram! Que estranho! Onde estarão? Dois dos homens estavam dentro do compartimento, e o terceiro entrou nesse momento. O David avançou velozmente e fechou a porta. Fez um estrondo que ecoou por todos os subterrâneos. Enquanto tentava correr os ferrolhos, as suas mãos tremiam. Era difícil para o rapaz correr aqueles ferrolhos perros e enferrujados. Entretanto, os homens não ficaram parados! Logo que ouviram a porta fechar-se, deram meia volta. O terceiro homem encostou imediatamente o ombro à porta e empurrou com força. O David quase conseguira correr um dos ferrolhos. Depois, os três homens empurraram a porta ao mesmo tempo, e o ferrolho cedeu! David ficou horrorizado. A porta estava a abrir-se! Deu meia volta e fugiu pelo corredor escuro. Os homens apontaram as lanternas e viram-no. Foram atrás dele a toda a velocidade. O David escapou-se para o poço. Felizmente, a abertura era do lado oposto, e conseguiu esgueirar-se lá para dentro sem ser visto à luz das lanternas. Mal acabara de entrar para dentro do poço quando os três homens apareceram a correr. Nenhum deles imaginou que o fugitivo estava escondido no poço por onde acabavam de passar. Na verdade, os homens nem sabiam que existia ali um poço. A tremer da cabeça aos pés, David começou a subir pela corda que deixara suspensa no varão da escada de ferro. Desatou a corda quando chegou à escada, pois pensou que os homens podiam descobrir o velho poço e tentar subir por ali mais tarde. Não o poderiam fazer sem a corda. O rapaz trepou rapidamente pela escada e chegou à laje de pedra que se encontrava perto do cimo. Os outros jovens estavam ali à espera dele. Perceberam logo pela cara do David que este não conseguira fazer o que tinham planeado. Puxaram-no rapidamente para fora do poço. - Nada feito, - disse o David, ofegante. - Não consegui. Eles empurraram a porta antes de eu correr os ferrolhos e vieram atrás de mim. Fugi para o poço mesmo a tempo. - Agora estão a tentar sair pelo sítio que tapámos com pedras! - gritou a Ana, de repente. - Depressa! Que havemos de fazer? Vão apanhar-nos! - Para o barco! - Gritou o Júlio, pegando na mão da Ana para a ajudar a correr. Vamos! É a nossa única saída. Os homens talvez consigam afastar aquelas pedras. Os quatro jovens desataram a correr pelo pátio. A Zé entrou rapidamente no pequeno quarto de pedra, quando por lá passaram, e foi buscar o machado. O David não percebeu para que serviria o machado. O Tim corria ao lado deles, a ladrar desenfreadamente. Chegaram à baía. O barco deles continuava sem remos. O barco a motor também estava ali. A Zé saltou lá para dentro e deu um grito de satisfação. - Os nossos remos estão aqui! - gritou a rapariga. - Leva-os Júlio. Tenho de fazer aqui uma coisa! Ponham o barco na água depressa!
O Júlio e o David levaram os remos. Depois, arrastaram o barco para a água, ao mesmo tempo que pensavam no que a Zé estaria a fazer. Um grande barulho de coisas a partirem-se vinha do barco a motor. - Zé! Zé! Despacha-te! Os homens vêm aí! - Gritou o Júlio, de repente. Vira os três homens a correr para os rochedos que davam para a baía. A Zé saltou do barco a motor e foi ter com os outros. Empurraram o barco para a água, e a Zé começou imediatamente a remar com toda a energia. Os três homens correram para o barco a motor. Mas logo se detiveram, com o maior dos desesperos, pois a Zé destruíra o barco por completo! Dera fortes machadadas no motor, e agora o barco não poderia funcionar! Estava tão danificado que os homens não poderiam repará-lo com as ferramentas que tinham. - Malvada rapariga! - berrou o Jake, ameaçando a Zé com o punho erguido. - Espera até eu te apanhar! - Fico à espera, - gritou a Zé, com os seus olhos azuis a brilhar desafiadoramente. - E vocês também podem ficar à espera! Não conseguirão sair da minha ilha!
17 - O FIM DA GRANDE AVENTURA
Os três homens ficaram à beira-mar, vendo a Zé a remar com vigor para a costa. Nada podiam fazer. O barco deles estava completamente inutilizado. - O barco de pesca que eles têm ali à espera é demasiado grande para entrar na enseada, - disse a Zé, continuando a remar com toda a força. - Terão de esperar até que alguém chegue lá outro barco. Devem estar furiosos! Tiveram de passar bastante perto do grande barco de pesca. Quando se aproximaram, um homem gritou-lhes: - Vêm da ilha de Kirrin? - Não respondam, - disse a Zé. - Não digam nada. Os jovens não responderam e olharam noutra direcção como se não tivessem ouvido. - Eh! São surdos? - voltou a gritar o homem, zangado. - Vêm da ilha de Kirrin? Continuaram sem responder e a olhar para o outro lado enquanto a Zé remava com energia. O homem do barco desistiu e olhou para a ilha com ar preocupado. Estava certo de que os jovens tinham vindo de lá e conhecia o suficiente acerca das aventuras dos seus companheiros para temer que alguma coisa não tivesse corrido bem na ilha. - Ele pode usar um bote do navio e ir ver o que aconteceu - disse a Zé. - Bem, não poderá fazer muito, além de levar os homens e alguns lingotes! Mas duvido que se atrevam a tocar no ouro, agora que fugimos para contar o que se passou! O Júlio olhou para trás em direcção ao navio. Passado algum tempo, viu que um pequeno barco estava a ser posto na água. - Tens razão, - disse à Zé. - Estão com medo de que tenha acontecido alguma coisa. Vão buscar os três homens. Que pena! O barco dos jovens chegou a terra. Saltaram para a praia e puxaram-no para a areia. O Tim puxou também pela corda, a abanar a cauda. Gostava de participar em tudo o que os jovens faziam. - Vais levar o Tim ao Alf? - perguntou o David. A Zé abanou a cabeça. - Não, - disse ela. - Não podemos perder tempo. Temos de ir contar tudo o que nos aconteceu. Eu prendo o Tim na cerca do jardim em frente de casa. Dirigiram-se a toda a velocidade para o Casal Kirrin. A tia Clara estava a cuidar do jardim. Olhou surpreendida para os jovens que acabavam de chegar apressadamente. - Ora, - disse ela, - pensava que só voltariam amanhã ou depois. Aconteceu alguma coisa? David, como fizeste essa ferida na cara? - Não tem importância, - disse o David.
Os outros começaram a falar ao mesmo tempo. - Tia Clara, onde está o tio Alberto? Temos uma coisa importante para lhe dizer! - Mãe, tivemos uma aventura extraordinária! - Tia Clara, temos muitas coisas para lhe contar! A tia Clara olhou para os jovens com ar perplexo. - Mas que aconteceu? - perguntou. Depois, voltou-se para a casa e chamou: - Alberto! Alberto! Os miúdos têm qualquer coisa para nos contar! O tio Alberto apareceu, com ar zangado, pois estava a trabalhar. - Que se passa? - perguntou. - Tio, é por causa da ilha de Kirrin, - disse o Júlio, ansiosamente. - Aqueles homens ainda não a compraram, pois não? - Bem, está praticamente vendida, - disse o tio. - Eu já assinei o contrato de venda, e eles devem assinar amanhã. Porquê? Que tens a ver com isso? - Tio, eles não vão assinar amanhã, - disse o Júlio. - Sabe por que razão eles queriam comprar a ilha e o castelo? Não era para construírem um hotel, nem nada parecido, mas sim porque sabiam que o ouro está lá escondido! - Mas que disparate estás tu a dizer? - retorquiu o tio. - Não são disparates, pai! - gritou a Zé, indignada. - É tudo verdade. O mapa do castelo estava naquela caixa que vendeu. E o mapa indicava onde os lingotes foram escondidos pelo tetravô! O pai da Zé parecia perplexo e aborrecido. Não acreditava nada daquilo! No entanto, a tia Clara viu pelos rostos sérios dos jovens que acontecera alguma coisa realmente importante. E a Ana, de repente, desatou a chorar! Passara por uma grande emoção e não suportava a ideia de que o tio não acreditasse que era tudo verdade. - Tia Clara, tia Clara, é tudo verdade! - Disse ela, entre soluços. - É horrível o tio Alberto não acreditar em nós. Tia Clara, o homem tinha um revólver... e prendeu o Júlio e a Zé nos subterrâneos. E o David teve de descer pelo poço para os salvar. E a Zé destruiu o barco a motor dos homens para eles não fugirem! Os tios acharam aquela história sem pés nem cabeça. No entanto, de repente, o tio Alberto pareceu considerar que o assunto era sério e merecia atenção. - Destruíram um barco a motor? - disse ele. - Para quê? Venham para dentro. Quero ouvir essa história do princípio até ao fim. Parece-me uma coisa inacreditável. Entraram todos em casa. A Ana sentou-se ao colo da tia e ouviu a Zé e o Júlio contarem a história. Contaram tudo, sem esquecer nada que fosse importante. A tia Clara começou a ficar pálida enquanto ouvia, especialmente quando disseram que o David tinha descido pelo poço. - Podias ter morrido, - disse ela. - Oh, David! Que coragem! O tio Alberto escutava com o maior dos espantos. Nunca sentira grande simpatia ou admiração por crianças. Pensava que eram barulhentas, cansativas e patetas. No entanto, ao ouvir a história do Júlio, mudou imediatamente de opinião quanto àqueles quatro jovens! - Foram muito espertos, - observou. - E também muito corajosos. Orgulho-me de vocês. Sim, orgulho-me muito de vocês todos. Não admira que não quisesses que eu vendesse a ilha, Zé. Já sabias que estavam lá os lingotes! Mas por que não me disseram! Os quatro jovens olharam para o tio Alberto sem responder. Não podiam simplesmente dizer: "Primeiro, porque não acreditaria em nós. Segundo, porque é muito mal-humorado e injusto, e temos medo de si. Terceiro, porque não confiávamos que agisse da melhor maneira.” - Por que não respondem? - perguntou o tio. A tia Clara respondeu por eles, num tom de voz suave. - Alberto, bem sabes que assustas os miúdos. Por isso, não iriam ter contigo. Mas agora que já contaram tudo, poderás tomar conta do assunto. Eles não podem fazer mais nada. Deves telefonar para a Polícia e ouvir o que eles têm a dizer acerca de tudo isto.
- Está bem, - disse o tio Alberto, levantando-se de imediato. Deu uma palmadinha nas costas do Júlio. - Todos agiram muito bem, - acrescentou. Depois, fez uma festa no cabelo encaracolado da Zé. - E também me orgulho de ti, Zé! - Oh, pai! - Exclamou a Zé, corando de surpresa e satisfação. Sorriu para o pai, que lhe correspondeu com outro sorriso. Os jovens repararam que ele tinha uma expressão muito simpática quando sorria. Ele e a Zé eram muito parecidos. Ambos tinham um ar desagradável e franziam a testa quando estavam zangados, mas eram ambos simpáticos quando riam ou sorriam! O pai da Zé foi telefonar para a Polícia e também para o seu advogado. Os jovens sentaram-se e comeram biscoitos e ameixas, contando à tia uma série de pormenores da aventura. Estavam muito bem ali sentados quando ouviram ladrar no jardim.
- É o Tim, - disse a Zé, lançando à mãe um olhar ansioso. - Não tive tempo de o levar ao Alf, que toma conta dele. Mãe, o Tim foi uma companhia tão boa na ilha. Desculpe ele estar a ladrar mas acho que tem fome. - Bem, vai buscá-lo, - disse a mãe, inesperadamente. - Ele também é um herói. Temos de lhe dar um bom jantar.
A Zé sorriu, encantada. Saiu a correr e foi ter com o Tim. Desprendeu-o e ele entrou dentro de casa a abanar a cauda. Dirigiu-se à mãe da Zé e deu-lhe uma lambidela. - Olá, Tim, - disse a tia Clara, fazendo-lhe uma festa. - Vou arranjar-te um belo jantar. O Tim foi com ela para a cozinha. O Júlio sorriu para a Zé e disse: - Estás a ver? A tua mãe é amorosa, não é? - É, mas não sei o que dirá o pai quando vir o Tim outra vez cá em casa, - respondeu a Zé, com ar preocupado. O pai voltou naquele momento, com uma expressão grave no rosto. - A Polícia levou este assunto muito a sério, - disse ele. - E o meu advogado também. Acharam que vocês foram muito espertos e corajosos. Zé, o advogado diz que os lingotes nos pertencem. São muitos? - Pai! São centenas! - Exclamou a Zé. - Estão amontoados nos subterrâneos. Oh, pai, vamos ficar ricos? - Sim, vamos, - disse o pai. - Suficientemente ricos para eu te dar a ti e à tua mãe tudo o que durante muitos anos vos quis dar mas nunca pude. Trabalhei muito a pensar em vocês, mas com o meu trabalho não ganho muito dinheiro, por isso tornei-me irritável e mal-humorado. Mas, agora, terão aquilo que desejarem. - Não quero nada que não tenha já, - disse a Zé. - Mas há uma coisa, pai, que desejava mais que tudo no mundo, e não custa um tostão. - Então, irás tê-la, minha querida, - garantiu o pai, pondo o braço sobre os ombros da Zé, para grande surpresa desta. - Diz o que é. Mesmo que custe muito dinheiro, será tua. Nesse preciso momento, ouviu-se um ruído de patas no corredor. Uma cabeça enorme e felpuda espreitou pela porta e olhou para as pessoas que estavam na sala. Claro que era o Tim! O tio Alberto fitou o cão com ar de grande surpresa. - Não é o Tim? - perguntou. - Olá, Tim! - Pai! O Tim é o que mais desejo no mundo, - disse a Zé. - Não imagina como ele foi nosso amigo na ilha. Até queria atirar-se àqueles homens e lutar com eles. Oh, pai, não quero mais nenhum presente. Só quero ficar com o Tim aqui em casa. Agora já podemos comprar um canil para ele dormir. E farei tudo para que ele não o incomode, prometo. - É claro que podes ficar com ele, - disse-lhe o pai. O Tim entrou imediatamente na sala, a abanar a cauda, olhando para todos como se percebesse o que tinham acabado de dizer. Chegou até a dar uma lambidela na mão do tio Alberto! A Ana pensou que o cão era realmente muito corajoso! No entanto, o tio Alberto mostrava-se agora muito diferente. Parecia que um grande peso lhe saíra dos ombros. Estavam ricos. A Zé poderia ir para uma boa escola, a tia Clara poderia ter tudo o que ele tanto desejara oferecer-lhe, e ele poderia continuar a fazer o trabalho de que gostava, sem a preocupação de não estar a ganhar o dinheiro suficiente para que a sua família vivesse confortavelmente. Por isso, sorria para todos, com o ar mais feliz do mundo! A Zé estava radiante por ficar com o Tim. Deu um abraço ao pai, uma coisa que há muito tempo não fazia. Ele ficou surpreendido, mas bastante satisfeito. - Muito bem, muito bem, - disse ele. - Isto é tudo muito agradável. - Escutem... Será já a Polícia? Era verdade. Os polícias entraram e trocaram algumas palavras com o tio Alberto. Um deles ficou para escrever a história dos rapazes no seu bloco de notas e os outros foram buscar um barco para se dirigirem à ilha. Os homens já tinham fugido! O companheiro que estava no barco de pesca fora lá buscá-los, e agora tinham desaparecido todos. O barco a motor continuava na praia, praticamente inutilizado. O inspector observou-o, sorrindo. - Não é uma valente rapariga, essa menina Maria José? - Disse ele. - Fez um belo trabalho. Ninguém poderia sair daqui neste barco. Temos de o rebocar para o porto. A Polícia trouxe alguns dos lingotes de ouro para mostrar ao tio Alberto. Tinham selado a porta do compartimento subterrâneo para que ninguém lá entrasse até que o
tio dos jovens fosse buscar o ouro. Tudo estava a ser feito da melhor maneira, embora demasiado lentamente na opinião dos jovens! Desejariam que os homens fossem apanhados e presos, e que a Polícia trouxesse imediatamente todo o ouro! Os jovens estavam muito cansados nessa noite e não se opuseram quando a tia disse que tinham de se deitar cedo. Vestiram pijamas e os rapazes foram jantar no quarto das raparigas. O Tim estava lá, pronto a saborear qualquer migalha que caísse. - Foi uma aventura fantástica, - disse o Júlio, ensonado. - É pena que tenha chegado ao fim, apesar de alguns momentos de que não gostei nada, especialmente quando eu e tu, Zé, ficámos prisioneiros naquele subterrâneo. Isso foi horrível. A Zé estava com um ar muito feliz, enquanto comia os seus biscoitos. Sorriu para o Júlio. - E pensar que detestei a ideia de vocês virem cá para casa! - Disse ela. - Tencionava ser o mais antipática possível! Queria fazer tudo para que se fossem embora! E agora a única coisa que me entristece é saber que irão embora quando as férias acabarem. Depois de ter feito três amigos e de termos passado por uma aventura como esta, ficarei outra vez sozinha. Dantes nunca me sentia sozinha, mas agora vocês vão fazer-me muita falta. - Tens uma maneira de nunca mais te sentires sozinha, - disse a Ana, de repente. - Qual é? - perguntou a Zé, surpreendida. - Podes ir para o mesmo colégio interno que eu, - sugeriu a Ana. - Gosto muito de lá estar. E deixam-nos levar os nossos animais de estimação. Por isso, o Tim também pode ir! - A sério? - Disse a Zé, radiante. - Bem, então vou. Sempre disse que não ia, mas agora vejo que é muito melhor ter companhia do que estar sempre sozinha. E se posso levar o Tim, então é maravilhoso! - É melhor irem agora para o vosso quarto, meninos, - disse a tia Clara, aparecendo à porta. - Olhem para o David, a cair de sono! Bem, acho que todos vão ter sonhos agradáveis, pois viveram uma aventura de que se podem orgulhar. Zé, o Tim está debaixo da tua cama? - Ah... pois está, mãe, - disse a Zé, fingindo-se surpreendida. - Tim, o que estás aí a fazer? O Tim saiu de baixo da cama e aproximou-se da mãe da Zé. Deitou-se no chão à frente dela e fitou-a com os seus olhos castanhos e meigos, como se pedisse para ali ficar. - Queres dormir no quarto das raparigas esta noite? - perguntou a mãe da Zé, soltando uma gargalhada. - Está bem, mas só desta vez! - Mãe! - gritou a Zé, muito contente. - Obrigada, obrigada, obrigada! Como adivinhou que eu não queria separar-me do Tim esta noite? Oh, mãe! Tim, podes dormir ali no tapete. Os quatro jovens sentiam-se felizes quando se deitaram. Aquela aventura extraordinária acabara bem! Ainda tinham muito tempo de férias à sua frente, e agora que o tio Alberto deixara de ser pobre, dar-lhes-ia aquilo que desejavam. A Zé ia para o colégio com a Ana e ficara outra vez com o Tim. A ilha e o castelo continuavam a pertencer à Zé. Era tudo maravilhoso! - Zé, estou muito contente por a ilha de Kirrin não ter sido vendida, - disse a Ana, sonolenta. - Estou muito contente por ainda ser tua. - A ilha pertence também a outras três pessoas, - disse a Zé. - Pertence a mim e a ti, ao Júlio e ao David. Compreendi que é muito mais divertido partilhar o que temos. Por isso, amanhã vou fazer um contrato, ou qualquer coisa parecida, dizendo que vos dou uma quarta parte da ilha a cada um. A ilha e o castelo de Kirrin pertencerão a nós os quatro! - Oh, Zé! Que bom! - Disse a Ana, encantada. - Os meus irmãos vão ficar muito contentes! Sinto-me tão... Mas, antes de terminar a frase, a rapariga adormeceu. E a Zé também. No outro quarto, os rapazes já estavam a dormir sonhando com lingotes, subterrâneos e
aventuras. Só o Tim estava ainda acordado. Tinha uma orelha levantada e escutava a respiração das raparigas. Logo que percebeu que estavam a dormir, levantou-se do tapete sem fazer barulho e aproximou-se da cama da Zé. Pôs as patas da frente sobre a cama, deu um salto e aninhou-se junto das pernas da Zé. Soltou um suspiro e fechou os olhos. Os quatro jovens podiam estar felizes mas o Tim estava mais do que eles! - Oh, Tim, - murmurou a Zé, quase acordando quando o sentiu junto dela. - Oh, Tim, não devias... mas é tão bom estares ao pé de mim. Tim, vamos ter outras aventuras juntos, os cinco, não vamos? Claro que teriam mais aventuras, mas isso é outra história!
FIM
.--- ..- .-.. .. --- -.-. . … .- .-.